RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 02/2016

Transcrição

1 RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 02/2016 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, pela 1ª Promotoria de Justiça da 2ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de São José dos Pinhais, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com especial fundamento nos artigos 127, caput, e 129, inciso II, ambos da Constituição Federal, artigo 27, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625/93, nos autos de Procedimento Preparatório nº MPPR ; e: CONSIDERANDO que a lei municipal n.º 2322, de 16 de dezembro de 2013, proibiu a utilização/aplicação e fabricação de produtos ou materiais ou tecnologias à base de asbesto ou amianto do tipo crisotila (amianto branco) no município de São José dos Pinhais, sendo que, no seu artigo 10, determinou que as empresas que utilizam/aplicam ou fabricam amianto teriam o prazo máximo de 36 meses para se adaptarem às referidas normas proibitivas; CONSIDERANDO o projeto de lei n.º 721/2016, de 02 de junho de 2016, que prevê alteração do artigo 10 referido para que passe a constar: Art. 10º. As empresas que fabricam e utilizam/aplicam produtos ou materiais e tecnologias à base de asbestos ou amianto do tipo crisotila (amianto branco) terão o prazo máximo de 72 (setenta e dois) meses, para se adaptarem às normas estabelecidas nesta lei. CONSIDERANDO que a justificativa do projeto de lei em questão foi que, em virtude da crise econômica, as empresas não teriam conseguido concluir suas adaptações no sentido de expurgar o amianto dos seus produtos fabricados e que necessita da dilação do prazo para se adequar aos ditames da lei municipal n.º 2322/2013; CONSIDERANDO a preocupação com a aprovação do Projeto de lei em questão, já externada pelas Promotorias de Justiça que atuam em defesa do meio ambiente e da saúde pública em São José dos Pinhais, através do ofício n.º 16/2016, pelo Ministério Público do Trabalho através da Notificação

2 Recomendatória, expedida no Procedimento n.º /8, e pela OAB Subseção de São José dos Pinhais, a qual emitiu Recomendação à Câmara Municipal de São José dos Pinhais para não aprovar o Projeto de Lei n.º 721/2016; CONSIDERANDO que a lei federal n.º 9.055, de 01 de junho de 1995, disciplinou a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificias, de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim; CONSIDERANDO que o Ministério da Saúde, por meio da Portaria n.º 1339, de 1999, relacionou a exposição ao amianto em local de trabalho aos diagnósticos de neoplasias malignas em diversos órgãos, mesoteliomas, de placas epicárdicas ou pericárdicas, derrame pleural e placas pleurais. CONSIDERANDO que há muitos anos a discussão sobre a proibição da fabricação, aplicação e utilização do amianto ocupa os cenários legislativos e da área da saúde, pois comprovados seus malefícios à saúde, sendo substância sabidamente cancerígena; CONSIDERANDO que o próprio Supremo Tribunal Federal realizou audiência pública, no ano de 2012, quando do julgamento da ADI 3937, para as discussões sobre o amianto, cujas conclusões consubstanciaram na necessidade de banimento do amianto e das inúmeras alternativas de substituição da matéria-prima, o que não impediria as atividades das empresas; CONSIDERANDO que a lei n.º /12 de Curitiba proibiu a venda e o uso de produtos que contenham amianto e entrou em vigor no dia 07 de dezembro de 2015, sendo que previu o descarte de resíduos e entulhos provenientes de obras e reformas que contenham amianto em aterros industriais para lixos perigosos e a substituição total dos produtos e artefatos produzidos com amianto; CONSIDERANDO que, segundo o Observatório do Amianto, o Brasil é o terceiro maior produtor e o segundo maior exportador de amianto do mundo, sendo que, em 2014, o país ficou atrás apenas da Rússia e da China, com a produção de 250 mil toneladas;

3 CONSIDERANDO o Projeto de Lei n.º 655/2015 em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná para proibir a comercialização no Paraná do amianto, cujo regime de urgência para votação foi aprovado no dia 20 de junho de 2016, sendo que os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco e Minas Gerais já aboliram o amianto; CONSIDERANDO a matéria publicada pela força sindical sobre a votação de regime de urgência para projeto que bane amianto no Estado do Paraná, na data de ontem, e especialmente a declaração do Presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), Herbert Fruehaf, também vítima do mineral cancerígeno e ex-funcionário justamente da empresa Multilit de São José dos Pinhais; CONSIDERANDO que o Prefeito Municipal, como agente político, deve observância aos princípios fundamentais da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal, quando pratica atos administrativos no exercício de seu mandato; CONSIDERANDO que, dentre os princípios fundamentais da Administração Pública, destaca-se, sobre a pretendida alteração legislativa sobre o amianto, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular que deve nortear todos os atos administrativos; CONSIDERANDO que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular poderá ser afrontado pela sanção do projeto de lei que ora se propõe, diante da preterição do direito à saúde de um número indeterminado de pessoas e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em prol do interesse comercial da empresa Multilit; CONSIDERANDO ainda que a sanção do Projeto de lei em questão pode representar um retrocesso social, pois vai de encontro ao movimento da sociedade civil, e especialmente do Poder Legislativo do Estado do Paraná, para o banimento do amianto do Estado do Paraná;

4 CONSIDERANDO que a preservação dos empregos na referida empresa não serve de justificativa para aprovação de uma legislação extremamente prejudicial a toda uma coletividade, já que há outras fibras alternativas ao amianto, sendo que as empresas já deveriam estar preparadas para tais medidas há tempos e, ainda, a empresa Multilit teve três anos para se adequar à legislação; CONSIDERANDO que outras empresas já realizaram acordo com o Ministério Público do Trabalho, por exemplo, a empresa Isdralit Indústria e Comércio Ltda, a qual possui três máquinas que produzem amianto, comprometendo-se a substituir duas delas para a produção de telhas alternativas até 31 de dezembro de 2016, e a terceira, até 01 de junho de 2017; CONSIDERANDO que a única empresa interessada na aprovação do Projeto de Lei em referência, a empresa Multilit não buscou realizar termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho, ao contrário, ameaça os seus trabalhadores de perder seus empregos e utiliza o Poder Legislativo Local para consumar um retrocesso social no município de São José dos Pinhais; CONSIDERANDO o contido no artigo 127 da Constituição Federal, que dispõe que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis ; CONSIDERANDO o estabelecido nos artigos 129, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná, que atribui ao Ministério Público a função institucional de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia ; CONSIDERANDO o artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, o qual faculta ao Ministério Público expedir recomendação administrativa aos órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, requisitando ao destinatário a adequada e imediata divulgação;

5 CONSIDERANDO o artigo 2º, caput, da Lei Complementar nº 85, de 27 de dezembro de 1999, que antes de elencar funções atribuídas ao Ministério Público, reforça àquelas previstas na Constituição Federal e Estadual e na Lei Orgânica Nacional; Expede a presente RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA ao Prefeito do município de São José dos Pinhais, Sr. Luiz Carlos Setim para que, na ocasião da análise sobre a sanção do Projeto de lei n.º 721/2016, confira à sua decisão e respectivas fundamentações observância estrita aos princípios fundamentais da Administração Pública, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, especialmente ao princípio da impessoalidade e da supremacia do interesse público sobre o privado. Outrossim, considerando a finalidade da presente Recomendação Administrativa, assinala-se o prazo de três dias para resposta, sendo que eventual omissão importará na negativa de acatá-la. São José dos Pinhais, 21 de junho de Ana Paula Pina Gaio Promotora de Justiça