Homilia nas Exéquias do Padre Joaquim Martins - Guetim

Transcrição

1 1. Nada nos poderá separar do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus (Rom 8, 31), proclamava S. Paulo aos cristãos de Roma, fazendo desta afirmação certeza intocável de fé e garantia permanente de serenidade. Se tem sentido afirmar esta convicção diante da comunidade cristã nascente numa cidade como era a de Roma igual sentido tem afirmá-lo hoje e aqui diante de um sacerdote a quem o Senhor chamou ao seu encontro, após uma longa e abençoada caminhada de vida e de ministério sacerdotal. Diante da morte somos convidados, à luz desta palavra, a vencer o medo, a não temer o julgamento da vida e a deixarmo-nos abandonar no coração d Aquele que na encosta da colina, de onde o mar se via, proclamou o belo hino das bem-aventuranças, que o Evangelho agora nos recordou. O sacerdote é, por experiência, diariamente renovada, sujeito, destinatário e mensageiro desta bela mensagem de Jesus dita aos discípulos e por eles à multidão. Jesus subiu à montanha e sentou-se. Aproximaram-se os discípulos e Ele pôs-se a ensiná-los. (Mt 5, 1-2) 1 / 5

2 A morte será, assim, a partir daí, para os discípulos esta porta definitiva da bem-aventurança, que da colina sobranceira ao mar já se antevê, e o seu início pleno está marcado no calendário da vida pela hora do regresso a Deus. 2. A morte foi para o Padre Joaquim Martins Pereira Alves este momento sereno e esperado de uma vida que começou longe no tempo e que não se interrompe aqui. Ele ia pressentindo, desde há algum tempo, que esta hora se aproximava. O tempo não perdoa e a velhice é inclemente, lembrava-me ele quando o visitei, sorrindo com o seu bom humor, como quem aceita o curso da vida com humana naturalidade e fé firme. O Padre Joaquim Martins nasceu aqui bem perto, à sombra da Senhora dos Altos Céus, a 9 de Agosto de 1915.Era filho de Crispim Alves Pereira e Ana de Oliveira Martins. O seu pai partiu para o Brasil era ele e o seu irmão Crispim ainda crianças pequeninas. E daí nunca mais voltou! Ficaram os dois irmãos confiados ao desvelo, ao carinho e à educação de sua mãe, que foi para eles mãe e pai, como tantas das nossas mães também foram! Entrou no Seminário Menor da Congregação dos Missionários do Espírito Santo, em Godim. Prosseguiu os estudos nos Seminários da Congregação, em Fraião e em Viana do Castelo e foi ordenado presbítero na Capela do Seminário Conciliar de Braga, no dia 21 de dezembro de 1940, por D. António Bento Martins Júnior, Arcebispo de Braga. Partiu, no ano seguinte juntamente com seu irmão, também sacerdote espiritano, para Angola onde desenvolveu um intenso trabalho missionário na vanguarda da evangelização, da educação, da cultura e da dotação das Missões e da Igreja local de estruturas necessárias para a vida eclesial. São conhecidos os seus estudos de investigador no âmbito da etnologia e da antropologia e estão publicados alguns dos seus textos, assim como ficará erguida a Catedral de Cabinda, que a ele se deve. 2 / 5

3 Regressou a Portugal em 1963 e em 1979 pediu ao Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que o acolha na Diocese, para poder acompanhar mais de perto a sua mãe, já de idade muito avançada. Foi nomeado de seguida administrador paroquial de Seixezelo e mais tarde de Sermonde. Permaneceu em Sermonde até 1999 e em Seixezelo até De si, caríssimo Padre Joaquim Martins, conservarei sempre, desde a primeira vez que o visitei na sua casa, o testemunho exemplar de quem acolhe, agradece e vive o sacerdócio como dom gratuito do amor eterno de Deus e como serviço missionário àqueles a quem Deus o enviara. Recordarei a fidelidade exigente à oração, o sentido de comunhão e de delicadeza com os seus bispos, e fomos muitos em Angola e em Portugal, e com os seus superiores religiosos da Congregação dos Missionários do Espírito Santo. Em si encontrei um jeito tão amigo, alegre e fraterno de ser irmão dos sacerdotes. Agradeço a sua dedicação à Igreja do Porto e a amizade fraterna ao seu Presbitério que de si fez um de nós. Quem conheceu o Padre Joaquim Martins ou dele se abeirou na vida paroquial, no convívio franco ou na celebração dos sacramentos, jamais o esquecerá. Mas o seu legado de homem e de padre e a sua alegria de servir, vencendo dificuldades e dores, quero confiá-lo a vós, irmãos sacerdotes, neste Ano da Misericórdia, para que continuemos o mesmo ministério do serviço generoso e abençoado como irmãos que somos no Presbitério e discípulos missionários de Jesus que nos envia a servir o seu Povo. Logo na primeira vez que o visitei, o Padre Joaquim Martins convidou-me para a celebrar o seu 3 / 5

4 centenário de nascimento e o seu jubileu de 75 anos da sua ordenação presbiteral na Capela de Nossa Senhora dos Altos Céus. Ali estivemos muitos de nós no passado dia 9 de agosto. Ouvimos testemunhos belíssimos de muitos que conheceram de muito perto a vida e acompanharam o ministério do Padre Joaquim Martins. Pedi-lhe naquela hora que nos desse a sua bênção e ele respondeu-me: Estão aqui dois bispos, é deles que devemos receber a bênção. (Estava connosco o senhor D. João Lavrador). Hoje renovo-lhe, caro Padre Joaquim Martins, o mesmo pedido que lhe fiz, porque sei que a partir do encontro de eternidade com Deus continuará a ser bênção para a sua Congregação religiosa, para a Igreja do Porto e para todos nós. 4. As Leituras de hoje ajudam-nos, iluminam-nos e fortalecem-nos. A Carta de S. Paulo aos Romanos lembra-nos que a esperança não engana, porque se Deus é por nós, quem será contra nós? Ele que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos há-de conceder, com Ele, todos os bens? (Rom. 8, 31 a 39) O Evangelho de S. Mateus fala-nos das bem-aventuranças do Reino e da plenitude da felicidade que se concede aos simples, aos pobres, aos misericordiosos, aos puros de coração, aos justos, aos que usam de mansidão e aos construtores da paz (cf. Mt 5,1-12). A morte de um sacerdote é como o grão de trigo caído à terra, que a seu tempo germinará e dará fruto. É tempo de continuarmos a pedir a Deus que envie trabalhadores para a messe. Façamo-lo com a serenidade e com a insistência de quem sabe que Deus nos ama com amor eterno e de quem acredita que os irmãos sacerdotes que Ele chama continuarão a velar por esta Igreja do Porto. Não esqueçamos também tantos sacerdotes religiosos e missionários naturais da nossa Diocese espalhados pelo mundo da Missão e que aí procuram fazer do anúncio da alegria do Evangelho o desígnio da Diocese do Porto e o dever de todos nós. 4 / 5

5 5. Nesta última fase da vida, difícil e dolorosa ao ver as suas forças fragilizadas e limitado o seu desejo de trabalhar até ao fim, nunca faltou ao Padre Joaquim Martins a dedicação dos seus bispos e dos seus irmãos sacerdotes, a estima dos seus conterrâneos e a gratidão dos seus antigos paroquianos. Obrigado, por isso! Sempre esteve próxima a sua Congregação Religiosa e sempre se sentiu rodeado do carinho e da dedicação de quem já cuidou da sua Mãe e do seu Irmão sacerdote. Bem-Hajam, por este belo testemunho! Que Nossa Senhora, Mãe e Mestra, a Senhora dos Altos Céus, sua vizinha de casa, nos ensine a viver este tempo santo da Quaresma, como tempo habitado pela misericórdia de Deus e tempo abençoado, que da morte faz nascer a certeza da vida e a esperança da Páscoa e da Ressurreição. Igreja matriz de Santo Estêvão de Guetim, 7 de março de 2016 António, Bispo do Porto 5 / 5