Previdência no Brasil: um (modesto) passo adiante nas reformas

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1 Previdência no Brasil: um (modesto) passo adiante nas reformas Paulo Tafner 1 1. Introdução 2. O Sistema de Seguridade brasileiro e a Previdência Social breve descrição 3. Como está a nossa Previdência em números? 4. Elementos conceituais sobre Previdência 5. A Previdência complementar para o setor público 6. Síntese e Conclusões. Setembro de Do Ipea.

2 2 Introdução As duas reformas constitucionais referentes aos sistemas previdenciários brasileiros (EC Nº 20, de 1998 e EC Nº 41, de 2003) abriram algum espaço para ajustamentos. Daí decorrem, entre outras coisas, a implantação do fator previdenciário para aposentadorias do setor privado, com evidentes efeitos positivos sobre os resultados do INSS, o estabelecimento de regras mais restritivas para aposentadorias e pensões no setor público, a constituição de regimes de previdência complementar em diversos estados 2 e, mais recentemente, a possibilidade de criação de regime de previdência complementar para os servidores públicos federais que, prevista desde 2003, foi apresentada ao Congresso Nacional em 2007 e, atualmente, encontra-se em fase preliminar de votação. Nessa mesma direção, o Governo de São Paulo, também apresentou projeto de lei propondo a criação de regime de previdência complementar para os servidores públicos do estado e para servidores municipais que, por convênio aderirem ao Instituto a ser criado. Também o governo do Rio de Janeiro estuda proposta no mesmo sentido. A proposta de criação de um regime de previdência complementar para os servidores públicos da União é mais um passo no longo processo de reforma que não apenas o Brasil, mas o mundo vem experimentando desde o quarto final do século passado. Desde então, os sistemas previdenciários públicos passaram a sofrer pressão por reformas. Essas pressões são reações às dificuldades estruturais que enfrentam por consequência das mudanças ocorridas na economia e na sociedade. As manifestações mais evidentes dessas dificuldades são primariamente expressas em termos de déficits e, em casos mais graves, do tipo que ocorreu recentemente em países europeus, com corte de benefícios e a instituição de regras mais restritivas. Não sendo objeto deste estudo, não há porque fazer um longo relato desse processo de mudanças. Sabe-se, entretanto, que as reformas iniciaram na década de 1970, mas na grande maioria dos casos, o processo de ajustamento se estendeu desde então, chegando até o presente. Apenas como exemplos ilustrativos, podemos citar os casos da Bélgica, que em 1972 eliminou a indexação de benefícios e em 1992 promoveu ajustamentos nas taxas de reposição; da Alemanha, que promoveu uma primeira reforma em 1972, com subsequentes modificações nas décadas de 80 e 90, e novas mudanças no começo dos anos 2000; da França, que fez uma grande reforma em 1983, mas nova rodada de reforma ocorreu recentemente, com elevação das idades de aposentadoria e limitações do benefício de pensão; da Itália que promoveu uma reforma em 1992, visando adiar a data de 2 Atualmente, 15 estados já constituíram seus sistemas de previdência complementar, desde 2003, após a EC 41/2003.

3 aposentadoria dos trabalhadores 3 ; ou do Japão, cuja reforma de 1994 foi motivada fortemente pelo componente demográfico 4. Os casos da Suécia, do Canadá e da Espanha são outros exemplos do processo de reforma. Suécia e Espanha, especialmente, são distintivos também e merecem comentários. A Suécia foi o primeiro país a ter um sistema de cobertura universal desvinculado da ocupação e desde 1920 dispunha de um sistema universalizado. Passou por progressivas reformas em 1935, 1946 e 1976 e, na virada do século XX, empreendeu nova reforma em seu sistema, reduzindo a taxa de reposição e estabelecendo penalidades no caso de aposentadoria antecipadas para as coortes nascidas a partir de A Espanha é caso único ao estabelecer, em 1900, o seguro social obrigatório para trabalhadores do setor público, antes mesmo de trabalhadores da iniciativa privada. Somente em 1919 foi criado o sistema de previdência para trabalhadores com baixa renda. A partir de 1939, o sistema se expande e se universaliza, mas é apenas em 1950 que adquire os contornos formais que o definiram até as reformas mais recentes. A primeira delas ocorre em 1963, ajustando limites de contribuição por categoria profissional, criação de fundos específicos dos planos de previdência e eliminação de limites de renda para participação no sistema. Novas reformas ocorreram em 1977, 1985, mas com o crescimento da participação dos gastos de previdência (11,5% do PIB em 1994) e das transformações demográficas (expectativa de vida passou de 69,9 em 1960 para 76,9 em 1991) foi necessária uma nova reforma em Apesar desse esforço, o seu sistema está fortemente pressionado e novas reformas estão em curso. Outros exemplos poderiam ser citados, como Reino Unido e praticamente todos os países da América Latina, como Chile, em 1981; Peru, em 1993; Colômbia, em 1994; Argentina, 1994; Uruguai, em 1996; Bolívia, em 1997 e, mais recentemente, fazendo uma reforma às avessas, com redução nas idades de aposentadoria; México, em 1997; El Salvador, em 1998; Nicarágua, em 2001 e; Costa Rica, em O Brasil, depois de constitucionalizar e universalizar o seu sistema em 1988, com a Constituição Federal, passou por duas grandes reformas, a primeira em 1998 e a segunda, em Mas por que os sistemas previdenciários estão em xeque? Basicamente por três razões: primeiro porque algumas variáveis que determinam o equilíbrio dos sistemas estão sofrendo alterações que 3 3 Deve-se destacar, no caso da Itália, que já em 1990 apresentava grave desequilíbrio demográfico: o número de crianças por mulher era de apenas 1,3 e a expectativa de vida ao nascer era, respectivamente, 73,6 anos para homens e 80,2 para mulheres. Esses números agravaram-se ainda mais e, em 1995, era respectivamente: 1,18 crianças por mulher; e a expectativa de vida ao nascer: 75,3 para homens e 81,7 para mulheres. Ver a respeito Livi Bacci, O caso do Japão é muito interessante porque o seu sistema de previdência adquiriu o formato vigente (antes da reforma) em 1961 e sobreviveu sem reformas por mais de 30 anos. Nesse mesmo período, as pressões demográficas foram devastadoras: a taxa de fecundidade caiu de 2,8 em 1965 para 1,4 em 1996; a razão de dependência (número de habitantes de 65 anos e mais/número de habitantes com idade entre 20 e 65 anos) saltou de 0,10 em 1940 para 0,24 em O resultado foi que os gastos subiram de 4,9% do PIB em 1961 para 14,1% em 1996 (Ver a respeito Yashiro e Oshio, 1999; Takayama, 1992) 5 Ver Aronsson e Walker 1997 e Wadensjo Para maiores detalhes ver Barea 1995, Fernándes Cordon 1996, Herce, Sosvilla, Castillo e Duce, 1996 e Piñera e Weisntein 1996.

4 caminham no sentido de reduzir o período de contribuição e/ou aumentar o tempo de recebimento de benefícios; segundo, porque essas variáveis são, em sua grande maioria, determinadas fora do sistema de previdência e são, em geral, variáveis de resultado, ou seja, variáveis sobre as quais pouco se pode fazer diretamente, como são os casos da taxa de fecundidade, da idade de entrada no mercado de trabalho ou das novas formas de constituição familiar e; terceiro, porque a estrutura de incentivos dos sistemas previdenciários é rígida 7, o que limita, e algumas vezes praticamente impede, que ajustamentos dos sistemas previdenciários sejam feitos com a velocidade necessária para mitigar os custos decorrentes das mudanças dessas variáveis sócio-econômicas. O Brasil, certamente, não foge a essas regras: a demografia brasileira indica um acentuado processo de envelhecimento de sua população; a estrutura familiar no Brasil está em franco processo de reformulação, com ocorrência crescente de matrimônios denominados intergeracionais 8 ; o tempo de permanência em gozo de benefício comparado ao tempo contributivo vem crescendo continuamente; apesar dos recentes avanços na taxa de formalização das relações de trabalho, mais de 40% da PEA ainda continua na informalidade e; os principais instrumentos regulatórios do sistema previdenciário são regidos por legislação constitucional, o que exige ampla maioria parlamentar para mudanças. Apesar das severas limitações de mudanças de nosso sistema previdenciário, as duas reformas constitucionais, como dito anteriormente, abriram algum espaço para ajustamentos. Trata-se de uma oportunidade de aprimorar nosso sistema, reduzindo os riscos e os custos das gerações sucessoras. O presente trabalho procura analisar, ainda que brevemente, os fundamentos conceituais de um regime de previdência complementar para os servidores públicos federais e a conveniência de sua implantação, tendo como pano de fundo a necessidade de limitar pressões de longo prazo sobre as finanças públicas e a imperiosa necessidade de busca de maior equidade em nosso sistema previdenciário. Na segunda seção, é apresentada uma breve descrição do sistema de seguridade brasileiro, no qual os sistemas previdenciários estão legalmente inseridos. Na terceira seção, são apresentadas informações sobre o desempenho da previdência brasileira, dando ênfase aos montantes de despesas e sua evolução no tempo. A quarta seção traz elementos conceituais sobre a questão previdenciária e o papel e a inserção do estado nessa temática. A quinta seção é dedicada a apresentar alguns elementos conceituais e empíricos sobre a conveniência de criação de um sistema de previdência complementar para servidores públicos federais. O trabalho é encerrado com uma seção de considerações gerais e algumas conclusões. 4 7 A estrutura de incentivos é regulada por leis e, no caso brasileiro, mas não apenas nele, ela é em boa medida a legislação constitucional, fazendo com que mudanças sejam particularmente lentas, quando não inalcançáveis. 8 São considerados casamentos intergeracionais aqueles nos quais a idade de um dos cônjuges é pelo menos 10 anos superior à do outro. Em geral, nesses casos, o homem é o cônjuge mais velho.

5 2 O Sistema de Seguridade brasileiro e a Previdência Social breve descrição A seguridade social brasileira é um conjunto de políticas e ações com o objetivo de amparar o indivíduo (ou a sua família) diante dos riscos sociais (doença, invalidez, morte, idade, desemprego e incapacidade econômica em geral). Dada sua latitude e generalidade, cada país implementou um desenho particular de seguridade. Por isso mesmo, há enorme multiplicidade de arranjos institucionais e operacionais de seguridade social. Apesar da multiplicidade de formas e desenhos, é curioso notar que todos comungam de uma característica comum: são regulados por instrumentos legais específicos que definem as regras para filiação, as condições para obtenção de benefícios, os processos e os mecanismos de certificação e o valor dos benefícios. No caso brasileiro, a Seguridade está consagrada como direito social no Artigo 6º da Constituição Federal de 1988 (CF). Sua definição encontra amparo nos artigos 194 a 204 da CF e compreende um conjunto integrado de ações dos poderes públicos e da sociedade, com o objetivo de assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social, que são seus componentes básicos e, sinteticamente definidos a seguir 9 : o Seguro social (ou previdência social) programa de pagamentos feitos ao indivíduo como compensação da perda de capacidade laborativa, desemprego involuntário, reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. A perda da capacidade laborativa está relacionada à incapacidade, à idade avançada, ao tempo de serviço e à maternidade. As pessoas que recebem este benefício são os segurados e eles contribuem com parte da sua renda 10 para o seguro social (salário contribuição). A existência de um salário de contribuição, com alguma relação entre o valor dos benefícios a receber, caracteriza um vínculo contributivo. o Assistência Social programa de pagamentos em dinheiro, distribuição de bens in natura e de prestação de serviços, distribuídos segundo o critério de necessidade, sem vínculo contributivo. Este programa tem por objetivo prover as necessidades básicas do indivíduo através da proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência. o Saúde conjunto de políticas e ações de natureza médica, sanitária e nutricional com o objetivo de prevenir e curar os problemas do bem-estar físico e mental primeiramente do indivíduo e secundariamente de seus familiares, além de reduzir o risco de doença e de outros agravos. 5 9 Segundo Leite (1992) trata-se de um conjunto de medidas destinadas a atender as necessidades básicas do ser humano, ou nas palavras de Tavares (2006) o mínimo de condição social necessária a uma vida digna, atendendo ao fundamento da República contido no art. 1º, III, da CF (pág. 1). 10 Um empregado paga uma alíquota média de 9,6% sobre o seu salário, limitado ao teto atualmente fixado em R$ 3.691,94, em setembro de O empregador recolhe sobre todo o salário, sem teto, a contribuição correspondente à incidência da alíquota de 20%. Há alguns regimes especiais. Por exemplo, empregados domésticos recolhem 7,65% e o empregador 12%, totalizando 19,65%. Além disso, há também regimes tributários especiais, como o Simples, com alíquotas diferenciadas.

6 Entendido de forma mais ampla, pode também compreender ações voltadas para s saúde pública. Juridicamente o sistema de seguridade brasileiro deve cumprir oito princípios básicos definidos na CF. De forma resumida, são eles: a) Universalidade de cobertura e do atendimento: isso significa que toda e qualquer prestação de serviços do sistema de seguridade deve ser prestado a todos os que deles necessitem. Isso se aplica às prestações de serviços na área de saúde básica (Art. 196) e na área da assistência social (Art. 203). No caso da previdência, por seu caráter de seguro, há controvérsia. Torres (1996), por exemplo, assevera que na prestação de serviços previdenciários não há caráter universal, posto que existe contribuição específica para contraprestação também específica. Tavares (2006), por outro lado, entende que no Brasil o sistema é universal, dado que a filiação é possível ate mesmo de forma facultativa para aqueles que não exerçam atividade laboral. (idem, pg. 3); b) Uniformidade e equivalência dos benefícios: o princípio da uniformidade e equivalência visa eliminar diferenças de tratamento na prestação de serviço ou no valor do benefício, segundo a população urbana ou rural. Isso, no entanto, não impede que algum grau discricionário possa ser feito, de modo à atender melhor às peculiaridades existentes; c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços: contrapondo-se ao princípio da universalidade, aqui a prioridade é assegurar algum grau discricionário de modo a privilegiar e priorizar os mais carentes (Flores da Cunha, 1999); d) Irredutibilidade do valor dos benefícios: esse princípio, previsto nos artigos 7º, 37, 95 e 128 da CF, destina-se a preservar o poder aquisitivo dos benefícios. A irredutibilidade compreende, em princípio, duas dimensões diversas: a irredutibilidade nominal e a irredutibilidade real. A primeira se aplica aos salários em geral, e às remunerações e proventos, além de se aplicar à renda bruta percebida e é, segundo entendimento do Judiciário, corolário do direito de propriedade 11. A segunda alcança o salário mínimo e todos os benefícios a ele vinculados, garantindo-lhe o valor real de compra contra o desgaste em decorrência de inflação; e) Equidade na forma de participação no custeio: o princípio da equidade decorre do princípio de isonomia, consagrado no texto constitucional. Este princípio, no entanto, não implica igualdade de pagamento para todos os contribuintes, mas sim que todos os contribuintes que estejam submetidos à mesma realidade fática, tenham o mesmo tratamento tributário. Isso garante, por exemplo, que trabalhadores tenham, em função de seus salários, alíquotas de contribuição diferentes (art. 20, Lei 6 11 Ver a respeito Recurso Extraordinário , pela 2ª Turma, relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 04/08/2000, pág. 7.

7 8212/91), ou que, micro e pequenas empresas tenham alíquotas previdenciárias inferiores às de grandes empresas (Lei 9317/96). f) Diversidade da base de financiamento: a Constituição consagra o princípio de diversidade de financiamento ao reafirmar modelo de custeio tripartite (trabalhadores, empresas e estado) já existente nas constituições de 1934, de 1946 e de A fonte básica de financiamento da seguridade são as contribuições sociais e recursos dos orçamentos dos entes da Federação. A diversidade de base de financiamento dos benefícios da seguridade torna inespecífico o vínculo entre contribuição e recebimento de benefício. A exceção são as contribuições previdenciárias, que desde a Emenda Constitucional nº 20/98, ficaram estritamente vinculadas ao pagamento de benefícios do Regime Geral de previdência social 12 ; g) Caráter participativo e descentralizado da administração: a Constituição Federal estipula, no artigo 194, parágrafo único, e especifica, no artigo 10º, a previsão de participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais e previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação 13. Dado o caráter de solidariedade geracional, é estranha a ausência de representantes que protejam os interesses dos mais jovens e das crianças e também daqueles que ainda não nasceram; h) Preexistência de custeio em relação ao aumento, extensão e criação de benefícios de seguridade social: esse princípio vem com o propósito de garantir o equilíbrio financeiro do sistema 14. Assim, toda e qualquer previsão de novo benefício ou de ampliação dos já existentes, somente poderia ser feita mediante previsão expressa de arrecadação que lhe desse cobertura arrecadatória. Para o financiamento deste amplo leque de ações do Estado 15, foi estabelecido no artigo 195 que a seguridade social seria financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: a) dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; b) dos trabalhadores; e c) sobre a receita de concursos e prognósticos. Para 7 12 Também a CPMF desde a sua criação teve parte de sua receita vinculada ao pagamento de benefícios previdenciários. As Emendas Constitucionais Nº 22/1998, Nº 31/2000 e Nº37/2002 dispuseram que a arrecadação decorrente do aumento da alíquota da CPMF seria destinada ao custeio da previdência e ao Fundo de combate e erradicação da pobreza. 13 Além da previsão constitucional, há outros dispositivos legais que definem a participação de trabalhadores e de outros segmentos, como a Lei 8213/1991, que instituiu o Conselho Nacional de Previdência Social e a Lei 8742/1993, que criou o Conselho Nacional de Assistência Social. 14 Tavares (2006) afirma que [...] é um dos fundamentos do equilíbrio atuarial do sistema de seguridade. (...) a grande causa da falência do sistema de seguridade foi a criação de benefícios sem a preocupação do equilíbrio orçamentário. (pg. 7). Apesar da ressalva, trata-se, obviamente de um erro conceitual. Num sistema de repartição, os riscos do sistema não estão computados e, portanto, a provisão de receita garante apenas e tão somente (e, no máximo) o equilíbrio financeiro de curto prazo. Se assim não fosse, as reformas por todo o mundo seriam desnecessárias. No caso brasileiro, certamente, a criação de benefícios sem contrapartida de receita agravou ainda mais o desequilíbrio estrutural do sistema. 15 Embora tenha ampliado o contingente de beneficiários, o conceito de seguridade tal como definido na CF 1988 apenas abrigou atividades que já eram atendidas pela Previdência Social na estrutura anterior. Outras atividades que poderiam ser consideradas relevantes como educação, habitação e saneamento foram excluídas dessa definição e receberam outro tratamento, inclusive quanto a seu custeio.

8 tanto, foram criadas contribuições sociais, cujas receitas estão vinculadas ao financiamento da seguridade social 16. Para o subsistema previdenciário foram criadas contribuições específicas aplicadas incidentes diretamente sobre a remuneração ou renda dos trabalhadores e sobre a folha de pagamentos, neste caso, incidente sobre o empregador 17. Apesar de princípio consagrado desde 1965, constando em todas as constituições a partir de então, benefícios previdenciários (e também assistenciais) foram criados e outros expandidos sem o devido provisionamento de receita. Por essa razão, e pelas mudanças demográficas já iniciadas, os gastos do INSS, passaram a ter expressiva expansão. Por ser o principal foco de crescimento das despesas e tendo em vista o tema principal de análise do presente, a subseção seguinte destina-se a avaliar a componente previdenciária. o A Previdência Social A previdência social do Brasil possui quatro sistemas que funcionam sob diferentes modelos de financiamento: o regime geral de previdência social denominado RGPS, que funciona sob regime de repartição simples; os sistema (ou regimes) próprios de previdência dos servidores públicos, que também funcionam sob regime de repartição simples; e dois sistemas de previdência complementar: o fechado, composto por fundos que são estruturados e suportados por empresas e, geralmente, restritos ao conjunto de seus trabalhadores 18, funcionando em diversas modalidades de financiamento; e o regime de previdência aberto, que são fundos operados pelo sistema financeiro e que são abertos a qualquer indivíduo, desde que regularmente ativo no RGPS e que operam, em geral, sob regime de capitalização. Com o intuito de deixar claras algumas definições, no modelo ou sistema de capitalização, o indivíduo recebe de volta o que pagou, acrescido dos rendimentos obtidos em aplicações e descontadas as taxas de administração 19. Já o modelo ou sistema de repartição simples é um sistema de transferências em que os recursos arrecadados em um determinado exercício são utilizados para pagamentos de benefícios durante o mesmo exercício. O regime geral de previdência social (RGPS), assim como os regimes próprios do setor público, funcionam sob o sistema de financiamento de repartição simples. A previdência complementar, por outro lado, é regida pelo sistema de capitalização. Ao prever essa modalidade de financiamento, a CF 16 As Contribuições Sociais que financiam a Seguridade são: COFINS (80% vinculada à Seguridade); Pis/Pasep (60% de seu recurso é destinado ao FAT Fundo de Ampara ao Trabalhador); CPMF (42,1% para a Saúde, 21% para a Previdência e 21,1% para o Fundo de Combate à Pobreza); CSLL (80% para a Seguridade Social). Em todos esses casos, os percentuais indicados referem-se aos valores devidos após aplicação da DR Desvinculação de Receitas da União.. 17 Mas também incluídas entre as contribuições para a Seguridade encontram-se a Contribuições Previdenciárias dos servidores públicos e dos trabalhadores inscritos no Regime Geral de Previdência Social. Neste caso, os recursos são 100% destinados para financiamento de aposentadorias e pensões de, respectivamente, servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada 18 É usual que ex-empregados possam permanecer no plano de previdência da empresa desde que assumam os encargos que são devidos ao empregador. 19 Obviamente que isso não se aplica aos benefícios de risco, pois nesse caso, o(s) beneficiário(s) recebe(m) mais do que foi pago pelo contribuinte. 8

9 acabou por estruturar um sistema híbrido de financiamento previdenciário: para o regime geral e os regimes próprios, estabeleceu-se o regime de repartição; para a previdência complementar, o regime de capitalização em conta individual. O regime geral de previdência social abrange os trabalhadores empregados do setor privado, os trabalhadores autônomos, domésticos, rurais e os segurados facultativos. É administrado pelo INSS e é obrigatório. Conceitualmente, o regime geral é um seguro social estruturado para atender toda a PEA, com exceção dos servidores públicos que dispõem de regimes próprios. Os regimes próprios (RPPs) de previdência dos servidores públicos abrangem o funcionalismo público nos níveis federal, estadual e municipal 20. É administrado pelos respectivos governos e é obrigatório ao funcionalismo público. Deve-se destacar que a existência de regimes próprios para servidores, longe de ser a exceção, é a regra na grande maioria dos países, mesmo em alguns em que houve reforma privatizante 21. No caso brasileiro, o gigantismo desse regime ensejou enormes preocupações e motivou a Reforma de 2003 além de ter sido também objeto de uma primeira de reforma em 1998, tendo em vista seu impacto fiscal. O regime de previdência complementar é optativo e destinado àqueles que querem um benefício complementar ao obtido em algum dos regimes anteriores, embora os benefícios deste programa não estejam vinculados aos da previdência social básica. Apesar desta não vinculação, é requisito legal para adesão ao plano de previdência complementar que o indivíduo esteja vinculado a um dos planos de previdência básicos (RGPS ou RPPs). Este regime de previdência é administrado por fundos de pensão abertos ou fechados e fiscalizado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPS) ou pelo Ministério da Fazenda (MF). A previdência complementar é aberta quando é de caráter individual e é destinada a uma clientela de caráter geral, sem exigências para a adesão ao plano exceto a contratação de um particular plano e pagamento de contribuições. A previdência complementar fechada não é de caráter individual, pois é destinada a pessoas que fazem parte de um determinado grupo, tais como empregados de determinadas empresas, sindicatos etc. Apesar de a adesão ser de caráter não compulsório é bastante frequente a adesão dos trabalhadores aos planos patrocinados pelas empresas às quais estão vinculados, pois representam uma forma barata e relativamente segura de formação de poupança por parte do trabalhador 22. A proposta de constituição de Fundo de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, definida no Projeto de Lei Nº 1992/2007, encaixa-se na modalidade de Previdência complementar e será regida pelos mesmos princípios usuais dessa modalidade de 9 20 Muitos municípios não implantaram seus respectivos regimes próprios. 21 França, Alemanha, Canadá, Bélgica, Suécia, Holanda, Brasil, Uruguai, Peru, Colômbia, México são apenas alguns exemplos de países que contam com regimes próprios para servidores. 22 Apesar de não haver dados específicos sobre a participação desta forma de riqueza para o Brasil, estudos sobre os Estados Unidos mostram que a poupança previdenciária, juntamente com a riqueza imobiliária são as principais formas de poupança das famílias americanas. Ver Poterba (1992), Holtz-Eakin (1994), Zabel (1998), Haughwout (2000), Spilerman (2000), Wolff (2000), Wolf e D ambrosio (2001), Feldstein e Liebman (2002).

10 previdência. Por sua particularidade de ser destinada exclusivamente aos servidores públicos federais e dado que o Regime Próprio de Previdência da União apresenta componente expressivo em termos de déficits com evidente pressão nos gastos públicos, sua análise enseja cuidados e atenção, como será tratada na seção 5 do presente. A próxima seção destina-se a informar ao leitor sobre os números do sistema previdenciário brasileiro. 3 Como está nossa previdência em números? Pelo fato de que a pressão nas contas públicas se dê pelo Regime Geral e pelos Regimes Próprios, é usual e esperado que somente esses dois sistemas sejam mais analisados do que os demais. Aqui não será diferente. Apesar de que os dados disponíveis dos regimes próprios de Estados e Municípios não serem muito seguros, estimativas relativamente confiáveis indicam que os gastos previdenciários, considerados o RGPS e os RPPs da União, Estados e Municípios montam cerca de 11% a 12% do PIB. Vejamos alguns números: Tabela 1: Informações consolidadas sobre a previdência no Brasil 2010 Tipo Indicadores como % do PIB Receita Despesa Déficit RGPS (INSS) 5,8 7,2-1,4 Regimes Próprios -3,5 União 0,3 2,1-1,7 Estados e Munic. 0,2 2,0-1,8 Total 6,4 11,3-4,9 Fonte: STN e MPS. É importante destacar que, enquanto o RGPS atende aproximadamente 24,5 milhões, os regimes próprios atendem, em conjunto, aproximadamente 2,0 milhões de beneficiários. Isso significa que, em média, o benefício pago pelo RGPS é algo entre 1/8 e 1/10 daquele pago pelos regimes próprios. Tem-se argumentado que o desequilíbrio entre receitas e despesas é parecido, só que o desequilíbrio do INSS está associado a mais de 20 milhões de benefícios, e o dos servidores, ao pagamento de apenas 2 milhões de aposentados e pensionistas. Portanto, como muitos argumentam, o nó a ser desatado está, em grande medida, nos regimes próprios. E isso, por dois motivos: o expressivo déficit e a iniquidade frente ao RGPS. Esse último argumento é correto. O mesmo não se pode dizer acerca do primeiro. E isso, por duas razões principais. A primeira é que mudanças das regras de aposentadoria e pensão dos servidores ainda que incompletas já foram feitas em 1998 e em Há um desequilíbrio muito grande atualmente, mas uma vez que o fundo de pensão com teto igual ao do INSS for regulamentado, deixarão de pressionar o sistema na mesma magnitude. Portanto, como afirmam Giambiagi e Tafner (2010), o que há para fazer, no caso, é regulamentar a adoção do fundo de pensão previsto na Emenda Constitucional de

11 A segunda é a distinção entre a situação estática e a dinâmica dos sistemas. E essa mostra um quadro bastante distinto. Enquanto o déficit é relativamente o mesmo revelando problemas de equidade a despesa mostra que o gasto com servidores inativos permanece inalterado desde 1995, enquanto o dispêndio no INSS apresenta uma trajetória crescente em praticamente todo o período (Gráfico 1). Gráfico 1: Despesa com servidores inativos (União) e do INSS como proporção do PIB 8,0 7,0 6,0 5,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0, Fonte: Ministério de Planejamento e Ministério da Previdência Social. Elaboração do autor. Observe que as despesas com os regimes próprios (servidores públicos) são muito elevadas, sobretudo quando se leva em consideração o público atendido. Mas desde 2003 apresentam tendência de estabilidade que deve se repetir nos próximos anos tendo em vista as reformas de 1998 e de O mesmo não se pode dizer da despesa do Regime Geral. Este, desde a Constituição de 1988 (CF-88), praticamente dobrou o montante de gastos. 4 Elementos conceituais sobre a presença do estado em questões previdenciárias O papel do estado nas sociedades é objeto de polêmica e de debates. Se antes da década de 30, cabia aos governos apenas a prestação de serviços, tais como a defesa do território, a justiça e a segurança, com a Grande Depressão econômica da década de 30, e particularmente, a partir do final da Guerra, os governos passaram a intervir mais intensamente na economia. Também passou a fazer parte da obrigação estatal, ações mais diretas para promover a redução de desigualdades (entre indivíduos, regiões, grupos étnicos etc.) 23. Mas se não há consenso sobre quão amplo deve ser o leque de atividades que o estado deve desempenhar, há algum entendimento consonante de que pelo menos quatro funções básicas um estado democrático moderno deve cumprir: a) garantir as bases macroeconômicas para a estabilidade e o crescimento econômico; b) promover e garantir justiça entre os cidadãos; c) criar mecanismos 23 Em 1948 é apresentada a Convenção 102 da OIT definindo Seguridade como um amplo programa de proteção social.

12 institucionais para que a alocação de recursos seja eficiente; e d) garantir equidade de oportunidades e de acesso a bens meritórios. As três últimas funções podem ensejar a participação do estado em ações ligadas à previdência, ainda que muitas vezes, ao promover um objetivo, ele produza distorções imprevisíveis em outro. Para promover e garantir equidade, por exemplo, o estado exerce tarefa redistributiva 24. Ao fazer isso, compromete a eficiência econômica. Como já dito, muitos países implementaram programas especificamente voltados à proteção do trabalhador do risco do desemprego e da perda de capacidade de trabalho. Isso se iniciou a partir do final do século XIX, estendendo-se por todo o século XX. Mas se hoje podemos reconstituir esse processo com bastante acuidade, ainda assim temos muito que explicar em termos das razões que justificam a atuação do estado nesta área, e mais particularmente, em programas de previdência. De programas bastante modestos da metade do século XIX, aos amplos programas de proteção social, há uma distância longa que demanda uma explicação não trivial. As discussões mais modernas sobre o tema recaem sobre o processo de retirada do estado como principal provedor de toda a proteção social. Não apenas devido a seus custos, mas por conta dos impactos negativos sobre mercado de trabalho, das decisões de poupança e das transferências não intencionais de renda. Christiane Kuptsch (2001:5) em sua análise do processo de privatização da previdência em diversos países indica que, Different societies have different ideas about the tasks that the State should be responsible for, and those ideas can change with time. The fact that a particular task is important for public welfare, in other words that is a public responsibility, does not mean that it has to be carried out or even regulated by the State. Supplying food and clothing would be an example. On the other hand, a constitutional State may carry out only public responsibilities; anything else would have to be seen as interfering with the freedom of the individual. De pronto, chama a atenção o fato de que sejam quais forem as respostas que as teorias possam oferecer a essa questão, do ponto de vista empírico, a participação do Estado nas questões de previdência social é sempre descrita como uma verdade inquestionável. Contudo, o que se verifica é que, em sistemas de capitalização, há preponderância da presença do setor privado e o papel do governo é majoritariamente regulatório (como é o caso da Austrália, do Chile, do México entre outros). Já em sistemas de repartição, a presença do estado é massiva como operador do sistema. Há, no entanto, diversas manifestações empíricas, em que além de operador, o estado age como regulador, seja porque um segundo pilar é privado e complementar (como o Brasil, por exemplo, e diversos outros países), seja porque o sistema permite concorrência entre agentes privados e o próprio estado (o caso da Argentina se assemelha e esta situação) Ver a respeito Rezende (2001) e SPE/Fazenda (2003), Barros, Henriques e Mendonça (2000), Ferreira e Litchfield (2000) entre outros.

13 Tentar explicar essa variedade sem uma abordagem teórica pode ser uma tarefa por demais exaustiva e pouco produtiva. É necessário, portanto, que tenhamos algum arcabouço teórico que nos oriente. Na literatura sobre o tema, duas grandes famílias de abordagem oferecem razões da ação do estado em assuntos de previdência. O primeiro conjunto busca razões do porque o governo deve intervir nesse mercado. São conhecidas como teorias normativas da ação do estado. O segundo conjunto não se manifesta sobre se o estado deve ou não intervir, apenas indica como ele, de fato, intervém. Esse segundo conjunto de explicações (denominado de versões positivas da presença do estado) é, ainda, frequentemente dividido em dois grupos: um que explica o envolvimento do estado como decorrência de preferências de agentes que se manifestam na esfera política, e outra que busca razões de eficiência (ou ineficiências) para justificar a presença do estado. As teorias que explicam por que governos devem intervir, partem da hipótese de que os agentes têm alguma deficiência (de informação, de capacidade de decisão etc.), cabendo então ao estado interceder de modo a corrigir essa deficiência. Implicitamente, essas teorias admitem que governos são altruístas e benevolentes, negligenciando incentivos dos próprios governos como aumento da arrecadação, poder discricionário de alocação de recursos e mesmo os interesses da burocracia em programas dessa natureza. Uma razão para a intervenção é que, os indivíduos quando jovens, não têm noção exata da precariedade da vida e da saúde e não têm capacidade de fazer cálculos intertemporais, porque são míopes com relação ao próprio tempo. Em decorrência, quando jovens não poupam o suficiente para enfrentar o desemprego, a velhice, a doença e a invalidez. Uma versão mais amena sugere que os indivíduos simplesmente não têm informações relevantes sobre esse processo ou, se têm, diz outra vertente, não são capazes de realizar cálculos complexos sobre poupanças de longo prazo 25. Oliveira (1992:7-8) assim explica a razão da interferência do estado determinando compulsoriedade do sistema: A decisão de quanto poupar, quando poupar e como investir esta poupança de modo a garantir um fluxo de rendas suficiente durante o período de inatividade é, certamente, muito complexa. O indivíduo deveria ter disponível um conjunto de informações extremamente amplo e preciso sobre seus futuros riscos: períodos, natureza e custos de tratamento de doenças que venham a acometer a si e a seus dependentes, probabilidades quanto ao desemprego, morte, invalidez, expectativa de vida (do segurado de seus dependentes) etc. Do lado do investimento, seriam necessárias informações razoavelmente precisas quanto ao leque de possibilidades disponíveis, custos de oportunidade, etc. Mesmo que, em uma hipótese absurda, estas informações fosses disponíveis, a análise das mesmas seria tarefa árdua para um equipe de atuários e de analistas de investimento, especificamente em um pais sujeito a grandes turbulências no campo econômico como o Brasil. Para a população como um todo, a tarefa seria simplesmente impossível Ver Feldstein, 1974; Barro, 1974; Oliveira, 1982 e 1992.

14 Observe que o primeiro argumento é razoável e pode, de fato ocorrer. As pessoas, sobretudo as mais jovens, teriam uma forte preferência pelo consumo, na expectativa de terem tempo no futuro para acumularem o suficiente para os infortúnios. Uma crítica à intervenção direta do estado em assuntos da previdência é que a miopia da juventude poderia explicar sua ação no estabelecimento de um sistema de seguro social com adesão compulsória e como tal, com algum caráter distributivo, mas não a operação do sistema. Nas palavras de Oliveira (1992:9): A compulsoriedade não implica necessariamente administração estatal dos mecanismos de captação, aplicação e transferência de recursos financeiros, bem como na prestação direta de serviços por agentes estatais no âmbito da Seguridade Social. No caso da presença do estado em decorrência da carência de informação, há dois tipos de contestação. O primeiro, de cunho teórico. Decisões complexas são tomadas diariamente pelos indivíduos sem que eles tenham completa informação. Além disso, é sempre possível a um certo preço e sob certo risco delegar decisões a agentes especializados. É dessa forma, aliás, que diariamente milhões de poupadores delegam a bancos, corretoras e distribuidoras decisões sobre a melhor aplicação a fazer. Claro que a poupança previdenciária, por suas características de longo prazo, envolve riscos adicionais vis-à-vis a aplicação de poupança de curto prazo. Mas ainda assim, é bastante razoável supor que na ausência de sistemas públicos de previdência, segmentos privados desempenhassem esse papel e poderiam ser fiscalizados e regulados pelo setor público. Além disso, mesmo do ponto de vista empírico, a hipótese de ausência de informação como inibidora de poupança tem sofrido sério revés. Feldstein & Liebman (2002), por exemplo, usando dados de ativos das famílias americanas, mostraram que o volume de riqueza acumulada pelas famílias é suficiente para lhes garantir renda durante a velhice 26. Uma segunda abordagem oferece o argumento da necessidade de redistribuição de recursos na sociedade. Aqui é possível haver dois tipos de redistribuição: i) de uma geração para outra e; ii) dentro da mesma geração, dos mais ricos para os mais pobres. Entretanto, se o objetivo é transferir renda dos mais ricos para os mais pobres dentro de uma mesma geração, o instrumento previdenciário tomado isoladamente não é adequado, posto que transfere renda anual com base em instrumento que leva em consideração os ganhos de uma vida. Melhor seria combinar imposto sobre renda e riqueza e seguridade. Se, por outro lado, o objetivo é redistribuir renda entre as gerações via sistema de previdência, então é obrigatório um sistema de repartição. Nesse caso, como o risco de déficit é elevado, somente o estado pode assumi-lo e repousa aí a justificativa para a presença do estado. 27 A reforçar esse argumento, há ainda outro de ordem moral: afinal, a geração para a qual os sistemas foram O problema aqui é que como parte da riqueza previdenciária é compulsória. 27 Conceitualmente seria possível um sistema de repartição com operação privada. Essa combinação exigiria total flexibilidade de ajustamento nas alíquotas de modo a equilibrar sempre que o sistema apresentasse déficit. Mas mesmo neste cenário, a presença do estado não estaria descartada, posto que a partir de certa alíquota, o resultado passa a ser negativo em termos de arrecadação (curva de Laffer).

15 montados tinha passado pela crise de 1929 e pela II Grande Guerra, períodos de severas restrições, o que impediu que acumulassem ativos para sua velhice. O problema nesse caso, é que ao se cristalizar o sistema, as transferências também se cristalizam e todos os riscos são alocados às gerações mais jovens. Se a intenção era permitir a uma geração não favorecida pela fortuna certo grau de acumulação de ativos, melhor teria sido uma transferência direta de renda. Como afirma Diamond, (1977:279) ( ) both of these redistributive purposes appear fully legitimate, but neither, stand alone could justify a Social Security system like the current one. ( ) To tax all workers, rich and poor, to give benefits to retirees both rich and poor would make little sense. Uma terceira linha de explicação recorre à existência de falhas de mercado que prejudicariam o consumidor, exigindo a presença do estado. Seriam três principais falhas de mercado: (a) ausência de oportunidades de investimentos relativamente seguros em termos de retornos reais; (b) ausência de mecanismos para cobertura de riscos associados à duração da vida e do período laboral e; (c) ausência de um mercado estruturado de conversão de pecúlio em renda permanente. Parece evidente que um poupador teria poucas possibilidades de acesso a carteiras de investimentos de longo prazo que lhe garantisse um nível de rentabilidade minimamente satisfatório. Isso é especialmente verdadeiro para o pequeno poupador que sequer teria possibilidades de diversificação de portfólio. De toda forma, essa falha não é razão suficiente para que o estado seja operador do sistema. Ele poderia perfeitamente obrigar como de resto faz isso com muita regularidade em sistemas privados de capitalização que operadores privados lastreassem parte de seus ativos em títulos do governo e garantiria um patamar mínimo de segurança e rentabilidade. A segunda falha de mercado envolve riscos estruturais do sistema e exige cuidados especiais. Ainda assim o estado poderia mais uma vez agir como regulador, definindo sistemas de contribuição definida ao invés de benefício definido. Neste caso, o risco demográfico seria suportado pelo próprio trabalhador, sem comprometer a saúde financeira e atuarial dos fundos e sem exigir a ação do estado como operador do sistema. E o mais importante, não colocaria sobre os ombros da sociedade o ônus de garantir esse sistema, pois em casos de déficit ele é financiado com recursos gerais do orçamento público. A terceira e última falha remete ao clássico problema de seleção adversa no mercado de seguros de vida e de saúde (Rothschild & Stiglitz, 1976; Culter & Reber, 1998; Pauly, 1974). O problema consiste basicamente no seguinte: após contribuir por toda a vida laboral, o trabalhador ao se aposentar pode escolher entre receber o pecúlio ou comprar uma renda permanente até sua morte. A segunda opção é claramente uma renda do tipo previdenciária. O problema é que a preferência por essa opção seria exercida por aqueles que tenderiam a viver mais. Como há assimetria de informação, a preferência revelada é percebida pelos vendedores como uma opção de risco, fazendo com que elevem desproporcionalmente o preço dessa opção. Se isso é verdade, somente aqueles com maiores 15

16 probabilidades de sobrevida aceitariam pagar o preço, o que reforçaria a percepção de risco por parte dos vendedores fazendo com que, em equilíbrio, nenhuma operação fosse realizada. De fato, comparado com outras opções, o prêmio pago pela compra de uma renda permanente é substancialmente elevado. Nos EUA paga-se 20% de prêmio e na Inglaterra, Austrália e no Canadá aproximadamente 15%. Acontece que a incidência de óbitos para a população de 65 a 75 anos que compra renda permanente é de cerca de metade do grupo que não compra, corroborando assim a ideia de seleção adversa. Ainda que pareça haver de fato falha de mercado, novos estudos têm revelado que a sua dimensão é menor do que se supõe, olhando apenas para os prêmios pagos. James e Vittas (1999) e Brown, Mitchell e Poterba (2000), utilizando os dados de incidência de mortalidade diferentes desse grupo de indivíduos recalcularam os prêmios pagos e chegaram a resultados expressivamente mais baixos: 12% para os Estados Unidos e algo próximo a 8% para Inglaterra, Austrália e Canadá, mostrando que apesar de existir, a falha de mercado tem uma expressão quantitativa bem menor do que se imaginava. Além disso, constatam que compradores de renda permanente são estatisticamente mais ricos que os demais, o que indica que a compra de renda permanente pode ser parte de um portfólio de aplicações desses indivíduos. De toda forma, a questão é: mesmo se admitindo a existência dessa falha de mercado ela justificaria a presença do estado como operador de um sistema de previdência? Certamente, não. Uma falha de mercado pode e deve ensejar ação regulatória do estado, mas não a sua presença como operador do sistema de previdência. Uma última linha de argumentação dentro dessa família teórica, que justifica a presença do estado em sistemas de previdência, pode ser descrita como depreciação do capital humano. As palavras do Dr. William Osler, em sua palestra de despedida da Universidad Johns Hopkins, em 22 de fevereiro de 1905 bem ilustram essa idéia: My... fixed idea is the uselessness of men above sixty years of age, and the incalculable benefit it would be in commercial, political and in professional life if, as a matter of course, men stopped work at this age That incalculable benefits might follow such a scheme is apparent to any one who, like myself, is nearing that limit, and who has made a careful study of the calamities which may befall men during the seventh and eighth decades. Still more when he contemplates the many evils which they perpetuate unconsciously, and with impunity. (Osler, 1910 apud Sala-i-Martin, 1995). A explicação nesse caso é que os mais velhos teriam uma produtividade menor do que a média dos trabalhadores, fazendo com que a produtividade geral da economia fosse menor com eles trabalhando do que se a força de trabalho fosse totalmente composta por segmentos mais jovens (Salai-Martin, 1995; Mulligan, 2000). Esse fato seria agravado, ou seja, a diferença de produtividade seria 16

17 ainda maior, caso as coortes mais jovens fossem instruídas dos que as mais velhas 28. Então haveria neste ponto uma justificativa para a ação do estado, no sentido de induzir os mais velhos a se retirarem do mercado de trabalho, dando-lhes um incentivo monetário. Caberia ao estado, portanto, criar sistemas previdenciários garantindo renda para os mais velhos para que saíssem logo do mercado de trabalho, com efeitos positivos sobre a produtividade da economia. A favor desta interpretação é que a realidade empírica parece confirmar que os trabalhadores estão permanecendo menos tempo e se retirando cada vez mais cedo do mercado de trabalho. A literatura internacional tem interpretado de forma ligeiramente diferente esse evento, atribuindo-lhe a ocorrência devido a fatores ligados aos regulamentos mais benevolentes dos sistemas de previdência, de um lado 29 ; mas de outro lado, devido à expansão do valor e da facilidade de acesso aos benefícios ligados ao desemprego. É a combinação de ambos que estaria determinando essa retirada antecipada do mercado de trabalho. (ver Gruber & Wise, 2004; Lumsdaine & Mitchel, 1999; OCDE, 2000). 30 Mais uma vez, entretanto, o argumento que justificaria a presença do estado nesta interpretação sua presença visaria corrigir preços relativos, de modo a induzir a retirada precoce ou antecipada da força de trabalho mais velha tem vigor para explicar a ação regulatória do mesmo, mas não nos permite concluir que o estado deve operar o sistema, ou mesmo realizar transferências de renda significativas via sistemas de previdência. Assim, resta-nos a questão crucial: a previdência deve ser objeto de ação pública direta, aqui entendida como atividade de execução ou operação de um sistema de previdência? Por que de pronto, devemos destacar que outras atividades conexas como, fomento, regulação, credenciamento, controle, fiscalização etc., são obviamente de responsabilidade direta do estado e devem ser por ele executadas. Esta mesma pergunta pode ser feita de forma mais direta: há razões que justifiquem a ação direta do estado em sistemas previdenciários ou ele deveria apenas se envolver na assistência social e em programa diretos de manutenção e redistribuição de renda? Oliveira (1992:26) indica que cabe questionar a racionalidade do estado (...) no papel de executor das políticas. Em primeiro lugar, ao participar da execução, o Estado perde, até certo ponto, a condição de árbitro imparcial. Á exceção de alguns serviços de excelência, que podem servir como centros de referência tecnológica e onde as considerações de custo são, até certo ponto, secundárias, a atuação do Estado como executor na Seguridade Social pode e deve ser severamente questionada em termos de eficiência econômica Isso, de fato, aconteceu em praticamente todos os países desenvolvidos até os anos Atualmente o crescimento de escolaridade média das coortes mais jovens é bem lenta (OCDE, 2002) No Brasil, isso começou ocorrer mais tarde e o processo ainda está em andamento. Veja a respeito Resende e Tafner (2005, capitulo 8). 29 A análise que se faz é que todo o aparato institucional implementado a partir da década de 1950 e que se estendeu até meados da década de 1970 levou, de fato, à retirada precoce do mercado de trabalho. A questão é que uma vez explicitados os gigantescos déficits, os ajustamentos institucionais caminharam em sentido contrário, o que poderia negar a capacidade explicativa dessa versão. 30 Também no Brasil esse processo está em curso, como será visto no capítulo 4.

18 Em posição antagônica, Esping-Andersen (2003:25), assevera que é altamente improvável que um regime previdenciário privado venha a ser um sistema capaz de oferecer segurança efetiva na velhice. Quando analisa o risco demográfico afirma que (2003:22) em suma, é muito difícil imaginar que diante do envelhecimento demográfico a privatização reduzirá significativamente a vulnerabilidade do pacote total de aposentadoria, qualquer que seja a constituição de tal pacote. A privatização somente fará isso se a sociedade estiver disposta a aceitar mais pobreza na velhice e/ou do bem-estar durante a aposentadoria... Trata-se de uma questão que tem suscitado acalorado debate e é, sem dúvida, uma questão fundamental. Não apenas porque delimita duas vertentes de estruturação de sistemas de previdência, mas, sobretudo, porque divide os analistas em grupos antagônicos. O segundo ponto, e que de certa maneira está conectado ao anterior, diz respeito à estrutura de custeio do sistema de previdência. Há duas tradicionais opções de custeio dos regimes previdência: o regime de capitalização (tratado na literatura internacional como funded), em que as contribuições feitas pelos segurados são identificadas individualmente e aplicadas em fundos que são capitalizados ao longo do tempo, constituindo-se em reservas para o futuro pagamento de benefícios; e o regime de repartição (tratado na literatura como unfunded ou pay-as-you-go), no qual os recursos correntes financiam as despesas correntes de modo que não há constituição de fundos prévios para a cobertura de benefícios 31. Este regime de custeio, apesar de não funcionar lastreado em um fundo previamente constituído, sempre poderá permitir a constituição de reservas, desde que as contribuições correntes (receitas do sistema) ultrapassem o volume de benefícios pagos (despesa do sistema). Uma forma de entender mais facilmente a distinção entre eles é que, enquanto no primeiro regime cada contribuinte está, em princípio, constituindo ao longo de sua vida de trabalho um fundo para financiar sua velhice, no segundo, as contribuições feitas pelos atuais contribuintes financiam aqueles que já estão fora do mercado de trabalho. No primeiro regime apenas nos casos de ocorrência precoce de um sinistro uma doença, um acidente etc. haverá transferência da coletividade que contribui para ele, ou sua família. Repare que nesta circunstância, não há transferência de uma geração para outra, mas apenas entre os que apresentaram sinistro e os que não apresentaram. O segundo regime, ao contrário, é frequentemente tratado como um sistema de solidariedade entre gerações, posto que os atuais trabalhadores financiam aposentados e pensionistas e esperam ou melhor, torcem para que os futuros trabalhadores estejam dispostos a financiá-los no futuro. Não há, entretanto, garantia de que isso venha a acontecer Mais recentemente, Suécia e Itália implementaram uma modalidade que combina sistema de repartição com contas individuais que são capitalizadas contabilmente através de indexadores de preços, demográficos ou macroeconômicos. São as chamadas notional defined accounts. Nesses planos, as contribuições realizadas pelos empregados e empregadores são acumuladas e capitalizadas contabilmente gerando um fundo que garante equilíbrio atuarial num regime de repartição para todos os novos ingressantes.

19 O fato de o primeiro regime estar majoritariamente associado à operação privada através dos fundos de pensão, e o segundo, ao estado como provedor de planos de previdência tende a polarizar as discussões entre estatizantes e privatistas. Mas é importante chamar a atenção para o fato de que não há impossibilidade teórica de se ter sistemas de capitalização operado pelo estado, nem tampouco os sistemas de repartição operado pelo setor privado. O terceiro ponto fundamental e que frequentemente vem associado ao anterior, diz respeito à variável de ajuste que, na literatura é relatada como benefício definido ou contribuição definida. No primeiro tipo o benefício é definido e contratado quando se inicia a adesão ao plano. Este valor pode ser um valor fixo ou guardar alguma correspondência com as contribuições realizadas pelo segurado. No segundo, o que é definido é a contribuição, ficando por suposto, indefinido o valor que o segurado irá receber. Aqui mais uma vez, a maior ocorrência empírica de regimes de capitalização com contribuição definida (entre outros, Chile, Austrália, Singapura, Malásia, Argentina, México, El Salvador 32 e Bolívia) e de regimes de repartição com benefício definido (Japão, França, Alemanha, Dinamarca, Holanda, Espanha, Brasil) tem provocado debates que por vezes tratam o fenômeno empírico com impossibilidade teórica 33. No regime de capitalização os riscos associados à poupança e à aplicação dos recursos estão totalmente associados ao segurado, se o plano for de contribuição definida. Se for de benefício definido, o risco estará com o segurado até a data de aposentadoria, ficando a partir daí ao agente gestor do fundo. No regime de repartição, por outro lado, os riscos demográficos e de desempenho do mercado de trabalho, por exemplo, estão associados aos contribuintes (ativos) e em casos mais graves quando os recursos captados não são suficientes para arcar com os benefícios estarão associados à sociedade. Subjacente à discussão dos sistemas previdenciários há ainda outro aspecto que tem suscitado acalorado debate e diversos estudos 34. Sistemas de repartição seriam mais propensos à redistribuição do que planos em regime de capitalização. Argumenta-se que essa preferência por planos mais generosos só seria implementada por conta de uma distribuição desigual de poder na sociedade que favorece os mais velhos em detrimento dos mais jovens, ainda que, por vezes, isso fosse compensado pelo aumento da poupança em decorrência do efeito herança 35. Nessa medida, os mais velhos sempre teriam preferência por planos mais generosos, posto que o ônus sempre recairia sobre as gerações mais jovens, algumas das quais sequer teriam nascido Em El Salvador, foi mantido um pequeno sistema público que permaneceu apenas alguns trabalhadores, segundo critério de idade (ver Mesa-Lago e Muller. 2003). 33 No entanto, Suíça, Canadá e Bélgica, por exemplo, têm sistemas de capitalização com benefício definido e Suécia e Itália têm sistemas de repartição com contribuição definida. Os Estados Unidos apresentam um sistema de capitalização nocional que sendo de repartição simula um sistema de capitalização com benefício definido. 34 Ver, entre outros, Rangel & Zeckhauser, 2001; Meltzer & Richard, 1981, Browning, 1975, Mulligan, Gil & Sala-i-Martin, 1999, 2002 e Ver Bernheim, 1991.

20 Como se constata de toda essa explanação, várias das versões são capazes de explicar e justificar a presença do estado nas questões de previdência, mas nenhuma delas há suporte teórico à presença do estado na operação exclusiva dos sistemas de previdência. A ocorrência empírica da presença estatal tem motivado uma corrente de cunho mais ideológico do que conceitual a defender a ideia de que é desejável um sistema exclusivo e diretamente operado pelo estado. No entanto, o fato empírico recente mais marcante é a saída progressiva do estado, seja através da privatização dos sistemas, seja através da redução de seu risco implícito, mantendo-se como um colchão básico que impede a ocorrência de pobreza entre idosos. Em síntese, tanto a análise teórica quanto a evidência empírica indicam que um sistema previdenciário deve estar assentado em dois pilares básicos. O primeiro deles é que um sistema de seguro social deve ter uma base relativamente reduzida em termos de benefícios operada pelo estado e um amplo leque, acima do primeiro, estruturado sob operação da esfera privada. E isso, por três razões: a) somente o estado pode garantir que nenhum idoso mesmo o mais imprevidente seja exposto à condição de miséria; b) garantido esse mínimo, a operação privada assegura que mudanças em condições estruturais que impõem desequilíbrios ao sistema não causem impactos sobre as contas públicas e, portanto, não exigem nem aumento da carga tributária com deletérios impactos sobre o nível de poupança agregada e sobre o potencial de crescimento da economia, nem redução da capacidade pública de investimento em infra-estrutura, o que redundaria em redução do potencial de crescimento do país; e c) porque estando exclusivamente sob a esfera pública, estará inexoravelmente subordinado a pressões de cunho distributivista de fácil trânsito político e ampla aceitação social o que exige aumentos contínuos do gasto previdenciário, com conseqüente aumento da carga e redução da capacidade de crescimento. O segundo pilar, é que as regras de um seguro social operado pelo estado devem ser as mais neutras em termos de mercado de trabalho e de alocação de ativos por parte de indivíduos e famílias. Regras previdenciárias que imponham alterações de custo de mão-de-obra para certos grupos de indivíduos, ou que distorçam fortemente a propensão a poupar das famílias, implicam segmentação no mercado de trabalho, no primeiro caso, e ineficiências alocativas, no segundo. No primeiro caso, os efeitos podem ser perniciosos para certos grupos sociais, por exemplo, para os jovens, pois passam a enfrentar maiores dificuldades de entrada no mercado de trabalho formal, com predominância da informalidade e/ou salários particularmente mais baixos, quando conseguem entrar. No segundo, significa que o esforço de poupança das famílias se reduz e isso produz impacto negativo na formação de poupança bruta do país, com efeitos negativos no ritmo de crescimento do investimento e do produto. Feitas essas considerações conceituais, pode-se passar à análise do Projeto de Lei Nº 1992, que propõe a criação de previdência complementar destinada exclusivamente aos servidores públicos federais. 5 A Previdência complementar para o setor público 20

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