REGRAS ELEITORAIS, COMPETIÇÃO POLÍTICA E POLÍTICA FISCAL: EVIDÊNCIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

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1 REGRAS ELEITORAIS, COMPETIÇÃO POLÍTICA E POLÍTICA FISCAL: EVIDÊNCIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS Aluno: Rafael Tavares Guimarães Orientador: João Manoel Pinho de Mello Introdução No Brasil, em cidades com menos de 200 mil eleitores, as eleições municipais são em um turno. Já em cidades com mais de 200 mil eleitores, há a possibilidade de se haver um segundo turno no caso do primeiro colocado não obter mais de 50% dos votos. A partir dessa descontinuidade produzida pelo sistema eleitoral brasileiro, dispomos de uma oportunidade de avaliar empiricamente a interação entre competição política e variáveis fiscais sem que haja uma relação forte de causalidade reversa, dado que o grau de competição política é, em parte, determinado por regras eleitorais conhecidas e aplicadas de maneira independente de variáveis fiscais. Isso está baseado principalmente na regra de Duverger, onde eleições em que simplesmente o candidato de maior número de votos vence levam à maior concentração (bipartidarismo). Sendo assim, a possibilidade do segundo turno tende a aumentar o número de candidatos e, consequentemente, a competição política. Além disso, num corte apropriado da amostra, podemos supor que a única dimensão em que as cidades se diferenciam é na população, o que nos permite ignorar o efeito de fatores desconhecidos. Portanto, as regras eleitorais brasileiras possuem características semelhantes a um experimento controlado, o que torna os resultados particularmente robustos do ponto de vista econométrico. Em um primeiro estágio, mostraremos como a regra exógena afeta a concentração partidária, e em um segundo estágio, usaremos a descontinuidade como fonte de variação exógena para inferir o efeito causal de competição política sobre variáveis fiscais. Objetivos Em contraste com outros estudos da área, este não busca estabelecer relações entre a competição política e resultados econômicos, como o nível de renda per capita. O objetivo é medir o efeito causal da competição política sobre variáveis fiscais, já que estas podem apresentar variações muito mais significativas no curto prazo e possuem forte relação com o bem-estar da população. Metodologia A natureza dos dados condiciona o uso das técnicas estatísticas, em particular, temos dados na forma de painel, isto é, diversas unidades observacionais ao longo do tempo, num corte longitudinal. A metodologia padrão para se analisar dados em painel envolve a eliminação de efeitos fixos através da estimação de formas funcionais que relacionem não as variáveis em si, mas suas mudanças no tempo. Como dispomos de uma mudança exógena num instante conhecido, é possível delinear uma relação causal caso haja correlação significante. Outra ferramenta apropriada à análise estatística de dados dessa natureza é o uso de variáveis categóricas. Na medida em que supusermos que, para uma faixa suficientemente próxima, a única dimensão em que as cidades se diferenciam é na população, podemos captar tal variação numa relação binária que indica o avanço sobre o limiar exogenamente

2 estabelecido para a mudança na regra eleitoral. Sob a hipótese que o avanço sobre o limiar é aleatório, temos uma situação próxima a um experimento controlado, o que é altamente desejável. Foram analisados registros da base de dados do Tribunal Superior Eleitoral das eleições municipais a partir de 1996, porém com um foco nas cidades cuja população encontra-se no intervalo de a habitantes. Isso aprimora os resultados do metodo RDD (regression discontinuity design), visto que as cidades nesse intervalo tendem a ter características muito semelhantes, porém o tipo de votação (turno único ou não) e, consequentemente, a competição política, variam, o que possibilita uma melhor análise do efeito do tratamento (observe que outros determinantes de competição política também não tendem a apresentar diferenças sistemáticas). As evidências dessa suposição podem ser observadas nos gráficos abaixo, que não mostram descontinuidade relevante entre as cidades analisadas em fatores que em geral influenciam as políticas fiscais e seus resultados, como nível de renda, educação (medida em anos de escolaridade) e desigualdade. Renda per capita em 2000 Índice de Gini em 2000

3 Escolaridade média em 2000 Para que a análise não seja viesada, é necessário que a regra eleitoral seja de fato exógena, ou seja, a possibilidade de um segundo turno não deve afetar diretamente a política fiscal. Isto é uma suposição, mas poucas objeções podem ser feitas a ela, visto que inaugurações são proibidas a partir de uma determinada data anterior às eleições e o espaço de tempo entre os dois turnos é relativamente pequeno se comparado à corrida eleitoral, então a questão do aumento de custos e de gastos também perde relevância (além de que o mais importante instrumento de campanha que é o horário eleitoral na TV aberta é gratuito). Não obstante, a obrigatoriedade do voto (não só de registro eleitoral) para cidadãos brasileiros entre 18 e 64 anos, uma outra particularidade brasileira, facilita o estudo. O nível de competição política não afeta diretamente se determinado município está acima ou abaixo do nível de mudança, o que não seria o caso se o voto fosse voluntário, visto que uma maior competição tende a criar maiores incentivos à participação da população e aumentar a probabilidade do eleitorado ultrapassar os duzentos mil. Este trabalho utiliza-se de quatro instrumentos de política fiscal - investimento, despesas correntes, despesas de pessoal e variação no número de escolas e de duas variáveis de competição política: número de candidatos e a soma das parcelas de votos obtidas pelo terceiro e os demais colocados (em seqüência). Nas regressões, as variáveis observadas foram os logaritmos das proporções dos três tipos de gastos citados em relação ao gasto agregado e a própria variação percentual no número de escolas, e a grande maioria dos coeficientes (efeitos causais) estimados são estatisticamente relevantes. Conclusões Através da descontinuidade da regra eleitoral em função do tamanho do eleitorado, pudemos identificar de forma inequívoca o efeito causal da competição política sobre variáveis fiscais. Demonstramos que a possibilidade de segundo turno induz a uma maior competição política. Os resultados mostram que níveis maiores de competição levam a aumentos em investimento e número de escola e a uma redução de gastos correntes - redução esta que é, em grande parte, conseqüência de uma redução no gasto com pessoal -, o que pode ser interpretado como um ganho de bem-estar. Alguns resultados são mostrados nos gráficos abaixo:

4 Log(Despesas Correntes/Despesas Totais) Variação percentual no número de escolas Um outro resultado interessante que vale ser ressaltado é o de que os efeitos (e inclusive os níveis observados) foram maiores quando considerados apenas os casos em que o prefeito em exercício estava concorrendo à eleição, como pode ser comparado a seguir: Log(Investimento/Despesas Totais).

5 Log(Investimento/Despesas Totais) Eleições em que o prefeito podia concorrer a reeleição Apesar da precisão da identificação fornecida pela descontinuidade, há preocupações a respeito da validade externa dos resultados, ou seja, se estes podem ser considerados para análises em populações diferentes da qual foi retirada a amostra. É possível que o efeito líquido dependa de particularidades na configuração estudada. Por exemplo, maior competição política pode afetar democracias recentes diferentemente de outras, mais consolidadas. Além disso, destaca-se que municípios têm menos mecanismos fiscais para manipular que governos nacionais. Tendo em vista essas limitações, o trabalho sugere que custos políticos de entrada menores são benéficos em uma democracia multipartidária. Referência Bibliográfica 1 - Duverger, M. (1954). Political parties: Their organization and activity in the modern state. London: Methuen. 2 - Besley, T. and A. Case, Political Competition and Policy Choices: Evidence from the United States, Journal of Economic Literature, Vol. 841, pp. 7-73, Gordon, S. and F. Huber, The Effect of Electoral Competitiveness on Incumbent Behavior, Quarterly Journal of Political Science, Vol.2, pp , Hahn, J., P. Todd and W. Van der Klaauw, Identification and Estimation of Treatment Effects with Regression Discontinuity Design, Econometrica, Vol. 69, pp , McCrary, J. Manipulation of the Running Variable in the Regression Discontinuity Design: a Density Test, Journal of Econometrics, Vol. 142, pp , 2008.