MANIFESTO pela filosofia

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3 Alain Badiou MANIFESTO pela filosofia versão e nota MD Magno

4 ANGéLICA - junho 1991 (psicanálise & cia) Colégio Freudiano do Rio de Janeiro Conselho Editorial: Chaim Sam.uel Katz, Emmanuel Carneiro Leão, Heloisa Buarque de Hollanda, Mareio Tavares D' Amaral, MD Magno e Muniz Sodré Editor: Potiguara Mendes da Silveira Jr. (Reg. prof.: RJ) Revisão da Tradução: Aluisio Menezes e PMSJr. Agradecimentos a: Olandina Monteiro Cruz de Assis Pacheco Capa: MO Magno (Dustração: Beardsley, 1896) Composição: -digitação/arte final: Tiffany anes - revisão: André Praça Telles Título Original: Manifeste pour la philosophie Ediúons du Seuil, 1989 Todos os direitos desta edição reservados a: aoutra editora Av. Ataulfo de Paiva, 1079, subs Leblon Rio de Janeiro- RJ Tels.: e

5 SUMÁRIO 1. Possibilidade, 1 2. Condições, 7 3. Modernidade, Heidegger visto como lugar comum, Nihilismo?, Suturas, A era dos poetas, Eventos, Questões, Gesto platônico, Genérico, 63. Nota - MD Magno, 69

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7 1. Possibilidade Os filósofos vivos, na França de hoje, não há muitos, embora haja, sem dúvida, mais do que em outros lugares. Digamos que os contamos, sem dificuldade, pelos <iedos das mãos. Sim, uma pequena dezena de filósofos, se entendemos com isto os que propõem para nosso tempo enunciados singulares, identificáveis, e se, conseqüentemente, ignoramos os comentadores, os indispensáveis eruditos e os vãos ensaístas. Dez filósofos? Ou melhor, "filósofos". Pois o estranho é que, na sua maioria, eles dizem que a filosofia é impossível, que ela acabou, delegada a outra coisa que não ela mes~; Lacoue -Labarthe, por exemplo: "Não se deve mais estar em desejo de filosofia". E, quase ao mesmo tempo, Lyotard: "A filosofia como arquitetura está em ruínas". Mas será que podemos conceber uma filosofia que não seja de modo algum arquitetônica? Uma ''escrita das ruínas'', uma ''micrologia'', uma paciência do '' graffiti" (metáforas, para Lyotard, do estilo de pensamento contemporâneo) estará ainda, para com a "filosofia", em qualquer sentido que a tomemos, em alguma relação que não de simples homonímia? Também o seguinte: o maior de nossos mortos, Lacan, não era ele "anti-filósofo"? E como interpretar que Lyotard só possa evocar o destino da Presença no comentário dos pintores, que o último grande livro de Deleuze tenha por tema o cinema,

8 MANIFESTO PELA FILOSOFIA que Lacoue-Labarthe (ou Gadamer na Alemanha) se devote à antecipação poética de Celan, ou que Derrida vá requerer Genet? Quase todos os nossos "filósofos" estão em busca de uma escrita por desvios, de suportes indiretos, de referentes oblfquos,. para que advenha, no lugar presumidamente inabitável da filo- ; sofia, a transição evasiva de uma ocupação do terreno.~ no coração desse desvio- o sonho angustiado de quem não é poeta, nem crente, nem "judeu"... - encontramos isto que aviva a brutal intimação concernente ao engajamento nacional-socialista de Heidegger: diante do processo que a época nos intenta, à leitura do dossier desse processo, cujas peças maiores são Kolyma e Auschwitz, nossos filósofos, tomando o século em suas costas, e fi.nalmente os séculos dos séculos desde Platão, decidiram confessar-se culpados. Nem os cientistas, tantas vezes postos na berlinda, nem os militares, nem mesmo os pojfticos, consideraram que os massacres do século afetavam de modo durável sua corporação. Os sociólogos, os historiadores, os psicólogos, todos prosperam na inocência. Só os filósofos interiorizara.ijl que o pensamento, seu pensamento, se encontrava com os crimes históricos e políticos do século, e de todos os séculos dos quais este procede, ao mesmo tempo como obstáculo a qualquer continuação e como tribunal de uma prevaricação intelectual coletiva e história. Poderíamos evidentemente pensar que há, nessa singularização filosófica da intejectualidade do crime, orgulho demais. Quando Lyotard credita a Lacoue-Labarthe a ''primeira determinação filosófica do nazismo'', ele tem por assentado que tal determinação possa depender da filosofia. Ora, isto não tem a menor evidência. Sabemos, por exemplo, que a "determinação" das leis do movimento não depende de modo algum da filosofia. De minha parte, sustento que mesmo a antiga questão do ser -enquanto-ser não depende exclusivamente dela: é uma questão do campo matemático. É portanto muito bem imaginável que a detenninação do nazismo, do nazismo como política por exemplo, seja subtraída, de direito, à forma de pensamento específico 2

9 POSSIBILIDADE que depois de Platão merece o oome de filosofia. Nossos modestos partidários do impasse da filosofia bem poderiam sustei mão firme, deter. a perseguição da idéia segundo a qual.. tudo., depende da filosofia. Ora, é mesmo preciso reconhecer que o engajamento nacional-socialista de Heidegger foi um dos pontos de chegada desse totalitarismo especulativo. Com efeito, que fez Heidegger senão presumir que a "decisão resoluta" do povo alemão, encarnada pelos nazistas, era transitiva a seu pensamento de professor hermeneuta? Posturar que a filosofia faz- só ela -a contabilidade dos avatares, sublimes ou repugnantes, da política do século, é algo como a astúcia da razão hegeliana até o mais íntimo do dispositivo de nossos anti-dialéticos. É postular que existe um espírito do tempo, uma determínação essencial, da qual a filosofia é o princípio de captura e de concentração. Comecemos melhor por imaginar que, por exemplo, o nazismo não é, como tal, um objeto possível da filosofia, que ele não caiba dentro das condições que o pensamento filosófico é capaz de configurar em sua ordem própria. Que ele não é um evento parà esse pensamento. O que de modo algum significa que ele seja impensável. Pois é quando o orgulho vira carência perigosa que nossos filósofos, do axioma que imputa à filosofia a carga dos crimes do século, tiram as conclusões conjuntas do impasse da filosofia e do caráter impensável do crime. Para quem supõe que é do ponto do pensamento de Heidegger que devemos filosoficamente dar conta do extermínio dos judeus da Europa. o impasse é, com efeito, flagrante. Podem safar-se dessa expondo que ali há algo de impensável, de inexplicável, um entulho para qualquer conceito. Prestes a sacrificar a própria filosofia para lhe salvar o orgulho: pois que a filosofia deve pensar o nazismo, e que ela não tem competência para isto,,é porque o que ela deve pensar é impensável, e a filosofia está no passe de um impasse. Proponho sacrificar o imperativo e dizer: se a filosofia é incapaz de pensar o extermínio dos judeus da Europa, é porque não é seu dever nem está em seu poder pensá-lo. É que cabe 3

10 MANIFESTO PELA FILOSOFIA a uma outra ordem de pensamento tornar efetivo esse pensamento. Por exemplo, ao pensamento da historicidade, quer dizer, 'da História examinada do ponto da política. Jamais é realmente modesto enunciar um "fim", um término, um impasse radical. O anúncio do "fim das grandes narrativas" é tão imodesto quanto a própria grande narrativa, a certeza do ''fim da metafísica'' se move no elemento metafísico da certeza, a desconstrução do conceito de sujeito exige uma categoria central - o ser, por exemplo - cuja prescrição historiai é ainda mais determinante, etc. Transida pelo trágico de seu objeto suposto - o extermínio, os campos de concentração - a filosofia transfigura sua própria impossibilidade em postura profética. Ela se orna com as cores sombrias do tempo, sem levar em conta que essa estetização, também ela, é uma injustiça feita às vítimas. A prosopopéia contrita de abjeção é tanto uma postura, tanta imposrura, quanto a cavalaria corneteira da parousia do Espírito. O fim do Fim da História é talhado no mesmo pano desse Fim. Uma vez delimitado o desempenho da filosofia, o patos de seu "fim" dá lugar a uma bem outra questão que é a de suas condições. Eu não sustento que a filosofia seja a todo instante possível. Proponho examinar, em geral, sob que condições ela o é, na conformidade com sua destinação. Que as violências da história a possam interromper, é o que não se deve deixar acreditar-se sem exame. É conceder uma estranha vitória a Hitler e seu esbirros declarar que eles foram capazes de ter metido o impensável, de uma vez por todas, dentro do pensamento, e de ter assim concluído a cessação de seu exercício arquiterurado. Ao anti-intelectualismo fanático dos nazistas.. devemos nós, depois de seu arrasamento militar, oferecer a revanche de que o próprio pensamento, pohtico ou filosófico, ficou de fato sem jeito de dar conta daquilo que se propunha anulá-lo? Digo isto como o estou pensando: seria fazer morrer os judeus uma segunda vez se sua morte fosse causa do fim daquilo para o que eles, decisivamente, contribuíram: política revolucionária por um lado, por outro lado filosofia racional. A mais essencial piedade para 4

11 POSSIBILIDADE com as vítimas não pode residir no estupor do espfrito, em sua vacilação auto-acusadora face ao crime. Ela reside, sempre, na continuaçao daquilo que os designou como representantes da Humanidade aos olhos do carrasco. Afirmo não somente que a filosofia é hoje possível, mas também que essa possibilidade não tem a forma da travessia de um fim. Trata-se, muito pelo contrário, de saber o que quer dizer: dar um passo a mais. Um só passo. Um passo na configuração moderna, essa que, depois de Descartes, liga às condições da filosofia os três conceitos nodais que são o ser, a ver<tade e o sujeito. 5

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13 '-. 2. Condições A filosofia teve um começo; ela não existe em todas as configurações históricas; seu modo de ser é a descontinuidade no tempo como no espaço. Portanto é mesmo preciso supor que ela exige condições particulares. Quando medimos o desnível entre as cidades gregas, as monarquias absolutas do Ocidente clássico, as sociedades burguesas e parlamentares, logo aparece que toda a esperança de determinar as condições da filosofia a partir somente da base objetiva das ''formações sociais'' ou mesmo a partir dos grandes discursos ideológicos, religiosos, míticos, está votada ao fracasso. As condições da filosofia são transversais, são procedimentos uniformes, reconhecíveis a longa distância, e cuja relação ao pensamento é relativamente invariante. O nome dessa invariância é claro: trata"se do termo "verdade". Os procedimentos que condicionam a filosofia são os procedimentos de verdade, identificáveis como tal em sua recorrência. Não po" demos mais crer nas narrativas pelas' quais um grupo humano encanta sua origem ou seu destino. Sabemos que o Olimpo é ape" nas uma colina, e que o Céu só está cheio de hidrogênio ou de hélio. Mas que a série dos números primos é ilimitada, isto se demonstra hoje exatamente como nos Elementos de Euclides, de que Ffdias seja um grande escultor não há dúvidas, que a democracia ateniense seja uma invenção política cujo tema ainda nos ocupa, e que o amor designa a ocorrência de um Dois onde 7

14 MANIFESTO PELA FILOSOFIA o sujeito fica transido, nós o compreendemos lendo Safo ou Platão tanto quanto lendo Comeille ou Beckett. Contudo, tudo isto não existiu sempre. Há sociedades sem matemáticas, outras cuja "arte", em coalescência com funções ságradas obsoletas, nos é opaca, outras onde o amor está ausente, ou indizível, outras enfim onde o despotismo jamais cedeu à invenção polftica, nem mesmo tolerou que ela fosse pensávet Menos ainda esses procedimentos terão existido desde sempre em conjunto. Se a Grécia viu nascer a filosofia, certamente não foi porque ela detinha o Sagrado na fonte mítica do poema, ou porque o velamento da Presença lhe fosse familiar à guisa de uma proposição esotérica sobre o Ser. Muitas outras civilizações antigas procederam ao depósito sacro do ser no proferimento poético. A singularidade da Grécia é muito mais a de ter inte"ompido a narrativa das origens pela proposição laicizada e abstrata, de ter ferido o prestígio do poema com o do materna, de ter concebido a Cidade como um tema aberto, disputado, vacante, e de ter trazido à cena pública as tempestades da paixão. A primeira configuração filosófica que se propõe a dispor esses procedimentos, o conjunto desses procedimentos, num espaço conceitual único, atestando assim no pensamento que eles são compossíveis, é a que leva o nome de Platão. c c Aqui não entra quem não for geômetra'', prescreve o materna como condição da filosofia. A dolorosa dispensa dos poetas, banidos da -... Cidade por causa de imitação - entendamos: por captura demasiado sensível da Idéia - indica ao mesmo tempo que o p<): ema está em causa e que é preciso medi-lo à inelutável interrupção da narrativa. Do amor, O B01UJ.uete ou o Fédon dão a articulação à verdade em textos insuperáveis. A invenção política é enfim argumentada como.texrura do próprio pensamento: no fim do livro 9 de A República, Platão indica expressamente que sua Cidade ideal não é um programa nem uma realidade, que a questão de saber se ela existe ou pode existir é indiferente, e que então 8

15 CONDI COES ~ não se trata de política, mas da política como condição de pensamento, da formulação intrafilos6tica das razões pelas quais não há filosofia sem que a política tenha o estatuto real de inna invenção possível. Afirmaremos então que há quatro condições da filosofia, a falta de uma só delas acarretando sua dissipação, bem como a emergência de seu conjunto condicionou sua aparição. Estas condições são; o materna, o poema, a invenção política e o amor, Chamaremos estas condições de procedimentos gen~ricos, por razões sobre as quais retornarei mais adiante e que estão no centro de O Ser e o Evento. Essas mesmas razões estabelecem que os quatro tipos de proced~mentos genéricos especificam e classificam, a esta luz, todos os procedimentos suscetíveis de produzir verdades (s6 há verdade científica, artística, política ou amorosa). Pode-se dizer então que a filosofia tem por condição que haja verdades em cada uma das ordens em que são atestáveis. Deparamo-nos com dois problemas. Primeiro, se a filosofia tem por condições os procedimentos das verdades, isto significa que, por si mesma, ela não produz verdades. De fato, esta situação é bem conhecida: quem pode citar um único enunciado filosófico sobre o qual se faça sentido dizer que ele é " verdadeiro"? Mas então, qual é exatamente o desempenho da filosofia? Segundo, assumimos que a filosotia é "una", no que é lícito falar de "a" filosofia, de reconhecer um texto como filosófico. Que relação essa unidade presumida sustenta para com a pluralidade das condições? Qual é esse nó de quatro (os procedimentos genéricos, materna, poema, invenção política e amor) e do um (a filosofia)? Vou mostrar que estes dois problemas têm uma resposta única, contida na definição da filosofia, tal como aqui representada como veracidade inefetiva.sob condição da efetividade do verdadeiro. Os procedimentos de verdade, ou procedimentos genéricos. se distinguem da acumulação dos saberes por sua origem eventural. Quando nada acontece. senão o que é conforrpe às regras de um estado de coisas, pode certamente haver conhecimento, 9

16 MANIFESTO PELA FILOSOFIA enunciados corretos, saber acumulado; o que não pode haver é verdade. Uma verdade tem de paradoxal que ao mesmo tempo ela é uma novidade, logo algo de raro, de excepcional, e que, no que toca ao próprio ser daquilo de que ela é verdade, ela é também o que há de mais estável, de mais próximo, ontologi~ camente falando, do estado de coisas inicial O tratamento deste paradoxo exige longos desenvolvimentos, mas o que é claro é que a origem de uma verdade é da ordem do evento. Chamemos ''situação'', para sermos breves;-um estado de coisas, um múltiplo apresentado qualquer. Para que se desenvolva um procedimento de verdade relativo à situação, é preciso que um puro evento suplemente essa situação. Esse suplemento não é nem nomeável nem representável pelos r~ursos da. situação (sua estrutura, a língua estabelecida que lhe nomeia os termos, etc.). E~ é inscrito por uma nomeação singular, quando entra em jogo um significante a mais. E são os efeitos dessa entra~a na situaçllo de um nome-a-mais que vão tramar um procedimento genérico e diswr o suspense de uma verdade da situação. Pois, de saída, na situação, se nenhum evento a suplementa, não há nenhuma verdade. Há somente o que chamo de veridicidade. Em diagonal, perfurando todos os enunciados verídicos, há chance de. que a'dvenha uma verdade, desde que um evento tenha encontrado seu nome extranumerário.. A.filosofia tem por operação específica propor um espaço conceitual 4nificado onde ganham lugar as nomeações de. eventos.que servem de ponto de partida aos procedimento de verdade. A filosofia busca reunir todos os.nomes-a-mais. Ela trata, no pensamento, do caráter compossfvel <los procedimentos que a condicionam. Ela não estabelece nenhuma yerd.ade, mas dispõe um lugar das verdades. Ela configura os procedimentos genéricos por um acolhimento, um abrigo. edificado com relação à sua simultaneidade díspar. A filosofia empreende pensar seu tempo colocando em-lugar-comum o estado dos procedimentos que a condicionam. Seus operadores, quaisquer que eles sejam, visam sempre pensar "em conjunto", configurar, num exercício de pen- 10

17 CONDIÇÕES sarnento único, a disposição epocal do materna, do poema, da invenção política e do amor (ou estatuto eventural do Dois). Neste sentido, a única questão da fijosofia é mesmo a da verdade, não que ela produza alguma, mas porque ela propõe um modo de acesso à unidade de um momento das verdades, um sítio conceitual onde se refletem como compossíveis os procedimentos genéricos. É claro que os operadores filosóficos não devem ser entendidos como somatórios, como totalizações. O caráter eventural e heterogêneo dos quatro tipos de procedimentos de verdade exclui inteiramente seu alinhamento enciclopédico. A enciclopédia é uma dimensão do saber, não da verdade, a qual faz furo no saber. Nem mesmo é sempre necessário que a filosofia mencione os enunciados, ou estados locais, dos procedimentos genéricos. Oª conceitos filosóficos tramam. um espaço geral dentro do qual o pensamento acede ao tempo, a seu tempo, na medida em que os procedimentos de verdade desse tempo encontrem ali o abrigo de sua compossibilidade. A metáfora adequada não é portanto do registro da adição, nem mesmo o da reflexão sistemática. É mais a de uma liberdade de circuiaç:ão, de um mover-se de um pensamento no elemento articulado por um estado de suas condições. Pelo meio conceitual da filosofia, figuras locais tão intrinsecamente heterogêneas quanto podem ser as do poema, do materna, da invenção política e do amor, são relacionadas, ou relacionáveis, à singularidade do tempo. A filosofia pronuncia, não a verdade, mas a conjuntura, quer dizer, a conjunção pensável das verdades.. Urna vez que a filosofia é um exercício de pensamento sobre a brecha do tempo, uma torsão reflexiva sobre o que a condiciona,_ela se sustenta, o mais freqüente, em condições precárias, nascentes. Ela se institui na abordagem da nomeação interveniente pela qual um evento engata num procedimento genérico. O que condiciona uma grande filosofia, muito para além dos saberes instituídos e consolidados, são as crises, irrupções e paradoxos da matemática, os terremotos da língua poética. as revoluções 11

18 MANIFESTO PELA FILOSOAA e provocações da política inventada, as vacilações da transação dos dois sexos. Antecipando em parte o espaço de acolhimento e de abrigo no pensamento para esses procedimento frágeis, dis pondo como compossíveis trajetórias cuja simples possibilidade ainda não está firmemente estabelecida, a filosofia agrava os problemas. Heidegger tem razão em escrever que "é mesmo a tarefa autêntica da filosofia agravar, fazer pesar o Dasein (então historiai)" porque "o agravamento é uma das condições fundamentais decisivas para o nascimento de tudo que é grande''. Mesmo se deixarmos de lado os equívocos da ''grandeza'', conviremos em dizer que a filosofia sobrecarrega o possível das verdades por seu çonceito de compossfvel. É que ela tem por função ''agravante'' dispor. os procedimentos genéricos na dimensão, não de seu pensamento próprio, mas de sua historicidade conjunta. No que diz respeito ao sistema de suas condições, cujo devir díspar ela configura pela construção de um espaço.deis pensamentos do tempo, a filosofia serve de passagem entre a efetividade procedimental das verdades e a livre questão de seu ser temporal. 12

19 3. Modernidade Os operadores conceituais pelos quais a filosofia configura suas condições, situam em geral o pensamento do tempo sob o paradigma de uma ou várias dessas condições. Um procedimento genérico, próximo de seu sítio evenrural de origem, ou confrontado a impasses de sua persis~cia, servé de referente principal para o desenvolvimento da compossibilidade das condições. Assim, no contexto da crise política das cidades gregas e do remanejamento geométrico'' -depois de Eudóxio- da teoria das grandezas, Platão empreende fazer das matemáticas e da política, da teoria das proporções e da Cidade como imperativo, os referentes axiais de um es~ço de pensamento do qual o termo ".dialética" designa a função de exercício. Como as matemáticas e a política podem ser ontologicamente compossfveis? Tal ~ a questão platônica à qual o operador da Idéia vai fornecer. uma vecção resolutiva. A poesia vai, de chofre, ver-se posta sob suspeição - mas esta suspeita 6 uma forma aceitável de configuração - e o amor vai, segundo a própria expressão de Platão, ligar o ''repentino'' de um encontro ao fato de que uma verdade - aqui a da Beleza - advém como indiscernível, não sendo nem discurso (logos) nem saber (episteme). Conviremos em chamar "período" da filosofia uma seqüência de sua existência em que persiste um tipo de configuração especificada por uma condição dominante. Ao longo de 13

20 MANIFESTO PELA FILOSOFIA todo esse período, os operadores de compossibilidade dependem dessa especificação. Um período faz nó dos quatro procedimentos genéricos no estado singular, pós--eventural, em que se encontram, sob a jurisdição dos conceitos através dos quais um dentre eles é inscrito no espaço de pensamento e de circulação que faz filosoficamente oficio de determinação do tempo. No exemplo platônico, a Idéia é manifestamente um operador do qual o matema é o principio "verdadeiro" subjacente, a política se inventa como condição do pensamento sob a jurisdição da Idéia (donde o rei-filósofo e o papel notável representado pela aritmética e pela geometria na educação desse rei ou guardião) e a poesia imitativa é mantida à distância, tanto mais que, como mostra Platão tanto no Górgtas quanto no Protdgoras, há uma cumplicidade paradoxal entre a poesia e. a sofistica: a poesia é a dimensão secreta, esotérica, sofística, porque ela leva ao cúmulo a flexibilidade, a variância da lfngua. A questão é então para nós a seguinte: Haverá um período m(xlerno da filosofia? A acuidade desta questão se prende hoje ao que declara a maioria dos filósofos, de uma parte que há com efeito um tal período, de outra parte que somos contemporâneos de seu término. É o sentido da expressão.. pós-moderno", mas mesmo entre os que economizam esta expressão, o tema de um " fim" da modernidade filosófica, de um esgotamento dos operadores. que lhe eram próprios - muito especialmente a categoria de Sujeito -, está sempre presente, ainda que sob o esquema do fun da metafísica. A maior parte do tempo, de resto, esse fim é assinado ao proferimento nietzscheano. Se designarmos empiricamente os "tempos modernos" pelo período que vai do Renascimento até hoje, é certamente difícil falar de um perfodo, rio sentido de uma invariância hierárquica na configuração filosófica das condições. É com efeito evidente: - que na idade clássica, a de Descartes e Leibniz, é a condição matemática que é dominante, sob o efeito do evento galileano, o qual tem por essência introduzir o infinito no materna; 14

21 MODERN IDADE - que a partir de Rousseau e de Hegel, escandida pela Revolução francesa, a compossibilidade dos procedimentos genéricos está sob a jurisdição da condição histórico-política; - que entre Nietzsche e Heidegger, é a arte, cujo coração é o poema, que retoma, por uma retroação anti-platônica, nos operadores pelos quais a filosofia designa nosso tempo como o de um nihilismo esquecedor. Há então, ao longo desta seqüência temporal, um deslocamento da ordem, do referente principal a partir do qual é desenhada a compossibilidade dos procedimentos genéricos. A coloraç40 dos conceitos é um bom testemunho desse deslocamento entre a ordem cartesiana das razões, o patos temporal do conceito em Hegel e a metaforização metapoética de Heidegger. De qualquer modo, esse deslocamento não deve dissimular a invariância, ao menos até Nietzsche, mas prosseguida e estendida por Freud e Lacan como por Husserl, do tema do Sujeito. Este tema só sofre uma desconstrução radical na obra de Heidegger e de seus sucessores. As refundições às quais ele é submetido pela política marxista como pela psicanálise (a qual é o tratamento moderno da condição amorosa) dependem da historicidade das condiç~e não. da invalidação do operador filosófico que trata essa historicidade. É portanto cômodo definir o período moderno da filosofl3 pelo uso organizador central que nele é feito da categoria d.e..sujeito. Embora esta categoria não prescreva um tipo de configuração, um regime estável da compossibilidade, ela basta para o que conceme à formulação da questão: o período moderno da filosofia já acabou? O que é o mesmo que dizer: propor para nosso tempo um espaço de compossibilidade, em pensamento, das verdades que nele se prodigalizam, será que isso exige a manutenção, e o uso, mesmo profundamen~ alterado, ou subvertido, da categoria de Sujeito? Ou, ao contrário, nosso tempõ é aquele onde o pensamento exige que essa categoria seja desconstrufda? A esta questão Lacan responde por um remanejamento radical de uma categoria mantida (o que significa que, para ele, 15

22 MANIFESTO PELA FILOSOFIA o período moderno da filosofia continua, a qual é também a perspectiva de Jambet, de Lardreau e a minha). Heidegger (mas também DeJeuze com algumas nuances, Lyotard, Derrída, Lacoue-Labarthe e Nancy finnemente) responde que nossa época é aquela onde "a subjetividade é empurrada para seu término", que conseqüentemente o pensamento só pode terminar. para além desse "término" que não é outra coisa senão a objetivação destrutiva da Terra, que a categoria de Sujeito deve ser desconstruída e tida como último avatar (moderno, precisamente) da metafísica; e que o dispositivo filosófico do pensamento racional, do qual essa categoria é o operador central, está a partir desse ponto mantido no esquecimento sem fundo daquilo que o funda, que ''o pensamento só começará quando tivermos aprendido que essa coisa tão magnificada por séculos, a Razão, é o inimigo mais encarniçado do pensamento''. Será que ainda somos, e a que título, ga1ileanos e cartesianos? Razão e Sujeito, será que ainda estão, ou não, aptos a servir de vetor às configurações da filosofia, inesmo se o sujeito é descentrado.ou vazio, e a razão submetida ao acaso extranumerário do evento? Será que a verdade é o não-velamento velado cujo risco só o poema acolhe em palavras? Ou será. que ela é aquilo pelo que a filosofia designa, em seu espaço próprio, os procedimentos genéricos disjuntos que trançam a continuação obscura dos Tempos modernos? Devemos nós continuar, ou deter, a meditação de uma espera? Tal é a única questão polêmica significativa hoje em dia: decidir se a forma do pensamento do tempo, filosoficamente instruída pelos eventos do amor, do poema, do materna e da política inventada, permanece, ou não, apegada a essa disposição que Husserl ainda chamava de "meditação cartesiana''. 16

23 4. Heidegger visto corno lugar comum O que é que diz o ~eidegger " corrente", aquele que organiza uma opinião? Ele diz isto: 1) O rosto moderno da metafísica, tal como ela se articulou em tomo da categoria de ~ujeito, está na época de seu término. O verdadeiro sentido da categoria de Sujeito se mostra no processo universal de objetivação, processo cujo nome apropriado é: o reino da técnica. O devir-sujeito do homem não é senão a transcrição metafísica última do estabelecimento desse reino: ''O próprio fato de o homem tomar-se sujeito e de o mundo tomar-se objeto não passa de uma conseqüência da essência da técnica no movimento de sua instalação". Precisamente por ser um efeito do desenvolvimento planetário da técnica, a categoria de sujeito é inapta a fazer voltar-se o pensamento para a essência desse desenvolvimento, Ora, pensar a técnica como o último avatar historiai, e fecho, da época metafísica dq ser, é hoje o único programa possível para o próprio pensamento. O pensamento não pode então estabelecer seu sítio a partir do que nos põe a injunção de manter a categoria de Sujeito: esta injunção-é indistinguível daquela da técnica. 17

24 MANIFESTO PELA FILOSOFIA 2) O reino planetário da técnica põe flm à filosofia; nele, os possíveis da filosofia, quer dizer. da metaffsica, estão irreversivelmente esgotados. Nosso tempo não é mais ex~te ''moderno', se entendemos por 'moderno ' a configuração pós -cartesiana da metafisica, a qual organizou, até Nietzsche, a tornada do Sujeito ou da Consciência sobre a disposição do texto filosófico. Pois nosso tempo é o da efetuaç/jo do último rosto da metafisica,.o tempo de esgotamento de seus possíveis e, conseqüentemente, o tempo da expansão in-diferente da técnica, a qual não tem mais que se representar numa filosofia, pois que nela a filosofia, ou mais precisamente o que a filosofia detinha e significava da potência do ser, acaba em vontade devastadora,da Terra. 3) O término técnico da metaffsica, cujas duas principais "conseqüências necessárias" são a ciência moderna e o Estado totalitário, pode e deve ser determinado pelo pensamento como nihilismo, quer dizer, justamente como efetuação do não -pensamento. A técnica leva a seu cúmulo o não-pensamento porque só há pensamento do s.e.r, e porque a técniea é o último destino do recolhimento do ser dentro da estrita consideração do ente. A técnica é, com efeito, um querer, uma relação ao ser cuja forçação no esquecimento é essencial, pois que reajiza a vontade de subjugar o ente na sua totalidade. A técnica é a vontade de arrazoamento e de domínio sobre o ente tal como ele aí está, como fundo disponível, sem limite, à manipulação subjugadora. O único.. conceito" de ser que a técnica conhece é o de matéria prt11ul, proposta sem restrições à forçação do querer-produzir e do querer-destruir desencadeados. A vontade visando o ente, que constitui a essência da técnica, é nihilista, no que elà trata o ente sem levar em conta de modo algum o pensamento de seu ser, e num tal esquecimento do ser que chega a esquecer esse mesmo esquecimento.. Daí resulta que o querer imanente à técnica convoca ao nada o ser do ente que ele trata em totalidade. A vontade de arrazoamento e de domínio é uma só e mesma coisa 18

25 HEIOEGGER VISTO COMO LUGAR COMUM que a vontade de nadificação. A destruição total da Terra é o horizonte necessdrio da técnica, não pela razão particular de que exista tal ou qual prática, militar por exemplo, ou nuclear, que institua esse risco, mas porque é da essência da técnica mobilizar o ser, brutalmente tratado como s,imples reserva de disponibilidades pelo querer, na forma latente e essencial do nada. Nosso tempo é então nihilista, tanto se o interrogamos no que diz respeito ao pensamento, quanto se o interrogamos no que diz respeito ao destino do ser que ele desenvolve. No que diz respeito ao pensamento, nosso tempo dele se desvia pela ocultação radical da eclosão, do deixar-ser que condiciona seu exer-. cício, e do reino sem; partilha do querer. No que diz respeito ao ser, qosso tempo o vota à nadificação, ou melhor: o próprio ser está no pas~e de sua pro-posição como nada, uma vez que, retirado e subtraído, ele s6 se prodigaliza no fechamento da matéria-prima, na disponibilidade técnica de um fundo sem fundo. 4) Na idade moderna (aquela em que o homem se toma Sujeito e o mundo objeto porque está se estabelecendo o reino da técnica), depois no nosso tempo, o da técnica objetificadora desencadeada, só alguns poetas pronunciaram o ser, ou pelo menos as condições de um retomo do pensamento, fora da prescrição subjetiva do querer técnico, à eclosão e ao Aberto. A palavra poética, e só ela, ecoou como possível furulaçao de um recolhimento do Aberto, contra a disponibilidade infinita e fechada do ente que a técnica esgota. Esses poetas são Hoelderlin, o insuperável, depois Rilke e Trakl. O dizer poético desses poetas fuf01h> tecido do esquecimento e deteve, preservou, não o próprio ser, cujo destino historiai se completa no desamparo do nosso tempo, mas a questllo do ser. Os poetas foram os pastores, os zeladores dessa questão que o reino da técnica torna universalmente impronunciável. 5) A filosofia tendo terminado, o que resta é somente re -pronunciar a questão da qual os poetas têm a guarda, e notar 19

26 MANIFESTO PELA FILOSOFIA como essa questão ecoou no curso inteiro da história da filosofia desde suas origens gregas. O pensamento está hoje sob a condiçllo dos poetas. Sob esta condição, ele se volta para a interpretação das origens da filosofia. para os primeiros gestos da metafísica. Ele vai procurar as chaves de seu próprio destino, as chaves de seu próprio término efetivo, no primeiro passo do esquedmento. Este primeiro passo do esquecimento é Platão. A análise da "virada" platônica, quanto ao vínculo do ser e da verdade, comanda a apreensão do destino historiai do ser, o qual termina sob nossos olhos na provocação à nadificação. O coração dessa ''virada'' é a interpretação da verdade e do ser corno Idéia, quer dizer, a rescisão do poema em proveito do materna - como digo em minha linguagem. A interrupção platônica da narrativa poética e metafórica pelo paradigma ideal do materna, Heídegger a interpreta como a orientação inaugural do destino do ser no sentido do esquecimento de sua eclosão, quando ela se larga de sua apropriação inicial pela língua poética dos Gregos. Pode -se então também dizer que remontar às origens, tal como isto recebe hoje sua condição do dizer dos poetas, retoma ao dizer dos poetas gregos, dos pensadores-poetas pré-platônicos que sustentavam então a tensão da abertura e da eclosão velada do ser. 6) O triplo movimento do pensamento é então: tomar a condição no dizer dos poetas, remontar interpretativarnente à virada platônica que comanda a época.metafísica do ser, fazer a exegese da origem pré-socrática do pensamento. Este triplo movimento permite enunciar a hipótese de um retorno dos Deuses, de um evemo no qual o perigo mortal ao qual o querer nadificante expõe o homem - esse funcionário da técnica - seria superado ou conjurado por urna espécie de abrigo do ser, uma re-exposição ao pensamento de seu destino como abertura e eclosão, e não como fundo sem fundo de disponibilidade do ente. Esta suposição de um retomo dos Deuses pode ser enunciada pelo pensamento que os poetas instruem, ela não pode evidentemente ser anu~ciada. Dizer que ''só um Déus pode nos sal- 20

27 HEIDEGGER VISTO COMO LUGAR COMUM var.. tem por sentido: o pensamento instruído pelos.poetas, educado pelo conhecimento da virada platônica, renovado pela interpretação dos pré-socráticos gregos, pode sustentar, no coração do nihilismo, a possibilidade sem vias nem meios dizíveis de uma re-sacralização da Terra. "Salvar" não está aqui na acepção mole de um suplemento de alma. "Salvar" quer dizer: desviar o homem e a terra da nadificação, nadifiçação que na terminal figura técnica de seu destino o ser tem como ser o querer. O Deus de que se trata é aquele do desvio de um destino. Não se trata de salvar a alma, mas de salvar Q ser, e de salvá-lo daquilo que unicamente pode pô-lo em perigo, e que é ele próprio na implacável prescrição terminal de sua historicidade. Esta salvação no ser de si mesmo por si mesmo impõe que se vá ao cume do desamparo, portanto ao cume da técnica, para arriscar o desvio, pois é no extremo do perigo que cresce também o que salva. 21

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29 5. Nihilismo? Nós não admitimos que o termo "técnica''. mesmo o fazendo ressoar com o grego te'xv'l, seja capaz de designar a es sência de nosso tempo, nem que haja alguma relação, útil ao pensamento, entre "reino planetário da técnica" e ''nihilismo". As meditações, suputações e diatribes sobre a técnica, por mais disseminadas que sejam, não são menos uniformemente ridículas. E é preciso dizer bem alto o que muitos heideggerianos refinados pensam baixinho: os textos de Heidegger sobre este ponto não escapam de modo algum a essa ênfase. o "caminho do bosque", o olho claro do camponês, a devastação da Terra, o enraizamento no sítio natural, a eclosão da rosa, todo esse patos, desde Vigny ("nesse touro de ferro que fuma e resfolega, o homem montou cedo demais") até nossos publicitários, passando por Georges Duhamel e Gíono, só é tecido de nostalgia reacionária. O caráter estereotipado dessas ruminações que vêm disso que Marx chamava de "socialismo feudal", é de resto a melhor prova de seu pouco sentido pensável. Se eu fosse dizer algo sobre a técnica, cuja relação com as exigências contemporâneas da filosofia é tão magra, seria bem mais lamentar que ela seja ainda tão medíocre, tão tímida. Tantos instrumentos úteis ainda faltam, ou só existem em versões pesadas e incômodas! Tantas aventuras maiores não avançam, ou dependem do "a vida é muito devagar", vejam a exploração 23

30 MANIFESTO PELA FILOSOAA dos planetas, a energia por fusão termonuclear, a máquina voadora para todos, as imagens em relevo no espaço... Sim, é preciso dizer: ''Senhores Técnicos, ainda mais um esforço, se querem verdadeiramente o reino planetário da técnica!'' Nada de técnica bastante, uma técnica ainda muito tosca~ esta é a verdadeira situação: o reino do capital freia e s!ímplífica a técnica, cujas virtualidades são infinitas. Aliás, é inteiramente inconveniente apresentar a ciência como do mesmo registro, quanto ao pensamento, que a técnica. Há certamente entre ciência e técnica uma relação de necessidade, mas esta relação não implica nenhuma comunidade de essência. Os enunciados que anunciam a "ciência moderna" como efeito, se não efeito principal, do reino da técnica, são indefe~sáveis. Se consideramos, por exemplo, um grande teorema da matemática moderna, digamos, porque me interessa, o que demonstra a independência da hipótese do contínuo (Cohen, 1963~, encontramos nele uma concentração de pensamento, uma beleza inventiva, uma surpresa do conceito, uma ruptura arriscada, para dizer tudo: uma estética intelectual, que podemos, se quisermos, aproximar dos maiores poemas deste século, ou das audácias político-militares de um estratego revolucionário. ou das emoções mais intensas do encontro amoroso, mas não certamente de um moedor elétrico de café ou de uma televisão a cores, por mais úteis e engenhosos que sejam estes objetos. A ciência, enquanto ciência,. quer dizer. apreendida em seu procedimento de verdade, é de resto profundamente inútil, a não ser por afirmar o pensamento como tal, de maneira incondicionada. Este enunciado dos Gregos (a inutilidade da ciência, senão como exercício puro e condição genérica do pensamento), não há que revisá-lo, mesmo sob o pretexto falacioso de que a sociedade grega era escravagista. O dogma da utilidade acaba sempre como escusa para que não se queira verdadeiramente, o que se chama querer, a inutilidade para todos. No que diz respeito ao "nihilismo", admitiremos que nossa época é sua testemunha. na exata medida em que entendemos 24

31 NIHILISMO? por nihilismo a ruptura da figura tradicional do vinculo, o desligamento como forma de ser de tudo que faz semblante de vín cujo. É indubitável que nosso tempo se sustenta numa espécie de atomística generalizada, porque nenhuma sanção simbólica do vínculo está em condições de resistir à potência abstrata do capital. Que tudo que é amarrado se verifica que, enquanto ser, é desligado, que o reino do múltiplo é o fundo sem fundo~ do que se apresenta sem exceção, que o Um é apenas o resultado de operações transitórias, eis o efeito inelutável da arrumação universal dos termos de nossa situação no movimento circulante do equivalente geral monetário. Como o que se apresenta tem sempre uma substância temporal, e o tempo nos é, no sentido. literal, contado, nada existe que seja intrinsecamente amarrado a outra coisa, pois que um ou outro termo dessa suposta ligação essencial são projetados indiferentemente na superfície neutra da conta. Não há nada absolutamente a retomar na descrição dada deste estado coisas por Marx há cento e quarenta anos: "Por toda parte onde a burguesia conquistou o poder, ela espezinhou as relações feudais, patriarcais, idílicas. Todos os laços complexos e variados que unem o homem feudal a seus superiores naturais, ela os rompeu sem piedade para não deixar subsistir outro vínculo, entre homem e homem, senão o frio interesse, as duras exigências do pagamento em dinheiro contado. Ela afogou os tremores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, da sentimentalidade pequeno burguesa, nas águas geladas do cálculo egoísta''. O que Marx põe em evidência é, muito particularmente; o fim das figuras sagradas do vínculo, a perempção da garantia simbólica acordada ao vínculo pela estagnação produtiva e monetária. O capital é o dissolvente universal das representações sacralizantes, que postulam a existência de relações intrínsecas e essenciais (entre o homem e a natureza, entre os homens, entre os grupos e a Cidade, entre a vida mortal e a vida eterna, etc.). É muito característico que a denúncia do "nihilismo técnico" seja sempre correlata da nostalgia de tais relações. O desapare- 25

32 MANIFESTO PELA FILOSOFIA cimento do sagrado é um tema recorreq.te no próprio Heidegger. e a predição de seu retomo identifica-se ao tema, tomado de Hoelderlin, do "retorno dos Deuses". Se entendennos por "nihilismo" a dessacralização, o capital, cujo reino planetário não deixa dúvidas - mas "técnica" e "capital" só são emparelháveis numa seqüência histórica, e não no conceito -. é certamente a única potência nihilista da qual os homens conseguiram ser tanto os inventores quanto as vítimas. Contudo, para Marx como para nós, a dessacralização não é de modo algum nihilista, na medida em que "nihilismo,. deva significar o que pronuncia que o acesso ao ser e à verdade é impossível. Muito ao contrário, a dessacralização é uma condiçljo necessária para que tal acesso se abra ao pensamento. É evidentemente a única coisa que podemos e devemos saudar no capital: ele põe a descoberto o múltiplo puro como fundo da apresentação, denuncia todo efeito de Um como simples configuração precária, destitui as representações simbólicas nas quais o vínculo encontrava um semblante de ser. Que esta destituição opere na mais completa barbárie, não deve dissimular sua virtude propriamente ontológica. A que devemos nos ter livrado do mito da Presença, da garantia que ela oferece à substancialidade dos vínculos e à perenidade das relações essenciais, senão à automaticidade errante do capital? Para pensar além do capital e de sua prescrição medíocre (a conta geral do tempo), ainda é preciso panir daquilo que ele revelou: o ser é essencialmente múltiplo, a Presença sagrada é puro semblante, e a verdade, como qualquer coisa, se ela existe, não é uma revelação, menos ainda a proximidade do que se retira. Ela é um procedimento regrado, cujo resultado é um múltiplo suplementar. Nossa época não é nem técnica (porque o é mediocremente). nem nihilista (pois é a primeira época que a destituição dos vínculos sagrados abre à genericidade do verdadeiro). Seu enigma próprio, ao contrário das especulações nostálgicas do socialismo feudal, cujo emblema mais perfeito certamente foi Hitler, reside primeiramente na manutenção local do sagrado que se tentou, 26

33 NIHILISMO? mas que também se denegou pelos grandes poetas depois de Hoelderlin. E. em segundo lugar, nas reações anti-técnicas, arcaizantes, que ainda prendem nossos olhos a cacos de religião (do suplemento de alma ao islamismo). a políticas messiânicas (marxismo inclusive), a ciências ocultas (astrologia, plantas curativas, massagens telepáticas, terapias de grupo por futucações e borborigmos...), e toda. sorte de pseudo-vínculos cujo amor ao xarope das canções, amor sem amor, sem verdade nem encontro, constitui a mole matriz universal. A filosofia não acabou de modo algum. Mas a tenacidade desses resíduos do império do Um, os quais constituem, eles. sim, o nihilísmo anti-"nihilista.., pois que se põem de través aos procedimentos de verdade, e designam o obstáculo recorrente oposto à ontologia subtrativa cujo -capital é o medium histórico, nos dá a pensar que a filosofia esteve por longo tempo suspensa. Adianto este paradoxo: a filosofia ainda não. soube, até muito recentemente, pensar~ altura do capital, pois deixou o campo livre, até o mais íntimo dela mesma, às vãs nostalgias do sagrado, à assombração der Presença, à dominação obscura do poema, à dúvida sobre sua própr:ia legitimidade. Ela não soube trocar em pensamento o fato de que o homem se tomou. irreversivelmente, "senhor e dono da natureza", e que não se trata aí nem de uma perda nem de um esquecimento, mas sim de sua mais alta destinação - entretanto figurada, ainda, na estupidez opaca do tempo contado. A filosofia deixou inacabada a "meditação cartesiana'', perdendo-se na estetização do querer e no patos do término, do destino do esquecimento, do traço perdido. Ela não quis reconhecer sem desvio a absolutidade do múltiplo e o não-ser do vínculo. Ela se agarrou à língua, à literatura, à escrita, como aos últimos representantes possíveis de uma determinação a priori da experiência, ou como ao lugar preservado de uma clareira do Ser. Ela declarou, depojs de Nietzsche, que o que havia começado com Platão entrava em seu crepúsculo, mas esta arrogante declaração encobria a impotência de continuar esse começo. A filosofia não denuncia nem incensao "ni- 27

34 MANIFESTO PELA FILOSOFIA hilismo moderno" senão na medida de sua própria dificuldade de apreender por onde transita a positividade atual, e por falta de conceber que acabamos de entrar cegamente numa nova etapa da doutrina da verdade, que é a do múltiplo-sem-um, ou das totalidades fragmentárias, infmitas e índiscemfveis... Nihilismo" é um significante tapa-buraco. A verdadeira questão permanece: o que áconteceu com a filosofia para que ela recuse friorentamente a liberdade e a potência que uma época dessacralizante lhe propõe? 28

35 6. Suturas Se a filosofia é, como estou sustentando, a configuração, como pensamento, do fato de que suas quatro condições genéricas (poema, materna, política e amor) são compossfveis na forma eventural que prescreve as verdades do tempo. uma suspensão da filosofia pode resultar do fato de que o livre jogo requisitado para que ela defina um regime de passagem, ou de circulação intelectual entre os procedimentos de verdade que a condicionam, se encontra restrito, ou bloqueado. A causa mais freqüente de tal bloqueio é que em vez de edificar um espaço de compossibilidade através do qual se exerça um pensamento do tempo, a filosofia delega suas funções a tal ou qual de suas. condições, ela entrega o todo do pensamento a um procedimento genérico. A filosofia se efetua então no elemento de sua própria supressão em proveito desse procedimento. Chamarei de sutura esse tipo de situação. A filosofia é.posta em suspensão de cada vez que se apresenta como suturada a umá de suas condições, e se proibe por isso de edificar livremente um espaço sul generis onde as nomeações eventurais que indicam a novidade das quatro condições venham inscrever-se e afirmar, num exercício de pensamento que não se confunda com nenhuma delas, sua simultaneidade e, portanto, um certo estado configurável das verdades da époéa. 29

36 MANIFESTO PELA FILOSOFIA O século dezenove, entre Hegel e Nietzsche, foi amplamente dominado por suturas, e é por isso que a filosofia parece nele sofrer um eclipse. A principal dessas suturas foi a sutura positivista, ou cientificista, que esperou da ciência, que ela configurasse por si mesma o sistema acabado das verdades do tempo. Esta sutura ainda domina, embora seu prestígio esteja abalado, a filosofia acadêmica anglo-saxônica. Seus efeitos mais visíveis caem naturalmente sobre o estatuto das outras condições. Tratand.o-se da condição política, ~la se vê retirada de todo estatuto eventural, e reduzida à defesa pragmática do regime liberal -parlamentar. O enunciado ao mesmo tempo latente e central é, de fato, que a polftíca nao depende de modo algum do pensamento: A condição poética é foracluída, registrada no suplemento cultural, ou proposta como objeto às análises linguísticas~ A condição amorosa é ignorada: devo a Jean-Luc Nancy esta profunda observação de que a essência dos USA é de ser um país onde o sentimentalismo e o sexo coexistem em detrimento do amor. A surura da filosofia à sua condição científica a reduz progressivamente a não ser mais do que uma raciocinação analítica, cuja linguagem, em todos os sentidos do termo, paga as contas. Livre carreira é assim oferecida a uma religiosi~ade difusa que serve de algodão hidrófilo para as feridas e mossas da brutalidade capitalista. Em sua forma canônica dominante, o marxismo propôs ele próprio uma sutura, a da filosofia à sua condição polftica. É todo o equívoco da famosa tese sobre Feuerbach, que pretende substituir a "interpretação" do.mundo por sua transformação revolucionária. A política é aqui filosoficamente designada como só ela capaz de configurar praticamente o sistema geral do sentido, e a filosofia é votada a sua supressão realizante. Que a política, de resto amplamente identificada por Marx com o movimento real da História, seja a forma última da totalização da experiência, destitui simultaneamente as outras condições e a filosofia que pretendia inscrever sua compossibilidade com a política. Conhecemos os ressaibos de Marx e dos marxistas re- 30

37 SUTURAS lativos a tudo que diz respeito à atividade artística, da qual não chegaram nem a pensar a singularidade nem a respeitar o rigor inventivo. Quanto aos efeitos de verdade da diferença dos sexos, eles sofreram, no fmal das contas, a dupla ocultação do puritanismo "socialista" e do desprezo no qual era mantida a psicanálise (a qual é, a meu ver, a única verdadeira tentativa moderna de fazer do amor um conceito). Quanto à condição científica, o negócio é mais complicado. Marx e seus sucessores, nisto tributários da sutura positivista dominante, sempre pretenderam elevar a política revolucionária à categoria de uma ciência. Eles mantiveram o equívoco entre "ciência da História" - o materialismo histórico - e o movimento dirigido da História pelo viés da política. Desde a origem, opuseram o socialismo deles, "cientffiço". aos diversos socialismos "utópicos". Podemos então afirmar que o marxismo cruzou duas suturas, com a política e com a ciência. De resto, é a rede complexa dessa dupla suturação que Stalin, particularmente, chama de "filosofia" - ou materialismo dialético. Disso resulta que a dita "filosofia" se apresenta sob a forma estranha de "leis", as "leis da dialética'\ equivocamente aplicáveis à Natureza e à História. Mas em última instância, como na visão "materialista" a ciência é remetida a suas condições técnico-históricas, a dupla sutura é articulada sob o domínio da política, a qual pode, sozinha, totalizar tamb~m a ciência, como se vê quando o mesmo Stalin se meteu a legiferar sobre a genética, a linguística ou a física relativista, em nome do proletariado e de seu Partido. Esta situação criou uma paralisia filosófica tão embrulhada que, quando Louis Althusser empreendeu, nos anos sessenta. pôr novamente em jogo o pensamento marxista. não viu outra saída senão reverter a articulação das duas suturas em proveito da ciência. e fazer do marxismo filosófico algo como a epistemologia do materialismo histórico. Em parte alguma a pregnâncía das suturas na filosofia dessa época é mais visível do que no esforço heróico com o qual Althusser empreendeu reverter o marxismo para o 31

38 MANIFESTO PELA FILOSOFIA lado da sutura da filosofia à ciência, na justa consciência em que ele estava de que o domínio de sua sutura à condição política era ainda mais nocivo. O preço a pagar por esta operação de transferência foi o de manter a delegação da política a um órgão tão suspeito e deteriorado corno o Partido Comunista Francês, o que conseqüentemente proibia o pensamento de apreender isto. A investida filosófica, depois de alguns sucessos iniciais, veio fracassar no evento de Maio de 68, cuja nomeação no pensamento excedia, por todos os lados, os recursos da condição científica, e exibia cruelmente a perempção histórica do PCF. A tese que adianto é, em definitivo, a seguinte: se a filo sofia está no círculo fechado de sua suspensão, talvez depois de Hegel, é porque ela está cativa de uma rede de suturas a suas condições, especialmente a suas condições científica e política, que a proíbem de configurar sua compossibilidade geral. É então exato que algo do tempo, do nosso tempo, lhe escape, e que ela tenha dado de si mesma uma imagem desfeita e encolhida. Um signo infalível pelo qual se reconhece que a filosofia está sob o efeito dirimente de alguma sutura a uma de suas con- dições genéricas é a monótona repetição do enunciado segundo o qual a "forma sistemática" da filosofia se tornou doravante impossível. Este axioma anti-sistemático é hoje em dia sistemático. Lembrei, no início deste livro. a forma que lhe dá Lyotard, mas, com exceção sem dúvida de Lardreau e Jambet, ele é comwn a todos os filósofos franceses contemporâneos e especialmente a todos aqueles que se iluminam por essa singular constelação típica onde encontramos os sofistas g~;egos, NietzSche, Heidegger e Wíttgenstein. Se entendemos por "sistema" uma figura enciclopédica, ela própria dotada de uma chave-mestra ou ocdenada por algum significante supremo, acho mesmo que a dessacralização modema proíbe seu desenvol~imento. A filosofia, a não ser talvez Aristóteles e Hegel, terá ela, de resto, jamais sustent;ado tal ambição? Se entendemos por "sistematicidade", como devemos fazê-lo, o requisito de uma configuração completa das quatro cond.ições 32

39 SUTURAS genéricàs da filosofia (o que, ainda uma vez, não exige de modo algum que os resultados dessas condições sejam exibidos ou mesmo mencionados), segundo urna exposição que exponha também sua regra de exposição, então é da essência da filosofia ser sistemátiça, e nenhum filósofo jamais duvidou disto, de Platão até Hegel. De resto. é por isso que a recusa da ''sistematicidade" vai hoje em dia de par com o sentimento moroso, de que falei no começo deste texto, de uma "impossibilidade" da filosofia mesma. É a confissão de que ela não é de modo algum impossível, mas está entravada pela rede histórica das suturas. Não posso conceder a Lyotard sua defmição da filosofia: um discurso à procura de suas próprias regras. Há. pelo menos duas regras universais, na falta das quais não se tem mais nenhuma razão de falar de filosofia. A primeira é que ela deve dispor as nomeações eventurais de suas condições e, portanto, tomar possível o pensamento simultâneo, conceimalmente unificado do materna, do poema, da invenção política e do Dois do amor. A segunda é que o paradigma de percurso, ou de rigor. que estabelece esse espaço de pensamento, no qual os procedimentos ge-. néricos encontram abrigo e acolhimento, deve ser exibido no interior desse abrigo e desse acolhimento. É outra maneira de dizer que a filosofia s6 é des-suturada se ela é, por sua própria conta, sistemática. Se a contrario a filosofia declara a impossibilidade do sistema, é que ela está suturada, é que ela entrega o pensamento a uma só de suas condições. Se, no século dezenove e mais além, a filosofia sofreu a dupla sutura à sua condição política e à sua condição científica, compreendemos muito bem que, especialmente depois de Nietzsche, se tenha exercido sobre ela a tentação de se entregar, pela sutura, a uma.outra condição. A arte estava inteiramente designada para isto. O que culmina com Heidegger é o esforço, anti -positivista e anti-marxista, de entregar a filosofia ao poema. Quando Heidegger designa como efeitos cruciais da técnica, de uma parte a ciência moderna. de outra parte o Estado totalitário, ele indica na realidade as duas suturas dominantes, das quais o 33

40 MANIFESTO PElA FILOSOFIA pensamento só se salvará abandonando-as. A via que ele propõe não é a da filosofia, a seus olhos realizada na técnica, é aquela, pressentida por Nietzsche, mesmo pot Bergson, prolongada na Alemanha pelo culto filosófico dos poetas~ na França pelo fetichismo da literatura (Blanchot, Derrida, Deleuze também.), que delega o vivo do pensamento à condição artística. Servidora a Oeste da ciência, a Leste da política, a filosofia tentou, na Europa ocidental, servir pelo menos ao outro Mestre, o poema. A situação atual da filosofia é: Arlequim servidor de três senhores. Podemos mesmo acrescentar que um Levinas, à g\iisa da proposição dual sobre o Outro e seu rosto, sobre a Mulher, visualiza que. a filosofia possa também se tornar o valete de sua quarta condição, o amor. Adianto que é hoje possível, portanto exigível, romper todos esses contratos. O gesto que proponho é pura e simplesmente o da filosofia, o da des-sutura. Acontece que o desempenho principal, a dificuldade suprema, é a de des-suturar a filosofia de sua condição poética. Positivismo e marxismo dogmático não constituem mais do que posições ossificadas. São suturas puramente institucionais ou acadêmicas. Em contrapartida, o que deu poder à sutura poetizante, a Heidegger portanto, está longe de se desfazer, até por falta de ter sido examinado. O que foram e o que pensaram os poetas no tempo em que a filosofia perdia seu espaço próprio, suturada que estava ao materna ou à política revolucionária? 34

41 7. A era dos poetas No período que se abre, grosso modo, logo depois de Hegel, período no qual a fllosofia está o mais freqüentemente suturada seja à condição científica, seja à condição política, a poesia tomou para si certas funções da filosofia. E também todo mundo concorda em dizer que então se trata de um período excepcional para essa arte. Contudo, a poesia e os poetas de que falamos não são nem toda a poesia nem todos os poetas. Trata-se daqu~les cuja ob.i:a é imediatamente reconhecível como uma obra de pensamento, e para a qual o poema é, no lugar mesmo onde a filosofia desfalece, o lugar da língua onde se exerce uma proposição sobre o ser e sobre o tempo. Esses poetas não decidiram substituírem-se aos filósofos, não escreveram na consciência clarificada de uma tal substituição. Melhor, é preciso imaginar que se exercia sobre eles uma espécie de pressão intelectual induzida pela ausência de livre jogo dentro da filosofia, pela necessidade de constituir, do interior de sua arte, esse espaço geral de acolhimento para o pensamento e para os procedimentos genéricos que~ suturada, a filosofia não conseguia mais estabelecer. Se a poesia foi singularmente designada para este ofício, foi, de uma parte, porque ela não figurava, pelo menos até Nietzsche e Heidegger, entre as condições a que, de maneira privilegiada, a filosofia se suturava; de outra parte, porque é uma vocação remota 35

42 MANIFESTO PElA FILOSOFIA da..jl(>esia, arte.. do_yínculo.entre.a...palavra..e...a..experiência, ter, como seu horizonte quimérico, o ideal da Presença tal como uma palavra pode fundá-la. A rivalidade do poeta com o filósofo é uma velha história, como vemos no exame especialmente severo ao qual Platão submete a poesia e os poetas. A desforra contra Platão, da qual Nietzsche foi o profeta, não podia não se ancorar na jurisdição do poema. Descartes, Leibniz, Kant ou Hegel bem podiam ser matemáticos, historiadores, físicos, se há uma coisa que eles não eram, era poetas. Mas depois de Nietzsche todos pretendem isso, todos Invejam os poetas, todos são poetas fracassados ou aproximativos, ou notórios, como vemos com Heidegger, mas também com Derrida, ou Lacoue-Labarthe, e mesmo Jambet ou Lardreau saúdam a inelu~vel vertente poética das elevações metaffsicas do Oriente. É que houve, com efeito, uma era dns poetas, no tempo da sutura deserdada dos filósofos. Houve um tempo, entre Hoelderlin e Paul Celan, em que o sentido trêmulo do que fosse esse tempo mesmo, o modo de acesso mais aberto à questão do ser, o espaço de compossibilidade menos aprisionado em suturas brutas, a formulação mais alerta da experiência do homem modemo, foram desencadeados e sustentados pelo poema. Um tempo no qual o enigma do tempo foi tomado pelo enigma da metáfora poética, em que o próprio desligamento se enlaçou no "como" da imagem. Toda uma época se representou em curtas filosofias como uma época consistente e sobretudo orientada. Havia o progresso, o sentido da História, a fundação milenar, o advento de um outro mundo, e de outros homens. Mas o real dessa época era bem mais a inconsistência e a desorientação. A poesia, pelo menos a poesia Hmetaffsica", a poesia mais concentrada, a mais intelectualmente tensa, a mais obscura também, ela sozinha, designou e articulou-essa desorientação essencial. A poesia traçpu, nas representações orientadas é.la História, uma diagonal desorientadora. A secura cintilante desses poemas fez a cesura - pa ra retomar um conceito de Lacoue-Labarthe, vindo de Hoelderlin - do patos histórico. 36

43 A ERA DOS POETAS Os representantes canônicos da era dos poetas são objeto, a partir do momento em que a filosofia tenta suturar-se à condição poética, de uma eleiç(j() filosófica. Michel Deguy chega a dizer- é verdade que ele é poeta - :.. A filosofia, para preparar para a poesia". Em todo caso, para preparar a lista dos poetas que a filosofia reconhece que se apossaram, por longo tempo, de suas funções ordinárias. No que me conceme (mas. sustento que a era dos poetas acabou, e é do ponto desse fecho que enuncio minha própria lista, lista por conseqüente fechada), reconheço sete poetas cruciais, não que eles sejam forçosamente os "melhores poetas.., impraticável distribuição de prêmios, mas que periodizaram, escandira.m, a era dos poetas. Trata-se de Hoelderlin, o profe~ deles, seu vigia antecipador, depois, todos posteriores à Comuna de Paris, que marcou a abertura da desorientação representada como sentido orientado, Mallanné, Rimbaud, Trakl, Pessoa, Mandeis- - tam e Celan. Não se trata aqui de estudar o emaranhamento histórico, as reviravoltas, os poemas fundadores, as operações singulares (como O Livro de Mallarmé, o desregramento de Rimbaud, os heterônimos de Pessoa... ) que são tantas operações conceituais cujo total não alinhável compõe a era dos poetas como a era do pensamento. Algumas observações entretanto. 1) A linha fundamental seguida por nossos poetas e que lhes permite subtraírem-se aos efeitos das suturas filosóficas é a da destituiçljo da categoria de objetq. Mais praticamente: a destituição da categoria de objeto, e da de objetividade, como formas necessárias da apresentação. O que tentam os p~ da era dos poetas é abrir um acesso ao ser, ali mesmo onde o ser não se pode sustentar pela categoria apresentativa do objeto. A poesia é, então, essencialmente desobjetivante. Isto não significa, de modo algum, que o sentido seja entregue ao sujeito, ou ao subjetivo. Muito pelo contrário, pois o de que a poesia tem uma consciência aguda, é do vínculo organizado pelas suturas entre 37

44 MANIFESTO PELA FILOSOFIA "objeto" ou objetividade, e "sujeito". Esse vínculo é constitutivo do saber ou do conhecimento. Mas o acesso ao ser que a poesia tenta não é da ordem do conhecimentó. Ele é então diagonal à oposição sujeito/objeto. Quando Rimbaud enche de sarcasmo a ''poesia subjetiva'', ou quando Mallarmé estabelece que o poema só tem lugar se seu autor como sujeito é ausentado, eles entendem que a verdade do p<>ema tem advento na medida em que o que ele enuncia não depende nem da objetividade nem da subjetividade. Pois, para todos os poetas da era dos poetas, se.a consistência da experiência está ligada à objetividade, como pretendem as filosofias suturadas ao se reclamarem de Kant, então é preciso sustentar audaciosamente que o ser inconsiste, o que Celan resumirá admiravelmente: "Sobre as inconsistências se apoiar" A poesia, que procura o traço, ou o limiar, da Presença, nega que possamos nos manter em tal soleira ao mesmo tempo que conservando o tema da objetividade e, por via de conseqüência, também não é mais um sujeito - correlato obrigatório do objeto - que é o suporte de tal experiência. Se a poesia captou no obscuro a escuridão do tempo, é porque, qualquer que seja a diversidade e mesmo a dimensão inconciliável de seus procedimentos, ela destituiu o quadro "objetivante" sujeito/objeto dentro do qual, no elemento das suturas, se afirmava filosoficamente que esse tempo estava orientado. A desorientação poética é, de saída, sob a lei de uma verdade que fura e oblitera tooo conhecimento, que existe uma experiência subtraída simultaneamente à objetividade e à subjetividade. 2) O que deu força ao pensamento de Heidegger foi ele cruzar a critica propriamente filosófica da objetividade com sua destituiç(u) poética. O golpe de gênio - só que ele jamais deixa de ser um modo de sutura. desta ~ez à condição poética - foi: 38

45 A ERA DOS POETAS - apreender, especialmente através do exame de K.ant, que o que separava a "ontologia fundamental" da doutrina do conhecimento era a manutenção, na segunda, da categoria de objeto, fio condutor e limite absoluto da crítica kantiana; - não cair, nem por isso, no subjetivismo, ou numa filosofia radical da consciência, via seguida em defmitivo por Husserl, mas, bem ao contrário, pronunciar a desconstrução dó tema do sujeito, considerado como último avatar da metafísica e correlato forçoso da objetividade; - manter assim firmemente a distinção capital entre saber e verdade, ou entre conhecimento e pensamento, distinção que é o fundamento latente do empreendimento poético; - chegar assim ao ponto onde é possível entregar a filosofia ~ poesfa. Esta sutura aparece como uma garantia de força, pois é verdade que houve uma era dos poetas. A existência dos poetas deu ao pensamento de Heidegger, sem ela aporético e desesperado, um solo de historicidade, de efetividade, capaz de lhe conferir - uma vez que a miragem de uma historicidade política se concretizou e se dissolveu no horror nazista - o que devia ser sua única ocorrência real. Até hoje, o pensamento de Heidegger mantém seu pader de persuasão por ter sido o único a captar o que estava em jogo no poema, nomeadamente a destituição do fetichismo do objeto, a oposição da verdade ao saber e, finalmente, a desorientação essencial de nossa época. É por isso que não poderia existir crítica fundamental de Heidegger senão esta: a era dos poetas acabou, é preciso.des -suturar também a filosofia de sua condição poéti<;.a. O que quer dizer: a desobjetificação, a desorientação não estão mais hoje em dia obrigadas a se enunciarem pela metáfora poética. A desorientação é conceitualizdvel. 3) Há entretanto, no balanço heideggeriano da era dos poetas, um ponto de falsificação. Heidegger faz como se o dizer poético identificasse a destituição da objetividade e a destituição 39

46 MANIFESTO PELA FILOSOFIA da ciência. Arriscando o Aberto do próprio seio do desamparo técnico, o poema faria comparecer, exporia, a 'ciência moderna" na categoria da objetivação.do mundo e do sujeito como vontade nadificadora. Heidegger ''monta'' a antinomia do materna e do poema de maneira a que ela coincida com a oposiçao do saber com a verdade, ou do par sujeito/objeto com o Ser. Ora, esta montagem não é legível na poesia da era dos poetas. A relação autêntica dos poetas com as matemáticas é de ordem inteiramente diversa. Aparece como uma relação de rivalidade em torsão, de comunidade heterogênea no mesmo ponto. A vontade " algébrica' ' da poesia mallarrnaica é flagrante, e quando ele escreve " vós, matemáticos, expirantes", é apenas para apontar que no lugar preciso onde opera a conspiração do acaso e do infinito, a poesia resgata o materna. Quando Rimbaud anota- sentença particularmente profunda sobre a essência literal da ciência: "Fracos se punham a pensar sobre a primeira letra do alfabeto, que poderiam rapidamente rumar para a loucura!'', ele inscreve, no mesmo golpe, a paixão do materna ao lado dos desregramentos salvadores, pois o que é no fundo a matemática senão a decisão de pensar sobre as letras? Lautréamont. digno herdeiro de Platão, de Spinoza e de Kant, considera que as matemáticas o salvaram, e o salvaram no ponto preciso da destituição do par sujeito/objeto, ou Homem/mundo: "Oh, matemáticas severas, não as esqueci, depois que suas sábias lições, mais doces do que o mel, se infiltraram no meu coração como uma onda refrescante. Sem vocês, em minha luta contra o homem, talvez eu tivesse sido vencido". E quando Pess()a escreve: ''O binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Mito/O que há é pouca gente para dar por isso", nos dá a pensar que,.melhor do que opor a verdade do poema ao nihilismo latente do materna, o imperativo é agir de modo que, dessa identidade de beleza, não mais ''pouca gente'', mas todo mundo, dê por isso afinal. A poesia, mais profunda nisso do que seu servidor filósofo, teve completa consciência de uma partilha de pensamento 40

47 A ERA DOS POETAS com as matemáticas, porque ela cegamente percebeu que também o materna, em sua pura doação literal, em sua sutura vazia para qualquer apresentação múltipla, questionava e destituía a prevalência da objetividade. Os poetas souberam, é verdade que melhor do que os próprios matemáticos, que não existia objeto matemático. Toda sutura é um exagero. pois como já repeti com Heidegger, a filosofia agrava os problemas. Suturada a uma de suas condições, ela lhe empresta virtudes que, do interior do exercício dessa condição. não poderíamos perceber. Ao isolar o poema como figura única do pensamento e do risco, como instância de destino do desamparo e da salvação; ao chegar a visualizar, seguindo René Char, um "poder dos poetas e dos pensadores", Heidegger excedeu a jurisdição poética que, salvo quando ela "faz a pose" (o que, que fazer?!, é o caso de Char, mais vezes que o dele), não legifera sobre tal unicidade e trata em particular o materna - mas também a política e o amor - com um viés inteiramente diverso. Ele não fez melhor em relação ao poema do que aqueles - eu fui um deles - que absolutizaram filosoficamente a política desde o interior da sutura marxista, muito para além do que a política real estava em condições de enunciar sobre si mesma. Também não melhor do que aquilo que, como promessas mirabolantes, os filósofos positivistas extirparam de urna ciência a mais não poder, e para a qual a promessa, qualquer que ela seja, é inteiramente estranha. 4) A operação central a partir da qual podemos incluir e pensar um poeta da era dos poetas é seu "método" de desobjetivação, portanto o procedimento, o mais freqüentemente muito complexo, que ele opera para produzir verdades na falta do saber, para enunciar a desorientação no movimento metafórico de uma destituição do par sujeito/objeto. São esses procedimentos que diferenciam os poetas e peri.odizam a era dos poetas. Eles dependem principalmente de dois tipos: coloca-se a falta, ou se coloca o excesso. O objeto ou é subtraído, retirado da Presença 41

48 MANIFESTO PELA FILOSOFIA por sua própria auto-dissolução (é o método de Mallarmé), ou é extirpado de seu domínio de aparição, desfeito por sua exceção solitária, e tornado por conseguinte substituível por qualquer outro (é. o método de Rimbaud). O poema regra a falta, ou desregra a apresentação. Simultaneamente, o sujeito é rescindido, seja pela ausentificação (Mallarmé), seja por pluralização efetiva (Pessoa, Rimbaud: "Perante vários homens, conversei bem alto com um momento de suas outras vidas. - Assim, eu amei um porco"). Nada melhor do que o inventário desses procedimentos indica até que ponto esses poemas são conexos, de fato substituídos provisoriamente, aos ''andaimes'' do espaço de pensamento que define a filosofia. 5) A obra de Paul Celan enuncia, em fronteira terminal, e desde o interior da poesia, o fim da era dos poetas. Celan termina Hoelderlin. 42

49 8. Eventos Que seja hoje possível, logo necessário, des-suturar a filosofia e proclamar seu renascimento; que após a longa suspensão que acarretaram os privilégios sucessivos e ruinosos da condição científica (positivismo), da condição política (marxismo) e da condição poética (de Nietzsche até hoje), retoma o imperativo de configurar as quatro condições a partir de uma doutrina inteiramente refundida da verdade; que em ruptura para com os anúncios repetidos do "fim.da filosofia", do " fim da metafísica", da "crise da razão", da "desconstrução do sujeito", a tarefa seja a de retomar o fio da razão moderna, de dar um passo a l11llis na filiação da "meditação cartesiana": tudo isto não passaria de um voluntarismo arbitrário se aquilo que Jhe funda o sentido não se achasse tendo o estatuto de eventos cruciais sobrevindos, embora segundo nomeações ainda suspensas, ou precárias, ao registro de cada uma das quatro condições. São estes eventos do materna; do poema, do pensamento do amor e da política inventada que nos prescrevem o retorno da filosofia, na aptidão de dispor um lugar intelectual de abrigo e de acolhimento para aquilo que, desses eventos, é presentemente nomeável. Na ordem do materna, o trajeto que vai de Cantor a Paul Cohen constitui esse evento. Ele funda o paradoxo central da teoria do múltiplo e o articula pela primeira vez de maneira integralmente demonstrativa num conceito discernível do que seja

50 MANIFESTO PELA FILOSOFIA uma multiplicidade indiscernfvel. Resolve, num sentido oposto àquele que Leibniz propunha, a questão de saber se um pensamento racional de ser-enquanto-ser se dobra ou não à soberania da língua. Sabemos hoje que não é nada disso, e que, ao contrário, é só levando em conta a existência de multiplicidades quaisquer, inomináveis, "genéricas,., multiplicidades que nenhuma propriedade da língua delimita, que temos a chance de aproximar a verdade do ser de um múltiplo dado. Se a verdade faz furo no saber. se portanto não há saber da verdade, mas somente produçao de verdades, é que, pensada matematicamente em seu ser - logo como multiplicidade pura - uma verdade é genérica, subtraída a qualquer designa~ão exata, excedentária com relação ao que esta permite discernir. O preço a pagar por essa certeza é que a quantidade de um múltiplo suporta uma indeterminação, uma espécie de falha disjuntiva que constitui todo o real do próprio ser: é propriamente tmpossfvel pensar a relação quantitativa entre o.. número" dos elementos de um múltiplo infinito e o número de suas partes. Esta relação tem somente a fonna de um excesso errante: sabemos que as partes são mais numerosas do que os elementos (teorema de Cantor), mas nenhuma medida desse "mais" se deixa estabelecer. É de resto nesse ponto real - o excesso errante no quantitativo intmito - que se estabelecem as grandes orientaçljes no pensamento. O pensamento nominalista recusa este resultado, e só admite à existência as multiplicidades nomeáveis. Ele é anterior ao advento do materna de que falo, e é portanto um pensamento conservador. O pensamentq_ganscendente crê que a determinação de um ponto-múltiplo, situado para além das medidas ordinárias, regrará, fixará.. de cima", a errância do excesso. É um pensamento que tolera o indiscernfvel, mas como efeito transitório de uma ignorância relativa a algum múltiplo "supremo". Ele não homologa portanto o excesso e a errância como leis do ser. mas espera uma língua completa, embora admitindo que dela não dispomos ainda. É um pensamento profético. Enfim. o pensamento genütco assume o indicemlvel como o tipo de ser de qualquer verruide e toma a 44

51 EVENTOS errância do excesso pelo real do ser. pelo ser do ser. Como disso resulta que qualquer verdade é uma produção infinita suspensa a um evento, irredutível aos saberes estabelecidos e determinada somente pela atividade dos fiéis desse evento, podemos dizer que o pensamento genérico é, no sentido mais amplo, um pensamento militante. Se devemos correr aqui o risco de um nome para o advento do materna de que somos os filósofos contempor~eos, conviremos em dizer que esse evento é o da multiplicidade indiscernfvel, ou genérica, como ser-em-verdade do múltiplo puro (logo: como verdade do ser-enquanto-ser)! Na ordem do amor, do pensamento do que ele é de fato portador de verdades, o evento é a obra de Jacques Lacan. Não vamos entrar aqui na questão suplementar do estatuto da psicanálise, questão outrora fórmulada, em referência à sutura positivista, sob a forma "a psicanálise é ciência?", e que prefiro enunciar assim: "A psicanálise é um procedimento genérico? Ela faz pane das condições da filosofia?". Notemos apenas que sendo dado que, depois de Platão até Freud e Lacan, a filosofia s6 conheceu quatro procedimentos genéricos, seria considerável, e justificaria um pouco a arrogância freqüente dos sectários da psicanálise, que esta impõe ao filósofo tratar de uma quinta. Seria com efeito uma revolução no pensamento, urna época inteiramente nova das atividades configurantes da filosofia. Mas a supormos que a psicanálise não seja mais que um dispositivo de opinião endossado por práticas instin.jcionais, disso resultaria apenas que Freud e Lacan são na realidade filósofos, grandes pensadores que, a propósiro desse dispositivo de opinião, contribuíram para a conceituação do espaço ger:al no qual os procedimentos genéricos do tempo vêm encontrar o abrigo e o acolhimento de sua compossibilidade. Eles tiveram, em qualquer hipótese,. o imenso mérito de manter e refundir a categoria de sujeito, em tempos nos quais a filosofia, diversamente suturada, abdicava sobre este ponto. Eles terão, à sua maneira, prosseguido a meditação cartesiana, e não foi por acaso que Lacan lançou, desde o começo de sua obra essencial, a palavra de ordem de um ''re- 45

52 MANIFESTO PELA FILOSOFIA tomo a Descartes". Talvez mesmo eles só puderam fazer isto recusando o estatuto de filósofo, se não que reclamando para si, como Lacan, a anti-filosofia. A situação de pensamento de Freud e de l...acan sem dúvida foi a de ac~mpanhar, como seu avesso, a operação dessubjetivante da era dos poetas. Pode parecer singular fazer de l...acan um teórico do amor e não do sujeito, ou do desejo~ É que eu examinó aqui seu pensamento do estrito ponto de vista das condições da filosofia. É be~ possível (mas o número e a complexidade dos textos que ele consagra íl isto não deixam de constituir sintoma) que o amor não seja um conceito central da obra explícita de l...acan. É contudo pelo viés das inovações de pensamento que tratam disso que seu empreendimento faz evento e condição para o renascimento da filosofia. De resto, não conheço nenhuma teoria do amor que seja tão profunda quanto a sua depois da de Platão.. o Platão do Banque~e com o qual Lacan dialoga incansavelmente. Quando Lacan escreve: "0 ser como tal. é o amor que o vem abordar no encontro", a função propriamente ontológica que ele indica para o amor mostra bem qual incisão ele tem consciência, neste ponto, de operar nas configurações da filosofia. É que o amor é aquilo a partir do que se pensa o Dois, em refenda do domínio do Um, do qual entretanto ele suporta a imagem. Sabemos que Lacan procede uma espécie de dedução lógica do Dois dos sexos. da "parte" mulher e da "parte;' homem de um sujeito, partitura_que.combiria a negação e os quantificadores - universal e existencial - para defi~r uma mulher como não-toda e o pólo masculino como vetor do Todo assim estropiado. O amor é a efetividade desse Dois paradoxal que, por si mesmo, está no elemento da não:-relação, do des-ligado. Ele é a "abordagem" do Dois como tal. Originado no evento de um encontro (esse.. repentino.. sobre o qual Platão já insiste com força), o amor trama a experiência infinita, ou interminável, disso que desse Dois já constitui um excesso irremediável sobre a lei do Um. Direi na minha linguagem que o amor faz advir como multiplicidade sem nome, ou genérica, uma verdade 46

53 EVENTOS sobre a diferença dos sexos, verdade evidentemente subtraída ao saber, especialmente ao saber daqueles que se amam. O amor é a produção, em fidelidade ao evento-encontro, de uma verdade sobre o Dois. Lacan é um evento para a filosofia porque agencia toda espécie de sutilezas sobre o Dois, sobre a imagem do Um no des-ligado do Dois, e com isso ordena os paradoxos genéricos do amor. A.demais, nutrido por sua experiência, sabe também enunciar, em referência e comparação com o amor cortês, por exemplo, o estado contemporâneo -da questão do amor. Propõe não somente um conceito, articulado segundo as chicanas da <;liferença e de seu procedimento vivo~ mas uma análise de conjuntura. Eis porque o anti-filósofo Lacan é uma condição do renascimento da filosofia. Uma filosofia é hoje possível por dever ser compossível com Lacan. Na ordem da política, o evento se concentrou na seqüência histórica que vai aproximadamente de 1965 a 1980 e que viu desencadear-se o que Sylvain Lazarus chamou de "eventuralidades obscuras", quer dizer: obscuras do ponto de vista da política. Encontram-se entre elas: Maio de 68 e suas seqüelas, a Revolução cultural chinesa, a revolução iraniana, o movimento operário e nacional na Polônia ("Solidariedade"). Não cabe dizer aqui se esses eventos, enquanto puros fatos, foram fastos ou nefastos, vitoriosos ou fracassados. O que é certo é que estamos na suspensijo de sua nome(lçllo polftica. Exceto sem dúvida o movimento polonês, essas ocorrências político-históricas são ainda mais opacas quando são elas próprias representadas, na consciência de seus atores, por quadros de pensamento cujo caráter elas aliás denunciavam como perecido. É assim que Maio de 68 ou a Revolução cultural se referiam comumente ao marxismo -leninismo, cuja ruína logo apareceu - enquanto sistema de representação política - como estando precisamente inscrita na própria natureza dos eventos. O que se passava, ainda que pensado segundo esse sistema, não era nele pensável. Do mesmo modo, a revolução iraniana se inscreveu no seio de uma predi- 47

54 MANIFESTO PELA FILOSOFIA cação islâmica freqüentemente arcaizante, ao passo que o núcleo da convicção popular e de sua simbolização excedia de todos os lados a sua predicação. Nada atestou melhor que um evento é extranumerário, com relação não somente ao seu sítio, mas também à língua djsponfvel, do que esse desacordo entre a opacidade da intervenção e a vã transparência das representações. Desse desacordo resulta que os eventos em questão ainda n(j() foram nomeados. ou melhor, que o trabalho de sua nomeação (o que chamo de lntervençaa_no evento) ainda não terminou, longe.dl~. Uma polftig,1 é hoje, entre outras coisas. a capacidade de estabilizar fielmente, e a longo curso, essa nomeação. A filosofia está sob condição da política na e:xata medida em que o que ela dispõe como espaço conéeitual se verifica homogêneo a essa estabilização cujo processo próprio é, ele mesmo, estritamente polftico. Vemos como Maio de 68, a Polônia, etc., participam da des-suturação da filosofia: o que ali está em jogo quanto à polftica, não é certamente transitivo à filosofia, como o ''materialismo dialético" pretendia sê-~o à política' staliniana. É, ao contrário, a dimensão excessiva do evento e a tarefa que esse excesso prescreve l) polftlca que condicionam a filosofia, porque ela tem o dever de estabelecer que as nomeações politicamente Inventadas do evento são compossíveis com o que simultaneamente (quer dizer: para nossa época) faz ruptura na ordem do materna, do poema e do amor. A filosofia é novamente possível : justamente porque ela não tem que legiferar sobre a História ou sobre a política, mas somente que pensar a re-abertura contemporânea da possibilidade da política, a partir das eventuralidades obscuras. Na ordem do poema, o evento é a obra de Paul Celan, ao mesmo tempo por ela própria e pelo que ela detém, em última linha, da era dos poetas por inteiro. É sintomático que seja na referência aos poemas de Celan que empreendimentos de pensamento tão diversos como os de Derrida, de Gadamer ou de Lacoue-Labarthe, pronunciam a inelutável sutura da filosofia a sua condição poética. O sentido que empresto a esses poemas

55 EVENTOS (mas também, num certo sentido, aos de Pessoa e de Mandelstam) é exatamente inverso. Leio ali, poeticamente_enunciada, a confissão.de que a poesia não se basta a si mesma, que ela demanda ser libertada do fardo da sutura, que ela espera uma filosofia libertada da autoridade arrasante do poema. Lacoue -Labarthe teve a intuição deslocada dessa demanda quando decifra em Celan uma "interrupção da arte". A interrupção a meu ver não é a da poesia, mas a da poesia IJ qual a filosofia se entregou. O drarna de Celan foi ter tido que afrontar o sentido em não-senso da época, s.ua desorientação, só com o recurso solitário do poema. Quando, emanabase, ele evoca a "subida" para "a palavra tenta: reúne", é ao ultra-p~ma que ele aspira, à partilha de um pensamento menos submerso na unicidade metafórica. O imperativo que nos lega essa poesia, o evento do qual ela nos preme a achar alhures o nome, é o apelo poético à reconstituição de uma coleta em partilha da disposição conceiwal de nosso tempo, é a formulação, no poema, do fim da era dos poetas, da qual esquecemos demais que ela fez a glória, mas também o tormento e a solidão de seus poetas, solidão agravada, e não reduzida, pelas filosofias que ali se suturavam. Tudo repousa, é bem verdade, no sentido que se dá ao encontro de Celan e de Heidegger, episódio quase mítico de nossa época. A tese de Lacoue-Labarthe é a de que o poeta judeu sobrevivente não pôde, o quê? Tolerar? Suportar? Em qualquer caso, superar o fato de que o filósofo dos poetas guardava em sua presença, e em toda presença, o mais completo silêncio sobre o extermínio. Nao duvido por um segundo de que isto seja verdadeiro. Mas há também, e necessariamente, que ir ver o filósofo era experimentar o que a 'subida'' para o sentido da época podia esperar dele no elemento do ultra-poema. Ora, esse filósofo remetia ao poema, precisamente, de sorte que o poeta estava, diante dele, mais sozinho do que nunca. É preciso ver bem que a questão de Heidegger "por que poetas?" pode tornar-se, para o poeta, ''por que filósofos?'', e que se a resposta a essa questão é ''para que haja poetas, duplica se a solidão do poeta, 49

56 MANIFESTO PELA FILOSOFIA da qual a obra de Celan faz evento por ter poeticamente pedido que se a resgate. Estas duas significações do encontro não são, de resto, contraditórias. Como podia Heidegger quebrar o espelho do poema - o que, a seu modo, faz a poesia de Celan -, ele que não acreditou poder elucidar, na ordem das condições políticas, seu próprio engajamento nacional-socialista? Esse silêncio, além de ofender da maneira mais grave o poeta judeu, era também uma irremediável carência filosófica, pois levou a seu cúmulo, e até o intolerável, os efeitos redutores e nadificantes da sutura. Celan pôde ali experimentar no que é que dava, no fundas contas, o fetichismo filosófico do poema. O mais profundo sentido de sua obra poética é o de nos livrar desse fetichismo, de liberar o poema de seus parasitas especulativos, de restituf-lo à fraternidade de seu tempo, onde ele terá então que se avizinhar, no pensamento, com o materna, com o amor, com a invenção política. O evento é que~ no desespero e na angústia, Celan, o poeta, descerra, em poesia, o passe dessa restituição. Tais são os eventos que, em cada um dos procedimentos genéricos, condicionam hoje a filosofia. Nosso dever é produzir a configuração conceitual suscetível de acolhê-los, por menos nomeado's, ou mesmo percebidos, que eles ainda estejam. Como é que o genérico de Paul Cohen, a teoria do amor de Lacan, a polftica fiel a Maio de 68 e à Polônia, o apelo poético de Celan ao ultra-poema, podem ser simultaneamente possíveis para o pen- < sarnento? Não se trata de modo algum de totalizá-los, pois são heterogêneos, não-alinháveis, esses eventos. Trata-se de produzir os conceitos e as regras de pensamento, talvez o mais distante de qualquer menção explícita desses nomes e desses atos, talvez o mais perto deles, isto depende, mais tais que, através desses conceitos e dessas regras, nosso tempo será representável como o tempo em que Isto do pensamento teve-lugar, isto que jamais teve lugar, que jamais aconteceu, e que.a partir de então é partilhável por todos~ mesmo pelos que o ignoram, porque uma filosofia constituiu para todos o abrigo comum desse "ter-tido-lugar", desse "ter acontecido". 50

57 9. Questões Em seu conteúdo, o gesto de recomposição da filosofia que proponho é amplamente ditado pela singularidade dos eventos que afetaram os quatro procedimentos genéricos (Cantor-Goedel -Co~en para o materna, Lacan para o conceito de amor, Pessoa Mandelstarn-Celan para o poema, a seqüência das eventuralidades obscuras, entre 1965 e 1980, para a invenção política). As grandes questões conceituais induzidas-pelo suspense dessas ocorrências do pensamento, e que se trata de projetar filosoficamente num espaço único (onde serão pensados os pensamentos de nosso tempo). se destacam bem claramente, uma vez cumprido obalizamento eventural. De resto, mesmo quando negam à filosofia o direito de existir. e que fazem polêmica contra a sistemacidade, nossos filósofos, heideggerianos. sofistas modernos, lacanianos metafísicos, doutrinários do poema, sectários das multiplicidades proliferantes, trabalham todos essas questões: a gente não se subtrai tão facilmente ao imperativo das condições, mesmo desprezado, pois o que o funda teve lugar, acomeceu. Uma primeira questão enire essas é a do Dois, para além de sua formulação ordinária, quer dizer, dialética. Mostrei que ele sustentava toda a analítica do amor. Mas é bem claro que ela está no coração da inovação política, na forma do lugar que desde então deve ocupar ali o conflito. O marxismo clássico foi 51

58 MANIFESTO PELA FILOSOFIA um dualismo forte: proletariado contra burguc,:. Ele fez do antagonismo a chave de toda representação política. " Luta de classes'' e ''revolução'', depois - na visão estatal Jas coisas - "ditadura do proletariado,, fizeram a armadura do campo de reflexão das práticas: A política só era pensável na r dida em que o movimento da História era estruturado por um L'.. is essencial, fundado no real da economia e da exploração. A política "concentrava a economia", o que quer dizer que ela organizava a estratégia do Dois em torno do poder do Estado. Ela tinha como fim último a destruição da maquinaria política do adversário, ela substituía os..confrontos dispersos e mais ou menos pacíficos que opõem, no terreno social, os explorados aos exploradores, por um confronto global, cada classe estando projetada num órgão polftico que a representa, um partido polftico de classe. Ultimamente, só a violência (insurreição ou guerra popular prolongada) podia resolver o conflito. Mas precisamente, o que as eventu~idades obscuras dos anos ~ 70 trouxeram à ordem do dia, foi o declínio, a inoportunidade históricà dessa potente concepção. O.. que se procura hoje é um pensamento da política que, mesmo tratando o conflito, tendo o Dois estrutural no seu campo de. intervenção, não tome esse Dois por essência objetiva. Ou melhor, à doutrina objetivista do Dois (as classes são transitivas ao processo de produção), a inovação política em curso tenta opor uma visão do Dois "em hístoricidade", o que quer dizer que o Dois real é uma produç!jo eventural, uma produção política, e não um pressuposto objetivo, ou "científico". Devemos hoje proceder um reviramento da questão do Dois: tipo mesmo do conceito em objetividade (a luta de classes. ou a dualjdade dos sexos, ou o Bem e o Mal.... ), ele vai se tomar aquilo que amarra a produção aleatória que se remete a um evento. O Dois, e não como dantes o Um, é o que advém, o Dois é pós -eventural. O Um (a unidade de cjasse, a fusão amorosa, a Salvação... ) era participado pelo homem como sua dificuldade e sua tarefa. Estaremos mais dispostos a pensar que nada é mais difícil que o Dois, nada é mais submetido simultaneamente ao 52

59 QUESTOES acaso e ao labor fiel. O mais alto dever do homem é o de pro duzir conjuntamente o Dois e o pensamento do Dois, o exercfcto do Dois. A segunda questão é a do objeto e da objetividade. Mostrei que a função decisiva dos poetas foi estabelecer que o acesso ao ser e à verdade supunha a destituição da categoria de objeto como forma orgânica da apresentação. O objeto pode muito bem ser uma categoria do saber. Ele faz obstáculo à produção pós -eventural das verdades. A desobj~tivação poética, condição de uma abertura à nossa época como época desorientada, autoriza o enunciado filosófico seguinte, em sua nudez radical: tqda verdade é sem objeto. O problema fundamental é então o seguinte: a destituição da categoria de objeto acarreta a destituição da categoria de.su:.. jeito? Este é, sem nenhuma dúvida, o efeito visível da maioria dos poemas da era dos poetas. Notei a pluralização, a disseminação do sujeito em Rimbaud, seu ausentamento em Mallanné. O sujeito da poesia de Trakl só ocupa o lugar do Morto. Hei degger, suturado aos poetas, houve por bem dizer que é impos sível pensar o sítio con.temporâneo do Homem a partir das categorias de sujeito e de objeto. A contrario, Lacan só foi o guardião do sujeito na medida em que retomou também, reela borou, a categoria de objeto. En.quanto causa do desejo, o objeto lacaniano (bem próximo, a bem dizer, por seu caráter insimbo- 1izável e pontual, do "objeto transcendental = x.. de Kant) é detenninação do sujeito em seu ser, o que Lacan explícita assim: "Esse sujeito que crê poder aceder si mesmo, ao se designar no enunciado, não é outra coisa senão esse tal objeto". Podemos resumir a situação a partir da lógica, das suturas, tal como ela presidiu até hoje odes-ser da filosofia contemporânea. As filosofias suturadas a sua condição científica fazem a maior questão da categoria de objeto, e a objetividade é sua norma reconhecida. As filosofias suturadas à condição política, quer di zer, as variantes do "velho marxismo", ou bem afirmam que o sujeito "emerge" da objetividade (passagem da "classe-em- 53

60 MANIFESTO PELA FILOSOFIA -si" à "classe-por-si", geralmente por virtude do Partido), ou bem, mais conseqüentes, destituem o sujeito a favor da objetividade (para Althusser, a matéria da verdade depende do processo sem sujeito), e se juntam parado~jmente a Heidegger, fazendo do sujeito um simples operador da ideologia burguesa (para Heidegger, "sujeito" é uma elaboração secundária do reino da técnica, mas a gente pode se entender, se esse reino é de fato também o da burguesia). Para os filósofos suturados ao poema, ou mais geralmente à literatura, às artes mesmo, o pensamento dispensa tanto objeto quanto sujeito. Para os lacanianos, enfim, há conceitos aceitáveis tanto como de um como do outro. Todos estão de acordo num único ponto, que é um axioma tão geral da modernidade filosófica que não posso deixar de me juntar a ele: em todo caso, não se trata de definir a verdade como ''adequação do sujeito e do objeto''. Todos divergem quando se trata de dispor efetivamente a crítica da adequação, pois não estão de acordo sobre o estatuto dos termos (sujeito e ~bjeto) entre os quais ela opera. Notaremos que esta tipologia deixa um lugar vazio: o de um pensamento que manteria a categoria de sujeito, mas concederia aos poetas a destituição do objeto. A tarefa de tal pensamento é produzir um conceito de sujeito tal que não se sustente COlll.nenhuma menção ao objeto, um. sujeito, se assim posso di ~r, sem contraparte. Este lugar tem má reputação, pois evoca o idealismo absoluto do bispo Berkeley. Entretanto, é em ocupar esse lugar, como se terá compreendido, que eu me empenho. Tenho por central, com vistas a um renascimento ppssível da filosofia, o problema do sujeito sem objeto, assim como a desabjetivação, operando a ~unção entre a verdade e o saber, fundou a era dos poetas, portanto a crítica decisiva das suturas positivistas e marxizantes. De.resto. afirmo que um só conceito, o de procediment() genérico, subsume a desobjetiv~o da verdade e a do sujeito, fazendo aparecer o sujeito como simples fragmento finito de uma verdade p6s-eventural sem objeto. Só na via do sujeito sem objeto é que poderemos simultaneamente ~ 54

61 .QUESTOES -abrir a "meditação cartesiana" e continuar fiéis às aquisições da era dos poetas, numa fidelidade propriamente filosófica, portanto des-suturada. Pensando bem, é a tal movimento do pensamento que, estou convencido disto, nos convocam os poemas de Paul Celan, e particularmente essa injunção misteriosa que combina a idéia de que o acesso ao ser não é pela via aberta e majestosa da objetividade com a prevalência subtrativa das marcas, da inscrição, sobre a extensão enganosa da doação sensível: "Um sentido nos chegatambém pela vereda mais estreita que fratura a mais mortal das nossas marcas erigidas" A terceira questão é a do indiscernfvel. A soberania da língua é hoje um dogma geral, se bem que, entre a 'tfngua exata" com que sonham os positivistas e o "dizer poético" dos heideggerianos, haja bem mais do que um mal-entendido sobre a.essência da linguagem. Exatamente como um abismo separa o nominalismo integral de Foucault e a doutrina do simbólico de Lacan. Contudo, sobre o que todos estão de acordo, inscritos que estão no que Lyotard chama "a grande virada linguageira" da filosofia ocidental, é que, nas ourelas da linguagem e do ser, não há nada, e que ou bem existe uma possível "coleção do ser" na linguagem, ou bem o que é só. é tal por ser nomeado, ou bem o ser como tal é subtraído à linguagem, o que jamais teve outr<> sentido que não o de o entregar a uma outra lfngua, seja do poeta, do Inconsciente ou de Deus. Já indiquei que, sobre este ponto, só o materna nos guia. A convicção contemporânea é a mesma de Leibniz: não poderia haver indiscernfvel para o pensamento, se entendemos por "indiscernfvel" um conceito explícito do que é subtraído à língua. Do que é subtraído à língua não pode haver conceito, nem pensamento. É a razão pela qual o insimbolizável real de Lacan é 55

62 MANIFESTO PELA FILOSOFIA o "horror", do mesmo modo que ao que advém, enquanto advento, Lyotard crê que se deve dar o nome de "frase". O que não é nomeáv.er, é melhor manter à. di,tância do pensamento. Do "pdncípio dos indiscerníveis" de Leibniz, Wittgenstein deu, no fim do Tractatus, a versão que faz consenso; ''O de que é impossível falar, é preciso calar". Ora, nós sabemos, depois do evento no materna que constituem os operadores de Paul Cohen, que é muito exatamente possível produzir um conceito de indiscernfvel, e de estabelecer, sob certas condições, a existência de multiplicidades que caem nesse conceito, as multiplicidades "genéricas''. É portanto simplesmente falso que o de que não podemos falar (no sentido de que não há nada a dizer a seu respeito que o especifique, que lhe dê propriedades separadoras), devemos calar. Devemos, ao contrário, nomeá-lo, devemos discerni -lo como indiscernível. Não estamos mais obrigados, se aceitarmos estar dentro dos efeitos da condição matemática, a escolher entre o nomeável e o impensável. Não estamos mais suspensos entre o que tem explicitação dentro da língua e o de que s6 se tem uma "experiência" inefável, se não insustentável, e que desmonta o espírito. Pois se o indiscernível põe a pique o poder separador da linguagem, não é por isso menos proposto ao conceito, o qual pode legiferar demonstrativamente sobre sua existência. Deste ponto, é possível retomar o objeto e o Dois, e mos-. trar o vútculo profundo que existe entre nossos três problemas.. Se. a verdade não tem o que fazer da categoria de objeto, é precisamente porque ela é sempre, como resultado de um procedimento infinito, um mútiplo indiscem{yel. Se o Dois é estrangeiro a qualquer fundamento objetivo da política ou do amor, é porque esses procedimentos visam lndiscemitsub-conjuntos, existenciais ou populares, e não lançá-los "contra'' o que domina sua situação. É que um amor suplemento uma vida, mais do que a liga a uma outra. É que uma política, a partir de seu evento fundador, tende a delimitar o indelimitável, a fazer existir como múltiplo pessoas cuja lfngua estabelecida não pode apreender nem a comunidade 56

63 OUESTOES nem o interesse: Se enfim o Dois é um:1 produção, e não um es~do, é porque o que E>.le distingue, passo a ~asso, da situação em que reina o Um nãl "um outro Um",.nas a figura imanente daquilo que nllo fm contado. A.filosofia deve hoje nodular a destituição do objeto, a reversão da instância do Dois, e o pensamento do indiscernfvel. Ela deve sair fora, só a favor do sujeíto. da forma da objetividade, tomar o Dois por uma descendência, aleatória e tenaz, do evento, e identificar a verdade ao qualquer, ao sem nome, ao genérico. Fazer o nó dessas três prescrições supõe um espaço de pensamento complexo, cujo conceito central é o de sujeito sem objeto, ele mesmo conseqüência da genericidade como devir fiel, dentro do próprio ser, de um evento que o suplementa. Tal espaço, se chegarmos a agenciá-lo, acolherá a figura contemporânea das quatro condições da filosofia. Quanto à sua /o11m, o gesto filosófico que proponho é platônico.. 57

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65 10. Gesto platônico Registrar o fim de urna era dos poetas, convocar comovetor da ontologia as formas contemporâneas do materna, pensar o amor em sua função de verdade, inscrever as vias de um começo da pohtica: estas quatro feições são platônicas. Platão tam bém deve manter os poetas, cúmplices inocentes da sofística, no exterior do projeto de fundação fijosófica, incorporar à sua visão do "logos" o tratamento matemático do problema dos números irracionais, fazer justiça, na ascensão para o Belo e para as Idéias, ao repentino do amor, e pensar o crepúsculo da Cidade democrática. Ao que é preciso acrescentar que, assim como Platão tem por interlocutores ao mesmo tempo coriáceos e portadores de modernidade, os profissionais da sofística, também a tentativa de radicalizar a ruptura para com as categorias clássicas do pensamento de'fme hoje o que é razoável chamar de uma ''grande sofística" que se remete essencialmente a Wittgenstein. Importância decisiva da linguagem e de sua variabilidade em jogos heterogêneos, dúvida quanto à pertinência do conceito de verdade, proximidade retórica dos efeitos da arte, política pragmática e aberta: quantos traços comuns aos sofistas gregos e a tantas orientações contemporâneas, e que explicam porque os estudos e referências consagradas a Górgias ou Protágoras se multiplicaram recentemente. 'Estamos, também nós, confrontados com 59

66 MANIFESTO PElA FILOSOFIA a obrigação de uma crítica do rigor sofista, no respeito de tudo que ela comporta de ensinamentos sobre a época. O jovem Platão sabia que era preciso ao mesmo tempo ultrapassar as chicanas sutis da sofística e se instruir junto a elas sobre a essência das questões do seu tempo. Nós também. Que a transição em curso entre a era das suturas e a era de um recomeço da filosofia veja o reino dos sofistas, é inteiramente natural. A grande sofística moderna, linguageira, estetizante, democrática, exerce sua função dissolvente, examina os impasses, retrata o que nos é contemporâneo. Ela é para nós tão essencial quanto o libertino o foi para Pascal: ela nos Instrui sobre as singularidades do tempo. Configuração anti-sofística do matema (inaugural), dopoema (dispensado), da política (refundada) e do amor (pensado). o..gesto filosófico que proponho é um gesto platônico. O século, até hoje, foi anti-platônico. Não conheço nenhum tema que seja mais disseminado, nas e~colas filosóficas as mais variadas e as mais dilaceradas, do que o anti-platonismo. Na rubrica "Platão" do dicionário filosófico encomendado por Stalin; lia-se: " ideólogo dos proprietários d~ escravos''. o QUe era curto e grosso. Mas o existencialismo sartreano, em sua polêmica contra as es-' sências, tinha por alvo Platão. Mas Heidegger data da "virada platônica, qualquer que seja seu respeito pelo que ainda há de grego no recorte l~inoso da Idéia, o começo do esquecimento. Mas a filosofia contemporânea da linguagem t<~ma o partido.elos sgfistas ~ontra Platão. Mas o pensamento dos direitos do homem faz remontar a Platão a tentação totalitária - o que é notável na inspiração de Popper. Mas Lacoue-Labarthe procura caçar. na relação ambígua de Platão com a rnimese, a origem do destino da política no Ocidente. Não acabaríamos de enunciar todas as seqüências anti-platônicas, todos os agravos, todas as desconstruções, que Platão sofre. O grande "iij.ventor" do anti-platon~smo comemportneo. na_aurora da sutura da filosofia ao poema, e porque o platoni$ipo ~ra a principal interdição de tal sutura, foi Nietzsche. Conhecemos o diagnóstico estabelecido por Nietzsche no prefácio de Pa- 60

67 GESTO PLAT0NICO ralém de Mal e Bem: "Por menos médicos que sejamos, podemos. mesmo nos perguntar quem pôde infectar com essa doença Platão a mais bela planta humana da Antiguidade". Platão é o nome da doença espiritual do Ocidente. O próprio cristianismo é apenas um "platonismo para uso do povo". Mas o que enche Nietzsche de alegria, o que enfim dá curso aos "espíritos livres", é que o Ocidente entra em convalescença: "a Europa respira, consolada desse pesadelo'. De fato, a ultrapassagem do platonismo foi engajada e essa ultrapassagem em curso libera uma energia de pensamento sem precedente: "A luta contra Platão(...) criou na Europa um estado de tensão espirirual magnífico e até agora desconhecido". Os "espíritos livres, muito livres", os " bons Europeus'', seguram em suas mãos o arco assim tendido, e possuem "sua flecha, seu manejo e, quem sabe?, tz1vez seu alvo". Sabemos que logo vai aparecer que esse "alvo" é - dissipada a sangrenta, inominável mentira de sua assunção política - a pura e simples entrega do pensamento ao poema. A. polêmica de Nietzsche contra a "doença-platão", o ponto de aplicação da terapêutica européia, concerne ao conceitq de verdade. O axioma radical a partir do qual "espíritos livres" podem garantir o velório do platonismo, velório que é também a vigília e o despertar do pensamento, está em dispensar-se a verdade: "Que um jufzo seja falso, isto n~o é, a nosso ver, uma objeção contra esse juíw". Jl{ietzsche abre um século entregue aos antagonismo.s e às potências, por essa completa erradicação da referência à verdade, tida como o maior sintoma da doença-platão. Curar -se do platonismo é, primeiro, curar-se da verdade. E essa cura não será completa se não se acompanhar de um Q9io resoluto pelo matema, tido como uma carapaça dentro da qual se aninha a fraqueza doente do platônico: "O que dizer do alfarrabismo matemático.com que Spinoza acaba de encouraçar e mascarar sua filosofia (...) a fim de coagular de saída a coragem do as saltante (...)~quanta timidez, quanta vulnerabilidade pessoal trai essa mascarada num anacoreta doente!''. A filosofia por aforis mos e fragmentos, poemas e enigmas, metáforas e sentenças, 61

68 MANIFESTO PELA FILOSOFIA todo o estilo nietzscheano que teve tanto eco no pensamento contemporâneo, se énraíza na dupla exigência de destituição da verdade e de dispensa do materna. Anti-platônico ao extremo. Nietzsche inflige ao materna a sorte que Platão reserva ao poema, a de uma suspeita fraqueza, de uma doença do pensamento, de uma "mascarada". Não há d4vida de que Nietzsche foi durave1mente vencedor. É verdade que o século "se curou" do platonismo, e que, no seu pensamento mais vivo, ele se suturou ao poema, abandonando o materna às raciocinações da sutura positivista. A prova a contrario nos é dada pelo seguinte: o único grande pensamento abertamente platônico, e ao mesmo tempo moderno, foi o de Albert Lautman, nos anos trinta. Ora, este pensamento é de ponta. a ponta armado pelas matemáticas. Ele ficou por muito escondido e deconhecido, depois que os nazistas, tendo assassinado Lautman, interromperam seu. curso. Ele é hoje o único ponto de apoio que podemos descobrir, em quase cem anos, para a proposição platônica que o atual momento exige de nós, se colocamos de lado a espontaneidade ''platonizante'' de muitos matemáticos, em particular Goedel e Cohen e, é claro, a doutrina lacaniana da verdade. Tudo se passou como se o proferimento nietzscheano houvesse cerrado, à guisa de sutura ao poema, o destino conjuntamente anti-materna e anti-verdade de um século. Hoje é preciso inverter o diagnóstico nietzscheailo. O século e a Europa devem imperativamente curar-se do anti-p.latonismo. A filosofia só existirá na medida em que proponha, à altura deste momento, uma nova etapa da história da categori~ de verdade. É a verdade que é, hoje em dia, uma idéia nova na Europa. E, como para Platão, como para Lautman, a novidade dessa idéia se ilumina na freqüentação das matemáticas. 62

69 11. Genérico O que um filósofo moderno retém da grande sofística é o seguinte ponto: o ser é essencialmente múltiplo. Já Platão, no Teeteto, apontava que a ontologia subjacente à proposição sofística se sustinha na mobilidade múltipla do ser e, com ou sem razão, ele cobria essa ontologia com o nome de Heráclito. Mas Platão resguardava os direitos do Um. Nossa situação é mais complexa, pois temos que registrar que, na escola da grande sofística moderna, depois de duros avatares, nosso século terá sido o da contestação do Um. O sem-ser do Um, a autoridade sem 'nmite do múltiplo, não podemos voltar atrás quanto a isto. Deus realmente está morto, assim como todas as categorias que dele dependiam na ordem do pensamento do ser. Q passe que é o nosso é. o de um platonismo do múltiplo. Platão pensava poder arruinar a variância linguageira e a retórica da sofística a partir das aporias de uma ontologia do múltiplo. Certamente que, por nossa -vez, reencontramos essa junção entre a disponibilidade flexível da linguagem (teoria de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem) e a forma-múltiplo da apresentação (finos levantamentos descritivos de um Deleuze). Mas o ponto fraco mudou de lugar: devemos assumir o múltiplo e preferir marcar os limites radicais do que a linguagem pode constituir. Donde o caráter crucial da questão do indiscernfvel. 63

70 MANIFESTO PEtA FILOSOFIA A principal dificuldade se prende à categoria ~e verdade. Se o ser é múltiplo. como salvar esta categoria. salvação que é o verdadeiro centro de gravidade de todo gesto platônico? Para que haja uma verdade, não é preciso primeiro que seja pronunciado o Um de uma multiplicidade, e não é a propósito desse Um que o juízo de verdade é possível? Ademais, se o ser é múltiplo, é preciso que uma verdade também o seja. salvo que ela não tenha mais nenhum ser. Mas. como conceber uma verdade C;Omo múltipla em seu ser? Atendo-se firmemente ao múltiplo, a grande sofística moderna renuncia à categoria de verdade, como já o faziam os ''relativistas'' da sofística grega. A inda aí, Nietzsche inaugura o processo da verdade. em nome da múltipla potência da vida. Como não podemos nos subtrair àjurisdiçãq dessa potência sobre o pensamento do ser, é forçoso propor uma doutrina da verdade compatível com a irredutível multiplicidade do ser-enquanto-ser. Uma verdade não pode ser senão a produção ~guiar de um múltiplo. Toda a questão é que esse múltiplo será subtraído à autoridade da língua. Ele será indiscernível, ou melhor: ele ter~ s(do indiscemfvel. Aqui, a categoria central é a ~ultiplicidade genérica. Ela vem fundar o platonismo- do múltiplo, permitindo pensar uma verdade ao mesmo tempo como resultado-múltiplo de um procedimento singular. e como furo, ou subtração, no campo do nomeável. Ela toma possível assumir '4ma ontologia do múltiplo puro, sem renunciar à verdade, e sem ter que reconhecer o caráter constituinte da variação linguageira. Ela é. ademais, o esqueleto de um espaço de pensamento onde se deixam recolher, e situar como compossíveis. as quatro condições da filosofia. Poema, materna, política inventada e amor. em seu estado contemporâneo, não serão com efeito nada mais do que os regimes de produção efetiva, em situações múltiplas, de múltiplos genéricos. fazendo verdade dessas situações. É no campo da atividade matemática que o conceito de múltiplo genérico foi primeiro produzido. Ele foi com efeito proposto por Paul Cohen, no começo dos anos sessenta, para resol- 64

71 GEN~RICO ver problemas muito técnicos deixados em suspenso há quase um século, e que diziam respeito à 'potência,., ou quantidade pura, de certas multiplicidades infinitas. Podemos dizer que o conceito de múltiplo genérico veio encerrar a primeira etapa dessa teoria ontológica que, desde Cantor, leva o nome de 'teoria dos conjuntos". Em Q Ser e o Evento. desenvolvi completamente a dialética entre a edificação matemática da teoria do múltiplo puro e as proposições conceituais que podem hoje refundar a filosofia. Eu o fiz sob a hipótese geral de que o pensamento do ser-enquantomser se realiza nas matemáticas, e que, para acolher e tomar compossíveis suas condições, a filosofia deve determinar "o-que-não-é-o-ser-enquanto-ser.., que designei como "evento". O conceito de genericidade é introduzido para dar conta dos efeitos, internos a uma situação-múltiplo, de..ílm eventô q\,le a suplementa. Ele designa o estatuto de certas multiplicidades que simultaneamente se inscrevem numa situação e nela tramam, de maneira consistente, um acaso irreversivelmente subtraído a qualquer nomeação. Esta interseção-múltiplo da consistência regrada de uma situação e do aleatório eventural que a suplementa, é muito precisamente o lugar de uma verdade da sjtuação. Essa verdade resulta de um procedimento infinito, e o que podemos dizer dela é somente que, a supor o término do procedimento, ela "terá sido" genérica, ou indiscemfvel.. Meu propósito aqui é somente indicar porque é razoável considerar que um múltiplo genérico é o tipo de ser de uma verdade. Sendo dado um múltiplo, seja aquilo de que todo ser é múltiplo puro, múltiplo-sem-um, como pensar o ser do que faz verdade de tal múltiplo? Aí está toda a questão. Uma vez que o fundo sem fundo do que é presente é a inconsistência, uma verdade será o que, do interior do apresentado, como pane desse apresentado, faz vir à luz a inconsistência na qual se sustenta, em última instância, a consistência da apresentação. O que é maximalmente subtraído à consistência, à regra que domina e recalca o múltiplo puro (regra que chamo de conta-por-um), só pode ser um múltiplo especialmente "evasivo", indistinto, sem 65

72 MANIFESTO PELA FILOSOFIA contorno, sem nomeação explícita possível. Um múltiplo, se assim podemos dizer, exemplarmente qualquer. Se quisermos. a um só tempo, afirmar que a autoridade do múltiplo é ilimitada quanto ao ser e que há verdade, é preciso que essa verdade obedeça a três critérios: - Uma vez que ela deve ser verdaçje de um múltiplo, e isto sem recurso à transcendência do Um, é..preciso que ela seja uma produção inumente a esse múltiplo. Uma verdade será uma parte do múltiplo inicial, da situação da qual há verdade. - Uma vez que o ser é múltiplo, e que é preciso que a verdade seja, uma verdade será um múltiplo, logo uma parte -múltiplo da situação de que ela é verdade. É claro que ela não poderia ser uma...parte. "já" dada, ou presente. Ela resultará de um procedimento singular. De fato, esse procedimento só poderá ser engatado no ponto de um supjemento, de algo que está em excesso para -com a situ~ção, quer dizer, um evento. Uma verdade é o resultado infinito de uma suplementação aleatória. Toda verdade é pós-eventura1. Em particular, não há verdade "estrutural", ou objetiva. Dos. enunciados estruturais aceitáveis pela situação, não diremos jamais que são verdadeiros, mas somente que são verídicos. Eles Jl.ão dependem da verdade. mas do saber. - Uma vez que o ser da situação é sua inconsistência, uma verdade desse ser se apresentará como multiplicidade qualq~er, parte anônima, consistência reduzida à apresentação como tal, sem predicado nem singularidade nomeável. Uma verdade será assim uma parte genérica da situação, "genérica" designando que ela é uma parte qualquer da situação, que ela não diz nada de particular sobre a situação, senão justamente seu ser-múltiplo enquanto tal, sua inconsistência fundamental. Uma verdade é essa consistência mínima (uma parte, uma imanência sem conceito) que verifica, na situação-, a inconsjstência que constitui seu ser. Mas como de começo qualquer parte da situação é apresentada como singular, nomeável, regrada segundo a consistência, a parte genérica que é uma verdade terá que ser produzida. Ela consti-. 66

73 GEN~RICO tuirá o horizonte-múltiplo infinito de um procedimento pós -eventural que chamaremos de procedimento genérico. Poema, materna, política inventada e amor são, muito exatamente, os diferentes tipos possíveis de procedimentos genéricos. O que eles produzem (o inominável na própria língua, a potência da pura letra, a vontade geral como força anônima de toda vontade nomeável, e o Dois dos sexos como o que jamais foi contado por um) dentro de situações variáveis nunca é mais do que-uma verdade dessas situações sob a forma de um múltiplo genérico, cujo nome não pode ser rotulado por nenhum saber, nem pode nenhum saber discernir previamente o seu estatuto. A partir de tal conceito de verdade, como produção pós -eventural de um múltiplo genérico da situação de que ela é verdade, podemos nos recompor com a tríade constitutiva da filosofia rru>.dema: ser, sujeito, verdade. Do ser-enquanto-ser, diremos que as matemáticas constituem historicamente o único pensamento possível, porque elas são, n_~ potência vazia da letra, a inscrição infinita do múltiplo puro, do múltiplo sem predicado, e que este é o fundo do que é dado, apreendido em sua apresentação. As matemáticas são a ontologia efetiva. Da verdade, diremos que ela está suspensa a essa suplementação singular que é o evento, e que seu ser, múltiplo como o ser de tudo que é, é o de uma parte genérica, indiscemível, qualquer, a qual, efetuando o múltiplo no anonimato de sua multiplicidade, pronuncia seu ser. Do sujeito, enfim, diremos que ele é um momento finito do procedimento genérico. Neste sentido, é notável ter que concluir que só existe sujeito na ordem própria de um dos quatro tipos de genericidade. Todo sujeito é artístico, científico, político ou amoroso. O que, de resto, cada um sabe por experiência, pois fora destes registros não há senão a existência, ou a individualidade, mas nenhum sujeito. A genericidade, no coração conceitual de um gesto platônico voltado para o múltiplo, funda a inscrição e a compossibilidade das condições contemporâneas da filosofia. Da política inventada, quando ela existe, nós sabemos, pelo menos desde 67

74 MANIFESTO PELA F il OSOFIA 1793, que ela só pode ser hoje igualitária, anti-estatal, traçando na espessura histórica e social a genericidade da humanidade e a desconstrução dos estratos, a ruína das representações diferenciais ou hierárquicas, a assunção de um comunismo das singularidades. Da poesia, sabemos que ela explora uma língua inseparada, oferecida a todos, não instrumental, uma palavra que funda a genericidade da própria palavra. Do materna, sabemos que ele apreende o múltiplo despojado de qualquer distinção apresentativa, a genericidade do ser-múltiplo. Do amor, enfim, sabemos que, para além do encontro, ele se declara fiel ao puro Dois que ele funda, e que ele faz verdade genérica disso de haver homens e mulheres. A filosofia é hoje o pensamento do genérico como tal, que começa, que já começou, pois "Uma magnificência se desfraldará, qualquer, análoga à Sombra de outrora". 68

75 Nota MD Magno Depois de lido este Manifesto, seria melhor relê-lo à luz de pelo menos quatro outros volumes do autor, nomeadamente: Théorie du sujet. teoria do sujeito (1982), Peut-on penser la politique?, podemos pensar a polftica? (1985), mas, principalmente, L ~rre etl'événement. o ser e o evento (1988) ele Nombre et les nombres, o Número e os números (1990) - todos publicados pela Seuil, de Paris. Não deixem também de ler Rhapsodie pour le thnitre, rapsódia para o teatro (1990), pela Imprimerie Nationale. Os leitores advertidos hão de notar, flagrantemente, que o Ba~iou que ora se apresenta já não é mais aquele, então reconhecível pelo público brasileiro (anos sessenta). Mas ele não deixa de ser, por outro lado, o mesmo insistente nessa antiga questão com que já freqüentava os (entre nós de boa fortuna) hoje quase que esquecidos Cahiers pour l'analyse. Mais próximo, por exemplo, de mim - sob a égide do mesm(ssimo Mestre - depois do seu percurso de meditação e militância. chega a paragens algo desérticas que não pude deixar de freqüentar na aventura de certas incursões psicanalíticas. E tudo isto para melhor, como eu aposto. 69

76 MANIFESTO PElA FILOSOFIA O lacanismo decadente, já tão cedo, tanto por redução pura e simples à normal banalidade da papagaia palração da frase feita (pelo Mestre, naturalmente), quanto pelo majentendido genera.:. lizado ou ocasionais erros mesmo <le roteiro, só teria a ganhar (em diligência e respeito) do seu trato com esta ponderação (em série-dade) conseqüente- no rigor do materna. O hoje famigeradfssimo sujeito (sobremodo entre ditos psicanalistas), tornado o crachá dos santíssimos partícipes do besteirol das igrejinhas terapêuticas (não se sabe por que, tantas delas, auto.proclamadas instituições psicanalíticas), pode limpar o seu queixo, se não mesmo a gravata, da baba linguageira - e se adscrever corretamente ao que se nos pinte inarredável como evento. (Assim traduzo, embora meio sem jeito, nesse texto, o événement do conceito, a não se confundir, de modo algum, com coluna social ou programa cultural de qualquer um dos jornais por mais que de sobeja importância). Tal evento só sendo possível nalgum sítio eventural de boa lavra. (Assim eu quis traduzir o événementiel e similares, de modo a distinguir do mero ocasional ou casuístico do eventual de nosso hábito, com a justificativa que qualquer amigo do "bom português" certamente me concede). Ali é o lugar de eclosão, a cada vez, desse tão raro sujeito, na verdade... Verdade essa que não nos deixaria confundir o verdadeiro, o!surjeito (melhor nome?), com a pasmaceira desse definitivamente sem-jeito que se introduziu bem depressa, e veridicamente, em nosso total supermercado: eis a moeda corrente de "reconhecimento" (vejam só!) na boa transa dita "inter -subjetiva", tão bem agenciada por toda espécie de especialista pstu, alternativo ou onodoxo, neste nosso, de fato, ''planeta dos macacos'' evidente.. Também, o autor não bate bem de frente com o meu já um tanto usado Pleroma (de 1986), até mesmo andando às vezes lado a lado muito antes pelo contrário. Assim cómo até chega a arrumar de melhor jeito o que, de mais antigo (1981), co mecei a sugerir como diferocracia à política inventávet (no entanto absolutamente sem-lugar ora possível). "Comunismo das singula- 70

77 NOTA ridades' ', para ele, ou seja, a ''solidariedade dos buracos-negros'' suspeitada por Sollers. Só que estes não deixam escapar de si absolutamente nada que se preste à normal percepção, pois que sua melhor definição é a de que são buracos-brancos, mas para outros que não os do seu lado dito de cá. Quanto ao amor (cujos dilúvios cristianos não resultaram senão em todo o ódio que se vê), <> que nasceu para Dois jamais chegará a ser Um - como Lacan sobre Freud deixou bem demonstrado e cada qual pode provar com boca própria. O que daf se tira hoje,..facilmente, ~m ~ecer passo nenhum além dos mesmos Mestres, é que o sexo (não os sexos, dois, reprodutores do.animal, mas) o dos pós-primatas, ele é terceiro: 3!> para o Dois da impossível relação, assim como terceiro de terçar a transa ou trança do quatérnio onde finge que goza A Morte que não há. N<> entanto, o que das eventuras desse~ casos acomete, e mesmo sem querermos, nossa chaga, nos empuxa e nos açoda, em havendo alguma Sorte e melhor disposição, à efetividade vera de pensar. E de nada adianta a remissã<> obcecada disso tudo à poesia (de qualquer linhagem ou estofo) que já tem, ela mesma, casa própria para cuidar. Não posso eu, repete sempre ela, me encarregar da caiação da tua fachada de pensamento, assim também como ninguém pinta como eu... (como se costuma falar). Matemática, Poética, Política e Erótica (como prefiro cba.,. mar, para meu uso), as quatro "condições" de Badiou, como é que se oferecem elas à aventura de sua compossibilidade na Filosofia? É esta que as nodula, ou já se apresentarão adredemente noduladas ao escopo de sua questão? ~ara alguma consistência na meditação psicanalítica, La.:. can introduziu a topologia do Nó Borromeano, que pod~ aqui nos ajudar. São rodinhas de barbante que você pode encadear umàs com as outras.(mínimo de três). de modo a que, tirada uma qualquer, todas as outras estejam separadas, desencadeadas que foram por ~sta única seção. Ato que vem demonstrar que as tais rodinhas, em heterogeneidade, cada qual não tem a ver, em sua 71

78 MANIFESTO PELA FILOSOFIA nodulação, com nenhuma das outras diretamente, senão que cada uma delas, qualquer, dado seu encadeamento, é que amarra, em virtude de sua própria cunhagem no porcima-porbaixo tortuoso do seu curso, as outras todas desse Nó. Assim amarradas, então, foi qualquer uma a que amarrou. Mas não é. bem assim. Pois, no ajo desse enlace, uma delas, como nodulante, se tomou. Não é por menós que, a certa altura do seu Semln(lrio soberano, Lacan nos apresenta, destacados, os três registros-toros de Real, Simbólico e Imaginário, e nos aponta como, em Freud, é já um quarto, como Sintoma, que os vem nodular. Ali esse quarto substitui, como ato apresentado e encarnado, a simples nodulação dos outros três. E o nome desse Sintoma af, à rilão de mestre Freud, não é, para Lacan, e muito precisamente, senão o (hoje tomado abobrinha cul-. tural) Complexo de Édipo, com o qual, agora o digo eu, vinha Freud nomear senão o quê?: a erótica que se joga em cada e todo caso de humana amarração, ali proposta com aquele. conteúdo (na verdade, cultural). Assim mesmo como aqui venho compor que a nodulação possível de Matemática, Poética, Polftica e Erótica, no Um provisório e múltiplo do nó de quatro que requeiro borromeano, foi a Psicanálise que o ofereceu à hoje novamente possível Filosofia (segundo-a manifestação de Badiou) para sua com-sideração como o buquê de sua compossibílidade. Enquanto dormitavam. os filósofos embalados pelas cançõezinhas h~pnóticas dessas longas suturas, foi Lacan depois de Freud que nos despertou à nodulaçao reconstituidora, pelo tratam~nto da erótica (a partir deles possivelmente e pela primeira vez) conceituável como isso mesmo que criaram com o nome gen~rlco de Psicanálise, para o pior ou para o melhor. O renascimento da Filosofia, quem diria?, como neta da Phi1osophia, é hoje como a filha da Psicanálise. Uma empresa da maior tra-dição, que vem de mãe para filha desde a eventura de Platão. Vantagem tambéin, que traz esse bebê, para a própria Psi- 72

79 NOTA canálise- a qual não tem que ser anti-filosofia, e muito menos Filosofia, mas que encontra de uma vez o seu lugar como Clínica G~ral. Primeiro: historicamente, é a Psicanálise que, durante uma era de trevas na sutura, renodula as condições da Filosofia,. propiciando-lhe a devida devolução. E a chamada de Lacan sobre sua postura, no menos pior dos casos, como anti-filosofia, é um repúdio de qualquer ten~iva de sutura da Filosofia à Psicanálise, tentação que não é de se não suspeitar em quanto ''psicanalismo" de ocasião (cf. Robert Castel), se não psicanalhice de montão.. Segundo: conceitualmente~ é a Psicanálise que, nos tem- pos modernos, acolhe e dá guarida ao Dois do amor. Quer dizer que toda não-relação como resultante eventural de qualquer verdade no campo da Erótica, é a Psicanálise que se encarrega hoje de seu acossamento à pronunciação. O que se verifica na fimdação lacaniana de (toda) transfer~ncia como um seu conceito fundamental, mediante uma coleta que percorre todo o campo desde o Banquete de Platão (a culminar no re-trato do amor-conês e sua disjunção). Terceiro: efetivamente, é a psicanálise, como o discurso adequado ao tratamento contemporâneo da Erótica, que acossa a se pronunciar, não cada uma das outras "condições... mas a questao - na verdade amorosa, transferencial, erótica em suma - que cada uma delas propõe, por simplesmente existir, a cada qual de nós, falantes mais ou menos dispostos à subjetivação. Ninguém é matemático, político ou poeta, senão por seu amor. Nem amante e amado também. E psicanalista muito menos, que vive de co-memorar o Dois. Assim, se a Filosofia trata de discorrer sobre a compossibilidade pós~ventural de suas condições (Matemática, Poética, Política e Erótica), o que cabe então à Psicanálise? Como aquela que foi capaz de acolher a condição Erótica corno a noduladora. desse quatro no "Um" do Nó (chafurdando no amor para dele distanciada recolher o Dois a cada emergência de verdade no 73

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