PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO E GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO: UM OLHAR SEMIÓTICO
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1 PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO E GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO: UM OLHAR SEMIÓTICO Profa. Dra. Rosana Helena Nunes Prof. Ms. Pedro Luís Rodrigues Introdução A semiótica francesa, vinculada à Escola de Paris, teve suas origens na Teoria da Linguagem, mostrando assim, sua filiação a Ferdinand de Saussure ( ), a partir de sua obra Curso de Linguística Geral (1916). O lituano Algirdas Julien Greimas ( ), a partir das bases teóricas estabelecidas por Saussure, Louis Hjelmslev, Vladimir Propp e Claude Lévi-Strauss, elaborou o livro Semântica Estrutural, obra esta fundadora da semiótica francesa publicada em Algirdas Julian Greimas (1983), seguindo Louis Hjelmslev (1975), postula que há duas grandezas; a forma de expressão e a forma de conteúdo, e acrescenta que o homem vive rodeado de signos e de uma multiplicidade de linguagens, permeando a sua vida, o que faz com que se conceba a semântica como uma parte considerável tanto da linguística teórica quanto da aplicada. O termo, semântica, é utilizado em fins do século XIX, por Michel Bréal para designar o estudo do sentido. Esse linguista estabelece que o objetivo desse ramo do conhecimento é investigar as mudanças de sentido das palavras a fim de determinar os mecanismos que regulam essas alterações, instituindo os fundamentos de uma Semântica Diacrônica, valendo-se dos 1
2 conceitos desenvolvidos pela Retórica Clássica (em especial, pelos tratados a respeito dos tropos) e pela Estilística. Nos anos 60, surge a Semântica Estrutural, tendo por fundamento básico o postulado do paralelismo do plano da expressão e do plano do conteúdo. Isso leva a dizer que esse tipo de semântica parte da hipótese de que o plano da expressão é constituído de distinções e de que a essas diferenças de expressão devem corresponder distinções do plano do conteúdo traços distintivos de significação. Após o projeto da Semântica Estrutural, os linguistas passam a desenvolver análises de unidades maiores que a palavra, realizando estudos sobre os implícitos do discurso e Greimas começa a desenvolver sua semântica linguística de modo a chegar à semiótica. O objeto da semiótica é o sentido. Isso equivale a dizer que ela ocupa o conjunto das disciplinas que constituem as ciências humanas, da filosofia à linguística, da antropologia à história, da psicologia à sociologia. A semiótica interessa-se pelo parecer do sentido que se apreende por meio das formas da linguagem e dos discursos que o manifestam, tornando-o comunicável e partilhável. Os procedimentos de conversão de um nível a outro (estruturas elementares e profundas) do percurso gerativo correspondem à hipótese metodológica de Greimas. Há duas concepções distintas de semiótica que estão na origem de duas grandes tradições: a americana e a europeia. A primeira delas fundamenta-se na obra do filósofo e lógico, Charles Sanders Peirce ( ). Ela relaciona-se ao modo de produção do signo (os esquemas inferenciais do raciocínio: dedução, indução, abdução) e à sua relação com a realidade referencial pela mediação do interpretante (tipologia dos signos ícone, índice, símbolo). A segunda concepção tem suas origens na teoria da linguagem, tendo como fundamentos básicos os postulados estruturais e sua concepção da língua como instituição social. Essa segunda semiótica é conhecida pelo nome de Escola de Paris e corresponde aos principais modelos de análise, de origem linguística, que fundamentam os estudos de A. J. Greimas. 2
3 As principais teorias que iluminaram os caminhos para a semiótica são: a linguística, a antropologia e a filosofia. Na linguística, a semiótica apoia-se na teoria saussuriana; na antropologia cultural, busca os fundamentos das leis que regem a forma mais ampla e transcultural dos discursos, a narrativa, focalizando o modo como essa modela e organiza o imaginário humano; finalmente, na filosofia, fundamenta-se na fenomenologia, para extrair uma parte importante de sua concepção de significação, ou seja, o parecer do sentido. Para Greimas (1983), essa expressão subjaz à sua abordagem relativista de sentido, visto que julga que esse sempre depende das tramas do discurso. Fundamentado nessas concepções, Greimas estabelece a noção de percurso gerativo do sentido que, partindo do mais concreto para o mais abstrato, focaliza os níveis discursivo, narrativo e fundamental, nos quais examina suas regras sintáxicas e semânticas. Esse percurso representa uma construção teórica ideal, independente das linguagens, das línguas ou dos textos que a revestem. Como observa Bertrand (2003, p. 48), cada um dos níveis desse percurso é uma janela aberta para um conjunto de problemáticas que foram objeto de inúmeras investigações entre os semioticistas". Em outros termos, a semiótica tem por objeto o texto e procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz (BARROS, 1990). Dentro do estudo da teoria semiótica, o sentido é construído no plano do conteúdo sob a forma de um percurso gerativo a partir de três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo. A primeira etapa do percurso gerativo de sentido a mais simples e abstrata corresponde ao nível fundamental (ou das estruturas fundamentais) e nele surge a significação como oposição semântica mínima. O segundo nível é o narrativo ou das estruturas da narrativa, organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito. O terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação. Com a evolução dos estudos, fez-se necessário avançar e trazer para as análises as categorias de expressão. Greimas deu um passo à frente com Da Imperfeição, porém, com L. Hjelmslev (1975), depois Jean-Marie Floch (1985) 3
4 os estudos relacionados a fotografias, publicidade (cigarro News ) e pinturas envolveram uma semiótica que homologasse o plano da expressão ao plano do conteúdo o semi-simbolismo. Em outras palavras, estudo das categorias de expressão (significante) e categorias de conteúdo (significado). J. M. Floch (1985; 1995) discute e analisa na fotografia, além de outras análises realizadas (pintura, história em quadrinhos, arquitetura, propaganda publicitária, estudo semiótico do sabor), a semiótica plástica e o sistema semisimbólico sincrético que permite refletir sobre o modo como se constrói o plano da expressão e o plano do conteúdo. De um estudo do signo, das linguagens como sistemas de signos, passa a um estudo das linguagens como sistemas de significação da Semiologia do signo (Barthes, 1982) à Semiótica da significação. O semi-simbolismo parte de uma análise de categorias, no plano da expressão, que constitui o plano do conteúdo. Não há como separar em dois planos, um complementa o outro. O olhar do semioticista compreende os efeitos de sentido como o próprio objeto de sentido, os valores axiológicos existentes. Para a teoria semiótica, o estudo da expressão é introduzido a partir da teoria dos sistemas semi-simbólicos, e a determinação de categorias plásticas faz parte desse projeto. Segundo Floch (1985), há de se considerar três formantes que correspondem às categorias plásticas associadas às semânticas: 1. Cromático os efeitos de sentido que as cores engendram. 2. Eidético as linhas que também compreendem os efeitos de sentidos, ou seja, as linhas que representam desde o tipo de fonte utilizado na capa até o contorno das faces e outras imagens presentes. 3. Topológico compreende a própria diagramação da capa, a espacialização que estabelece os efeitos de sentido da posição vertical e horizontal. Segundo Greimas (1983), o texto representa a junção do plano do conteúdo, construído sob a forma de um percurso gerativo, com o plano da 4
5 expressão à luz de uma análise do semi-simbolismo. Para Floch (1985), não há significante senão em relação a um significado, uma vez que os sistemas semisimbólicos se definem pela conformidade não entre os elementos isolados dos dois planos, mas entre categorias da expressão e categorias do conteúdo o plano da expressão e o plano do conteúdo. Semiótica e gêneros textuais: efeitos de sentido no ensino de língua A semiótica 1 apresenta-se como uma teoria da relação. E é a relação entre unidades que determina o valor de cada uma no interior do texto. Em se tratando de um texto literário ou midiático, interessa, basicamente, estudar como as linguagens foram hierarquizadas e trabalhadas dentro de certas técnicas para produzir certos efeitos de sentido. A ideia de efeito implica verificar que os sentidos foram construídos, ou seja, pensados para que pudesse causar certas impressões em relação àquilo que é veiculado. Tem-se constatado a importância fundamental de um estudo referente à leitura e produção de textos na escola. Há inúmeras tentativas que consolidam essa possibilidade de trazer para as práticas sociais de sala de aula uma maneira de trabalhar com diferentes atividades que levem o ser-criança-aluno a apreender sua realidade e aprender a vivenciá-la na leitura, análise, interpretação e produção textual. É de fundamental importância um estudo mais aprofundado do texto literário, suas especificidades, efeitos de sentido variados. Sabe-se que, em semiótica, não se fala em criadores de carne e osso. Pressupõe-se a existência de uma grande e hierarquizada equipe que o criou. Em outros termos, a semiótica não se interessa pelo autor ou autores reais. Prefere a noção de enunciador, ou a de autor que é apreensível e pressuposto pela existência de um determinado texto. Isso evita que o próprio analista confunda intenções fora do texto com a intencionalidade dos autores. Cada texto, pois, agrega uma imagem construída de quem o fez e de quem quer atingir. É o enunciador que enriquece a narrativa e a transforma em 1 Segundo Greimas (1983), a semiótica tem por objeto o texto e procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz. 5
6 discurso, escolhendo atores, tempo, espaço, temas e figuras, e depois as linguagens e recursos do plano da expressão. Desse modo, a Semiótica representa uma teoria a ser desvendada pelos educadores, sendo vista apenas como leitura de imagens e não propriamente como uma teoria que trabalha em dois planos: conteúdo e expressão a partir de textos sincréticos. Para Greimas & Courtés (1983, p. 426), o termo sincretismo apresenta as seguintes definições: 1 Pode-se considerar o sincretismo como o procedimento (ou seu resultado) que consiste em estabelecer, por superposição, uma relação entre dois (ou vários) termos ou categorias heterogêneas, cobrindo-os com o auxílio de uma grandeza semiótica (ou lingüística) que os reúne. Assim, quando o sujeito de um enunciado de fazer é o mesmo que o do enunciado de estado (é o que se dá com o programa narrativo da aquisição por operação à atribuição, onde os dois sujeitos correspondem a dois atores distintos), o papel actancial que os reúne é o resultado de um sincretismo. Na frase Eva dá uma maçã a Adão, o sujeito frasal Eva representa o sincretismo dos actantes sujeito e destinador. O sincretismo assim conseguido achase ligado à utilização de uma unidade lingüística (sujeito frasal) que pertence a um nível de geração mais superficial que os dos actantes: trata-se, pois, de um sincretismo a posteriori. Ao contrário, quando se define, por exemplo, a instância da enunciação como o lugar de uma indistinção original do eu-aqui-agora, a enunciação deve ser vista como um sincretismo a priori. 2 Num sentido mais amplo, considerar-se-ão como sincréticas as semióticas que como a ópera ou o cinema acionam várias linguagens de manifestação; da mesma forma, a comunicação verbal não é somente de tipo linguístico: inclui igualmente elementos paralinguísticos (como a gestualidade ou a proxêmica), sociolinguísticos, etc. No trabalho de sala de aula, a ênfase aos níveis (discursivo, narrativo e fundamental) do percurso gerativo de sentido pode ocorrer à medida o educador leve o aluno a compreender os efeitos de sentido dos textos de acordo com a diversidade de gêneros textuais. Em outros termos, esse trabalho deve proporcionar uma maior apropriação do conhecimento no que se 6
7 refere aos gêneros textuais e suas especificidades, ou seja, ao sincretismo presente nos textos. Parte-se do pressuposto de que a Semiótica como a teoria dos efeitos de sentido, possa estabelecer uma homologação com o estudo de gêneros textuais no contexto de sala de aula. Pelo fato dos PCNs já apresentarem a noção de gênero textual e não propriamente a teoria semiótica, torna-se um caminho a ser percorrido no sentido de uma interação entre das duas teorias. Segundo Schneuwly & Dolz (2004), a escola sempre teve a missão de ensino, pautado em práticas escolares de ler, escrever e, até mesmo, de falar corretamente. Isso fez com que a preocupação fosse com ensinar a formapadrão da língua culta, desvinculada da realidade em que se processa a linguagem e suas variações. Logo, um trabalho baseado na exploração de gêneros do discurso nunca foi devidamente colocado em prática. Na prática escolar, em que se processa o desdobramento dos gêneros e na qual a função de comunicação da língua ainda é praticamente ignorada, o gênero torna-se uma forma de aprimoramento da língua e o que entra em jogo, aqui, é seu domínio. Não resta dúvida, portanto, da pertinência da adoção da categoria gênero para o enriquecimento dos processos de ensino/aprendizagem escolares. Assim, acredita-se que a Semiótica possa representar um avanço bastante significativo à luz dos estudos realizados por Greimas (1979). Numa homologação das teorias, outras áreas do conhecimento podem melhor explorar o trabalho com o texto literário, gênero textual este a ser analisado pelas suas características nas aulas de língua portuguesa. Desponta-se, pois, para análises que privilegiam o percurso gerativo de sentido do plano da expressão, não apenas do plano do conteúdo que se definem pela conformidade não entre os elementos isolados dos dois planos, mas entre categorias da expressão e categorias do conteúdo. Compreender que o trabalho com as diferentes linguagens podem inserir educador e educando em diferentes níveis de percepção, representação semiótica, é de fundamental importância conceber essa possibilidade a partir da origem dos estudos na área da Semiótica Discursiva, bem como a forma como esta é vista no ensino de Língua Portuguesa. 7
8 Finalizamos com uma afirmação contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento elaborado pelo MEC, que evidencia a importância do trabalho com gêneros textuais: Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização preestabelecida. Os textos submetem-se às regularidades linguísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isto aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacionarem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibilidades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns conteúdos e não com todos (Introdução, p. 78, 79). REFERÊNCIAS BARROS, Diana Luz P.Teoria do discurso fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2002., Diana Luz P. Teoria semiótica do texto.são Paulo: Ática, BAKHTIN, Mikhail (1979). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin (1979). Estética da Criação Verbal. SP: Martins Fontes, 1992, pp BERTRAND. Denis. Caminhos da semiótica literária. São Paulo: EDUSC, FLOCH, J. M. (1985). Petites mythologie de l oeil et de l esprit. Paris : PUF, (1995). Sémiotique, marketing et communication. Paris, PUF, (1995*). Identités visuelles. Paris, PUF, GREIMAS & COURTÉS, Joseph (1979). Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, LANDOWSKI, Eric. (1997). Presenças do Outro. São Paulo: Perspectiva,
9 NUNES, Rosana Helena (2006). Construção da identidade política discursos de Luiz Inácio Lula da Silva. Tese de Doutorado. Língua Portuguesa/PUC-SP. NUNES, Rosana Helena. Semiótica: (res)significação do saber via imagem. Sorocaba: CREARTE, LOPES, Ivã Carlos & HERNANDES, Nilton (orgs.). Semiótica objetos e práticas. São Paulo: Contexto, Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa, 1998, pp. 57; 78, 79. PIETROFORTE, Antonio Vicente. Semiótica visual os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas São Paulo: Mercado de Letras,
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