A QUESTÃO DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL Letícia Zanin Weber (UEPG) (
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1 A QUESTÃO DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL Letícia Zanin Weber (UEPG) ( Marcelo Jorge Marquart Fontes Novo (UEPG) Orientadora: Professora Mestre Fabiana Patrícia Borgonhone (UEPG) Resumo: Vige no sistema processual atual a teoria da distribuição do ônus probatório. O Código de Processo Civil (Lei nº /73), é regido pela teoria estática do ônus da prova, impondo em seu art. 333, exclusivamente ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do direito e ao réu os fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor. Em contraposição ao CPC/73, houve o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial da teoria dinâmica do ônus da prova, que defende a ruptura das regras estáticas elencadas no artigo em questão impondo que o ônus probatório deve recair à parte que possuir melhores condições de produzi-la, visando garantir maior efetividade e instrumentalidade ao processo e, consequentemente, gerando decisões mais justas e equânimes a cada caso particular submetido ao Judiciário. Devido à grande aceitação da teoria dinâmica pela doutrina e pelos tribunais de todo o país, o novo Código de Processo Civil (Lei nº /15) prevê em seu art. 373 a consagração legal da teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova. Palavras-chave: Processo civil, Ônus da prova, Teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova, Novo Código de Processo Civil. Introdução O presente resumo expandido tem o intuito de, por meio de uma pesquisa bibliográfica com material doutrinário e jurisprudencial analisar a aplicação da regra da distribuição probatória no processo civil atual em observância a uma das características inerentes ao exercício da jurisdição que compreende o princípio da inafastabilidade da atividade jurisdicional, ou seja, o fato de que o juiz não pode abster-se de julgar, mesmo naquelas demandas em que os fatos controvertidos não estão devidamente aclarados. Tal princípio se materializa no texto do artigo 333, do Código de Processo Civil de 1973, conhecido por regra do ônus probatório. Contudo, discute-se muito sobre a forma de distribuição desse encargo processual, que vêm, ao longo dos anos sofrendo uma flexibilização, passando de um aspecto estático para uma tendência a ser mais dinâmico, atribuindo este ônus àquela parte que tenha maiores condições de realizar uma prova. Esta forma de procedimento já vem sendo aplicada em nosso direito atualmente em virtude do desenvolvimento jurisprudencial, e diante de sua força, será recepcionada pelo novo Código de Processo Civil (Lei nº /2015). Objetivos Buscou-se com este trabalho o estudo da teoria do ônus da prova, analisando como o tema é aplicado na atual conjectura do Código de Processo Civil de 1973 e como será praticado na vigência da Lei nº /2015. Discutiu-se o sistema de distribuição atual do ônus probatório e sobre a adoção do aspecto dinâmico no novo CPC, o qual já vem sendo admitido pela doutrina e pela jurisprudência. Técnicas de Pesquisa Adotou-se o método dedutivo para abordagem do tema do trabalho. Foi utilizada como técnica de pesquisa a documentação indireta, do tipo bibliográfica.
2 Resultados A prova constitui genericamente, o elemento trazido ao processo pelas partes, que consegue demonstrar a ocorrência ou inocorrência de um fato, com intuito de exibir a verdade no processo. Nas palavras de Wambier: Prova, portanto, é o modo pelo qual o magistrado forma convencimento sobre as alegações de fatos que embasam a pretensão das partes. É instituto tipicamente processual (embora haja certa dose de discussão na doutrina a esse respeito), pois sua produção ocorre dentro do processo e é regulado pelas normas processuais, embora o Código Civil tenha tangencialmente cuidado da matéria, como por exemplo quando prevê que a prova do pagamento é a quitação. (...) Assim, conceitua-se prova como o instrumento processual adequado a permitir que o juiz forme convencimento sobre os fatos que envolvem a relação jurídica objeto da atuação jurisdicional. (WAMBIER, 2011, p.495). Ocorre que, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, o magistrado em seu exercício, não pode eximir-se de julgar, alegando que os fatos não se encontram devidamente comprovados. Para auxiliar o julgador nesta função jurisdicional há a teoria da distribuição estática/fixa do ônus da prova, regulada pelo CPC de 1973 e que tem a seguinte finalidade: estimular as partes a provarem as alegações fáticas que fizeram e auxiliar o juiz da causa que ainda permanecer em dúvida, como um critério de julgamento capaz de evitar o non liquet (aquilo que não está claro). Neste sentido o ônus da prova é uma regra processual, utilizada no momento do julgamento, que indica quem será prejudicado, responsabilizado pela falta da produção probatória de determinado fato durante o processo. Assim, a regra não atribui o dever de provar o fato, mas sim, atribui o encargo a uma das partes pela falta de prova daquele fato que lhe competia. De acordo com Gonçalves: A lei processual formula uma série de regras aplicáveis somente na hipótese de, no momento do julgamento, os fatos não terem ficado suficientemente esclarecidos. São regras do ônus da prova, cuja função é indicar qual dos litigantes sofrerá as consequências negativas advindas da falta de comprovação. (...) Não aclarados os fatos, o juiz, para poder sentenciar, verificará a quem cabia o ônus de prová-los: será esse o litigante que sofrerá as consequências negativas da falta ou insuficiência de provas. (GONÇALVES, 2013, p. 374). Corroborando com o tema, Theodoro Júnior: Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente. (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 470). Segundo o artigo 333 do CPC, o ônus da prova incumbe ao autor no que tange aos fatos constitutivos de seu direito e ao réu no que diz respeito à existência de fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor. Para a doutrina clássica, as regras expostas pelo artigo supracitado seriam objetivas e fixas, distribuídas de maneira imutável pelo legislador. Todavia, a visão estática
3 sofre críticas da doutrina moderna, já que a rigidez dificulta a adequação do regime da prova ao caso concreto. Diante disso, a doutrina contemporânea vem pugnando pela flexibilização das regras de distribuição do ônus da prova no sentido de permitir ao magistrado decidir por adequar a regra de distribuição do ônus da prova ao caso concreto, determinando que este ônus recaia sobre a parte que possui as melhores condições/possibilidades de provar os fatos a serem julgados. Neste sentido, em processos em que detecta-se a prova diabólica (impossível, ou excepcionalmente difícil de ser constituída), e nas demandas em que a produção da prova é muito mais fácil para a parte contrária, em atenção ao supraprincípio do devido processo legal, deve o julgador utilizar-se da redistribuição dinâmica da carga probatória. Sobre o tema, Theodoro Júnior diz: O sistema de partilha do ônus da prova previsto no artigo 333 é estático e rígido. Na experiência da vida, entretanto, constata-se que as causas disputadas em juízo nem sempre permitem uma satisfatória separação de fatos constitutivos e fatos extintivos de direito em compartimentos estanques. Não poucas vezes o acesso à verdade real por parte do juiz fica comprometido ou prejudicado se se mantiver o esquema de apreciação do litígio rigorosamente imposto no momento de concluir a instrução processual, e de enfrentar o julgamento do mérito segundo a fria aplicação das presunções que haveriam de defluir da literalidade do artigo 333. (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 472). Atualmente, a doutrina e a jurisprudência, vem adotando, em casos específicos, a aplicação da distribuição dinâmica do ônus probatório. Também conhecida como Teoria das Cargas Processuais Dinâmicas proveniente do Direito Argentino, tendo como seu principal precursor o jurista Jorge W. Peyrano. Assim, o juiz ao analisar o caso concreto, atribui à parte, que pode não ser aquela que, de regra, teria de fazê-lo, o dever de provar determinado fato, diante da sua maior capacidade técnica ou por possuir informações específicas para o deslinde do feito. A modificação do ônus da prova deve ser sempre pautada numa ponderação racional em cada caso particular, para que não se viole normas constitucionais e processuais protetivas de ambas as partes. Segue abaixo um julgado recente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que retrata bem esta situação: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.RELAÇÃO DE CONSUMO. HIPOSSUFICIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. 1. A relação que se verifica, no presente caso, entre o cliente/consumidor e a empresa prestadora de serviço é uma relação de consumo que deve ser regulamentada pelo diploma consumerista. É possível vislumbrar a hipossuficiência de uma das partes em relação à outra, capaz de ensejar a inversão do ônus da prova. 2. Deve-se considerar ainda a impossibilidade de produção de prova diabólica, que enseja a aplicação da Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova, que incumbe o ônus da prova à parte que tem melhor condições de produzi-la. 3. Interpretação sistemática dos art. 333, parágrafo único, inc. I e II, art. 130 e art. 339, todos do CPC, permitem a aplicação da Teoria Dinâmica do Ônus da Prova, na medida em que assegura
4 a paridade instrumental entre as partes, confere amplos poderes ao juiz como destinatário das provas e impõe o dever de colaboração às partes. 4. Não tendo o réu se desincumbido do dever de apresentar as provas, toma-se por verdadeiras as alegações do autor. (TJ-PE - APL: PE, Relator: Antônio Fernando de Araújo Martins, Data de Julgamento: 01/04/2014, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/05/2014, grifo nosso). Vale destacar que o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6, VIII já indica desde a década de 90 a inversão do ônus probatório nas relações de consumo. A inversão do ônus da prova nada mais é do que uma das espécies de aplicação judicial da teoria das cargas processuais dinâmicas. O Novo Código de Processo Civil (Lei nº /2015) expressamente trata sobre esta distribuição flexibilizada do ônus da prova quando em seu artigo 373 determina: Discussão O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo 1º: Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Parágrafo 2º: A decisão prevista no parágrafo primeiro deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. (...) De acordo com Azevedo: O dogma de neutralidade do juiz se mostra cada vez mais obsoleto, ainda mais agora que a igualdade é uma das importantes bússolas do processo. A igualdade substancial no processo consiste em tratar os iguais de forma igual, e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades, permitindo, na medida do possível, que as partes se apresentem com as mesmas oportunidades e com os mesmos instrumentos processuais capazes de estear seu direito perquirido, ou seja, proporcionar que as partes venham a juízo em paridade de armas (...). (AZEVEDO, 2008, p. 20). A codificação de um entendimento já aplicado pela jurisprudência e abalizado na doutrina, faz com que se complemente as possibilidades de julgamento, à luz de princípios inspirados no ideal de um processo justo, comprometido, sobretudo, com a verdade real e com os deveres de boa-fé e lealdade que transformam os litigantes em cooperadores do juiz no aprimoramento da boa prestação jurisdicional. Considerações finais A Teoria Estática elencada no art. 333 do CPC de 1973, obriga ao autor provar os fatos constitutivos do direito invocado e ao réu, os fatos obstativos da lide contra ele articulada. Esta regra não é mais adequada a atual complexidade do Processo Civil Brasileiro, pois, pela regra tradicional, o ônus da prova pode, eventualmente, cair sobre a parte hipossuficiente do processo, isto é, recair sobre a parte mais fraca e
5 incapaz de comprovar o direito invocado. A adoção de regras rígidas fere princípios constitucionais e torna o magistrado demasiadamente neutro, podendo incorrer em injustiças que serão eivadas pelos efeitos da coisa julgada. Para a doutrina moderna, o juiz deve desempenhar um papel mais diligente na fase probatória do processo. Pois, ocorrem situações fáticas em que os fatos relevantes não são trazidos ao processo seja porque uma das partes possui um menor poder econômico, seja em virtude da astúcia de uma delas em omitir os fatos conforme sua conveniência. A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova, permite que as partes se apresentem com as mesmas oportunidades e instrumentos processuais, ou seja, que litiguem com um pouco mais de paridade de armas, oportunizando maior segurança jurídica e efetividade da tutela jurisdicional. Referências AZEVEDO, Antônio Danilo Moura de. A aplicabilidade da Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova no Processo Civil. Revista Jurídica UNIJUS, Uberaba, v.11, n.14, p , maio BRASIL. Lei /2015. Código de Processo Civil, de 16 de março de Disponível em: Acesso em: 07 jul DONIZETTI, Elpídio. Procedimento Ordinário. In:. Curso didático de direito processual civil. 18. ed. ampl. atual. São Paulo: Atlas, p GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Provas. In:. Manual de direito processual civil. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, p PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça de Pernambuco. APL: PE, Relator: Antônio Fernando de Araújo Martins, Data de Julgamento: 01/04/2014, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/05/2014. Disponível em: < pe >. Acesso em: 05 jul THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
6 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo.Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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