UM TERCEIRO CITÓTIPO DE Astyanax aff. fasciatus (TELEOSTEI, CHARACIDAE) DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO

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1 ISSN DOI: /ecb.v4i1.42 Acesso livre em 1 UM TERCEIRO CITÓTIPO DE Astyanax aff. fasciatus (TELEOSTEI, CHARACIDAE) DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO A THIRD CYTOTYPE OF Astyanax aff. fasciatus (TELEOSTEI, CHARACIDAE) FROM THE SÃO FRANCISCO RIVER BASIN Pierre Rafael Penteado 1*, Karine Frehner Kavalco 1, Rubens Pazza Laboratório de Genética Ecológica e Evolutiva, Universidade Federal de Viçosa Campus de Rio Paranaíba pierre.penteado@gmail.com Resumo Astyanax é um gênero amplamente distribuído na região Neotropical, devido a sua estrutura e densidade populacional. Essas características fazem o gênero ser extremamente especioso, contando com mais de cem espécies descritas. O objetivo do presente trabalho é auxiliar no levantamento da diversidade genética no gênero, analisando uma população de Astyanax aff. fasciatus, encontrada na Bacia do Rio São Francisco. Os espécimes analisados apresentaram número modal de 2n=48 (NF= 90), com fórmula cariotípica composta por 8M+22SM+12ST+6A). Blocos heterocromáticos distribuídos em regiões pericentroméricas de poucos cromossomos foram observados nos espécimes analisados e a FISH evidenciou sítios de rdna 5S intersticiais em um par de cromossomos metacêntricos e na região pericentromérica de um par de cromossomos acrocêntricos, e sítios de rdna 18S apenas um par de cromossomos subtelocêntricos. Os dados apresentados constituem um terceiro citótipo do complexo de espécies Astyanax aff. fasciatus para a bacia em questão, sendo que sua situação e perspectivas são discutidas. Palavras-chave: Rio São Francisco, Astyanax, citogenética, hibridização in situ. Abstract Astyanax is one of the genus most widely distributed throughout the Neotropical region, due to its structure and population density. These features make the genus is extremely specious, with over one hundred species currently described. The objective of this work is to assist in the survey of genetic diversity in the genre, analyzing a population of Astyanax aff. fasciatus, found in São Francisco River Basin. Cytogenetic analysis constitute conventional karyotyping, detection of constitutive heterochromatin and the location of ribosomal genes 5S and 18S. Astyanax aff. fasciatus showed 2n = 48 (8M +22 SM +12 ST +6 A), heterochromatin distributed in pericentromeric regions of few chromosomes. In situ hybridization showed interstitial 5S rdna sites in a pair of metacentric chromosomes and the pericentromeric region of one pair of acrocentric chromosomes. The present data represent a third cytotype of the species Astyanax aff. fasciatus complex for the basin concerned, and their situation and perspectives are discussed. Keywords: São Francisco River, Astyanax, cytogenetics, FISH. Introdução O gênero Astyanax tem ampla distribuição na região neotropical (Eigenmann, 1921), e a revisão mais recente do gênero aponta 90 espécies consideradas válidas (Lima et al., 2003). Entretanto, esse número está subestimado, uma vez que novas espécies têm sido descritas (Garutti & Venere, 2009; Bertaco& Lucinda, 2005; Vari& Castro, 2007, entre outros) seja por constituírem táxons ainda desconhecidos ou por fazerem parte de grupos maiores, mas com

2 2 diferenciação morfológica, e que têm passado por revisões taxonômicas (Kavalco et al., 2011). O número diplóide em Astyanax varia de 2n=36 a 2n=50 cromossomos, e a grande variabilidade cariotípica observada torna difíceis quaisquer inferências sobre a evolução cromossômica do grupo, sobretudo nas espécies com alto grau de polimorfismos (Pazza & Kavalco, 2007). Em Astyanax são observados complexos de espécies, onde tanto números diplóides quanto fórmulas cariotípicas são variáveis, relativos a pelo menos três grupos: A. scabripinnis (Moreira-Filho & Bertollo, 1991), A. fasciatus (Justi, 1993; Pazza et al., 2006) e A. altiparanae (Fernandes & Martins-Santos, 2004). Nos complexos A. scabripinnis e A. fasciatus é observado alto grau de variabilidade, sobretudo no tocante às suas macroestruturas cariotípicas, números diplóides, presença de cromossomos supranumerários ou Bs e polimorfismos de blocos heterocromáticos e das regiões organizadoras nucleolares (RONs) (Kavalco, 2008). No presente estudo, análises citogenéticas em uma população pertencente ao complexo fasciatus foi estudada a fim de contribuir com a compreensão da evolução cariotípica no grupo. Material e Métodos Foram coletados seis espécimes de A. aff. fasciatus na Apa do Rio Pandeiros, ( S W), Bacia do Rio São Francisco, no município de Januária MG (Figura 1). Cromossomos mitóticos foram obtidos a partir de células do rim anterior de acordo com o método de GOLD et al (1990). Para determinação do número e morfologia dos cromossomos foi utilizada a coloração convencional com Giemsa. A caracterização da heterocromatina foi determinada a partir do bandamento C (Sumner, 1972). A hibridação fluorescente in situ (FISH) seguiu o protocolo de (Pinkel et al., (1986), com modificações segundo Pazza et al. (2006), utilizando a sonda de rdna18s obtida a partir do DNA genômico de Prochilodus argenteus (Prochilodontidae) (Hatanaka e Galetti Jr., 2004) e a sonda 5S obtida de Leporinus elongatus (Martins e GalettiJr., 1999) e de DNA repetitivo As-51, isolado a partir de A. scabripinnis (Mestriner et al., 2000), Os cromossomos foram organizados e classificados de acordo com o seu tipo morfológico em, metacêntricos (m), submetacêntricos (sm), subtelocêntricos (st) e acrocêntricos (a), conforme a razão de braços (Levan et al., 1964). Resultados O número diplóide encontrado foi de 48 cromossomos (8M+22SM+12ST+6A, NF= 90) (Figura 2a). A heterocromatina encontrou-se distribuída preferencialmente em regiões pericentroméricas de poucos cromossomos, bem como em regiões terminais de um par de subtelocêntricos, provavelmente associado Figura 1. Mapa hidrográfico brasileiro mostrando a bacia do rio São Francisco e em destaque o rio Pandeiros, no município de Januária-MG

3 3 Figura 2. Cariótipo de astyanax aff. fasciatus com 2n=48 cromossomos corados com Giemsa do rio Pandeiros na bacia do rio São Francisco (a); metáfase somática de Astyanax aff. fasciatus submetida à técnica de bandamento C (b). com as Ag-RONs (Figura 2b). A FISH evidenciou sítios de rdna 5S intersticiais no 3º par metacêntricoe na região pericentromérica do par acrocêntrico 22 (Figura 3a). Sítios de rdna 18S foram encontrados em apenas um par de cromossomos subtelocêntricos, no braço menor (Figura 3b). Figura 3. Cariótipo de Astyanax aff. fasciatus submetida à técnica de hibridação in situ fluorescente com sonda de rdna 5S (a) e sonda de rdna 18S (b) Discussão Sistemas de rios tropicais de grande porte, como a Bacia do Rio São Francisco, permitem que algumas espécies de peixes se isolem geograficamente nas cabeceiras de seus tributários, através de barreiras intrapopulacionais físicas, químicas ou bióticas, permitindo que estas evoluam dentro do próprio sistema (Lowe-Mcconnell, 1969). Garutti (1995) afirma que o gênero Astyanax tem uma distribuição estruturada, sugerindo um grande nível de endemismo: mesmo dentro de uma mesma bacia hidrográfica há múltiplas formas com distribuição geográfica relativamente restrita. Em vista disso, supõese que os lambaris não formem um grupo uniforme, havendo variações de população para população, provavelmente por este grupo habitar uma grande variedade de microambientes (Garutti & Britski, 2000), embora seja mais bem sucedido em habitats melhor preservados (Orsi et al., 2004). Justi (1993), estudando populações de Astyanax fasciatus ao longo do Rio São Francisco, encontrou os seguintes citótipos: 2n=48 (8M+10SM+24ST+6A, NF=) no córrego da Porta, à jusante da barragem de Três Marias, e 2n=46 (6M+24SM+8ST+8A,NF=), na calha

4 4 principal, no município de Três Marias. Heras (1998) descreve dois diferentes citótipos para a mesma bacia: 2n=48 (10M+14SM+14ST+10A, NF=), também coletado no local previamente estudado por Justi (1993), em Córrego da Porta, e um citótipo proveniente de um único indivíduo, sendo 2n=46 (8M+22SM+8ST+8A, NF=). Quanto aos citótipos obtidos na calha principal pelos autores, ambos possuem 2n=46, mas com fórmulas cariotípicas diferenciadas, provavelmente resultado da classificação de cromossomos M/SM (Heras, 1998). Adicionalmente, em relação aos citótipos 2n=48, com fórmulas distintas, Heras (1998), destaca que provavelmente os cromossomos analisados possuem uma relação de braços que encontra-se próxima ao limite dos intervalos estabelecidos na literatura, ocasionando diferenças nas análises. A alternativa encontrada para as comparações se tornarem viáveis foi agrupar os cromossomos, com um grupo constituído por metacêntricos e submetacêntricos, e outro constituído por subtelocêntricos e acrocêntricos. Porém, esse tipo de abordagem pode dificultar ainda mais estudos de distintos citótipos pertencentes à mesma bacia ou bacias distintas (Heras, 1998). Comparativamente, não é o caso desse terceiro citótipo descrito no presente trabalho, uma vez que o seu local de coleta (Rio Pandeiros) é consideravelmente distante da barragem de Três Marias. Desse modo, os dados indicam que este é um citótipo distinto dos demais, a despeito da dificuldade nas classificações. Assim, considerando que as populações permaneceram isoladas geograficamente, mantendo seus números diplóides constantes, pode-se inferir que suas diferenças se devem a rearranjos nãorobertsonianos, do tipo inversões pericêntricas, como já descrito no gênero (Pazza&Kavalco, 2007). Astyanax fasciatus inicialmente descrito por Cuvier (1819), tem como localidade tipo Rios do Brasil. Desse modo, a distribuição inicialmente proposta para a espécie é extremamente vasta, o que dificulta a precisa identificação das espécies. Baseado em características cromossômicas e morfológicas, Astyanax fasciatus representa um complexo de espécies (Justi, 1993; Centofante et al., 2003; Artoni et al., 2006; Pazza et al., 2008) apresentando distintos citótipos distribuídos em várias bacias hidrográficas. Artoni et al. (2006), analisando populações da bacia hidrográfica do Rio Tibagi, encontraram 3 citótipos, sendo um 2n=48, e dois com 2n=50, com diferentes fórmulas cariotípicas. Os locais de coleta, as Furnas do Parque Estadual de Vila Velha, são bastante conspícuos, por terem se formado no Pleistoceno com nenhuma ligação com outros corpos de água, consideradas regiões endêmicas para Astyanax. Pazza et al. (2008b), analisando populações das bacias do rio Paranapanema (Angatuba-SP), e do Rio Mogi-Guaçu (Araras-SP), encontraram citótipos com 2n=46 e 2n=48, respectivamente. Este segundo citótipo (8M+22SM+12ST+6A) é semelhante ao encontrado no presente trabalho, na população de Pandeiros. Apesar de iguais, as fórmulas cariotípicas poderiam ser resultados de convergência, devido isolamente geográfico entre os pontos de coleta. A outra hipótese seria a conservação dos caracteres cromossômicos, que é suportada pela localização dos sítios 5S, que é a mesma em ambas as populações. A conservação dos sítios também pode ser observada na população de Angatuba, que possui 2n=46, sendo um padrão constante em várias espécies do gênero (Almeida- Toledo et al., 2002), especialmente em relação aos sítios do par de cromossomos metacêntricos. Tal padrão também foi observado por Pazza et al. (2006), em que a localização dos sítios obtidos pela FISH se mostrou constantes, mesmo com a variação cromossômica numérica ao longo da bacia. Pazza et al. (2008a), estudando populações de A. aff. fasciatus, citótipos de acordo com Pazza et al., (2006), (citótipo A, 2n = 48 cromossomos (8M+22SM+12ST+6A, NF=90) e citótipo B, 2n = 46 cromossomos (12M+20SM+10ST+4A,NF=88), observaram blocos heterocromáticos conspícuos em regiões terminais de vários cromossomos. Este padrão diverge do observado na população de Rio Pandeiros, que apresenta pouca heterocromatina, distribuída em regiões pericentroméricas dos cromossomos. Citar trabalhos que discutem o padrão de distribuição encontrado no presente estudo. Morelli et al. (1983) estudou duas populações de Astyanax fasciatus, uma na bacia do Rio Mogi-Guaçú apresentando 2n=46 e uma outra no Rio Juquiá com

5 5 2n=48. Os autores evidenciaram que provavelmente a evolução cariotípica ocorreu de uma maneira não conservadora, já que existem espécies com 2n=46 a 2n=50 em um grupo (A. fasciatus, A. bimaculatus e A. scabripinnis) e A. schubarti, com 2n=36 em outro. Os dados apresentados constituem um terceiro citótipo do grupo A. aff. fasciatus, para a bacia do São Francisco, e analisa marcadores citogenéticos moleculares até então não usados na mesma, que permitirá inferências taxonômicas em relação à bacias hidrográficas circunvizinhas. Assim, estudos envolvendo as espécies e/ou populações de Astyanax de diferentes localidades em abordagens comparativas são importantes para identificar cada população e delimitar unidades evolutivas dentro desse complexo grupo de peixes neotropicais. Agradecimentos Centofante L, Bertollo LAC, Justi AJ, Moreira-Filho O. (2003) Correlation of chromosomal and morphologic characters in two Astyanax species. Ichthyological Exploration of Freshwaters, 14: , Eigenmann CH. (1921) The American Characidae. Part 3. Cambridge - Mem Mus Comp Zool, 43: Fernandes CA, Martins-Santos IC. (2004) Cytogenetic studies in two populations of the Astyanaxaltiparanae (Pisces, Characiformes). Hereditas, 141: Garutti V, Britski HA. (2000). Descrição de uma espécie nova de Astyanax (TELEOSTEI:CHARACIDAE) da bacia do alto rio Paraná e considerações sobre as demais espécies do gênero na bacia. Comunicações do Museu de Ciências, 13: Agradecemos a Dergam J. e Santos U. pela coleta dos indivíduos aqui analisados e a FAPEMIG pelo apoio financeiro. Referências Garutti V, Venere PC. (2009) Astyanax xavante, a new species of characid from middle rio Araguaia in the Cerrado region, Central Brazil (CHARACIFORMES: CHARACIDAE). Neotropical Ichthyology, 7(3): Almeida-Toledo LF, Ozouf-Costaz C, Foresti F, Bonillo C, Gold JR, LI C, Shipley NS, Powers PK. (1990) Improved Porto-Foresti F, Daniel-Silva MFZ. (2002) Conservation methods for working with fish chromosomes with a of the 5S-bearing chromosome pair and co-localization review of metaphase chromosome banding. J Fish Biol, with major rdna clusters in five species of Astyanax (Pisces, Characidae). Cytogenet Genome Res, 97: : Hatanaka T, Galetti PM JR. (2004) Mapping of the 18S and 5S ribosomal RNA genes in the fish Artoni RF, Shibatta OA, Gross MC, Schneider CH, Prochilodus argenteus Agassiz, 1829 (Characiformes, Almeida MC, Vicari MR, Bertollo LAC. (2006) Astyanax Prochilodontidae). Genetica, 122: aff. fasciatus Cuvier, 1819 (Teleostei; Characidae): evidences of a species complex in the upper rio Tibagi Heras MP. (1998) Estudos citogenéticos em Astyanax basin (Paraná, Brazil). Neotropical Ichthyology, 4: 197- fasciatus (Pisces, Characidae) de rios do Brasil. São 202. Carlos SP: Dissertação de Mestrado,Universidade Federal de São Carlos. Bertaco VA, Lucinda PHF. (2005) Astyanax elachylepis, a new characid fish from the rio Tocantins drainage, Brazil Justi, AJ (1993) Caracterização cariotípica de populações (Teleostei: Characidae). Neotropical Ichthyology, 3: de Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819), Pisces, Characidae, em três bacias hidrográficas. São Carlos SP: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.

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