Figura 76 Anônimo, Máscara mortuária de Gotthold Ephraim Lessing
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- Victor Gabriel Imperial Ferretti
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1 90 Figura 73 - Giuseppe Penone. Modelado da boca do vaso. Figura 72 - Giuseppe Penone, Soffio Terracota. 178 x 98 x 86 cm Figuras 74 e 75 - Giuseppe Penone, Souffle de Feuilles Instalação Figura 76 Anônimo, Máscara mortuária de Gotthold Ephraim Lessing
2 O CORPO NA ARTE A presença do corpo na pesquisa em questão foi tomando espaço, tendo sido necessário um aprofundameno investigativo nesse assunto, sobretudo no que diz respeito à contextualização e conceituação de estéticas como os happenings, performances, ações, aqui apresentados, resumidamente, ressaltando a participação de artistas tomados como referência. A palavra corpo tem origem na palavra latina corpus, e, segundo a visão de alguns teóricos, ainda está ligada à influência da dualidade corpo alma da modernidade, um pensamento do racionalismo cartesiano que concebia corpo e alma como elementos não-integrados. Tendo sido esquadrinhado pela ciência da modernidade e continua sendo até hoje o corpo é passível de diversas intervenções humanas. Tratado como material, é banalizado nas relações sociais e isso se reflete, também, na arte. No caso das artes, o corpo é visto como uma matéria e suporte com o qual o artista trabalha, podendo ser um corpo alheio ou, até mesmo, o seu próprio corpo. As formas de percepção do corpo têm revelado mudanças significativas desde o passado idealista clássico, passando por rompimentos, transgressões e inovações no modernismo, até a atualidade. Além de ser mostrado nos meios considerados convencionais, como pintura, desenho, gravura e escultura, o corpo também está presente em ações, performances, trabalhos sensoriais, fotografias, vídeos e realidade virtual. Convenções artísticas e sociais têm sido questionadas, tendo-se o corpo como tema, referência e veículo da arte. Voltando à história da arte, pode-se lembrar o nu, belo e idealizado, da Grécia Antiga, que procurava valorizar o corpo perfeito. Ele deveria ser harmônico, ter equilíbrio e ser base e referência para todas as coisas, seguindo um cânone que dava à figura humana proporções atléticas e maiores do que as de um ser humano comum. Vale lembrar, também, que os deuses gregos tinham forma humana. A arte no início do século XX deformava e fragmentava esse corpo, antes total, perfeito, passando a explorar suas características efêmeras, imperfeições e dores. A partir dos anos 1950, a materialidade e a animalidade ganharam ênfase, revelando visões do corpo antes reprimidas, como a sexualidade.
3 92 Rubens Sá (2003), analisando o corpo como um dos principais temas da história da arte, afirma: Voltar-se ao corpo é voltar-se às origens. Pois o corpo como representação devolve ao homem aquilo que lhe foi retirado, ou seja, o seu significado simbólico. Assim, ao mesmo tempo em que ele quer significar algo, ele é (SÁ, 2003). Uma influência decisiva para esses e muitos outros artistas de vanguarda foi a atuação do Black Mountain College, fundado em 1933, em Black Mountain, nos Estados Unidos da América. Essa instituição ficou conhecida como a mais experimental no estudo e na prática da arte, a partir dos anos 1960, trazendo ainda contribuições para o cenário científico. O seu pioneirismo nas artes experimentais, poesia e fotografia deveu-se à sua proposta de um novo tipo de educação, baseado em um currículo que era composto por artes visuais, literatura, e artes da performance, nitidamente voltado para um trabalho interdisciplinar. Essa instituição, que teve no seu conselho nomes como William Carlos Williams e Albert Einstein, contou com artistas e pensadores para integrar seu corpo docente, alguns deles vindos da Bauhaus. Foram professores do Black Mountain College: Robert Motherwell, Merce Cunningham e John Cage, entre outros. John Cage, músico norteamericano, considerado precursor do happening, destacou-se pela inserção da estética do cotidiano nesse tipo de linguagem artística, realizando experimentos com ruídos e sons do cotidiano. A nova sociedade de consumo, do pós-segunda Guerra Mundial à década de 1970, estimulou os experimentos na pop art. Artistas norte-americanos, a exemplo de Claes Oldenburg e Andy Warhol, criaram environments como sátira e crítica dessa sociedade consumista, enquanto um novo grupo, denominado Neo-Dada, composto por John Cage (músico), Jasper Johns e Robert Rauschenberg (pintores) e Merce Cunningham (dançarino e coreógrafo) surgia com a proposta de trabalhar a estética do cotidiano, arte e vida. Estes foram alguns dos responsáveis pela inserção do corpo na arte contemporânea. Somente nos anos 1970 é que a palavra performance surgiu. Nessa época, a performance passou a representar a anticultura e a crítica ao sistema de arte vigente. Renato Coehn, pesquisador, trata da performance como uma ação plástico-cênica
4 93 não limitada, não ensaiada, necessariamente. É considerada uma arte híbrida por poder integrar-se com várias linguagens como dança, teatro, artes visuais, música e poesia. Além de conter características rituais e de cristalização de gestos, as performances podem incluir envolvimento do público, aspectos lúdicos e de forte ironia. Trata-se de uma arte social que tinha como objetivo romper as barreiras entre arte e vida, com abertura a outras áreas do conhecimento, proporcionando como resultado outras possibilidades de expressão artística. No campo das experimentações com o corpo, na arte contemporânea, percorre-se um caminho através de espetáculos e ações que deram origem a happenings, performances e ações. Jorge Glusberg (1932) trata de uma pré-história em que essas ações supracitadas estavam presentes nos rituais tribais, com escarificações 34 e pinturas corporais, junto a adereços, indumentárias e dança. Nesses casos, o corpo é tratado como território, suporte, superfície, a exemplo das tatuagens, passando pelas representações da Paixão na Idade Média, como também por alguns espetáculos organizados por Leonardo da Vinci no século XV e por Bernini no século XVII, nos quais havia uma intenção de integração entre dança, música, figurino, cenário e literatura. Os movimentos modernistas, como o futurismo na Itália, na França e na Rússia; o dadaísmo, o surrealismo e a Bauhaus, foram os pioneiros do happening e da performance que conhecemos hoje. As performances ou protoperformances organizadas pelos futuristas e pelos dadaístas, de acordo com Glusberg, misturavam dança, teatro, poesia, música e pintura. Tudo isso poderia ser usado, simultaneamente, como uma colagem, como em um exercício de improvisação. O cinema, recurso novo na época, começava a ser experimentado, assim como a fotografia. Além de chamar a atenção do público, essas ações tinham por objetivo, também, ser um campo de experimentação dos grupos de artistas dos dois movimentos, além de integrar as artes, rompendo com o tradicional, impondo novas formas de arte e buscando a interação do público com os artistas, que se tornavam mediadores de um processo estético-social. 34 Incisões superficiais na pele, semelhantes a queimaduras.
5 94 Nos anos 1950, Jackson Pollock ( ) abriu novas perspectivas que vão além de questões formais com sua action painting (Figura 77), ao espalhar tinta, fazendo uso do dripping, uma técnica por ele desenvolvida que consistia em, após fazer furos na lata de tinta, respingá-la em grandes lonas esticadas no chão, movimentando-se ao redor e no meio da pintura. Era uma inovação, na medida em que deslocava os movimentos do ato de pintar das mãos para os ombros e os quadris. Mesmo não sendo performer, abriu novos caminhos para o entendimento da importância da ação do processo artístico. Dessa forma, o movimento passou a ser tema em vez de simples ação para a construção da obra, dando, portanto, origem ao quadro-ação e transformando Pollock em um dos precursores da performance. Mais do que artista, ele colocou-se como ator, em busca do gesto criativo primordial. Como esse corpo se comporta, movimentando-se e localizando-se dentro e fora da lona esticada no chão, é a tônica do trabalho de Pollock. Allan Kaprow, aluno de Jasper Johns, e considerado pai do happening, insatisfeito com as limitações do espaço das galerias, procurou vencê-lo com o uso, cada vez maior, do som, até que promoveu a abertura dos seus environments, com uma colagem de acontecimentos acessível à participação dos espectadores, os quais podiam apertar botões e mover coisas, numa importante transição do environment para o happening. Em 1959, ele realizou um trabalho intitulado 18 Happenings, na Rubem Gallery, em Nova York, com uma hora e meia de duração. Kaprow, com os seus environments 35 colagens de impacto (Glusberg, 1987) aliou a assemblagem de Pollock ao acaso e indeterminação da obra de Jonh Cage, o que contribuiu também para a origem do happening, sendo por isso considerado o pai dessa linguagem. O happening, que inicialmente tinha o objetivo de desprezar os métodos de construção tradicionais da obra de arte e seu sistema, caracterizava-se pela participação ativa do público em ações surgidas espontaneamente e sem organização prévia ou tempo estipulado de duração. Trata-se de acontecimentos e ações que não se repetem, os quais tiveram origem num conceito de colagem. Esse conceito surgiu quando pintores que atuavam nos Estados Unidos, Alemanha e 35 Vindo da assemblage; em vez de apresentar caráter escultural, toma todo o espaço.
6 Figura 77 - Jackson Pollock, action painting. Anos
7 96 Japão, ao começarem a adicionar e/ou remover, substituir e/ou alterar componentes da obra visual, incluíram objetos do cotidiano em suas obras, realizando colagens, que saíram do plano do quadro (assemblages), esvaindo-se pelo espaço e envolvendo o espectador. Esses artistas, que logo denominaram as colagens de environments (ambientes), passaram então a incluir pessoas nesses ambientes, o que deu origem, mais tarde, ao happening. Não é possível estabelecer relações comuns entre os artistas que desenvolveram essa modalidade artística, visto e sabido que cada um deles a adaptava à sua forma pessoal, individual. Esse movimento, que, segundo alguns autores, se originou e se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos da América, teve como seus maiores representantes John Cage, Allan Kaprow, Jin Dine, Rauschenberg e Roy Lichtenstein. Fora da América, o happening e a performance foram linguagens muito utilizadas por grupos como o Fluxus, da Alemanha; o Gutai, de Osaka, no Japão; e o Xiamen Dada, grupo chinês da década de A performance não foi uma linguagem artística exclusivamente ocidental. O grupo Gutai, a partir da década de 1950, desenvolveu propostas em land art, merecendo também destaque como precursores da performance. Sua trajetória teve início no campo da pintura, com a proposta de rompimento do plano bidimensional, antes limitada pelas molduras para ganhar o espaço. Um dos seus componentes, Kasuo Shiraga (1924), pintou quadros com os pés e realizou uma ação de mergulhar e esfregar-se no barro, durante a performance, documentada por fotografia, Wresting in the Mud (Figura 78), de Já Saburo Murakami realizou ações como perfurar telas de papel, golpeando-as e atravessando-as, numa radicalização aos cortes e furos feitos pelo argentino Lúcio Fontana. Esse grupo realizou um importante trabalho de fotografia de ação, ao documentar suas performances. Uma boa fotografia de ação deve ser seqüenciada, tornando-se, além de uma documentação da performance, acessível para quem não pode assisti-la ao vivo, o próprio objeto artístico, no âmbito de uma modalidade específica de foto-ação. A imagem do trabalho efêmero, então, pode ser difundida de várias maneiras, como em postais, folhetos, internet etc. A fotografia do acontecimento artístico, no caso da performance com ou sem audiência, torna-se então uma foto que reinterpreta e que reconstrói
8 97 significados. Pelo fato de ter esta forma artística um apelo predominantemente visual, ao ser bem capturada, em bons ângulos, em momentos certos, acaba suplantando a própria ação. Daí a importância da interação entre o artista e o fotógrafo (ou equipe) que vai acessorá-lo na captação das imagens. Mesmo que o gesto de apertar o botão da máquina seja de uma outra pessoa, o artista deve explicar a ela o que pretende em termos de registro, estando, ao mesmo tempo, aberto a sugestões. Maria Beatriz Medeiros 36, em seu artigo Gutai Bitjutsu Kyokai, realiza um questionamento pertinente sobre a anterioridade do grupo Gutai no âmbito das ações e performances, pelo fato de ser a sua contribuição, em geral, renegada em detrimento da primazia dos norte-americanos e europeus, quando se pesquisa sobre a anterioridade dessa linguagem. Ives Klein ( ), com seu Salto para o Vazio (1960) (Figura 79), sendo fotografado saltando de uma janela, é também um dos principais estímulos a uma ação efêmera e, mais ainda, eternizada através do ato fotográfico. Em seu trabalho Antropometria do Período Azul (Figura 80), realizado em 1960, na Galeria Internacional de Arte Contemporânea, em Paris, exibia-se pintando de azul o corpo de modelos nuas e comprimindo-o contra uma superfície branca, ao som de uma orquestra de câmara, assistido por um público, na sua maioria, confortavelmente sentado. Essa série de trabalhos com a impressão por contato no caso, usando o próprio corpo como carimbo recebeu uma maior atenção. Na mesma década, surgiram manifestações como a live art, com elementos retirados da vida cotidiana, envolvendo participação, casualidade e trabalho com o inconsciente. Várias expressões foram criadas para designar o tipo de arte que começava a surgir performance (Oldenburg), event (Brecht), aktion (Joseph Beuys), décollage (Wolf Vostel), todas com objetivos e significados semelhantes, mesmo apresentando técnicas diferentes. Na arte contemporânea, há obras que falam do corpo pela sua ausência. Esse corpo é tomado indiretamente, não mais com a sua imagem em si, porém aparecendo como um vestígio, uma marca, um rastro da ação humana, mas como 36 Professora Doutora da Unb, coordenadora do grupo de pesquisa Corpos.org.
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