Opinião ABC Brasil /01/2017

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1 27/01/2017 Como já destacamos em Opiniões anteriores, nas últimas semanas, o foco das atenções dos investidores tem sido as declarações do novo presidente americano, Donald Trump. Na última sexta-feira, Trump discursou em seu evento de posse e seus comentários tiveram um tom fortemente protecionista. Segundo o presidente americano: Deste dia em diante, vai ser só a América primeiro, a América primeiro. Todas as decisões sobre comércio, sobre taxas, sobre imigração, sobre relações exteriores serão feitas para beneficiar os trabalhadores americanos e as famílias americanas. Devemos proteger nossas fronteiras das devastações dos outros países fazendo nossos produtos, roubando nossas empresas e destruindo nossos empregos. A proteção vai levar a grande prosperidade e força.. Esses comentários não foram só papo furado e na primeira semana no cargo, Trump já mostrou para o que veio, ao anunciar uma série de medidas no âmbito da política externa. Via decreto, o presidente americano cancelou a participação dos EUA no Tratado Transpacífico (TPP), sinalizou a intenção de negociar o mais rápido possível o Acordo Norte- Americano de Livre Comércio (Nafta) e ameaçou impor tarifas altamente punitivas aos produtos importados da China. A posição do presidente americano não foi inesperada, já que desde a campanha eleitoral Trump vinha argumentando em favor do protecionismo. Na verdade, o que surpreendeu foi a atitude da China sobre o tema. O presidente chinês, Xi Jinping, em um discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos, fez uma defesa vigorosa da globalização e do livro comércio. Isso mesmo, parece confuso, mas nos últimos dias, enquanto o presidente de uma das economias mais liberais do mundo defendeu o protecionismo, o governante de um dos países com maiores restrições para estrangeiros argumentou a favor da globalização. Martin Wolf, economista do Financial Times, definiu muito bem essa situação: o contraste (entre o discurso dos dois países) é assombroso.

2 Em Davos, Xi reconheceu que o processo de globalização apresenta as suas dificuldades, no entanto, também destacou que a abertura impulsiona o crescimento mundial e facilita o movimento de bens e capital, avanços na ciência e interações entre os povos. De acordo com Xi, culpar a globalização econômica pelos problemas do planeta é incompatível com a realidade. O discurso sobre globalização do presidente chinês, que esperaríamos ouvir de um presidente americano, foi até comparado com a apresentação do último presidente dos EUA a discursar no mesmo fórum. Em 2000, Bill Clinton partiu em defesa do livre comércio ao afirmar que os mercados abertos são os melhores propulsores que conhecemos para a economia. Diante de posições tão contrastantes, vamos utilizar o Opinião desta semana para avaliar o papel da globalização no crescimento econômico e o potencial impacto das medidas protecionistas de Trump na atividade americana. Para isso, vale colocar a globalização versus as medidas protecionistas dentro de um contexto histórico. Antes da crise de 1929, vimos uma ascensão do livre comércio entre as grandes nações, no entanto, com a grande depressão, parte desta abertura começou a ser revista. Os governos estavam pressionados a agir em meio à contração da economia, desaceleração dos preços e aumento da taxa de desemprego. Nesse cenário, muitos países começaram a adotar medidas protecionistas. Nos EUA, em 1930, o presidente Herbert Hoover assinou a Lei Smoot Hawley que elevava as tarifas de cerca de produtos importados. A expectativa era de que com este ato a competição de produtos estrangeiros no país fosse reduzida e com isso a economia americana se recuperasse. No entanto, a lei acabou gerando um movimento em cadeia, com diversos outros países aprovando leis e decretos semelhantes. Nesse cenário, as exportações americanas caíram drasticamente e a taxa de desemprego do país cresceu consideravelmente. A afirmação de que esta lei foi o fato gerador da grave crise econômica 2

3 do período é muito forte, contudo, muitos estudos indicam que o decreto acabou desencadeando uma grave guerra comercial, que intensificou a Grande Depressão. Como consequência, em 1934, as tarifas foram novamente reduzidas. Depois disso, criou-se o entendimento de que um regime baseado no livre comércio seria o mais adequado para promover o crescimento da economia global. No entanto, nos últimos meses, alguns eventos, como a vitória do Brexit e a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, colocaram em dúvida este consenso. O crescimento econômico medíocre, a baixa taxa de inflação e o aumento do desemprego foram muitas vezes relacionados à abertura dos países. A saída do Reino Unido da União Europeia e a vitória de Trump têm pelo menos uma coisa em comum: a insatisfação de uma parte significativa da população com a globalização. A expansão gerada pela abertura comercial não foi transformada em educação ou treinamento para aqueles que por causa dela foram prejudicados. Com isso, criou-se um cenário binário no qual só temos duas opções ou a liberalização sem qualquer suporte ou a não liberalização. Trump tem argumentado a favor do protecionismo, dizendo que os acordos comerciais tiraram empregos, principalmente, no setor de manufaturados dos EUA. Será que os dados corroboram essa afirmação? Entre 1970 e 2015 a participação da indústria no número total de empregos do setor privado americano caiu de 25% para 9%. Segundo Trump, os EUA perderam cerca de um terço dos empregos em manufatura com o NAFTA e fábricas desde que a China entrou no WTO 1. No entanto, uma análise mais detalhada dos números nos mostra que o efeito dos acordos comerciais no mercado de trabalho americano é irrisório. É verdade que nos últimos anos, 1 World Trade Organization: Organização intergovernamental que regula o comércio exterior. 3

4 de 2000 a 2010, por exemplo, os EUA perderam 5,6 milhões de empregos na indústria. Todavia, estudos recentes apontam que a grande maioria desses postos de trabalho, cerca de 80%, foi fechada por causa de avanços tecnológicos e não por conta da abertura dos mercados. Apesar da diminuição no número pessoas ocupadas, a produção industrial cresceu no período, sinalizando uma melhora significativa na produtividade do setor. Vale a pena destacar que não estamos dizendo aqui que a competição com China, México ou Canadá não reduziu a demanda de emprego nos EUA, no entanto, esta não é a causa principal. Tentar aumentar o número de postos de trabalho na indústria via medidas protecionistas é como tentar subir uma escada rolante que está descendo. Reduzir o déficit comercial no setor, via aumento das exportações de bens manufaturados, pode até impulsionar o emprego no curto prazo (isso se não gerar uma rápida retaliação por parte de outros países, mas falaremos disso nos próximos parágrafos). No entanto, no médio prazo, a combinação de crescimento da produtividade e demanda pouco elástica, deve fazer o nível de emprego deste setor cair novamente. Isso, inclusive, já acontece com países industriais que detém um alto superávit comercial, como a Alemanha. O economista da Universidade da Califórnia, James Bradford DeLong, fez uma comparação ainda mais aprofundada entre o nível de emprego do setor manufatureiro nos EUA e na Alemanha. Considerando este último como um líder da política industrial, podemos supor que se as ações corretas fossem tomadas, o desempenho do mercado de trabalho dos EUA deveria ser similar ao do alemão. Desde 1971, a Alemanha perdeu 50% dos postos de trabalho na indústria, enquanto os EUA, 62%. Caso os EUA repetissem o resultado alemão, atualmente o emprego do setor de manufaturados americanos representaria 12,2% do total, ao invés dos 9% atuais, ou seja, os EUA teriam 5,4 milhões de vagas de trabalho a mais na indústria, fenômeno que o autor chamou de encolhimento da manufatura americana. 4

5 Sendo assim, DeLong avaliou o impacto do NAFTA e da entrada na China no WTO no encolhimento da manufatura americana. Segundo cálculos do autor, o tratado com Canadá e México, que teve início em 1992, levou a uma queda aproximada de 200 mil empregos no setor industrial dos EUA no período, o que representa apenas 0.14 p.p. no total dos empregos privados do país. Ou seja, em termos de mercado de trabalho, o NAFTA não teve um grande peso. E quanto à China? O país entrou no WTO em 1991, e nos 15 anos seguintes as importações chinesas nos EUA aumentaram sua participação entre os bens manufaturados de 0,6%, para 5,8%. De forma resumida, DeLong estimou que empregos americanos na indústria foram perdidos por causa do choque chinês, o que representa 0,22 p.p. do total de emprego privado, de novo, nada muito representativo. Com isso, DeLong argumenta que o impacto destes dois acordos na queda dos empregos nos EUA foi mínimo, e que o recuo do trabalho industrial está mais relacionado à falta de posicionamento dos EUA como um país exportador de capital e financiador da industrialização no restante do mundo. O Peterson Institute for International Economics (PIIE) modelou o impacto de algumas medidas protecionistas de Trump na economia americana. O estudo considerou que os EUA devem impor uma taxa de importação de 45% para os produtos vindos da China e de 35% para os do México. Se ambos os países responderem simetricamente a estas medidas, colocando a mesma tarifa para as exportações americanas, teremos o início de uma guerra comercial aberta, com queda significativa do fluxo comercial entre estes países. A sequência disso é até mesmo intuitiva. O aumento dos preços das importações pressionará a taxa de inflação, fazendo com que o Federal Reserve tenha que elevar a taxa de juros de maneira mais rápida, aumentando os custos de empréstimos. Estes, por sua vez, deprimem o investimento e levam a economia americana para a recessão já em 2019, de acordo com o relatório. 5

6 Com relação aos empregos, o quadro também não é positivo. Juntos, China e México representam um quarto do comércio internacional dos EUA em bens e serviços. Sendo assim, até 2019, a guerra comercial provocaria uma perda de 4,8 milhões de empregos no setor privado americano. Ainda, os setores não serão afetados de forma igual e, por isso, alguns até podem ser beneficiados pelo aumento das tarifas de importados. Uma das características das medidas protecionistas é beneficiar um certo número de setores em detrimento de outros. O estudo do PIIE mostra que os setores de manufaturados e mineração devem ser os mais negativamente afetados por essa guerra comercial. Já em termos absolutos, a maioria das vagas serão fechadas no setor de serviços. Para concluir, o que estamos vendo nos últimos meses pode ser o início da reversão de um movimento de 80 anos em direção ao livre comércio exterior e à cooperação entre as nações. De forma geral, os países não fizeram a lição de casa com relação à globalização ao não utilizar parte dos seus excedentes para prover melhores oportunidades para aquelas pessoas ou comunidades que foram prejudicadas pela abertura comercial. Neste contexto, políticos utilizaram a insatisfação de uma parte significativa da população para incorporarem um discurso protecionista. Quando a nação hegemônica ataca o sistema que ela mesmo criou, somente nos resta esperar dois resultados: o colapso do sistema ou seu ressurgimento em torno de uma nova potência hegemônica. A probabilidade de a China substituir os EUA neste papel é baixa, já que dependeria do apoio de países da Ásia e Europa, por isso, o mais provável é o primeiro resultado: colapso do sistema e uma guerra comercial aberta entre os países, o que não beneficiaria nenhuma economia do mundo, muito menos a americana. Neste momento, ao invés de tentar achar um inimigo externo e responsabilizar a globalização por todos os males econômicos, as autoridades deveriam focar em aprimorar seus acordos comerciais e 6

7 investir em garantir oportunidades para aqueles que de alguma forma foram prejudicados. Este material possui cunho meramente informativo, não constituindo qualquer tipo de oferta, convite, proposta ou aconselhamento por parte do Banco ABC Brasil S.A. ( Banco ) aos seus destinatários para quaisquer fins, inclusive, mas não limitado, à contratação ou não de operações financeiras, negócios ou investimentos, bem como quanto ao desenvolvimento por estes, ou não, de quaisquer estratégias correlatas. O envio deste material aos seus destinatários se dá de forma gratuita e por mera liberalidade do Banco, não se configurando como qualquer tipo de produto ou prestação de serviços por parte deste, ao qual fica reservado o direito de descontinuar o envio destas informações a qualquer tempo e sem qualquer tipo de aviso prévio a seus destinatários. As informações contidas neste material foram obtidas de fontes públicas e consideradas razoavelmente apuradas na data de sua divulgação. O Banco não confere aos destinatários deste material qualquer espécie de garantia, direito ou pretensão no que se refere às informações ora apresentadas, bem como quanto à sua exatidão, completude, isenção, confiabilidade ou atualização. Quaisquer decisões, contratações, investimentos, negócios ou estratégias, relacionadas ou não às informações ora apresentadas, deverão ser adotadas, efetuadas ou desenvolvidas pelos destinatários deste material exclusivamente de acordo com seus critérios de avaliação próprios e sob sua integral responsabilidade, com base nas informações por estes obtidas de forma independente e de acordo com a análise e opinião de seus consultores, analistas e administradores próprios. O Banco não será responsável, perante os destinatários deste material ou quaisquer terceiros, por qualquer forma de utilização das informações ora apresentadas, bem como por quaisquer perdas diretas, indiretas ou quaisquer tipos de prejuízos e/ou lucros cessantes que possam ser decorrentes do uso deste conteúdo. Este material e as informações dele constantes somente poderão ser reproduzidos, divulgados ou redistribuídos com a expressa anuência por escrito do Banco. Este material não se constitui, e não deve ser interpretado, para quaisquer fins, como relatório de análise nos termos do artigo 1º da Instrução CVM n.º 483, de 06 de Julho de