EXTREMOS DE PRECIPITAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM E CIDADES DO NORDESTE PARAENSE DURANTE A ÚLTIMA DÉCADA

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1 EXTREMOS DE PRECIPITAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM E CIDADES DO NORDESTE PARAENSE DURANTE A ÚLTIMA DÉCADA Everaldo B. De Souza, Helen Karollyne Lima de Lima Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais (PPGCA), Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém-PA, Brasil, everaldo@ufpa.br RESUMO: Utilizando dados diários de precipitação registrada em estações pluviométricas e estimativas do 3B42_V6 do satélite TRMM foram selecionados os eventos extremos (valores acima do percentil de 90%) na região metropolitana de Belém (RMB) e cidades vizinhas do nordeste paraense. Aqui se apresentam os resultados especificamente para o mês de Março, quando deflagra-se o pico da estação chuvosa sobre a Amazônia oriental. A aplicação do teste não paramétrico de Mann-Kendal demonstrou que a RMB e cidades com intenso processo de urbanização não apresentam tendências estatisticamente significantes de aumento/diminuição de extremos de precipitação durante o período de 1998/2011. Em contrapartida, numa localidade caracterizada pela baixa urbanização e cobertura florestal mais densa (em comparação com a maior parte do nordeste paraense), os resultados mostraram tendência significante de diminuição dos eventos extremos na última década. ABSTRACT: Extreme precipitation events (values above 90% percentile) in the metropolitan region of Belém (RMB) and neighboring areas of the northeastern Para were selected from daily precipitation data derived of the raingauge stations and TRMM 3B42_V6 estimates. Here we present results specifically for March when occurs the peak of the rainy season in eastern Amazon. The application of the nonparametric Mann-Kendal test evidenced that RMB and cities with intense process of urbanization do not show statistically significant increase/decrease trends in precipitation extremes during 1998/2011 period. In contrast, in a region characterized by low urbanization and denser forest cover (compared to most of northeastern Pará), the results showed significant trend of reduction of extreme events in the last decade. 1. INTRODUÇÃO Eventos extremos de precipitação tem sido objeto de diversos estudos observacionais em virtude dos mesmos resultarem da manifestação complexa de fenômenos atmosféricos, muitas vezes de difícil previsão, bem como provocarem impactos sócio/econômico/ambiental significante, particularmente em grandes centros urbanos. Na Amazônia, em função das características de convecção profunda tropical associada à interação de diversos mecanismos atmosféricos locais, sinóticos e planetários, é comum a ocorrência e recorrência de eventos com precipitação intensa (De Souza e Rocha, 2006). Outra importância que justifica as investigações

2 sobre os eventos extremos é de que as projeções de clima futuro, decorrentes de mudanças climáticas globais, apontam grande probabilidade de aumento na frequência de tais eventos nos próximos 50 anos (IPCC, 2007). Assim sendo, o foco do presente trabalho é na investigação dos eventos extremos de precipitação particularmente sobre a região metropolitana de Belém e cidades vizinhas do nordeste paraense, situados na Amazônia oriental adjacente ao Oceano Atlântico equatorial. O nordeste do Pará é uma das regiões da Amazônia (ao longo do arco do desmatamento) que no curso das últimas décadas tem sofrido forte antropização resultante de diversas atividades de uso da terra, tais como agricultura familiar, pecuária, urbanização e industrialização, dentre outras (Hurtienne, 2005), as quais levaram ao crescimento populacional intenso na última década (IBGE, 2011). Diante disso, um questionamento que vem à tona é: já há indícios de aumento na frequência de evento extremos concomitante ao cenário de grandes mudanças regionais da paisagem no nordeste paraense? O presente trabalho objetiva investigar as tendências de precipitação extrema na referida região usando séries de dados pluviométricos extraídos de observações de estações in situ e estimados via sensoriamento remoto por satélites. 2. DADOS E METODOLOGIA Os dados de precipitação consistem de séries pluviométricas diárias provenientes das estações meteorológicas pertencentes ao INMET e ANA/CPRM no período variável de 1973 a Utilizam-se também os dados diários de precipitação do satélite TRMM, estimada pelo algoritmo 3B42-V6 (Huffman et al., 2007), cuja resolução temporal é de 3/3 horas numa grade global de 0.25º, cobrindo o período de 1998 a A Figura 1 mostra a área de estudo com o domínio espacial (pontos de grade) dos dados do TRMM, bem como a localização das estações pluviométricas da região metropolitana de Belém (RMB), Barcarena (BA), Santa Isabel do Pará (SI), Castanhal (CA), Bujarú (BU) e distrito de Mosqueiro (MO). Como os dados do TRMM possuem resolução horizontal de 0,25º, cada ponto de grade representa um quadrado com lados em torno de 28 Km. Dentro da região de estudo, a RMB e os municípios de CA, BA e SI caracterizam-se como localidades com forte urbanização, sendo que MO e principalmente BU possuem características de baixa urbanização com cobertura florestal mais densa. A investigação dos eventos extremos de precipitação diária consiste em comparar os dados pontuais das estações pluviométricas com os dados extraídos do respectivo ponto de grade do TRMM que engloba espacialmente a respectiva estação (círculos em vermelho), conforme ilustra a Figura 1. O critério de seleção do evento extremo é o valor do percentil acima de 90% considerando todo o período das observações diárias. Utiliza-se a técnica nãoparamétrica do teste de Man-Kendall (e.g., Goossens e Berger, 1986) para se investigar objetivamente a presença de tendência positiva ou negativa dos eventos extremos de precipitação selecionados nos dados das estações e TRMM.

3 Figura 1 Área de estudo abrangendo a região metropolitana de Belém e municípios vizinhos do nordeste paraense. 3. RESULTADOS A Figura 2 ilustra a climatologia mensal da precipitação observada nas estações (média ) e pelo satélite TRMM (média ), na qual evidencia-se que mesmo durante os meses do período chuvoso (de Dezembro a Maio) observa-se pronunciada variabilidade espacial da precipitação regional. Em geral, nota-se boa consistência entre os valores das estações e os dados do TRMM na maior parte do período chuvoso. Para o presente trabalho, restringem-se os resultados para o mês de Março, quando deflagra-se o máximo pluviométrico da estação chuvosa (Figura 2). Figura 2 Precipitação climatológica mensal (mm/dia) observada nas estações pluviométricas (números dentro dos círculos) e estimada pelo TRMM (cores) durante os meses de Dezembro a Maio. A média das estações é de 1973/2010 e do TRMM de 1998/2010.

4 A Figura 3 mostra os totais de eventos extremos diários registrados especificamente para o mês de Março entre os anos de 1998 a 2011, tanto para os dados das estações como do TRMM. Em geral, percebe-se boa consistência entre os valores das estações e TRMM, sendo que observam-se variações pronunciadas (alta variabilidade) de extremos de ano para ano. Em princípio, tal variabilidade pode ser explicada pela modulação dos mecanismos de grande escala que se processam sobre os Oceanos tropicais (ciclo do ENOS no Pacífico e fases do gradiente no Atlântico, e.g. De Souza et al., 2005) que interferem no posicionamento da ZCIT (De Souza et al., 2004). Concernente aos sinais das tendências (ver linhas tracejadas na Figura 3, que mostram as retas de inclinação das tendências pelo método de Mann-Kendal) dos eventos extremos registrados durante os últimos 14 anos (1998/2011), evidencia-se que a RMB e CA (localidades com características de forte urbanização), apresentam leve tendência negativa e positiva, respectivamente, porém, tais tendências não são estatisticamente significantes (Fig. 3a, 3b). A localidade de BA apresenta tendência nula (Fig. 3c). De forma inversa, no município de BU (caracterizado como baixa urbanização e que ainda mantém sua cobertura de superfície de floresta secundária sem muita degradação nos últimos anos) verifica-se tendência negativa que é estatisticamente significante ao nível de 95% (Fig. 3d). Os resultados quantitativos das tendências do teste de Mann-Kendal são enumerados na Tabela 1, na qual notam-se valores baixos de Z (magnitude da tendência) para a RMB, CA e BA, sendo que para os dados da estação de BU verifica-se diminuição significante em torno de -2 eventos na última década. Figura 3 Totais mensais (linhas contínuas) e tendências do teste de Mann-Kendal (linha tracejada) para o mês de Março dos eventos extremos de precipitação correspondentes aos dados das estações (ESTAÇ) e TRMM para e a) RMB, b) CA, c) BA e d) BU. Tabela 1 Valores de Z (magnitude da tendência) do teste de Mann-Kendal para os eventos extremos em Março no período de 1998/2011. Valores em negrito são estatisticamente significantes ao nível de 95%. Test Z Test Z Test Z Test Z RMB TRMM -0,4 CA TRMM +0,8 BA TRMM -0,1 BU TRMM -1,2 RMB ESTAÇ -0,7 CA ESTAÇ 0,0 BA ESTAÇ +0,1 BU ESTAÇ -2,2

5 4. CONCLUSÕES Março é o mês em que deflagra-se o máximo pluviométrico da Amazônia oriental durante a estação chuvosa. Para este mês, baseado na comparação dos eventos extremos de precipitação (chuva diária maior do que o percentil 90%) extraídos de registros de estações meteorológicas e da estimativa 3B42_V6 do TRMM sobre a área de estudo situada no nordeste do Pará, incluindo a região metropolitana de Belém (RMB), verificou-se ótima consistência entre essas duas bases de dados, sendo que observou-se alta variabilidade nos totais mensais de eventos extremos durante o período de 1998/2011. A aplicação do teste não paramétrico de Mann-Kendall evidenciou que a RMB e cidades vizinhas que sofrerão profundas modificações na paisagem, devido o intenso processo de urbanização e de atividades de uso da terra durante a última década, não apresentam tendências estatisticamente significantes de aumento ou diminuição de eventos extremos de precipitação, pelo menos para o mês de Março, quando ocorre o pico da estação chuvosa. Em contrapartida, no município de Bujaru (BU), uma das poucas áreas com baixa urbanização e preservação da cobertura florestal (em comparação com a maior parte do nordeste paraense), os resultados mostraram tendência significante de diminuição dos eventos extremos na última década. Tais evidências observacionais tornam-se importantes na discussão atual sobre cenários futuros de clima regional e demonstram que a relação aumento na frequência de extremos versus urbanização não está clara, necessitando assim de maiores investigações científicas. Resultados adicionais e mais completos sobre eventos extremos na região estudada, considerando todos os meses do ano, encontram-se em desenvolvimento. REFERÊNCIAS De Souza, E.B., Kayano, M. T., Ambrizzi, T., 2004: The regional precipitation over the Eastern Amazon/Northeast Brazil modulated by tropical Pacific and Atlantic SST anomalies on a weekly timescale. Revista Brasileira de Meteorologia, 19(3), De Souza, E. B., Kayano, M. T., Ambrizzi, T., 2005: Intraseasonal and submonthly variability over the Eastern Amazon and Northeast Brazil during the autumn rainy season. Theoretical and Applied Climatology, 81, De Souza, E. B., Rocha, E. J.P., 2006: Diurnal variation of rainfall in eastern Amazonia during rainy season: mean characteristics and extreme events. Revista Brasileira de Meteorologia, 21, Goossens, C., Berger, A., 1986: Annual and seasonal climatic variations over the northern hemisphere and Europe during the last century. Annales Geophysicae, 4(B4), Huffman, G. J., Adler, R., Bolvin, D., et al., 2007: The TRMM Multi-satellite Precipitation Analysis: Quasi-global, multi-year, combined-sensor precipitation estimates at fine scale. J. Hydrometeorology, 8(1), Hurtienne, P. T., 2005: Agricultura familiar e desenvolvimento rural sustentável na Amazônia. Novos Cadernos NAEA, 8, IPCC Fourth Assessment Report. (IPCC AR4) 2007: Climate Change 2007: Synthesis Report.