A RESILIÊNCIA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA Um diálogo entre a corrida e a docência
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- Mafalda Candal de Lacerda
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1 Título do artigo: A RESILIÊNCIA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA Um diálogo entre a corrida e a docência Disciplina: Educação Física Selecionador: Marcos Santos Mourão (Marcola) 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 1
2 Este artigo é dedicado a todos os resilientes professores de Educação Física que enviaram seus textos ao Prêmio Victor Civita Educador nota 10 e aos corredores amadores de todo o mundo, especialmente aos de ultramaratonas. As atividades corporais sempre estiveram presentes em minha vida. Era do tipo de criança que até quando estava doente não parava quieto. Lembro-me de quando, com apenas 7 anos, acompanhei um amigo dos meus pais, corredor de rua, por toda orla do Arpoador até o Leme, num dia de sol forte no Rio de Janeiro. A sensação de superar obstáculos, resistir à pressão de situações adversas, sempre me fascinou desde pequeno. Hoje, realizo provas de corrida de grandes distâncias e considero que esses desafios têm muito em comum com a atividade de professor, particularmente a de um professor nota dez. Em primeiro lugar é necessário ter muita disposição e ter muita clareza da sua escolha. Ninguém se torna um bom professor na primeira tentativa. É preciso muita dedicação na formação e um constante aprimoramento no desenvolvimento de didáticas específicas para a realização de um bom trabalho docente. O mesmo ocorre na preparação para uma grande corrida, é necessário começar aos poucos, com pequenas distâncias, para depois conquistar as distâncias maiores. Começar a correr não é fácil e também não trás resultados imediatos. Como se diz na corrida, é necessário desenvolver primeiramente um lastro, uma base segura de treinamento. Nesta preparação haverá momentos difíceis, obstáculos que surgirão e que o colocarão à prova: a falta de ar, os dias frios, alguma lesão, a descrença daqueles que acham desnecessário fazer atividade física... Alguns corredores poderão até se questionar: será que vale mesmo a pena tanto esforço? Mas a medida que os resultados aparecem, a sensação de satisfação preenche e supera todas as dificuldades encontradas no começo da corrida. De forma parecida o trabalho docente encontra diversos obstáculos. A começar pela preparação para ser professor. Dados do Censo da Educação Básica 2012 mostram que, apesar de formação ter melhorado no País, há docentes sem diploma de graduação em 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 2
3 todas as etapas escolares. A procura pelas licenciaturas como um todo, no ensino superior do Brasil, segue muito pequena nos últimos anos. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2011, no período de 2010 a 2011, a matrícula nos cursos de licenciatura aumentou apenas 0,1%. Na área de Educação Física, para poder atuar em escolas, os formados no bacharelado precisam estudar de um ano a um ano e meio a mais e ter licenciatura. Ao ingressarem na escola, via de regra, encontrarão um cenário bastante desafiador, com falta de espaço e material adequados, no qual terão que lidar com as seguintes questões: Como tratar os conteúdos da Educação Física sem uma visão de rendimento, de performance, de resultados voltados à seleção dos mais aptos? Como atrair a participação dos alunos considerados menos habilidosos, com baixa autoestima em relação às atividades? Como sair da prática sem reflexão, isto é, da prática pela prática? Como ensinar aos alunos que a aula de Educação Física não é apenas um momento de diversão e lazer frente às exigências escolares de outras disciplinas? Como valorizar a Educação Física na escola? A Educação Física continua a ter que lidar com um baixo status pedagógico. O professor, ainda hoje, carrega um fardo de ser visto em muitas escolas como alguém à parte do processo pedagógico e institucional. Um profissional que, apesar de muito querido por todos, tem invariavelmente a sua atuação restrita às quatro linhas da quadra poliesportiva, ajudando na organização de alguns eventos, mas que passa muitas vezes despercebido quando se trata de contribuir efetivamente para a construção do currículo escolar e do corpo pedagógico. Com todas estas dificuldades, voltamos à pergunta do corredor: será que vale a pena tanto esforço?. O que leva o professor a querer lidar e superar tantos problemas, obstáculos, resistir à pressão de tantas situações adversas? Acredito que é a certeza de seu papel como educador e a vontade de vencer, de ver resultados atingidos, de estar próximo, influenciar e modificar pessoas, que faz com que o professor continue e mantenha o brilho 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 3
4 nos olhos. E assim como o corredor, a medida que os resultados aparecem a sensação de satisfação preenche e supera todas as dificuldades encontradas. Esta resiliência é uma capacidade característica de muitos trabalhos lidos durante o processo de seleção do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Destaco a seguir alguns pontos observados nesta leitura: Muitos trabalhos apontaram para uma valorização da dimensão atitudinal dos conteúdos, ou seja, para muitos professores de Educação Física é cada vez mais clara a importância de, através do movimento, oferecer situações positivas de convivência e solidariedade. Neste aspecto as atividades competitivas em aula precisam ser revistas, para que não se tornem meras reproduções de situações de desrespeito, violência e descriminação tão veiculadas pela mídia, principalmente nos esportes. Quando afirmamos a competição como uma cooperação de competências, todos têm o direito e o dever de contribuir com o que sabem fazer de melhor, passamos a olhar para o processo de competir (pedir com) sob outro ponto de vista, de forma a reconhecer a importância do outro, inclusive a do adversário. Essa abordagem trás uma visível mudança na relação entre os alunos durante a aula, mas assim como na preparação da corrida, não trás resultados imediatos e demanda bastante esforço do professor. Outro tema bastante presente nos trabalhos lidos é a diversificação e ampliação dos conteúdos oferecidos aos alunos de Educação Física. Aquele professor que apenas ministra temporadas esportivas de futebol, basquete, vôlei e handebol a cada bimestre, infelizmente parou no tempo. Hoje, além dos esportes tradicionais de quadra, surgem outras modalidades esportivas que atraem cada vez mais os alunos: corrida de orientação, esportes de aventura (rapel, escalada, canoagem), esportes de ação (skate, surf, parkourt), ginásticas (ioga, massagem, ginástica artística). As lutas, que sempre estiveram à parte das aulas, seja por receio ou preconceito, também foram adaptadas para um contexto lúdico e regrado. Dançar na Educação Física? Por que não? A ampliação de propostas de corpo e movimento possibilitou a participação de alunos que até então eram vistos como incompetentes na aula. E isso é muito bom, afinal é 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 4
5 importante que todos os alunos descubram alguma competência motora no âmbito da cultura corporal! Quando falamos de todos, queremos dizer realmente TODOS os alunos e aí incluímos os com deficiências físicas e motoras, os com Síndrome de Down, Autistas e demais. E este é um dos maiores desafios no trabalho docente, pois há muito o que se fazer neste aspecto. O que temos visto em algumas experiências escolares em Educação Física, que já demonstram uma preocupação com esta questão, é um atendimento especifico das limitações motoras, com exercícios direcionados para o aluno, normalmente com a colaboração de um auxiliar (quando há a possibilidade). A inclusão desse aluno nas situações de aula com todo o grupo ainda é um desafio a ser superado pela maioria dos professores de Educação Física. Curiosamente na corrida, o Paradesporto já dispõe de muitos recursos que possibilitam a inclusão e a participação dos atletas em competições com deficiências diversas. Em relação aos recursos materiais e espaciais que o professor dispõe para desenvolver suas aulas, encontramos um cenário de escassez na área da Educação Física brasileira. É nosso direito e dever reivindicar sempre melhores condições de trabalho. No entanto, para os professores resilientes essa dificuldade serviu como uma forma de desafio na elaboração de novas possibilidades de aula, levando para suas turmas outras vivências corporais (dança, corrida de orientação, consciência corporal, brincadeiras cooperativas) e materiais diversificados (construção de brinquedos e objetos para atividades corporais com sucatas). Por fim quero compartilhar algo que considero mais valioso para um professor resiliente e que encontrei na leitura de vários trabalhos: a vontade de ensinar aos alunos a acreditar que o impossível é apenas uma questão de ponto de vista. Acreditar que podem fazer esgrima, natação, hidroginástica, tênis, judô, capoeira, ginástica, dança, e tudo mais que exista na cultura corporal de movimento, que por circunstâncias diversas, lhes foi negado. 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 5
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