INTERAÇÕES CULTURAIS, SIMBOLISMO E TRANFORMAÇÕES URBANAS DECORRENTES DO FENÔMENO RELIGIOSO EM JUAZEIRO DO NORTE/CEARÁ

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1 INTERAÇÕES CULTURAIS, SIMBOLISMO E TRANFORMAÇÕES URBANAS DECORRENTES DO FENÔMENO RELIGIOSO EM JUAZEIRO DO NORTE/CEARÁ MARIA ALETHEIA STEDILE BELIZÁRIO Professora Mestre da Universidade Estadual da Paraíba UEPB Centro de Humanidades/Campus III geostedile@hotmail.com 1. INTRODUÇÃO Estudar valores simbólicos e traços culturais é sempre um desafio. A cultura, em sua essência, é sempre permeada de nuances que marcam cada grupo e suas práticas com relação à paisagem. A Geografia Cultural se interessa pelo estudo das paisagens humanas buscando a partir do entendimento geográfico, o conhecimento dos grupos e suas práticas com relação ao meio onde está inserido. A partir dessa abordagem verifica-se a presença de um vasto campo de análise para a Geografia, que se preocupa em estudar as interrelações, os lugares simbólicos e sua interação com a natureza. A análise cultural, nesse artigo, trará o enfoque religioso e as alterações urbanas decorrentes da interação do grupo com o espaço em que está inserido, cabendo ao geógrafo desvendar o simbolismo presente nessa paisagem. Localizada no sul do Estado do Ceará na microrregião do Cariri, a cidade de Juazeiro do Norte figura entre as hierópolis brasileiras por causa de um grande fluxo de devotos que para lá se deslocam em busca de manifestarem sua fé. O fenômeno Padre Cícero é apontado por estudiosos como sendo responsável pela transformação da pequena vila santuário, na principal cidade do Vale do Cariri, um centro urbano que se destaca no Ceará não só do ponto de vista demográfico, mas, principalmente, devido às funções que exerce. Desde a ocorrência do Milagre da Hóstia em 1889, Padre Cícero se tornou um ícone da religiosidade popular no Nordeste, atraindo milhares de fieis e contribuindo para uma série de transformações no espaço urbano da cidade supracitada. A abordagem sobre a religiosidade em Juazeiro do Norte é necessária, pois a modificação espacial gera uma configuração diferente nesse espaço urbano, onde

2 geografia e religião se encontram, moldando uma paisagem diretamente ligada ao sagrado, onde o fluxo de romeiros aumenta, levando a cidade a alterar sua normalidade em função da fé. A emergência do sagrado nessa cidade-santuário possui uma forte influência na configuração da paisagem, (re) organizando o espaço urbano fazendo com que este ganhe um caráter simbólico, durante os diversos períodos onde a religiosidade é mais expressiva. Assim, a especificidade urbana que essa cidade apresenta nos seus diversos tempos sagrados, pressupõe a existência de um impulso religioso que leva o homem a atuar sobre a paisagem, onde o espaço fica adequado a cada período em que o caráter simbólico se manifesta. Diante dessas circunstâncias, o geógrafo interessado em estudar o fenômeno religioso, busca entender as transformações ocorridas no espaço de Juazeiro do Norte e a construção de uma paisagem urbana, onde o arranjo das formas espaciais é o resultado de fatores externos. 2. OBJETIVOS O objetivo dessa pesquisa é identificar as interações culturais e o simbolismo que ocorrem nesse espaço durante os diferentes tempos sagrados, analisando os lugares visitados pelos romeiros em que ocorrem as principais romarias onde, a partir da percepção e vivência das paisagens simbólicas geram uma significativa alteração do espaço urbano. 3. METODOLOGIA Os trabalhos consistiram em atividades de gabinete e de campo. Em gabinete foram levantadas as referências sobre a temática da Geografia Cultural. Em campo, foram adotados como principais instrumentos de coleta de informações a observação participante e registros fotográficos. Assim, o método utilizado será o etnográfico com base teórica alicerçada em autores como Claval, Correa, Rosendahl, Eliade, Durkheim, Claval, entre outros autores que fazem referência ao fenômeno religioso, cultura e simbolismo.

3 4. ENTENDENDO O SIMBOLISMO RELIGIOSO EM JUAZEIRO DO NORTE No espaço urbano, podem-se observar as diversas paisagens que se modificam de acordo com as atividades realizadas em cada lugar com suas diferentes manifestações, tendo caráter simbólico ou não. No caso da cidade-santuário de Juazeiro do Norte, toda sua estrutura original está imbricada de simbolismo, decorrentes do fenômeno Padre Cícero. Para TUAN (...)as paisagens servem como pano de fundo para as atividades humanas... (TUAN; 1980:162), mostrando-se ricas em simbologia, todos os objetos presentes nelas podem ser utilizados e analisados de maneiras diferentes, ou seja, (...) todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem. (COSGROVE; 1998:108) Em seus estudos BERQUE (1998), faz uma diferenciação entre dois tipos de paisagens culturais, a paisagem marca e a paisagem matriz 1. Como marca, ela caracteriza um grupo social, ou seja, expressa as características de uma civilização, mas também é considerada como matriz porque relaciona a sociedade com o espaço e com a natureza, marcadas por sua cultura. Assim, a paisagem é capturada por uma sociedade que a produz e a transforma de acordo com seu modo de vida, imprimindo suas marcas e mostrando qual o tipo de relação que mantém com o espaço As cidades de função religiosa devem ser analisadas com todo o seu valor social, levando-se em consideração a sua organização espacial e o papel dos agentes modeladores que imprimiram suas marcas no espaço urbano. Conforme ROSENDAHL (...) os peregrinos, enquanto agentes modeladores do espaço nas cidades santuário tem a importante tarefa simbólica de produzir e reproduzir o arranjo espacial urbano. (ROSENDAHL, 1999:27) 1 Essa caracterização das paisagens - marca e matriz, procura entender a relação do sujeito coletivo com o meio, ou seja, a sociedade que produziu as formas de acordo com suas próprias lógicas, analisando o sentido da paisagem cultural produzida. (BERQUE, 1998)

4 A chegada do Padre Cícero a Juazeiro do Norte em 1872 se destaca como grande impulsionadora do desenvolvimento econômico, político e religioso da cidade. Conhecida na região do Cariri como a Meca do Nordeste, Juazeiro do Norte conta com uma infra-estrutura capaz de receber seus visitantes, seja para manifestarem sua fé, seja para conhecerem a importância de Juazeiro no Nordeste brasileiro. A cultura e a História de Juazeiro do Norte estão bem descritas nos seus monumentos, evidenciando todo simbolismo presente na cidade. Juazeiro do Norte é um dos menores municípios do Estado do Ceará em área, com apenas 219Km², mas é atualmente a maior cidade do interior cearense, contando com uma população de habitantes, além de infra-estrutura e equipamentos urbanos que dão suporte ao crescimento dessa cidade. (IBGE) Padre Cícero Romão Batista nasceu no dia 24 de março do ano de 1844 na cidade de Crato, sendo um entre os três filhos de uma família composta por cinco pessoas. O pai, Joaquim Romão Batista, era um pequeno comerciante em Crato e a mãe, Joaquina Vicência Romana, também conhecida como Dona Quinou, dedicava-se exclusivamente a casa e aos filhos. As irmãs do Padre Cícero chamavam-se Angélica Romana Batista e Maria Angélica Batista, suas companhias durante a infância. BARBOSA (1994:02) No dia 30 de Novembro de 1870, o jovem Cícero é ordenado padre. As solenidades de ordenação se realizaram na Igreja do Seminário da Prainha em Fortaleza, com celebração de Dom Luiz Antonio dos Santos, bispo da Diocese do Ceará (OLIVEIRA, 1974:35). Padre Cícero celebrou a primeira missa no dia 8 de janeiro de 1871, no altar de Nossa Senhora da Penha, na matriz da cidade de Crato, dando início a sua vida apostólica, que levaria o sacerdote, anos mais tarde, a ser conhecido como o Patriarca de Juazeiro. (BARBOSA, 1994:7). O Padre veio pela primeira vez a Juazeiro do Norte no ano de 1871, a convite do professor Semeão Correa, para celebrar a missa de Natal. Como já fazia alguns anos que a pequena vila estava sem capelão, esse Era o primeiro contato do servo de Deus com o seu povo, segundo expressão de BARBOSA (1994:9).

5 O fato que desencadeou a experiência religiosa em Juazeiro do Norte ficou conhecido como MILAGRE DA HÓSTIA. Esse fenômeno aconteceu no dia 01 de março de 1889 e se repetiu em toda primeira sexta-feira de cada mês durante mais de um ano. Os relatos são de que a hóstia se transmutava em sangue quando colocada na boca da beata Maria de Araújo. Há uma clara percepção de como a prática religiosa em sua essência é algo além do sentido original que o objeto transmite. Se a hierofania se manifesta em uma pedra ou em uma árvore, esses objetos perpassam seu sentido original, mostrando-se imbricados de significados, (...) para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania. (ELIADE, 1992:18). No caso específico de Juazeiro do Norte o cerne do simbolismo está na figura do Padre Cícero como elemento central e na beata Maria de Araújo como secundário. A partir desse fenômeno, Juazeiro do Norte passa a atrair pessoas de vários lugares do Ceará e de outros Estados do Nordeste que vinham não só em busca de um milagre, mas também porque queriam fixar residência na pequena vila, o que impulsionou o rápido desenvolvimento urbano do lugar. Foi sem dúvida com a notícia do fenômeno do milagre da hóstia que se espalhou por toda a região, atraindo pessoas que acreditavam ter acontecido um milagre na cidade, que começou a se formar a estrutura sagrada que persiste em Juazeiro do Norte até os dias atuais. Os tempos religiosos de Juazeiro do Norte representam a cultura através dos símbolos presentes nessa hierópolis. Os fiéis estão sempre em contato com diversos símbolos, sendo assim, o simbolismo é o responsável pela organização do espaço, dando sentido a cada uma dessas estruturas sagradas. Em todos os tempos sagrados há um acentuado aumento das atividades comerciais e grande fluxo de pessoas nesse espaço urbano, gerando um forte impacto sobre a paisagem. Percebe-se, então, a relação estreita que existe entre o catolicismo popular e o clero oficial, mesmo o Padre Cícero não sendo oficialmente reconhecido pela igreja católica. Nessa perspectiva o clero tem importância fundamental na organização das

6 práticas religiosas e dos símbolos que darão sustentabilidade à religiosidade presente nesse espaço sagrado. De acordo com ROSENDAHL, Os romeiros imprimem no espaço um extraordinário estado de efervescência religiosa. É através dessa vivência com o sagrado que o peregrino pode ter acesso a uma realidade que transcende este mundo. (ROSENDAHL, 1999:45) Em Juazeiro do Norte, a hierofania é representada pelas estruturas que simbolizam a figura do Padre Cícero, e sua influência sobrepõe-se a algumas dessas estruturas, o que determina marcas importantes no espaço urbano dessa hierópolis e gera uma materialização no espaço, criado pelos fiéis. Dessa forma há uma imbricação entre os elementos que vão compor esse espaço urbano e a relação do ser com seu meio. De acordo com COSTA, A relação entre os elementos: ambiente, paisagem, cultura e religião, fornece-nos a base para que se possa compreender as interações religiogeográficas. Esta relação do homem com a natureza, em que o homem se liga ao sobrenatural numa perspectiva dos símbolos, dá o sentido de como a prática religiosa transforma e caracteriza o espaço geográfico. (COSTA, 1998:15) Dessa forma, espaços sagrados e profanos são estruturados, em Juazeiro do Norte, a partir de um imaginário religioso, denotando características particulares na construção dessa paisagem religiosa, modificando a estrutura urbana nos períodos onde a manifestação do sagrado é mais expressiva, gerando alterações significativas na paisagem urbana desse centro religioso. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O modo de estudar o espaço urbano com suas diferentes paisagens imbrica o espaço a um tipo de resposta humana, o que estrutura uma identidade peculiar a cada lugar. No caso específico de Juazeiro do Norte, são os símbolos que circundam a figura do Padre Cícero que caracterizam a cidade enquanto hierópolis. Dessa forma, o imaginário transforma a natureza em materiais simbólicos, através da cultura dominante. A pesquisa focalizou de que forma o consumo do sagrado reforça as transformações dos lugares durante algumas épocas, denotando significativas alterações onde esse sagrado está inserido. Com base nessas características, compreendem-se as

7 especificidades urbanas que uma hierópolis apresenta nos seus diversos tempos sagrados, onde o imaginário toma conta das manifestações, podendo haver uma variação espacial de acordo com cada tempo sagrado, onde o espaço fica adequado ao grupo que atua no espaço de Juazeiro do Norte em cada período em que a religiosidade se manifesta. No caso dessa hierópolis, as funções urbanas convergem para o caráter sagrado que esse espaço determina. A estrutura original da cidade fica adequada ao fluxo de romeiros que se desloca para esse centro religioso. É perceptível a presença de problemas decorrentes desse fluxo migratório temporário. Podemos citar como exemplo a malha viária urbana que não comporta o fluxo de veículos transitando na cidade, causando inúmeros problemas no trânsito. Outro problema é a falta de água para a população local devido ao aumento da população flutuante, fazendo com que o número de pessoas, em determinadas épocas, sejam triplicados. Outra característica negativa é o aumento da violência, já que o efetivo disponibilizado durante as romarias é insuficiente. Quanto aos aspectos positivos, podemos destacar o aquecimento no comércio e nas indústrias da região, já que as pessoas que se deslocam para lá acabam consumindo os mais diversificados produtos, desde alimentos, artigos religiosos, até vestuário e souvenirs. O simbolismo presente em Juazeiro do Norte contribui para a organização do espaço. Os rituais e os símbolos presentes nessa hierópolis consagram o espaço ao ser vivenciado pelos indivíduos que freqüentam essa hierópolis e manifestam suas experiências individuais com o sagrado. Cabe destacar que essa relação divina que o fiel mantém provoca uma ruptura no cotidiano tanto da hierópolis quanto dos romeiros, já que há uma quebra das atividades normais dos mesmos. 6. REFERÊNCIAS BARBOSA, G. M. História do Padre Cícero ao alcance de todos. 2 ed. Juazeiro do Norte: ICVC, p. BELIZÁRIO, M. A. S. Juazeiro do Norte-Ce: Uma hierópolis no sertão Nordestino. Fortaleza: p. Dissertação (Mestrado em Geografia) UECE.

8 . Um olhar geográfico acerca do fenômeno religioso em Juazeiro do Norte/Ceará. In: SEEMAN, et al. Geografias do Cariri Cearense. Fortaleza: Editora Expressão Geográfica, Pg: CORIOLANO, L. N. M. T. O espaço sagrado e o espaço profano nos centros de romaria do Ceará. In : O Ceará : Enfoques Geográficos. Zenilde Baima Amora (org.). FUNECE, COSGROVE, D. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: CORREA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (org.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, P COSTA, O. J. L. A festa do Senhor do Bonfim em Icó Ce. Uma abordagem da Geografia da Religião. Fortaleza: p. Dissertação (Mestrado em Geografia) UECE. DELLA CAVA, R. Milagre em Joaseiro. Trad. Maria Yedda Linhares. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, p. HOLZER, W. Paisagem, imaginário e identidade: alternativas para o estudo geográfico. In: CORREA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (org.). Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, P ISAAC, E. Religion, landscape and space. Califórnia n LOPES, R. Padre Cícero. Edições Demócrito Rocha. Fortaleza, Coleção Terra Bárbara 3 NETO, L. Padre Cícero. Poder, fé e guerra no Sertão. Editora Companhia das Letras, São Paulo, OLIVEIRA, A. X. de. O Padre Cícero que eu conheci. Verdadeira História de Juazeiro do Norte. Ed. Henriqueta Galeno. Fortaleza-Ce, ROSENDAHL, Z. Espaço e Religião. Uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ/NEPEC, p.. O sagrado e o espaço. In: CASTRO, Iná Elias de et al (org.) Explorações geográficas. Percursos do fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, P

9 . O espaço, o sagrado e o profano. EdUERJ, Rio de Janeiro, Hierópolis: O sagrado e o urbano. Rio de Janeiro: EdUERJ, p. TUAN, Y. F. Topofilia um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. SP. DIFEL, 1980