INTÉRPRETES DE SAMBA-ENREDO E CANTORES DE PAGODE: COMPARAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS VOCAIS E DA CONFIGURAÇÃO DO TRATO VOCAL
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- Vítor Arruda Cipriano
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1 INTÉRPRETES DE SAMBA-ENREDO E CANTORES DE PAGODE: COMPARAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS VOCAIS E DA CONFIGURAÇÃO DO TRATO VOCAL Descritores: voz, laringe, diagnóstico INTRODUÇÃO A voz cantada é uma área recente e abrangente de estudos da Fonoaudiologia, mas poucas pesquisas (1) se dedicaram ao gênero musical brasileiro: o samba. O grupo de cantores da noite é heterogêneo em relação ao tipo de queixa, expectativas sobre o tratamento, maneira de encarar a realidade e valorização da voz. Portanto há necessidade do desenvolvimento de metodologias específicas para cada grupo de cantores e de se considerar as particularidades de cada gênero musical (2). Cantores representam um grupo de risco para o desenvolvimento de problemas vocais e raramente buscam ajuda profissional para suas queixas vocais antes que estas evoluam para uma patologia severa. As lesões mais comuns são as vasculodigenesias, nódulos, pólipos e laringites crônicas (3-4). A configuração do trato vocal promove a valorização de harmônicos produzidos pelas pregas vocais, o que permite ao cantor escolher entre diferentes timbres, de acordo com o gênero musical. No entanto, há pouco conhecimento sobre a diversidade fisiológica de cada gênero (5). O objetivo desse trabalho é a comparação de características vocais e da configuração do trato vocal de cantores de um mesmo gênero musical, o samba, porém com demandas e exigências diferentes: cantores de pagode e intérpretes de samba-enredo. MÉTODO Os sujeitos foram divididos em dois grupos: grupo A (dez intérpretes de sambaenredo) e grupo B (dez cantores de pagode). Para a seleção dos sujeitos do Grupo A foram visitadas Escolas de Samba e para a seleção do Grupo B, casas noturnas de samba do Município de São Paulo, locais nos quais os cantores foram convidados a participar da pesquisa. Após a aceitação, foi entregue a cada cantor o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O fator de inclusão adotado foi o sujeito cantar profissionalmente há no mínimo
2 três anos e, para os intérpretes ter cantado no Carnaval de 2007 como intérprete de samba-enredo de Escolas de Samba do Grupo Especial no Município de São Paulo. Os sujeitos não poderiam estar com nenhuma alteração em vias aéreas superiores ou inferiores no dia dos procedimentos metodológicos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o protocolo de nº 217/06. Os sujeitos foram encaminhados ao Ambulatório de Artes Vocais da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo para a realização do exame com o aparelho de nasofibrolaringoscópio Vision Science ENT 2000 por um médico otorrinolaringologista, durante emissão de canto da música padronizada Aquarela Brasileira (Silas de Oliveira, 1964)*. Terminado o exame da laringe, os sujeitos foram submetidos à aplicação de um questionário de demanda vocal e aspectos de queixas de saúde geral auto referidas e à gravação da mesma música em um ambiente com isolamento acústico. Cantaram em pé, com os braços estendidos ao lado do tronco, com o microfone da marca Silver Gold Ship a 7 cm dos lábios a uma inclinação de 45º. Os exames da laringe foram randomizados e gravados em um DVD no gravador de DVD LG DR , enviado a um juiz otorrinolaringologista para análise. A emissão da vogal prolongada /a/, extraída do canto da música padronizada, foi submetida à análise acústica realizada pelas pesquisadoras, por meio do programa software PRAAT versão 4:3:01. Os dados obtidos após as análises foram compilados, descritos e comparados entre os grupos. RESULTADOS A média de idade dos sujeitos do Grupo A (intérpretes de samba-enredo) foi de 34 anos e do Grupo B (cantores de pagode) foi de 31 anos, todos do sexo masculino. A média da freqüência de apresentações por semana foi de cinco para o Grupo A e de quatro para o Grupo B, com duração média de 1h30 por apresentação para ambos. A análise acústica demonstrou que a média dos valores do 4º formante para o Grupo A foi de 2936,30Hz e de 2861,14Hz para o Grupo B. A média dos valores de freqüência fundamental foi de 223,96Hz para o Grupo A e de 232,47Hz para o Grupo B. * A escolha dessa música teve como objetivo padronizar uma única canção que fosse do conhecimento dos sujeitos de ambos os grupos. A música escolhida é, originalmente, um samba-enredo, porém é muito executada também em rodas de samba e pagode e por esse motivo foi adotada para os dois grupos.
3 Ocorrência de queixas vocais 5 5 Ter realizado de terapia fonoaudiológica Ter realizado de aulas de canto 5 Trabalhar em ambientes com amplificação sonora Figura 1. Descrição da ocorrência de queixas vocais, da realização de terapia fonoaudiológica, da realização de aulas de canto e de trabalhar em ambientes com amplificação sonora dos intérpretes de samba-enredo (Grupo A) e cantores de pagode (Grupo B) Ter obstrução nasal Ter dor de estômago Ter azia Roncar Ter rinite Tossir Pigarrear Ingestão de café Uso de drogas Ingestão de álcool Consumo de cigarro Figura 2. Descrição da ocorrência de queixas gerais de saúde e hábitos nocivos autoreferidas pelos intérpretes de samba-enredo (Grupo A) e cantores de pagode (Grupo B)
4 Constrição das estruturas supraglóticas* Deslocamento vertical da laringe* Constrição da hipofaringe* LL leve AP intensa / LL intensa ausente LL leve AP moderada / LL moderada AP leve / LL moderada AP leve / LL leve ausente ascendente fixa Lesão de ppvv sem com LEGENDA: ppvv = pregas vocais; LL = látero-lateral; AP = ântero-posterior Figura 3. Descrição da configuração do trato vocal durante o canto dos intérpretes de samba-enredo (Grupo A) e cantores de pagode (Grupo B) DISCUSSÃO A incidência de queixas vocais foi grande nos dois grupos (Figura 1), porém, grande parte já havia buscado auxílio em terapia fonoaudiológica (4). A queixa de pigarro (Figura 2) foi apresentada pela maior parte dos sujeitos, dos dois grupos. Tal achado pode, no entanto, ser sustentado pela incidência de queixas de azia e dor de estômago, que podem ser indícios da presença de refluxo gastro-esofágico (RGE) (6-7). Os dados da análise acústica revelaram que os valores de freqüência fundamental foram semelhantes nos dois grupos, contudo, encontram-se acima dos parâmetros observados na literatura (8-9). No entanto, os estudos faziam referências a uma amostra de emissão de uma vogal isolada, enquanto que a presente pesquisa analisou uma vogal prolongada extraída de um trecho de voz cantada. Todos os valores dos formantes obtidos pelos cantores dos dois grupos estão de acordo com os
5 valores reconhecidos na literatura (10). Quando comparados os dados do exame da laringe (Figura 3), seis sujeitos do Grupo A não apresentaram constrição de hipofaringe, de modo que os sujeitos do Grupo B obtiveram graus variados de constrição desta mesma estrutura. Seis sujeitos do Grupo A e cinco sujeitos do Grupo B não apresentaram constrição em relação às estruturas da supraglote (Figura 3). Outros estudos constataram um grau maior de constrição no gênero samba quando comparado aos outros, o que discorda destes achados (5). CONCLUSÃO Ao comparar as características vocais e a configuração do trato vocal dos grupos estudados foram encontrados os seguintes resultados: o A demanda vocal dos intérpretes de samba-enredo é maior que a dos cantores de pagode; o Os valores de freqüência fundamental e do 4º formante foram próximos nos dois grupos; o Intérpretes de samba-enredo apresentaram mais queixas de pigarro, ronco e de problemas relacionados à digestão; o Intérpretes de samba-enredo possuem mais lesões de pregas vocais e não apresentam constrição de hipofaringe na emissão de agudos. Cantores de pagode obtiveram graus variados de constrição da hipofaringe e ambos não têm constrição das estruturas supraglóticas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Rosa PP, Goulart BNG, Costa EF, Capp E. Levantamento da saúde vocal de uma amostra de cantores de pagode do município de Porto Alegre. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2000;12(2): Andrada e Silva MA. Caracterização de um grupo de cantores da noite: um enfoque fonoaudiológico [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; Radionoff SL. Preparing the Singing Voice Specialist Revisited. J Voice. 2004;18(4): Edwin R. Voice, how do we abuse thee? Let us count the ways. J Singing. 1995;52(1): Nuñez KL. Configurações do Trato Vocal na Fonação Habitual e no Canto Popular [dissertação] Paraná: Universidade Tuiuti do Paraná; Castagno LA, Gastal OL, Castagno S. Faringite e Laringite Associadas a Refluxo Gastroesofágico. Rev. Bras. Otorrinolaringologia. 1994;60(3): Cammarota G, Masala G, Cianci R, Palli D, Capaccio P, Schindler A et al. Reflux Symptoms in Professional Opera Choristers. Gastroenterology. 2007;132: Behlau M, Tosi O, Pontes PAL. Determinação da freqüência fundamental e suas variações em altura ( jitter ) e intensidade ( shimmer ) para falantes do português brasileiro. Acta AWHO, 1985;4: Araujo AS, Grellet M, Pereira JC, Rosa MO. Normatização de medidas acústicas da voz normal. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2002;68(4): Sundberg J, Gramming P, Lovetri J. Comparisons of Pharynx, Source, Formant, and Pressure Characteristics in Operatic and Musical Theatre Singing. J Voice. 1993;7:
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