FLUXO DE IMAGENS NA MEMÓRIA
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- Carlos Eduardo Angelim Capistrano
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1 FLUXO DE IMAGENS NA MEMÓRIA Natália Augusto Silva (UNICAMP) Natália Augusto Silva, mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes da Universidade Estadual de Campinas, obteve bolsa FAPESP com vigência de agosto 2008 a Realizou pesquisa de iniciação científica em 2007 com bolsa PIBIC/ CNPq. É formada em licenciatura (2007) e bacharelada (2005) em dança pela UNICAMP. Atualmente é contratada como artista orientadora do Programa Vocacional 2012, Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura e Educação. namaskar13@hotmail.com Resumo O tema da minha pesquisa em dança se instaura nas conexões possíveis entre o corpo em movimento, memórias e processo de criação. A proposta é trabalhar com o arquivo pessoal dinâmico de imagens, sensações e percepções para potencializar a expressão artística. O passado é transformado de forma não linear, através de um tempo espiralado que emerge no presente, tomando sentido no corpo em movimento. O solo Asthé (2010), resultante de minha dissertação de mestrado (Programa de Pós Graduação em Artes - Unicamp), é a matriz prática das interconexões teóricas apresentadas. Palavras- chave: Memória, Imagem, Criação, Dança FLOW OF IMAGES IN MEMORY Abstract The theme of my research in dance is established in the possible connections between the moving body, memories and the creation process. The idea is to work with the dynamic personal archive of images, sensations and perceptions to enhance artistic expression. The past is transformed on a non-linear way, through a coiled time that emerges on present, being signified on the moving body. The solo Asthé (2010), result of my dissertation (Graduate Program in Arts Unicamp), is the practical matrix of the theoretical interconnections presented. Keywords: Memory, Image, Creation, Dance Introdução: conexões possíveis A conexão entre imagem, memória e movimento é um intrigante processo, percorrido por diversos estudiosos e pesquisadores das artes cênicas. No século XX esta ligação começou a ser construída também por métodos somáticos, comprovando a relação das imagens mentais com a ativação e reorganização dos circuitos neuromusculares. Tal processo fora observado a partir da criação de personagens, sendo que ao trabalhar com imagens, a qualidade da apresentação artística melhorava consideravelmente. 1
2 O estudo da educação somática se estende também a métodos terapêuticos, buscando a recuperação de movimentos e lesões. Mabel Todd ( ), uma das pioneiras nesta área, criou um método que foi denominado Ideokinesis, do grego Ideo ideia imaginada e kinesis movimento. O conceito de imagem em movimento teve sua base nos estudos de anatomia, fisiologia e cinesiologia. Vários outros estudiosos deram continuidade a esta pesquisa, especialmente Barbara Clark e Lulu Sweigard, que procuraram compreender como a utilização de imagens poderia contribuir na ponte entre percepção, intenção e ação. Imagens específicas visualizadas (que possuem localização, direcionamento e finalização) foram pesquisadas com intuito de ajudar o corpo a se mover com qualidade, preservando as articulações, trazendo alinhamento, postura e quantificando a energia necessária ao movimento pretendido. O movimento é parte inerente do homem e podemos aceitar que este, na impossibilidade de parar o fluxo da vida, sempre dançou. Em todos os momentos importantes da existência, seja nos rituais de alegria ou de tristeza, a linguagem do corpo pôde alcançar níveis de expressão que a linguagem verbal não supriu. A imagem escrita, letras, sílabas, palavras foram utilizadas como arquivo de informações somente a partir da impressão, ou seja, na Idade Média. A partir desse momento, a palavra documentada começou a alcançar tal grau de importância que as outras formas de conhecimento, como a tradição oral, foram perdendo força. Anteriormente, no período Clássico, havia a mnemotécnica, considerada parte da arte da retórica. A memória era fundamental na transmissão de conhecimento e o mesmo era obtido e transmitido tanto pela oralidade quanto pela simbologia das imagens. Por vezes de caráter enigmático, nem sempre aberto à imediata compreensão, era um modo de expressão simbólico que envolvia, a priori, a percepção e conhecimento de signos e sinais. Assim podiase ampliar a capacidade interpretativa do homem em relação a seu universo. Surgia de tal modo a possibilidade de descortinar um mundo de significados, informações e conhecimentos que, para quem os podia captar, auxiliavam na própria evolução, provocando mudanças e percepções internas. 2
3 Ainda na teologia grega arcaica, a deusa Mnemósine representava tanto a lembrança como o esquecimento, tão importante para a continuidade da vida, pois se não há morte no esquecimento, também não há possibilidade de atualização. Mnemósine também representa a mãe das musas, sendo que a Arte provém dessa deusa, assim a memória se apresenta muito além de um caráter funcional de armazenamento de informações. Simônides de Ceos, ao ser o único sobrevivente do desabamento do salão no banquete de Scopas, salvo pelos gêmeos sagrados Castor e Pólux, se torna o fundador da mnemotécnica, pois para lembrar o posicionamento dos convidados e identificar seus corpos, ele utiliza o método de imagens e lugares (loci). A partir dessa história contada por Cícero, a arte da memória é desenvolvida e se torna a base para o desenvolvimento do pensamento da antiguidade grega e latina. No Renascimento Giulio Camillo se torna notável com a criação do Teatro da Memória. Na arquitetura de seu teatro, no centro do palco estava o indivíduo, que olhava para a plateia. Nela não havia pessoas, o público como conhecemos hoje. Na plateia encontravam-se sete pilares do conhecimento, que se desdobravam em imagens localizadas para construção de um leque de informações peculiares, a partir do qual cada um poderia selecionar e montar a sua própria rede de informações. Ao escolher o percurso pelos degraus do teatro, sem esquema pré-estabelecido ou cronologia, o indivíduo poderia acessar o conhecimento possível ali reunido, através de imagens emblemáticas e signos divinos. O Teatro da Memória foi uma grande obra que por pouco não se perdeu no esquecimento histórico, resgatada por pesquisadores atuais, apresenta um caráter especial de desdobramento de imagens arquitetônicas em redes de relações, esta é uma característica relevante não só na pesquisa da memória como também da criação artística, que através de um fluxo de imagens selecionadas pela lembrança trabalha estabelecendo novas conexões. 3
4 Desenvolvimento: memória e criação artística No trabalho de criação do espetáculo Asthé, resultante da minha pesquisa de mestrado, procurei estímulos sensoriais para acionar lembranças significativas. Muitas conexões foram estabelecidas entre memórias, imagens e movimentos, mas uma delas surgiu como um raio: lembrei-me de uma escultura de Salvador Dalí que vira há muito tempo em uma exposição: a Vênus de Milo atravessada por Gavetas, de Pesquisei as obras de Dalí da época de e encontrei mais imagens, quadros e rascunhos de corpos atravessados por gavetas. Dentre suas referências para pintar essas obras estava o estudo da memória a partir da mnemotécnica medieval e renascentista, o autor Ramon Llull da Baixa Idade Média e o Teatro da Memória de Giulio Camilo. O artista descreve na época que o corpo humano, neoplatônico puro na época dos gregos está hoje repleto de gavetas secretas que somente a psicanálise pode abrir 1. Em sua obra o artista remete à pesquisa da memória, se referindo também às imagens do inconsciente (Jung) em uma maravilhosa arquitetura do corpo humano. A necessidade de seguir o fluxo das imagens e compreender a ligação entre corpo e memória nas pesquisas atuais fez com que eu me voltasse às pesquisas de um neurologista, pesquisador profundamente interessado em estudar como e porque lembramos e esquecemos fatos, emoções, situações. Por estudar o corpo de forma somática sua pesquisa pode elucidar um pouco mais sobre a questão da memória aplicada às artes performativas. Ao pesquisar os mecanismos de acesso às memórias, Izquierdo 2 chama de dependência de estado a condição para evocar memórias de forte conteúdo emocional e relaciona fisiologicamente a questão da lembrança no corpo, interligando o sistema nervoso, hormonal e muscular. Considerações finais em fluxo As imagens que se apresentam para nós por vezes surgem espontaneamente, sem serem resgatadas propositalmente pelo exercício do 1 DALI, Salvador. Salvador Dali. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, IZQUIERDO, Ivan. A arte de esquecer: cérebro, memória e esquecimento. Rio de Janeiro: Vieira e Lent,
5 recordar, do trazer à tona determinado fato, situação ou sensação vivida. Percebemos que quando estamos atentos e receptivos às sensações que se manifestam a partir dos movimentos corporais, o fluxo dessas imagens aumenta, saímos do controle absoluto e permitimos que a criação aconteça. Nesse processo de criação observamos que a memória não está localizada somente no cérebro. O diálogo entre intenção, imaginação e percepção se apresenta em formas desenhadas no corpo, os músculos são acionados com tons variados de tensão e relaxamento, compondo o movimento. O passado emerge no presente de forma transformada permitindo que novas conexões se estabeleçam, as ligações são de infinitas possibilidades, a partir do material resgatado que é único, assim o fluxo de criação nos apresenta uma forma singular, que logo se esvai por ser efêmera, retoma a espiral do tempo para talvez em outro momento, se apresentar em uma nova forma. Referências ALMEIDA, M. J. de. O teatro da memória de Giulio Camilo. Cotia: Ateliê Editorial: Campinas: Unicamp, DALÍ, S. Salvador Dalí. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, FRANKLIN, E. N. Human Kinetics. Champaign: Human Kinetics, IZQUIERDO, I. A arte de esquecer: cérebro, memória e esquecimento. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, JUNG, C. G. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, SWEIGARD, L. E. Human movement potential: its ideokinetic facilitation. New York: Harper & Row, YATES, F. A arte da memória. Campinas: Editora da Unicamp,
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