A palavra chave no tempo do advento é salvação. O advento do Senhor, quer dizer, a sua vinda, está em função da salvação que ele quer realizar em

Transcrição

1 A palavra chave no tempo do advento é salvação. O advento do Senhor, quer dizer, a sua vinda, está em função da salvação que ele quer realizar em favor dos homens. A Bíblia apresenta fundamentalmente uma história, no interior da qual o Deus de Israel, Javé, desenvolve um papel particular, a saber, o de agir em função da salvação do povo eleito. Por isso a chamamos de história da salvação. Ela se realizou na plenitude dos tempos, com a vinda de Jesus. De fato, ele, há vinte séculos atrás, por nós e pela nossa salvação desceu do céu, não para outra coisa. Sempre que o Senhor vem, vem para salvar. Os quatro domingos do advento ressaltam isso. Mesmo que de um ano para outro as leituras mudem, cada domingo do tempo do advento apresenta um tema específico que é mantido sempre. O primeiro domingo do advento que hoje celebramos tem como tema central a vigilância. Trata-se da exortação a estar despertos, na espera da salvação que vem. Os cristãos são advertidos a não se considerarem ainda seguros até que a salvação, já realizada por Cristo através do evento pascal, se cumpra definitivamente com o ingresso deles no reino celeste. Ainda que tenhamos experimentado tantas e tantas intervenções de Deus em nossas vidas, ainda que tantas e tantas vezes Cristo nos tenha salvado, é necessário sempre estar na espera de uma salvação mais perfeita e definitiva (1Pd 1,5.9). Temos sempre necessidade de sermos salvos. Não basta estarmos já salvos de pecados mesmo profundos e graves, e depois sentar-se tranquilamente e dormir, quer dizer, pensar que doravante estamos garantidos para sempre e que podemos relaxar e fazer o que quisermos. Se assim for, o que havíamos recebido pode se perder e a nossa condição pode se tornar pior que a anterior 2Pd2,20; Mt 12,45). Por isso, depois de sermos 1

2 salvos, permanece um combate (segunda Leitura) que dura por toda a vida, para não jogar fora o conseguimento da salvação definitiva. Ocorre, portanto, não adormecer, não relaxar, sacudir-se do torpor, porque o demônio continua a rondar-nos como um leão que ruge, procurando a quem devorar. Enquanto estamos na carne não podemos fazer mais do que gritar: Maranathá, vem Senhor Jesus, sabendo que a nossa salvação está mais próxima agora do que quando abraçamos a fé (Rm 13,11), e que não chegamos ainda à meta (Fl 3,12). O advento, portanto, anuncia que este é o tempo da salvação, porque é sempre o momento no qual Deus nos quer salvar. O tempo da nossa vida terrena é o tempo da salvação que o advento nos convida a esperar e acolher vigiando. Os últimos dias do qual fala a primeira leitura são aqueles nos quais estamos vivendo. Estes são os dias aqueles que nos restam para viver neste mundo úteis para sermos salvos. A salvação que vem de Deus e que sai da sua casa diz respeito a todas as nações. Somente acolhendo esta salvação as nações poderão experimentar o shalom. O advento aquele advento que dura até ao encontro com Cristo é o tempo favorável para acolher a salvação de Deus. No evangelho Jesus disse a seguinte frase. Como nos dias de Noé (V. 37). A referência à aventura de Noé é um alerta para não sermos pegos de surpresa. O problema diz Jesus, é quando se vive completamente imerso nas coisas da terra e não se dar conta (v.39) de que que tudo isto é efêmero, e sobretudo que não serve para a salvação. Procura-se a alegria, a felicidade, a salvação, a vida nas realidades do mundo, e se caminha inevitavelmente para a perdição, porque tais coisas não têm poder de dar-nos isso. Seu fim é a destruição, seu deus é o ventre... e não pensam senão às coisas da terra (Fp 3,19). Vive-se sem uma perspectiva vertical, esperando 2

3 a salvação das coisas da terra, enquanto essa pode vir somente do céu. O cristão vive no mundo como os outros e faz as mesmas coisas que os outros; mas a salvação que esperam não é das coisas do mundo e sim de Cristo: A nossa pátria está nos céus e de lá esperamos como salvador o Senhor Jesus Cristo (Fp 3,20). E por que ele vem como um ladrão, inesperadamente, ocorre estar em espera vigilante pela sua vinda. Ocorre não se distrair por nada. Que está distraído não conhece (v.39), não está consciente daquilo que está acontecendo, senão quando é demasiado tarde. Há um momento no qual é tarde demais para sermos salvos, um momento no qual chega o juízo sem mais possibilidade de apelo (vv ). Com a vinda de Cristo se dá o juízo. Ocorre por isso apresentarmos prontos ao juízo, tendo discernido e já feito nesta vida as coisas referentes à nossa salvação, conscientes de que a partir do momento da morte não haverá mais tempo para isso (cf. catecismo da Igreja Católica 1022). Ocorre preparar-nos antes de estarmos diante do juiz (Mt 5,25-26). O cristão não é distraído, conhece o Kairós (Rm 13,11), está consciente do momento, tem discernimento, não confunde a noite com o dia. A vinda (parusia) do filho do homem (v.39). O termo adventus é a tradução latina de parusia. Ambos os vocábulos estão a indicar uma presença (Cf., por exemplo, 1Cor 16,17;2Cor7,6.7;10,10). No âmbito da revelação trata-se do tempo que é iniciado com a presença do poder real de Cristo em meio aos homens. Os sinais desta presença são as reviravoltas, as perseguições, os atos heroicos dos cristãos. Isto durará até à consumação dos séculos quando Cristo retornará sobre as nuvens. Dizendo assim acontecerá na vinda do Filho do Homem v.39) Jesus não está anunciando algo no tocante ao fim do mundo, mas aquilo que está acontecendo a ele e aquilo 3

4 que continuará a acontecer aos homens até ao fim. Até ao fim a presença de Cristo em meio aos homens fará com que alguém será tomado (para a salvação) e outro deixado, assim como aconteceu aos dois ladrões ao lado de Cristo na cruz (evangelho de domingo passado). Mesmo estando nas mesmíssimas condições materiais e na mesma circunstância pode-se ter um comportamento e um êxito completamente diferente. Será tomado por Cristo, quer dizer, salvo, quem será encontrado desperto, vigilante, na espera dele. Vigiai, portanto (v.42). O dormir, o torpor, representa a fraqueza da vontade em renunciar às realidades deste mundo. Enquanto amarmos o mundo e esta vida, odiaremos o outro mundo e a outra vida. Quem ama o mundo é inimigo de Deus (Tg 4,4). O desprezo do mundo não é um fim em si mesmo. É a consciência de haver encontrado o verdadeiro mundo. A atitude contrária à vigilância seria, ao invés, a de envelhecer permanecendo sempre preocupado com as coisas da terra. Quem não conhece a Cristo a morte causa tanto mais medo quanto mais se aproxima; e quanto mais se está agarrado às realidades humanas, mais se teme a morte. Envelhecer-se para um cristão, ao contrário, é ocasião para prepararse à parusia, para concentrar-se sempre mais na meta da nossa viagem. O tempo presente se transforma em um contínuo Kairós, a contínua ocasião para fazer o bem e penitência (segunda leitura). A mortificação é a espoliação de todas as coisas inúteis, ou melhor, nocivas, que nos entorpece, nos adormentam, ou nos alienam; que nos dão aquela embriaguez, aquele doping que nos impede de sermos sóbrios para concentrar-nos na única coisa que conta. Vai-se frequentemente em busca de uma embriaguez, de uma euforia com a qual atontarmos para iludir-nos de encontrar aqui a felicidade. Tudo isso, ao contrário, nos adormenta sempre mais, nos faz viver 4

5 em um sonho, em uma realidade virtual, privando-nos daquela lucidez necessária para ver a realidade verdadeira, estão verdadeiramente as coisas. Para poder revestir-se de Cristo (Rm13,14) ocorre espoliar-se das realidades humanas (Rm 13,12) Ficai preparados (v.44). Trata-se da afirmação central do trecho evangélico que ouvimos. Quando se está esperando intensamente alguém, prepara-se para recebe-lo. Não é apenas um estar pronto, mas um ser pronto, quer dizer trata-se de uma atitude ativa em vista de um encontro. Quem se prepara para um exame, para um matrimônio, para qualquer coisa importante, à medida em que se aproxima o tempo, concentra-se sempre mais no evento, marginalizando todo o resto. Acontece como que despojamento das realidades que anteriormente atraiam a nossa atenção, para nos concentrar unicamente sobre aquilo que estamos esperando. Este comportamento ativo, este se tornar prontos requer um exercício cotidiano que consiste em encontrar cada dia Cristo, com sempre maior consciência que ele é o único Salvador. Calha habituar-se a acolher Cristo cada dia como, como fosse aquele o dia da parusia, esquecendo-se de todo o resto para concentra-se somente nele. A parusia se antecipa e se prepara no hoje da nossa existência. E uma vez que jamais está ausente o perigo de perder de vista a meta, o risco de adormentar-se, então cada dia o cristão grita: Maranathá, vem Senhor! AMÉM. 5