REESTRUTURAÇÃO EDUCACIONAL, NEOLIBERALISMO E O TRABALHO DOCENTE
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- Beatriz Mendes Tuschinski
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1 REESTRUTURAÇÃO EDUCACIONAL, NEOLIBERALISMO E O TRABALHO DOCENTE HIPÓLITO, ALVARO Nas duas últimas décadas surgiram muitos estudos e investigações analisando o trabalho docente numa perspectiva sociológica. Uma avaliação de parte significativa dos trabalhos científicos produzidos no Brasil foi desenvolvida em estudo anterior, no âmbito de dissertação de mestrado (Hypolito, 1994). Minha aproximação com o trabalho docente como objeto de estudo tem buscado entender as modificações nesse processo de trabalho, desde uma análise da organização do trabalho escolar e da organização do trabalho na sociedade, para uma melhor compreensão da condição social e das atividades dos professores e das professoras (Hypolito, 1991; 1994; 1995). Nos estudos referidos foi privilegiado um modelo teórico centrado nas análises de classe social e de gênero para uma interpretação do trabalho docente. Há necessidade de continuação destes estudos com a finalidade de aprofundar o modelo teórico interpretativo para compreender as modificações que estão se processando na organização escolar e no processo de trabalho docente, provocadas pelas políticas educacionais dos últimos anos. Estamos vivendo momentos decisivos de reformulação do sistema educacional combinada com os processos de reestruturação da própria sociedade, ambos de natureza neoliberal. Os processos de reformas educativas e a implantação de novas políticas para o sistema educacional trazem modificações para o trabalho docente em termos de maior ou menor controle e maior ou menor autonomia do/a professor/a sobre o seu trabalho. Objeto de estudo Está em andamento uma reestruturação da economia mundial na perspectiva de hegemonização da sociedade de mercado, com a organização de mercados comuns (Europeu, Mercosul, Nafta, etc.), reestruturação essa implementada pelas políticas neoliberais. Este processo, que vem sendo denominado de globalização, vem acompanhado de toda uma retórica neoliberal e neoconservadora com profundas conseqüências para a educação (Gentili, 1995a). O processo de trabalho no capitalismo, nas últimas décadas, sofreu modificações
2 substanciais com o desenvolvimento de inovações tecnológicas que, regra geral, foram acompanhadas de novas formas de organização do trabalho (grupos semi-autônomos, toyotismo, just in time, e outras modalidades que podem ser chamadas de neofordistas), como alternativas à crise do modelo fordista. Uma dessas novas formas de gerência do trabalho que interessa para este estudo é a Gerência da Qualidade Total (GQT), enquanto um dos pilares mais importantes do projeto neoliberal para a educação (Silva, 1994; Silva, 1995). Como parte desse movimento, novos requisitos educacionais passam a ser exigidos e começam a ser articulados novos processos de reestruturação educativa. As propostas neoliberais para a educação podem ser resumidamente identificadas a partir dos eixos de análise (Gentili, 1995b): a) princípio da competência do sistema escolar que inclui mecanismos de controle de qualidade externos e internos à escola, subordinando o sistema educativo ao mercado e propondo modelos de avaliação do sistema; b) programa combinado de centralização e descentralização: aspectos de centralização controle pedagógico centralizado através de mecanismos de avaliação nacional (provas etc.); c) reformas curriculares visando um currículo nacional (Apple, 1994; Moreira, 1995); e d) programas de formação e atualização de professores (tele-ensino, p. ex.); aspectos de descentralização transferências das instituições públicas das esferas maiores (federal e estadual) para esferas locais (municipais); do poder público para comunidades locais; e propostas de autonomia da gestão financeira. No Brasil as novas propostas de políticas educacionais estão centradas, em certa medida, nestes mesmos princípios, tanto em nível de Governo Federal quanto de vários Governos Estaduais. Grosso modo, essas propostas incluem: a) um sistema de avaliação baseado em provas nacionais, com a decorrente classificação das escolas (uma espécie de ranking); b) projetos de reformas visando um currículo nacional; c) organização de programas de formação e atualização docente por exemplo via tele-ensino; d) gestão financeira descentralizada com a crescente desobrigação do Estado com a educação pública (políticas de municipalização e adoção de escolas por empresas, p.ex.). Isso tudo é defendido como necessário porque o sistema escolar é absolutamente ineficiente e o Estado Social (Welfare State) mostrou-se incapaz de solucionar os impasses da educação
3 pública. Para tanto é fundamental adotar-se critérios que possam fazer "melhorar" a qualidade e a eficiência do sistema; daí, então, a necessidade de implantação de um modelo baseado naquilo que é "eficiente" e obtém "sucesso", ou seja, o mercado. Por essa lógica, a transferência dos pressupostos da organização das empresa exitosas é uma questão de bom senso e necessidade. Daí que o modelo de organização escolar deve estar baseado no modelo de organização do trabalho de empresas: neste momento, o modelo de Gerência da Qualidade Total (ver RAMOS, 1994). No Rio Grande do Sul há uma programa de gestão democrática da escola, recentemente aprovado em Lei estadual, que prevê várias alterações para o sistema de ensino. Muitas das modificações aparentemente incorporam reivindicações das entidades de professores/as, tais como eleição para Diretor de Escola e a regulamentação de Conselhos Escolares como parte da estrutura escolar, porém recontextualizando seus significados, ou seja, "as categorias e o léxico das lutas democráticas são seletivamente reciclados e reicorporados, depois, obviamente de terem seu conteúdo anterior devidamente higienizado" (Silva, 1995, p.2). É introduzido o conceito de avaliação através de provas, para posterior classificação das escolas de acordo com os resultados obtidos por seus alunos e obtenção de recursos repassados às escolas também de acordo com os resultados obtidos nessas provas, numa relação diretamente proporcional. Este projeto abre a possibilidade de descentralização do ensino através de procedimentos de municipalização ou da adoção de escolas por empresas. Todas essas medidas visam, segundo seus proponentes, a ampliação da autonomia escolar e a democratização da gestão da escola. Existe uma contradição nas proposições neoliberais para a educação que precisa ser explorada criticamente: há, de um lado, um discurso de autonomia da escola, o que em princípio poderia significar um fortalecimento do trabalho docente; de outro lado, há um rígido controle pedagógico, bastante centralizado (como por exemplo o modelo baseado em provas para avaliação do sistema e a proposta de um currículo nacional), que é a própria negação da autonomia docente. A contradição existente é que ao mesmo tempo que se propõe formas pelo menos discursivas de aumentar a autonomia escolar, visando
4 o fortalecimento do trabalho docente e de seu poder sobre o trabalho pedagógico, ocorre uma centralização dos processos de avaliação do sistema de ensino (provas e currículo nacional, por exemplo) e de controle do trabalho pedagógico (GQT), que definem muito mais o conteúdo e a forma daquilo que o/a professor/a deve ensinar aos/às estudantes. O objetivo desta investigação é estudar o impacto das políticas neoliberais para a escola pública sobre o trabalho docente, analisando a atividade docente em escolas que implantaram o modelo de gerenciamento baseado na GQT e que estejam organizadas em sistemas de ensino que implementaram políticas neoliberais. Metodologia A pesquisa vai ser desenvolvida envolvendo as seguintes modalidades de investigação: a) investigação bibliográfica; b) investigação documental; e c) investigação de base empírica. A investigação bibliográfica pretende discutir os aportes teóricos do neoliberalismo em educação, particularmente as proposições da qualidade total na educação, dialogando com a produção teórica desenvolvida no Brasil e em outros países sobre a temática. A análise documental pretende pesquisar as características dos projetos e programas governamentais específicos para o Brasil, através de estudos de documentos oficiais (programas oficiais, projetos de lei e projetos implantados) e de documentação de entidades de classe que tratem dos mesmos programas oficiais. O estudo de cunho empírico visa investigar as condições concretas de realização dessas políticas públicas a partir da análise de dados coletados em escola integrada à lógica dessas políticas. Esta parte da investigação será desenvolvida a partir de entrevista e observações de professores no local de trabalho. Realizar-se-á, além da entrevista com professores/as e observações em escola integrada a projeto do tipo aqui referido, entrevista com técnicos e profissionais de órgãos oficiais responsáveis pela implementação dos programas de GQT e entrevista com líderes sindicais da categoria analisada. Referências Bibliográficas
5 APPLE, Michael W. A Política do Conhecimento Oficial: faz sentido a idéia de um currículo nacional? In: MOREIRA, A. F. e SILVA, T. T. da (org.). Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo : Cortez, GENTILI, Pablo (org.). Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, RJ : Vozes, 1995a.. Como reconhecer um governo neoliberal? Um breve guia para os educadores. In: SILVA, L. H. e AZEVEDO, J. C. (orgs.). Reestruturação curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis/RJ : Vozes, 1995b. GENTILI, Pablo e SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs). Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação. Petrópolis/RJ : Vozes, HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para análise. Teoria & Educação. Porto Alegre, nº.4, p.3-21, Processo de trabalho docente: uma análise a partir das relações de classe e de gênero. Belo Horizonte, Fac. de Educação/UFMG, (dissert. de mestrado). Relações de gênero e de classe social na análise do trabalho docente. Cadernos de Educação, FaE/UFPel, Pelotas, nº4, p.5-18, jan./jun MOREIRA, A. F. Neoliberalismo, currículo nacional e avaliação. In: SILVA, L. H. e AZEVEDO, J. C. (orgs.). Reestruturação curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis/RJ : Vozes, RAMOS, Cosete. Excelência na educação: a escola de qualidade total. Rio de Janeiro : Qualitymark Ed., SILVA, Tomaz T. da. A "nova" direita e as transformações na pedagogia da política e na política da pedagogia. In: GENTILI, P. e SILVA, Tomaz T. da (orgs). Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação. Petrópolis/RJ : Vozes, O projeto educacional da "nova" direita e a retórica da qualidade total. Porto Alegre, Conferência proferida no seminário "A Escola Básica no ano 2000", comemorativo aos 25 da FACED/UFRGS, (mimeo)
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