A NATUREZA MODIFICADA DO AGIR HUMANO E A RESPONSABILIDADE PELO FUTURO
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- Raíssa Andrade Carvalho
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1 A NATUREZA MODIFICADA DO AGIR HUMANO E A RESPONSABILIDADE PELO FUTURO Anderson Graboski de Almeida Faculdade de Filosofia Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas anderson.ga@puccampinas.edu.br Renato Kirchner Ética e epistemologia Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas renatokirchner@puccampinas.edu.br Resumo: O presente trabalho visa indagar as questões relacionadas à ética pelo futuro que diz respeito ao filósofo Hans Jonas, tal como nos mostra a preocupação que se desenvolve atualmente com relação ao poderio do agir humano. Esse agir é compreendido como a modificação que intervêm a natureza exterior (o cosmos) para os avanços na tecnologia. Sendo essas modificações nocivas para a humanidade, Jonas propõe uma nova ética para o mundo tecnológico co moderno, cuja pretensão é reformular as questões éticas tradicionais propostas até então, para assim, iniciar uma indagação de respeito pelo futuro. Vendo isso, podemos perceber que o homem se define pela responsabilidade que assume em prol das gerações futuras. Palavras-chave: Hans Jonas. Responsabilidade, Tecnologia, Área do Conhecimento: Grande Área do Conhecimento: Ciências Humanas Sub-Área do Conhecimento: Filosofia 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho visa indagar as questões relacionadas ao primeiro capítulo de umas das principais obras relacionadas à ética do filósofo Hans Jonas, tal obra O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica nos mostra a preocupação que se desenvolve atualmente com relação ao poderio do agir humano. Esse agir é compreendido como a modificação sofrida ao longo da história do progresso científico e que intervêm a natureza exterior (o cosmos) para os avanços na tecnologia. Sendo essas modificações nocivas para a humanidade, Jonas propõe uma nova ética para o mundo tecnológico moderno, cuja pretensão é reformular as questões éticas tradicionais propostas até então. A capacidade humana de intervir e modificar a natureza, dado as proporções dos avanços na tecnologia, deve ser objeto de estudo e reflexão ética enquanto diz respeito às condições naturais. Também é objeto de reflexão crítica toda ação correspondente a fatos que vão contra a dignidade humana, esta por sua vez, está relacionado aos avanços da chamada Biomedicina e seus experimentos. Questões como o prolongamento da vida humana, controle do comportamento e as manipulações genéticas formam o corpo de uma reflexão que transforma o homem em um objeto da técnica. A isso corresponde um estudo que pode ser observado nos dias atuais, tendo em vista o que aconteceu na história, como por exemplo, os experimentos feitos com humanos na segunda guerra mundial, a bomba atômica, dentre outros. Com os avanços da técnica moderna ao longo da história, surge a necessidade de alterações das éticas tradicionais ais (éticas antropocêntricas) tendo a preocupação ética que voltar seu olhar para um horizonte de caráter extra-humano 1, e assim usar como intuito uma vida digna para o futuro. Deste 1 Hans Jonas entende por natureza extra-humana o cosmo em que vivemos, isto é, a natureza em si, que é modificada pela exploração humana e extração de recursos. Não entendamos extra-humano como um extramundano ou algo não físico.
2 modo, a questão ética deverá conter os exageros da tecnociência que podem, por ventura, prejudicar a natureza e o verdadeiro sentido de Ser das coisas, tendo em vista a permanência da existência no futuro. Esse produto e separação entre avanço científico e ético faz com que Jonas proponha uma dimensão de responsabilidade que as éticas tradicionais não podem conter. Sendo assim, quando o resultado científico-tecnológico, tecnológico, que antes era tratado como um meio para fazer algo, passa a se tornar um fim em si, merece uma atenção especial da ética e que Jonas trabalha. 2. A NATUREZA MODIFICADA DO AGIR HUMANO E A RESPONSABILIDADE PELO FUTURO A contemporaneidade é marcada por uma questão global que envolve todos os seres viventes no planeta Terra. A questão da responsabilidade, que demarca o caráter de um ser humano e envolve uma das principais reflexões éticas, é trabalhada com relação aos conteúdos de respeito à dignidade humana e o respeito aos fatores extra-humanos. Hans Jonas produz uma reflexão crítica com relação à técnica moderna, que vem cada vez mais sendo reforçada com a ação do homem sobre a natureza, pois podemos ver que o progresso civilizatório humano e a intervenção na natureza caminham juntas desde sempre. No passado a característica do agir humano sobre a natureza não implicava uma consideração sobre a responsabilidade de dano futuro. Na concepção jonasiana existiam dois aspectos com relação ao agir humano, um é o ponto de vista do objeto, que segundo Jonas afetava superficialmente a natureza das coisas, que se preservava como tal, de modo que não se colocava em absoluto a questão de um dano duradouro à integridade do objeto e à ordem natural em seu conjunto (JONAS, 2006, p. 35). Já do ponto de visto do sujeito, a techne,, como atividade compreendia-se a si mesma como um tributo determinado pela necessidade e não como um progresso que se autojustifica como fim recíproco da humanidade, em cuja perseguição engajam-se o máximo esforço e a participação humanos (JONAS, 2006, p. 35). Jonas procura reflexões que não são respondidas pelas éticas tradicionais, pois, as quais compõe um conteúdo somente voltado para a relação do homem com o homem. Na antiguidade, a ética tinha a ver com o aqui e agora, como as ocasiões se apresentavam aos homens, com as situações recorrentes e típicas da vida privada e pública (JONAS, 2006, p. 35). O agir bem no modelo da ética tradicional se voltava para o estar bem em sociedade, desenvolvendo a virtude e a sabedoria. Com relação à natureza extra-humana a ética tradicional era intacta, pois a natureza era considerada eticamente neutra para os antigos. De relevância ética era somente analisada toda questão envolvendo os homens entre si, em seu determinado contexto social. O agir bem ou mal na antiguidade não tinha a ver com um planejamento a longo prazo, ou seja, a ação era imediata, tinha a ver com o outro próximo a mim e só isso. A ação correta tinha seu valor no exato momento ou a curto prazo. O longo curso dos efeitos da ação ficava ao critério do acaso, da providência ou do destino. Jonas aponta como as máximas e prescrições da ética tradicional, a despeito das diferenças de conteúdo, têm como características ser fechadas no círculo imediato do agir: Ama teu próximo como a ti mesmo ; Nunca trate teu semelhante como simples meio, mas como fins em si ; submeta teu bem pessoal ao bem comum. Estes são alguns exemplos apontados que possuem essa característica fechada do agir humano. Claro que a forma tradicional da ética do próximo, os valores da justiça, honradez, etc., ainda são válidas em uma esfera quotidiana, porém, essas ações não remetem a uma preocupação com o futuro. Desse modo, o novo papel do saber na moral deve considerar que nenhuma ética anterior era obrigada a levar em conta as condições de vida futura em sua essência de Ser e existir. Somos instigados então a refletir o problema kantiano, em que no seu imperativo categórico ele
3 nos diz: Aja de tal modo que tua máxima possas se tornar lei geral. Analisando um pouco a ética kantiana, devemos levar em conta que ele se insere no contexto do Iluminismo, aonde a razão é elevada. Ou seja, para Kant a ação moral pode se dar a priori e somente assim é que o sujeito se torna autônomo na ação. Isto quer dizer que não podemos levar em conta o que está fora da razão, ou seja, no mundo empírico, para que nossa ação possa ser moralmente boa e autônoma, se levarmos em conta o que é extra-humano seremos, na visão de Kant, heterônomos e não agiremos moralmente bem. Aí que entra a crítica de Jonas, pois na ética da responsabilidade devemos principalmente levar em conta os fatores da natureza, e mais, as gerações futuras, pois, sem um ambiente favorável para a vida humana na Terra, tal vida se extinguirá. Com isso, o fundamento da crítica jonasiana sobre ética do dever kantiano se dá ao modo que para falar da lei moral em Kant deve-se ter claro de que se trata de pura formalidade, nada material. Ou seja, o agir bem segundo Kant deve partir de princípios somente a priori, sendo a concepção de Hans Jonas totalmente contrária, já que ele preza as coisas extra-humanas: Neste princípio [kantiano] encontra-se um elevadíssimo conceito do ser humano ; todavia, os seres extra-humanos não participam de tal privilégio, permanecem na condição de meio (FONSÊCA, 2007, p. 44). Sendo assim, o novo papel do saber na moral deve considerar que nenhuma ética anterior era obrigada a levar em conta as condições de vida futura. Com o advento da modernidade e foi demarcado algo totalmente novo relacionado à técnica. O descobrimento científico foi cada vez mais se destacando até que nos dias de hoje atinge proporções antes totalmente inimagináveis. O avanço da ciência moderna deu-se início por volta do século XVII, o progresso tecnológico inicia um processo de dominação da natureza e conhecimento de suas leis, isto é, aumenta o poder humano de conhecê-la e dominá-la. A ciência moderna não passa a ser mais contemplativa como era na antiguidade grega, mas sim, a moderna ciência utiliza da natureza como objeto prático para a engenhosidade tecnológica humana. O avanço da ciência foi ficando muito grande. Descobertas nas áreas de química, física e matemática foram propiciando a criação das máquinas, e, no século XIX, acarretando a revolução industrial. Foi a Substituição do trabalho muscular pela máquina, que tomava cada vez mais espaço, construindo paulatinamente seu reinado. Juntamente com o crescimento industrial, surgem os problemas com o impacto ambiental, ou seja, poluição, exploração das fontes energéticas, dentre outras questões, alimentam o ponto da responsabilidade no quesito ambiental. Não somente as pesquisas científicas contribuíram para o avanço tecnológico na questão do maquinário, mas ao caminharmos para o século XX, notamos as grandes maravilhas que a ciência proporcionou com suas descobertas, juntamente com as invenções tecnológicas, que cada vez mais, anunciam um grande processo inventivo de progresso. Todas as maravilhas tecnológicas que começaram a ganhar espaço a partir do século XX acarretaram em uma preocupação constante com relação às técnicas, pois o que era para ser uma maravilha para a humanidade pode se tornar um mal, por causa das agressões ambientais e até mesmo agressões ao humano. Ocasionando assim, incertezas e temores na humanidade por causa das consequências tecnológicas, ocorrendo uma das teses centrais da obra de Jonas chamada de heurística do medo. A heurística do medo consiste em uma precaução do pior, pois a moderna técnica, em alguns casos, se reverteu em dano para o ser humano. O que era para ser uma melhoria ou conforto se reverte em ameaça. Por isso, uma certa precaução é necessária, sendo a responsabilidade vinculada a tal precaução, pois devemos nos ter uma preocupação com a existência futura em nosso planeta, e ter uma vontade de evitar o pior: A tese linear [...] é que a promessa da técnica moderna se
4 inverteu em ameaça, ou então que esta se voltou indissoluvelmente àquela. O medo fornece a representação do mal do qual a teoria ética não poderia escapar. Segundo essa tese, é do medo que deriva a atitude ética fundamental, o respeito repensado a partir da vontade de evitar o pior (ZUBEM, 2006, p. 228). Segundo a tese de Jonas, é sobre o medo que o ser humano poderá agir e refletir conforme uma precaução quanto a existência futura da humanidade. O sacrifício do futuro em prol do presente não é logicamente mais refutável do que o sacrifício do presente a favor do futuro. A diferença está apenas em que, em um caso, a série segue adiante e, no outro, não (JONAS, 2006, p. 47). A técnica moderna não passa mais a se tornar um meio para o ser humano, mas um fim em si, o que torna um problema perigoso e delicado. O risco da substituição do humano, a danificação da essência humana, a supremacia do homo faber sobre o homo sapiens e até o risco de uma não vida digna sobre a Terra são fatores relacionados à tecnociência contemporânea que vem cada vez mais substituindo as formas de pensar. Levando o homem a querer se voltar somente para um progresso não humano, mas sim tecnológico. Hoje, na forma da moderna técnica, a techne transformou-se se em um infinito impulso da espécie para adiante, seu empreendimento mais significativo. Somos tentados a crer que a vocação dos homens se encontra no contínuo progresso desse empreendimento, superando se sempre a si mesmo, rumo a feitos cada vez maiores. A conquista de um domínio total sobre o próprio homem surgiria como a realização do seu destino (JONAS, 2006, p. 43). É inegável que os avanços da tecnologia são de grande importância para a sociedade, mas o problema é a agressão que tais avanços podem causar aos seres humanos e ao meio em que vivem. Por isso a preocupação fundamental com relação à crítica jonasiana diz respeito a uma vida futura autêntica na Terra: Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra. A visão de Jonas sobre a moral kantiana consiste em uma alteração que significa não somente encontrar um fim em si no humano, mas também no extra-humano e nunca nos objetos tecnológicos. Tornando o princípio responsabilidade seu imperativo ético, Jonas se preocupa tanto no perigo da morte física da humanidade quanto na morte essencial da mesma, indagando sobre as vantagens de se manipular tecnologicamente o ser humano e a natureza. O exemplo típico foi a segunda grande guerra, com os episódios da bomba atômica e os experimentos médicos com humanos, que resultaram em pressupostos para desenvolver uma responsabilidade pelo futuro e uma ética responsável do agir humano. Aperfeiçoamentos na área da física com as pesquisas e descobertas do átomo, que proporcionaram a energia nuclear e a bomba atômica, causaram em Jonas uma necessidade de teorizar uma questão de responsabilidade com o humano, tomando em consideração o que foi visto no episódio de Hiroshima e Nagasaki. Nas áreas biológicas com o aparecimento da chamada biomedicina moderna, apresentando ao mundo as possibilidades da manipulação genética, controle de comportamento e a ambição de busca da eternidade da vida do homem, submetendo assim o ser humano a um objeto da técnica. Podemos perceber que Hans Jonas aponta esse perigo em que vivemos na contemporaneidade tecnológica de transformação do ser humano e se preocupa com uma metafísica enquanto ontologia, dizendo que é preferível o ser do que o não-ser. De certa forma Jonas retoma uma velha questão de Leibniz: Por que há alguma coisa e não apenas o nada? Afirmando-se assim o ser e negando o nãoser. A questão metafísica de Hans Jonas remete a um cuidado com relação à integridade do ser, tendo a preocupação ética que se voltar para um futuro digno, pois isso tudo nos permite a indagação do por que os homens existirem no mundo. Por isso, a preocupação dada pela teoria de Jonas aborda
5 uma responsabilidade pelas gerações presentes e futuras, com relação a uma nova ética do agir humano. Devem ser levados em conta as pessoas que podem ser afetadas por nossas ações e que não podem responder nem optar pelas mesmas. Sendo assim, vemos que nossas decisões cotidianas e nosso agir no mundo correspondem a consequências remotas, futuras e globais. Portanto, cabe a essa nova ética direcionar o agir humano para evitar possíveis consequências causadas pela técnica, ca, sendo que o princípio fundamental para esse agir corresponde principalmente à responsabilidade. Hans Jonas coloca a responsabilidade como o cume para a ética contemporânea e ressalta que a questão do poder humano sobre a natureza requer que tenhamos como primeiro plano uma responsabilidade de natureza cosmocêntrica. No âmbito das tecnologias em que o homem domina cada vez mais e que estão por dominar o mundo, as ações do ser humano terão que ser a cada dia analisadas criticamente, de modo que necessitamos de uma ética para um bem estar da natureza, como também o bem estar do ser. Não podemos prejudicar o humano somente para obter grande ênfase na tecnologia, o mesmo se diz sobre a natureza, temos que analisar eticamente o que é bom ou ruim para a humanidade, ade, sem deixar de pensar a longo prazo. Desse modo, podemos concluir que o homem define-se pela responsabilidade que assume em prol das gerações futuras. 3. AGRADECIMENTOS Manifesto aqui minha enorme gratidão ao Prof. Dr. Renato Kirchner pelo trabalho de orientação, cuja generosidade de e compreensão foram fundamentais para a conclusão clusão desta experiência de Iniciação Científica em Filosofia e a quem serei sempre agradecido. Agradeço também aos meus colegas do grupo de pesquisa: Anauene, Diogo, Marly e Paulo César pelas reuniões e discussões e por sempre proporcionarem muito conhecimento. Agradeço a FAPIC/Reitoria e a PUC pela oportunidade de participação nesse grupo de pesquisa em filosofia por proporcionar aprendizados e trocas tão enriquecedoras nesse ofício. 4. REFERÊNCIAS [1] FONSÊCA, F. O. Hans Jonas: (bio)ética e crítica à tecnociência. Recife: Ed. Universitária, [2] GIACÓIA JUNIOR, Oswaldo. Hans Jonas: O Princípio Responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. In: OLIVEIRA, Manfredo A. de (org). Correntes fundamentais da ética contemporânea. Petrópolis: Vozes, [3] GIACÓIA JUNIOR, Oswaldo. Hans Jonas: Por que a técnica moderna é um objeto para a ética, em Natureza Humana,, São Paulo, PUC-SP, vol. 1, n. 2, 1999, p [4] JONAS, Hans. Ética, medicina e técnica. Lisboa: Passagens, 1994 [5] JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, [6] JONAS, Hans. O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, [7] ZUBEN, Newton Aquiles von. Bioética e Tecnociência: A saga de Prometeu e a esperança paradoxal. Bauru: Edusc, 2006.
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