MISSÃO ATRACIONAL X MISSIONAL ALÉM DO PARADIGMA ECLESIOLÓGICO CONFLITANTE. Solomnikov Adobe Stock

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1 MISSÃO ATRACIONAL X MISSIONAL ALÉM DO PARADIGMA ECLESIOLÓGICO CONFLITANTE Solomnikov Adobe Stock

2 TEOLOGIA DA MISSÃO Há mais de dez anos, David Hesselgrave, um missiólogo influente, chamou atenção para dez paradigmas em conflito nas missões cristãs. Atualmente, mesmo que de diferentes formas, essas questões ainda merecem atenção no estudo da missão. No entanto, a força da ênfase missionária das novas expressões eclesiásticas, geralmente ligadas ao movimento da igreja missional, tem chamado atenção para um paradigma em conflito que não faz parte da lista de Hesselgrave, mas que merece atenção especial hoje: missão atracional x missional. Antigo x Novo Testamento A compreensão de que há dinâmicas missionárias em toda a Bíblia tem se consolidado nos últimos anos. Moskala lembra que alguns estudiosos acham que é oximoro falar em missão no Antigo Testamento e argumentam que na Bíblia Hebraica não há um chamado específico para evangelizar o mundo [...] (MOSKALA, 2011, p. 34). Christopher Wright e Walter Kaiser Jr. representam aqueles que têm contribuído para esse entendimento. Na literatura missiológica, com frequência, quando se admite uma ênfase missionária no Antigo Testamento, a tendência é fazer uma distinção: missão centrípeta no Antigo Testamento e missão centrífuga no Novo Testamento. Fica evidente na comissão de Abraão que Deus tinha um plano específico através de um povo. O cuidado em atender à voz de seu Senhor fazia dos hebreus um povo de propriedade particular do Todo-Poderoso (Êx 19:5). O próprio Deus deixa claro que escolhera Israel entre todas as nações para ser dele (Lv 20:26, Dt 7:6). Com o objetivo de trazer para si a humanidade separada pela desobediência de Adão e Eva (Gn 3:1-24), a escolha de Israel passava pelo desejo de que, através das bênçãos concedidas, as outras nações se voltassem para Ele (1Rs 4:34). No entanto, como David Bosch (2009b) comenta, a eleição e a existência de Israel não têm nenhum objetivo em si, mas é por meio de Israel que Deus se ocupa das nações (BOSCH, 2009, p. 63). Portanto, a dinâmica missionária envolvendo o povo de Israel se daria com os pagãos, foco da missão, se movendo da periferia para o centro, origem da missão, motivados por aquilo que Deus realizava entre o Seu povo. Assim, ficava caracterizado um movimento centrípeto de missão, tendo como centro Sião e periferia o mundo (BAUCKHAM, 2003, p. 14). Os esforços missionários, no contexto atracional, ficavam resignados a aguardar que a vida de comunhão e submissão a Deus atraísse os povos. A impressão é que, nesse contexto, a missão ocorria de forma totalmente passiva (HAHN apud VERKUYL, 2009, p. 64). Diferentemente disso, o Novo Testamento apresentaria a dinâmica oposta, centrífuga. O atual verso áureo das missões apresenta uma exigência missionária para a igreja neotestamentária: ir a todo o mundo (Mt 28:19). O início do livro de Atos oferece uma dinâmica de expansão geográfica singular, partindo de Jerusalém para a Judeia e Samaria, e até aos confins da Terra (At 1:8). O que antes havia sido aparentemente limitado ao território de Israel, foi ampliado a todos os povos. A mensagem não era mais pregada simplesmente pelo exemplo de uma vida dedicada às coisas de Deus, mas havia a necessidade de dar um passo a mais na direção dos que não conheciam o plano da salvação. Os cristãos iam a todos os lugares testemunhando, promovendo a conversão e aumentando o povo do Senhor. O movimento missionário não partia mais das periferias, dos que buscam, para o centro privilegiado pelo íntimo relacionamento com Deus. Esse movimento ganha um sentido invertido e inclui a decisão intencional do adorador na promoção da inclusão daqueles que ainda não adoram a Deus. Nessa ocasião, já existia um centro estabelecido e o movimento acontecia justamente a partir desse centro de adoração para a periferia. FOCO NA PESSOA 7

3 No movimento centrífugo, o indivíduo pertencente ao povo de Deus se torna explicitamente ativo na função de fazer avançar o conhecimento sobre o Deus, foco da adoração. Saindo e testemunhando, ele contribui diretamente para que a decisão do descrente seja em favor da verdadeira adoração. A figura 1 ilustra as diferentes visões a respeito das dinâmicas missionárias. Evidenciando a clara dicotomia entre os modelos do Antigo e Novo Testamento. A imagem da esquerda ilustra o modelo do Antigo Testamento. Enquanto que a da direita ilustra o modelo do Novo Testamento. Figura 1 Os movimentos missionários no AT e no NT. (Fonte: Adaptada de Jonathan Lewis, 2009, p. 65). Atracional e Missional Ultimamente tem havido um crescente reconhecimento de que existem dinâmicas centrípetas e centrífugas em ambos os testamentos. David Bosch contribui para essa discussão acrescentando que o Antigo Testamento vê as missões predominantemente em categorias centrípetas, porém não é algo exclusivo (BOSCH, 2009, p. 64). Carriker atesta que os dois movimentos (centrifugo e centrípeto) são encontrados nos dois testamentos, embora com algumas ênfases distintas (Ibidem). Moskala concorda e aponta que no Antigo Testamento encontramos um foco interno de missão (centrípeto) e um foco externo de missão (centrífugo) (2011, p. 36). Quando se considera, de forma simplista, que a missão no Antigo Testamento é unicamente atracional e centrípeta, despreza-se a participação do ser humano no processo de execução da missão. Ao mesmo tempo, quando, no Novo Testamento, identifica-se um movimento missional da igreja, centrífugo, que depende exclusivamente do testemunho do indivíduo, corre-se o risco de distorcer os conceitos e promover uma dicotomia entre a ação de Deus e a ação do homem, a ponto de não ser possível mais unir os modelos na direção de um ideal. Sobre isso David Bosch (2009b) comenta: Sergey Nivens Adobe Stock Missão é, antes de tudo, a própria missão de Deus. FOCO NA PESSOA 8

4 [...] há uma tendência de se entender a missão no Antigo Testamento exclusivamente como trabalho de Deus. Entretanto, isso implica que a missão centrifuga do Novo Testamento, na qual o homem parece estar mais ativamente envolvido, poderia ser taxada de trabalho do homem. Com isso, porém, entraríamos numa área escorregadia onde a atividade de Deus exclui a do homem e vice-versa. Dessa forma, Deus e o homem tornar-se-iam competidores. (BOSCH, 2009, p. 64). A correção deve passar por uma clara compreensão sobre Deus e Sua missão. Missão é antes de tudo a própria missão de Deus. Deus envia a Si mesmo antes de Ele enviar Sua igreja. Há uma força centrífuga no próprio ser de Deus, como uma espiral para fora, do Pai enviando o Filho e o Espírito para trazer a cura para o mundo. A missão é, antes de tudo, Deus enviando Seu Filho no poder do Espírito para conciliar o mundo a Si próprio e a missão da igreja é nada menos do que o dom de participar, pelo Espírito, na missão do Filho ao mundo em nome do Pai (PARRY, 2005, p. 58). Esse é o enfoque de Paulo em sua carta aos coríntios: Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação (2 Co 5:17,18). A missão que Deus realizou por meio de Cristo é a mesma que deseja realizar através de Sua igreja. Paulo ainda acrescentou: De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois rogamos que vos reconcilieis com Deus (2 Co 5:20). Fundamentalmente, a nossa missão (se for biblicamente entendida e validada) significa que a nossa participação é como povo de Deus, a convite e ordem de Deus, na própria missão de Deus, dentro da história do mundo de Deus, para a redenção da criação de Deus (WRIGHT, 2006, p. 22). FOCO NA PESSOA 9

5 Portanto, em qualquer tempo da história, o personagem central da missão é o próprio Deus. E o povo de Deus cumpre sua parte no plano missionário de Deus. Quando Ele escolheu aqueles que seriam chamados para terem o privilégio de participar do plano de redenção que Ele estabelecera, os incluiu numa aliança. Nos momentos da história em que os servos de Deus deixaram de compartilhar a mensagem, as bênçãos deixaram de ser derramadas. No caso de Israel, eles atribuíam à aliança com os povos vizinhos a sua degradação. Porém, o problema parece ser mais o fato de não cumprirem sua missão de influenciar e testemunhar, levando-os a perderem a condição de povo escolhido. No caso da igreja primitiva, acontece o mesmo movimento, de um status de influenciador para influenciado. Ao unirem-se com o império romano, isso os leva a serem substituídos como guardiães da verdade. O protestantismo e a reforma igualmente passaram por esse processo. O movimento adventista segue o mesmo caminho no plano missionário de Deus e nos possíveis desvios. A identidade missionária do povo de Deus deve ser um reflexo do próprio Deus naqueles que escolhem participar da aliança com Ele. Aceitar a aliança deve ser um retorno ao status inicial de filhos de Deus com todas as bênçãos que isso traz, reconstruindo a Imago Dei. Ter a Imago Dei ou ser imitador de Deus leva Seus filhos a participar do mesmo sonho que Ele. A identidade do povo de Deus deve ser semelhante à do próprio Deus, que é missionária. Igreja e Missão Na tentativa de definir o viés missionário que identifica uma comunidade de fé, os termos missional e atracional passaram a fazer parte dos estudos missiológicos. O termo igreja missional caracteriza uma igreja comprometida com o exercício pleno da missão, enquanto que igreja atracional identifica uma igreja cujo objetivo é atender à demanda de um público que já faz parte de suas fileiras. Nesse caso, esperam que outros, ao participarem de suas atividades, se convençam de que ali é o melhor lugar para estar. Quando se fala em missão, é normal alguém colocar em evidência a igreja missional em detrimento da igreja atracional, em uma dialética desnecessária e contraproducente. Essa igreja teria basicamente três características preponderantes: a) força atrativa, b) movimento missionário centrípeto e c) evangelismo passivo (LEWIS, 2009, p. 64). Assim, comparando os modelos, parece haver um abismo conceitual entre os dois paradigmas de igreja, quando aplicados à missão. Da mesma forma que a igreja atracional, o modelo missional tem três características distintas: a) força expansiva, b) movimento missionário centrífugo e c) evangelismo ativo (Lewis, 2009, p, 64). Talvez o maior desafio não seja escolher entre os conceitos e os termos missional e atracional, mas sim perceber que tais conceitos podem ser utilizados concomitantemente para descrever a missão. A identidade missionária do povo de Deus na história sugere que é necessário permanecer sendo para cumprir o ide. Além do erro de pensar que os modelos se antagonizam, existe um problema semântico. A palavra missional, com origem na palavra missão, por ela mesma transmite a ideia de expansão, seja geográfica, cultural ou social. Contudo, missional deveria designar um estilo de vida da igreja e não simplesmente um modelo. Nesse sentido, o termo identificaria muito mais do que uma prática, identificaria a natureza ontológica da igreja. Essa reflexão é muito bem conduzida no livro A Igreja Missional na Bíblia, de Michael Goheen (2014), quando ele diz: A palavra missional é entendida de modo diferente quando é usada para descrever a natureza da igreja. Na sua melhor definição, missional descreve não uma atividade específica da igreja, mas a própria essência e identidade da igreja na medida que ela assume seu papel na história de Deus no contexto de sua cultura e participa na missão de Deus para o mundo. [...] A igreja missional deve estar orientada para o mundo e permanecer fiel à sua identidade como agente da missão de Deus e participante na história de Deus (p. 20, 21). Numa época em que têm surgido novas expressões eclesiásticas que buscam resgatar a essência do ideal bíblico para o povo de Deus, o desafio de permitir que a missão norteie toda a experiência da igreja é real. Missiólogos têm ressaltado que o paradigma eclesiástico institucionalizado passou a se basear quase exclusivamente em programas atracionais, em detrimento de um modo de viver missional. A missão se coloca tão intimamente no coração da vida da Igreja que, ao invés de se pensar sobre ela como um dos aspectos da existência da igreja, seria melhor pensá-la como aquilo que define a essência da Igreja, que é missionária por natureza, ao ponto de que, se deixa de sê-lo, não somente falha em uma de suas tarefas, mas deixa de ser Igreja (KIRK, 2006, p. 51). FOCO NA PESSOA 10

6 ALISSON GREGÓRIO DA SILVA O pastor Alisson Gregório da Silva graduou-se pela Faculdade de Teologia do Unasp-EC em 2015 e atualmente é pastor auxiliar no distrito de Agapeama, Jundiaí-SP. GIOVANE MARQUES BONOTTO O pastor Giovane Marques Bonotto é licenciado em História pelo IPA-Metodista e Bacharel em Teologia pelo UNASP-EC. Pós-graduado em Aconselhamento Familiar e Educacional pelo UNASP-EC, atualmente atua como pastor do grupo de fala portuguesa em Barcelona. MARCELO EDUARDO DA COSTA DIAS O pastor Marcelo Dias é casado com Ana Cláudia e tem uma filha de 7 anos, Alissa Lauren. Sendo a terceira geração de pastores de sua família, é graduado em Administração e Teologia, e recentemente concluiu o PhD em Religião com ênfase em Missão Mundial na Universidade Andrews (EUA). Foi pastor distrital no Brasil e nos Estados Unidos por seis anos. Atualmente, além de lecionar na faculdade de Teologia do UNASP-EC, ele coordena a pós-graduação em Missiologia e o Núcleo de Missões e Crescimento de Igreja (Numci), por meio do qual lidera projetos missionários de curta duração com universitários em vários países. Marcelo é autor do livro Evangelismo e Testemunho: A Sua Autêntica Missão de Apresentar Jesus às Pessoas (2013) e organizador das obras Sociologia e Adventismo: Desafios Brasileiros para a Missão (2015) e Missiologia Intercultural: Refletindo a Realidade Brasileira (2016). Bibliografia BAUCKHAM, Richard. Bible and Mission: Christian Witness in a Postmodern World. Washington, D.C.: Baker, BO SCH, D. J. Testemunha para o mundo em Perspectivas no movimento cristão mundial, editado por Ralph D. Winter, Steven C. Hawnthorne, Kevin D. Bradford: São Paulo: Vida Nova, 2009b. GOHEEN, Michael W. A Igreja Missional na Bíblia: luz para as nações. São Paulo: Vida Nova, HESSELGRAVE, David J. Paradigms in Conflict: 10 Key Questions in Christian Missions Today. Grand Rapids, MI: Kregel, LEWIS, Jonathan. As duas forças em Perspectivas no movimento cristão mundial / editado por Ralph D. Winter, Steven C. Hawnthorne, Kevin D. Bradford. São Paulo: Vida Nova, MOSKALA, J. A missão e a Obra de Deus entre os gentios no Antigo Testamento em Souza, Elias Brasil de (Ed.). Teologia e Metodologia da Missão: palestras teológicas apresentadas no VIII Simpósio bíblico-teológico sul-americano. Cachoeira, BA: CePLiB, PARRY, R. Worshipping Trinity: Coming back to the heart of worship. Milton Keynes: Paternoster, VE RKUYL, Johannes. A base bíblica do mandato missionário mundial em Perspectivas no movimento cristão mundial / editado por Ralph D. Winter, Steven C. Hawnthorne, Kevin D. Bradford. São Paulo: Vida Nova, WRIGHT, Christopher J.H.; A Missão do Povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, FOCO NA PESSOA 11