(RE)PENSANDO CAMPOS. Características narrativas de Álvaro de Campos reaplicadas. Por Camille Thomaz Labanca

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2 (RE)PENSANDO CAMPOS Características narrativas de Álvaro de Campos reaplicadas Por Camille Thomaz Labanca Este trabalho está registrado no Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Fundação Biblioteca Nacional e sua reprodução total ou parcial está proibida sem autorização prévia (escrita e assinada) pela autora.

3 PREFÁCIO É complicado pensar literatura de forma a desconectar autores, usando como justificativa suas épocas, histórias e contextos. É natural que estes três elementos sejam intrínsecos às suas obras (se não fosse, por que Fernando Pessoa criaria uma história para cada um de seus heterônimos?), mas focar apenas nestes elementos não é o caminho mais justo - sequer interessante. Textos, livros, contos e poemas dialogam. A humanidade enfrenta os mesmos questionamentos há séculos, e como dizer que o questionamento de 1930 é mais valioso que o de 2015?

4 PRIMEIRO / DECADENTISMO De um lado, Álvaro de Campos, discípulo de Caeiro e completo oposto a Ricardo Reis, valoriza a sensação. Independentemente de sua fase, o desejo de sentir tudo, de todas as maneiras, está presente. Campos era engenheiro naval, um viajante por natureza, numa incessante busca por sensações ilimitadas que resultam em um cansaço extremo. Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. (Tabacaria) De outro, Jessica Redmerski (J.A. Redmerski), autora de gêneros distintos e ganhadora de prêmios voltados para literatura jovem adulta. Seu primeiro romance, Entre o Agora e o Nunca, traz uma personagem com características similares. Camryn sofre de depressão - está cansada de estar tão desajustada em si mesma que já não sente mais nada. Não é bem um impulso que a faz arrumar alguns objetos em uma mochila e partir em uma viagem em busca de sensações. Se pensarmos um pouco mais, não passa da fuga de sua realidade, uma tentativa para se mover. Ninguém quer fazer as mesmas coisas que eu [...] Como esse lance de viver livre e não seguir o caminho normal, sabe? Ninguém quer sair da sua zona de conforto pra fazer isso comigo, porque não é o que a maioria das pessoas faz. (REDMERSKI, pág. 174) O quanto ambos se diferem em sentimento e postura? Campos procurou na viagem ao Oriente sensações que ele não encontrava no período de inatividade em Lisboa. A viagem resultou em um livro: Opiário, que marca a primeira fase de seus escritos, o Decadentismo. Nesta fase encontramos a ligação perfeita entre ambos os livros: a fadiga precoce, resultado do excesso de sensações. Campos fala do ópio como forma de conforto. Diante disto, como não pensar na sociedade na qual vivemos, na qual a droga é mais que uma transgressão da regra, é resultado de uma busca incessante por paz interior em meio a turbulências de informações, sentimentos e expectativas. E eu vou buscar ao ópio que consola / Um Oriente ao oriente do Oriente. [...] A terra é semelhante e pequenina / E há só uma maneira de viver. / Por isso eu tomo ópio. / É um remédio. (Opiário) Opiário tem foco no tédio, cansaço e mesmice ainda que ele viva situações diferentes. É um abatimento que consome, regado pela esperança de novas sensações. Assim como Camryn, a personagem de Redmerski, ele quer fugir da monotonia e encontras respostas para questionamentos da vida.

5 Características de Álvaro de Campos estão presentes nos romances e na sociedade atual. Ao explorar a angústia existencial (e, dizem, nunca fomos mais angustiados quanto somos agora), ele trabalha a auto-ironia. Observando o cotidiano, muitas vezes com olhar de desencanto. Ele difere tanto assim de nós? A vida sabe-me a tabaco louro. / Nunca fiz mais do que fumar a vida. / E afinal o que quero é fé, é calma, / E não ter estas sensações confusas. (Opiário)

6 SEGUNDO / SENSACIONISMO A segunda fase de Álvaro de Campos é um tanto diferente da primeira. Aqui, o autor celebra a civilização moderna, com a máquina sendo símbolo da modernidade e sua fúria sendo também sua beleza. Uma beleza peculiar, diferente do que até então era comum como tal. O progresso técnico, exposto com maestria em Ode Triunfal, é exaltado, sem deixar de lado sua característica maior: sensações. Na fase sensacionista, o que marca é o excesso de sensações gerando um excesso de expressão. Suzanne Collins lançou, em 2008, um livro que chegou aos cinemas há quatro anos. Quem se prende ao filme, perde detalhes importantes de uma história que reflete a sociedade atual de forma crítica. Tratando-se de uma distopia, é baseado em características nossas que caminharam no sentido contrário à utopia. Em Jogos Vorazes, o excesso de expressão é uma crítica muito bem feita, e a aniquilação dos direitos é o extremo do que muitas vezes encontramos hoje. Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti, / Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir / E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz. (Passagem das Horas) Roupas excêntricas, cabelos coloridos, um centro ditando regras para todos os outros. O mesmo centro, que consegue representar a felicidade, cria um jogo no qual manda duas pessoas de cada distrito para uma arena. O objetivo é sair vivo, mas o jogo só acaba quando só resta uma única pessoa. Tudo isso para lembrar a todos os distritos restantes sobre o massacre que aconteceu quando um deles se revoltou contra a Capital. Quando estava fora na floresta com Gale... Às vezes eu era feliz de verdade. (Jogos Vorazes) Se pensarmos apenas no primeiro volume da trilogia de Suzanne Collins, enxergamos com clareza o mesmo sentimento de civilização moderna. O moderno neste livro pode parecer um tanto contraditório, mas a proposta é deixar opiniões de lado e apenas olhar para o mundo ao seu redor - perceber que não estamos tão distantes daquele pensamento e daquelas ações. Perceber que, em menor escala, somos exatamente aquela sociedade. Em ambos, a exaltação da fúria e a transformação desta como beleza (vale repensar o quanto, em Jogos Vorazes, a personagem Katniss se torna um símbolo de uma revolução por desafiar a Capital - e o quanto isto se torna belo, a fúria que a move mesmo quando tudo ao seu redor desmorona) estão muito bem marcados e presentes. Assim como a presença da náusea, uma poluição física e moral imposta pela vida moderna. De formas diferentes, ambos os escritos falam exatamente dos mesmos aspectos gerais.

7 Nos poemas de Campos, observamos a predominância de versos livres, com exclamações, apóstrofes e onomatopeias. A mecânica o faz intelectualizar as sensações, procurando ainda assim sua totalidade, com os aspectos complexos e dinâmicos que lhe são intrínsecos. Lado a lado andam violência, força e agilidade. Forte, espasmo retido dos maquinismos em fúria! / Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus nervos dissecados fora, / Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! (Ode Triunfal)

8 São as coisas que mais amamos que nos destroem. (Jogos Vorazes) TERCEIRO / DEPRESSIVA A terceira e última fase de Álvaro de Campos é resultado da incapacidade de realizar o seu desejo, de unir mundo interior e exterior. O abatimento se transforma em um cansaço ainda maior do que o lido em Opiário e o autor se fecha em si, angustiado. Há o desencanto com o mundo e com a vida e a presença marcante da nulidade existencial. E, principalmente, a solidão: Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros. / A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? / Um caco. / E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem porque ficou ali. (Apontamento) É nessa fase que predomina o conflito entre realidade e poeta, quando até mesmo pensar dói ( Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar, / Ou de ambas as coisas. ) e o eu, antes demarcado, se dissolve. Com isso, observar o passado com simpatia é natural, como se o hoje não fosse suficiente a ponto de sequer desejar o futuro. Resta, então, a nostalgia do passado, da infância, da inocência. Nem tudo vai dar certo no meu caminho e nem todo mundo ganha um final feliz. A vida é realista e, às vezes, as coisas ficam feias e só nos resta aprender a lidar com elas. (Um Caso Perdido) É nesta terceira fase que encontro a maior divergência entre Álvaro de Campos e os livros jovens adultos e novos adultos escritos atualmente. Enquanto Campos está tão envolvido com sua depressão que não consegue mais sair do ciclo de piora, desejando até mesmo a morte, poucos livros atuais seguem a mesma tendência. Em Willow (LeYa, 2014), a personagem segue o mesmo padrão de comportamento e ainda que as últimas frases não sejam um reflexo de uma vida sem depressão, são certamente mais otimistas que os últimos poemas de Campos. Outros livros que tratam do tema, como Um Caso Perdido (Galera Record, 2014) e O Lado Bom da Vida (Intrínseca, 2013) trazem uma postura de superação que Álvaro de Campos não aborda. Neste aspecto, penso muito mais nos romances atuais como uma resposta aos sentimentos depressivos de Campos. Quero que lembre quem você é, apesar de todas as coisas ruins que estão acontecendo com você. Porque essas coisas ruins não são você. São apenas coisas que aconteceram com você. Precisa aceitar que quem é e o que acontece com você são duas coisas diferentes. (Um Caso Perdidos)

9 Camille Thomaz Labanca Apaixonada pelo meio editorial, leitora assídua desde quando se entende por gente. Tem lá suas preferências, mas o livro for bem escrito, basta parar em sua mão. Freelancer, empreendedora, idealizadora do Beletristas. Adora marketing de tudo quanto é jeito: digital, estratégico, social media, e até de cabeça para baixo. Já foi melhor em se descrever, agora prefere ocupar o tempo falando menos e fazendo mais. camille@beletristas.com