Opinião ABC Brasil /12/2016

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1 23/12/2016 Com o final de ano chegando, as movimentações no mercado começam a ficar mais fracas, e as novidades econômicas e políticas, mais escassas. No âmbito externo, a semana foi marcada por uma vazia agenda de indicadores econômicos e pelo aumento das tensões geopolíticas. Ataques supostamente terroristas foram registrados na Turquia, Zurique e Berlim. Internamente, com o início do recesso no Congresso e no Judiciário o destaque finalmente ficou por conta das questões econômicas, com a divulgação do IPCA-15 bem abaixo do esperado e do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) do Banco Central do Brasil (BCB). Em dezembro, o IPCA-15 registrou variação de 0,19%, menor alta desde Esse resultado ainda trouxe duas notícias positivas importantes: a primeira é que a inflação deste ano deve ficar abaixo do teto da meta de 6,5% 1 ; e a segunda é que o item de serviços subjacentes, que vinha apresentando maior resiliência, sofreu desaceleração significativa, passando de alta de 6,87% no acumulado 12 meses até novembro, para 6,47%. O RTI, divulgado um dia depois do IPCA-15, reforçou a expectativa de que o ritmo de corte de juros deve ser intensificado nas próximas reuniões ao manter o tom das últimas comunicações. A nossa expectativa é de queda de 0,50 p.p. na Selic em janeiro, mas não descartamos um recuo ainda maior em algum momento do próximo ano, caso a atividade econômica ainda mostre sinais de enfraquecimento e as expectativas de inflação permaneçam ancoradas. No RTI, o BCB também destacou o avanço das medidas de ajuste fiscal no Congresso. Com a PEC do teto dos gastos aprovada, agora, as atenções se voltam para a Reforma da Previdência. Assim como já tínhamos pontuado no último Opinião, vamos utilizar o texto desta semana para destacar os principais pontos da Reforma da Previdência e salientar a necessidade de que tal medida seja aprovada. 1 Apesar do IPCA-15 ter terminado 2016 com alta acumulada de 6,58%.

2 A PEC sobre a Reforma da Previdência tem dois pontos centrais: estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria e homogeneizar os regimes dos setores público e privado 2, com o objetivo de fortalecer e dar sustentabilidade ao sistema de seguridade social do país. O sistema de previdência social brasileiro está estruturado em três pilares: Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), organizado pela União, Estados e municípios, e o Regime de Previdência Complementar. Atualmente, os servidores públicos (RPPS) podem se aposentar com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher 3. Já o trabalhador privado (RGPS), não tem idade mínima pela regra de contribuição (35 anos homens e 30 anos mulheres) 4. Segundo a PEC, o estabelecimento de uma idade mínima obrigatória será aplicável tanto ao RGPS como aos RPPS, e para homens e mulheres, que terão de ter no mínimo 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. A introdução da idade mínima se fez necessária, principalmente, por causa das mudanças nas características demográficas do Brasil, além de possibilitar a convergência dos critérios brasileiros aos padrões internacionais. O Brasil vem passando por um acelerado processo de envelhecimento populacional, causado tanto pela queda na taxa de fecundidade quanto pelo aumento da expectativa de vida. Segundo o IBGE 5, até 2060 o número de pessoas em idade ativa, entre 15 e 64 anos, recuará 6,7%, enquanto o número de idosos com 65 anos ou mais crescerá 262,7%. Ou seja, teremos uma quantidade bem maior de beneficiários recebendo a aposentadoria por mais tempo, em contraste com um número menor de pessoas que contribuem para o sistema. Só essa análise já nos indica que sem alguma mudança, a Previdência Social do nosso país não será sustentável. Além disso, o Brasil se enquadra entre 2 Ficaram de fora desta reforma apenas os militares, tanto da União, quanto dos governos estaduais. 3 Também existe uma regra só por idade, 65 anos homens e 60 mulheres, com contribuição mínima de 10 anos. 4 Também tem uma regra por idade, 65 homens e 60 mulheres, com contribuição mínima de 15 anos

3 os países que possuem as mais baixas idades médias de aposentadoria. Só para título de ilustração, atualmente a idade média de aposentarias para homens no Brasil é de 59,4 anos, enquanto a média dos países que compõe OCDE é de 64,6 anos 6. No entanto, para manter a preservação do direito adquirido, a Reforma não afetará os benefícios já concedidos. Além disso, está prevista uma regra de transição, a fim de gerar menos prejuízos àqueles que estariam próximos da aposentadoria pela regra anterior. Para homens que tenham 50 anos ou mais e mulheres com mais de 45 anos, estão mantidos os direitos a aposentadoria por idade e tempo de contribuição com base nas regras anteriores, mais um recolhimento de tempo adicional de 50%, calculado sobre o período que faltaria para conseguir a aposentadoria. O cálculo do benefício também foi alterado para ambos os regimes. Pela atual regra o valor do benefício 7 é proporcional ao fator previdenciário 85/95, na qual o aposentado recebe o valor integral da sua aposentadoria quando a soma da idade com tempo de contribuição é igual a 95 anos para homens e 85 anos para mulheres. Já pela PEC da Reforma da Previdência, o benefício seria igual a 51% da média dos salários mais 1 ponto percentual para cada ano de contribuição (obviamente no limite de 100%). Fazendo o cálculo rápido, é fácil perceber que o trabalhador só receberá o benefício completo caso tenha contribuído por 49 anos. Além dessas mudanças, a PEC também pretende alterar as regras da previdência rural, do Benefício da Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BCP/LOAS) e das pensões por morte. Para os trabalhadores rurais, também será estabelecida a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres com contribuição mínima de 25 anos, em substituição a 6 Um dos fatores que possibilitada a idade média de aposentadoria tão baixa no Brasil é a legislação do RGPS que permite a aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição, sem exigência de idade mínima. Apenas outros 12 países têm regras similares a esta, segundo a Associação Internacional de Seguridade Social. 7 Para o servidor público o cálculo do benefício é mais complexo, dependendo de quando o servidor ingressou no cargo público. 3

4 regra de idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres mais 15 anos de contribuição 8. Ademais, pela regra atual, os trabalhadores rurais contribuem com 2,3% do valor bruto da sua produção. Neste sentido, a PEC definiu uma mudança na forma de contribuição, mas a alteração só será feita via Projeto de Lei, 12 meses após a promulgação da emenda. Quanto ao BCP/LOAS, duas alterações merecem destaque: primeiro, terão direito ao benefício, idosos ou deficientes com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo e idade mínima de 70 anos, atualmente a idade mínima é de 65 anos; segundo, o benefício deixou de ser vinculado ao salário mínimo, sendo que o texto só garante que seu valor real será preservado. Por fim, com relação às pensões por morte, atualmente o valor do benefício é igual a 100% do salário ou aposentadoria que o morto recebia, mas pela reforma, haveria uma cota familiar de 50% do salário ou aposentadoria do morto, somado a 10% para cada dependente 9. Outra mudança importante é que se aprovada a Reforma, as pessoas não poderão acumular os benefícios, como pensão por morte e aposentadorias, sendo que as famílias só terão direito de optar pelo benefício mais vantajoso. Isto posto, não há dúvidas de que a Reforma da Previdência é bem mais audaciosa do que se supunha, atingindo quase todas as esferas da sociedade. Com isso, é esperado que ela gere grande polêmica e tenha mais dificuldades de ser aprovada no Congresso. Neste sentido, uma questão parece relevante: Precisaríamos de uma reforma tão ousada quanto esta? A resposta é com certeza sim. Como já falamos diversas vezes, o problema das contas públicas brasileiras é grave e, por isso, precisa de medidas fortes para ser resolvido. Ainda, mais preocupante do que o desbalanceamento das contas no curto prazo é a trajetória explosiva 8 A regra de transição também será a mesma de servidores públicos e privados. 9 Apenas cônjuge e os filhos menores de idade são considerados dependentes. 4

5 da dívida no longo prazo. Por isso, a Reforma da Previdência é tão importante, seu objetivo principal não é reverter o déficit primário no curto prazo, e sim tornar o sistema de Previdência Social do país sustentável no médio/longo prazos. Tem circulado em alguns meios de comunicação que na verdade a Previdência é superavitária e que, por isso, não haveria necessidade de tal Reforma. De forma geral, essa afirmação não é precisa e para contrapô-la iremos refutar os principais argumentos que negam a existência de déficit da Previdência. Um dos argumentos centrais da Previdência superavitária é de que não haveria déficit caso as despesas com a previdência rural fossem excluídas da contabilidade do RGPS. Em 2015, o déficit da Previdência atingiu R$ 87,7 bilhões (1,48% do PIB), com a rural registrando saldo negativo de R$ 91,8 bilhões (1,55% do PIB). Um dos principais problemas da previdência rural é a baixa arrecadação. Dos R$ 350,3 bilhões arrecadados no RGPS, apenas R$ 7,1 bilhões vêm dos trabalhadores rurais, os outros R$ 343,2 bilhões são arrecadados da previdência urbana. Por isso, independentemente de colocar ou não as despesas com trabalhador rural na contabilidade do RGPS, o importante é melhorar a forma de financiamento da Previdência rural, e a reforma da Previdência justamente tenta atacar este problema, ao iniciar mudanças na forma da contribuição destes trabalhadores. Além disso, no ano passado, a previdência urbana só foi superavitária em R$ 4,1 bilhões (0,07% do PIB), ou seja, é muito provável que com a evolução demográfica, a previdência urbana também registrará déficits nos próximos anos. Outro argumento é de que não haveria déficit se as despesas com benefícios assistenciais, como BCP/LOAS e Bolsa Família, não entrassem na contabilidade do RGPS. Diferentemente do ponto anterior, esse argumento é, acima de tudo, equivocado. Primeiro, apesar do BCP/LOAS ser operado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ele não integra a contabilidade das despesas da Previdência, não tendo qualquer efeito na apuração do 5

6 déficit 10. No caso do Bolsa Família, o equívoco ainda é maior já que além de não fazer parte dos cálculos da Previdência sequer é operado pelo INSS. Ainda, um dos argumentos mais difundidos é que o déficit da previdência só existe por causa das despesas com aposentadorias e pensões dos servidores públicos (RPPS). De novo, apesar do RPPS realmente ser deficitário, a contabilidade desse regime geralmente não se mistura com o resultado do RGPS. Assim, esse ponto só evidencia o quão grave é o nosso problema previdenciário, já que temos dois déficits: o do RGPS e dos servidores públicos. No ano passado, além do déficit de 1,48% do PIB do RGPS, tivemos o saldo negativo de 1,2% do PIB do RPPS. Para concluir, independente da forma como é feita a contabilidade da Previdência, existe um problema claro com as despesas dessa rubrica, causado, principalmente, pelo desenvolvimento demográfico. Nesse sentido, se faz clara a necessidade de uma reforma, o mais rápido possível, para que o sistema seja sustentável no médio e longo prazo. Ainda, vale destacar que mesmo com a aprovação do teto dos gastos e da reforma da previdência permanece o risco de uma trajetória explosiva da dívida. Para evitarmos isso, além do reajuste das contas públicas, precisamos que a economia se recupere. Esperamos que em 2017, com a queda da taxa de juros e a retomada dos programas de concessões, possamos ver sinais do início do processo de retomada da atividade. No entanto, uma análise mais detalhada do cenário de 2017 vai ficar para os próximos Opiniões. 10 Só a título de curiosidade, o gasto com o BCP/LOAS em 2015 foi de R$ 39,6 bilhões (0,7% do PIB). 6

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