DECISÃO: Argumentam que a Constituição de 1988 preconizou que a regulamentação da organização e funcionamento da AGU seria prevista em Lei

Transcrição

1 Processo nº Classe ª Vara Ação: Ordinária Partes: Autor: ADELAIDE ELISABETH CARDOSO CERVALHO DE FRANÇA E OUTROS Réu: UNIÃO FEDERAL ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO DE FÉRIAS DE SESSENTA DIAS DOS ADVOGADOS DA UNIÃO. LEI COMPLEMENTAR Nº. 73/93. LEIS ORDINÁRIAS NºS /53 E 4.069/62 E DECRETO-LEI Nº. 147/97 RECEPCIONADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 5º E 18º DA LEI Nº /97. INAPLICABILIDADE, AOS ADVOGADOS DA UNIÃO, DO DISPOSTO NO ART. 77 DA LEI Nº /90. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. DECISÃO: ADELAIDE ELISABETH CARDOSO CARVALHO DE FRANÇA, ALEXANDRE ALVES FEITOSA, ANA ELISA SOBRAL VILA NOVA DE CARVALHO VIEIRA, ANDRÉA CARLA VERA LINS, JOSÉ CARLOS BARRETO JÚNIOR, JOSÉ RICARDO BRITTO S.P. JÚNIOR E MARCUS VINÍCIUS LIMA FRANCO, qualificados na exordial, ingressam com AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c PERDAS E DANOS, com pedido de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, em face da UNIÃO FEDERAL, postulando que lhes seja assegurado o direito a 60 (sessenta) dias de férias anuais, com o recebimento do respectivo adicional e demais consectários legais. Salientam que, antes da Constituição Federal de 1988, a defesa da União era exercida pelos membros do chamado serviço jurídico, inclusive o Ministério Público da União, e que a legislação salvaguardou aos mesmos os direitos assegurados aos representantes do órgão ministerial federal, dentre estes, o direito de férias de 60 (sessenta) dias, que foram usufruídas até o período aquisitivo de Esclarecem que, com a promulgação da Nova Carta Constitucional, o aludido serviço jurídico foi transformado na Advocacia-Geral da União - AGU, sendo tratada no mesmo capítulo do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, onde todos recebem tratamento especial do constituinte originário. Argumentam que a Constituição de 1988 preconizou que a regulamentação da organização e funcionamento da AGU seria prevista em Lei

2 Complementar, o que ocorreu, apenas, em 1993, com a Lei Complementar nº. 73; no entanto, esta não disciplinou o direito de férias dos Advogados da União, diferentemente das leis que regulamentam o MPU e a DPU, anteriores ao novo ordenamento constitucional e recepcionadas na nova ordem jurídica, com status de leis complementares. Aduzem que, em 11 de outubro de 1996, foi editada a Medida Provisória nº , convertida na Lei Ordinária nº /97, revogando dispositivos das leis antigas que disciplinavam as vantagens e garantias dos atuais membros da AGU, não mencionadas na LC nº. 73/93, e que, dentre as alterações, constava o estabelecimento de 30 (trinta) dias de férias anuais. Argúem que o Egrégio STJ garantiu aos Procuradores da Fazenda Nacional o direito de férias de 60 (sessenta) dias, fundamentando-se na impossibilidade de regulamentação da matéria destinada à lei complementar, por lei ordinária, e que violado restou o princípio da isonomia, tendo em vista que dentro do mesmo órgão AGU há duas categorias sob o mesmo regime jurídico e com vantagens diferenciadas, regidas pelas mesmas legislações. Argumentam, ainda, ter havido, por parte do legislador constituinte originário, a preocupação em manter a integridade e dignidade da justiça, ao cercá-la de órgãos e instituições cujo objetivo maior seria a concretização do acesso à justiça, como forma de privilegiar a efetividade da prestação jurisdicional e, para tanto, foram garantidas vantagens a todos aqueles que são essenciais à função jurisdicional. Postulam: c) Sejam julgados totalmente procedentes os pedidos, para, declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade formal (CEF. arts. 59, II, 69 e 131) e material (CF, art. 37, XV) dos artigos 5º e 18, da Lei nº /97, que reduziu, a partir do período aquisitivo de 1997, de 60 para 30 dias o período de férias anuais dos cargos de Procurador da Fazenda Nacional e Advogado da União, reconhecendo recepcionados e vigentes os artigos 1º da Lei nº , de 1º dezembro de 1953, 17, parágrafo único da Lei nº , de 11 de junho de 1962, e 30, do Decreto-lei nº. 147/67; d) Seja assegurado aos autores o restabelecimento e implemento do direito às férias anuais de 60 (sessenta) dias, com o adicional de 1/3 da remuneração, previsto constitucionalmente, com todos os consectários daí emergentes, nos moldes textualmente autorizados pelos artigos 1º, da Lei nº 2.123, de 1º

3 dezembro de 1953, 17, parágrafo nico da Lei nº 4.069, de 11 de junho de 1962 e 30, do Decreto-Lei nº 147/67; e) A condenação da ré ao pagamento, dos valores pecuniários correspondentes ao passivo acumulado, ou seja, a partir do período concessivo de férias do ano de 2003 com a incidência do adicional de 1/3 da remuneração, previsto constitucionalmente, devendo observar a remuneração do respectivo período concessivo relativo a cada litisconsorte; Pedem, por fim, a antecipação de tutela no sentido da União conceder, imediatamente, o período de 60 (sessenta) dias de férias aos requerentes para o corrente ano, argumentando existirem os requisitos autorizadores do provimento jurisdicional pretendido, e por haver fundado receio de dano de difícil reparação, à medida que uma reparação indenizatória, pela não concessão do período adicional de férias, terá grande repercussão financeira no Tesouro Nacional. Juntam as procurações e os documentos de fls. 35 usque 54. Custas pagas, fls. 55. Vieram-me os autos conclusos para decisão. É O RELATÓRIO. DECIDO. O direito pleiteado pelos Advogados da União está amparado em legislação ordinária editada anteriormente à Constituição Federal vigente, recepcionada com status de legislação complementar, todavia esta mesma legislação foi revogada quanto ao direito a férias dos membros da Advocacia-Geral da União, através de Medida Provisória, convertida em lei, ferindo o princípio da hierarquia das leis. Iluminando o cenário em torno da matéria, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº DF, a analisou de forma plena e irretocável: RECURSO ESPECIAL Nº DF (2002/ ) RELATOR : MINISTRO PAULO MEDINA R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA RECORRENTE : SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL- SINPROFAZ ADVOGADO : CLAUDINEI JOSÉ FIORE TEIXEIRA E OUTROS RECORRIDO : UNIÃO RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA

4 RECURSO ESPECIAL. PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL. DIREITO DE FÉRIAS. AGRAVO RETIDO. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA EM RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO. NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO CONTRA REGIME JURÍDICO. ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO POR NORMA SUBMETIDA AO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO, A SABER, A MP N.º 1522/96, CONVERTIDA NA LEI N.º 9.527/97. VIGÊNCIA DAS NORMAS QUE CONFEREM SESSENTA DIAS DE FÉRIAS, POR ANO, AOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL, QUE JÁ INTEGRAVAM A CARREIRA NO MOMENTO DA IMPETRAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Tribunal Regional Federal houve por bem dar provimento ao agravo retido, por entender que, "ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, sendo-lhe vedado ampliar os efeitos do decisum, para alcançar quem não está abrangido pelo pedido inicial", de modo que os efeitos da sentença deviam restringir-se aos Procuradores da Fazenda Nacional, filiados ao Sindicato-autor, na data da impetração do mandado de segurança (fl. 389). Registre-se, por oportuno, que, como esta parte do acórdão recorrido não foi impugnada, mediante recurso especial, a matéria restou preclusa, sendo vedado a este Superior Tribunal de Justiça, de ofício, apreciá-la. De fato, o especial é um recurso de fundamentação vinculada, cuja devolutividade não é ampla, de modo que apenas o que for decidido e expressamente impugnado será objeto de análise por esta Corte Superior. 2. Os Procuradores da Fazenda Nacional não possuem direito adquiridos aos sessenta dias de férias, uma vez que é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que não há direito adquirido contra regime jurídico. 3. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 131, estabeleceu que cabe à lei complementar dispor sobre a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União, na qual está integrada a Procuradoria da Fazenda Nacional. Assim, os referidos diplomas legais, anteriores à Carta de 1988, por tratarem de matéria referente a organização e funcionamento da Procuradoria da Fazenda Nacional, foram recepcionados, na nova ordem constitucional, com status de lei complementar. Dessa forma, não é possível a sua revogação por lei submetida ao procedimento ordinário, a saber, a Medida Provisória n.º 1522/96, convertida na Lei n.º 9.527/97, de molde a permanecer em vigor as normas que conferem sessenta dias de férias, por ano, aos Procuradores da Fazenda Nacional. 4. Recurso especial provido, a fim de garantir aos Procuradores da Fazenda Nacional, que já integravam a carreira no momento da impetração do mandado de segurança, o direito a férias de sessenta dias, por ano. Outro argumento relevante suscitado pelos requerentes é o de que, muito embora o Regime Jurídico Único - Lei nº /90 - supra as lacunas encontradas na Lei Complementar nº. 73/93, tal não ocorre no tocante ao direito de férias, especificamente, tendo em vista que as Leis nºs /53 e 4.069/62, bem assim o Decreto-Lei nº. 147/67, recepcionados pela Constituição de 1988, já regulamentam este direito com status de lei complementar. Nessa trilha, vê-se que a Carta de 1988 cuidou de considerar que os membros da Advocacia Geral da União integram uma categoria especial, em seus artigos 131 e 132, sujeitos, pois, à legislação especial recepcionada, que, no particular, não foi revogada, pois não contrariou as disposições da Lei Complementar nº 73/96.

5 Destaque-se que a Medida Provisória nº /96, posteriormente convertida na Lei nº /97, não pode revogar o disposto no art. 1º da Lei nº /53, no Parágrafo Único do art. 17 da Lei nº /62 e no Decreto-Lei nº. 147/67, por falecer-lhe status de processo legislativo próprio da lei complementar e, consequentemente, descabida é a aplicação aos postulantes da norma contida no art. 77 da Lei nº 8.112/90 quanto ao direito vindicado, pois regra geral aplicável a todos os servidores públicos federais, à exceção daqueles regidos por legislação especial, como ocorre com a categoria funcional dos Advogados da União. Acresce que a Lei Complementar nº. 73/96, ao lado de não ter tratado do direito de férias dos Advogados da União, também não revogou, literalmente ou tacitamente, os dispositivos legais anteriormente citados que regulam a matéria, disso emergindo a conclusão lógica e inevitável da vigência da legislação que garante o direito pretendido. Assim, remanescem vigentes o art. 1º da Lei nº 2.123/53, o parágrafo único do art. 17 da Lei nº /62 e o art. 30 do Decreto-Lei nº. 147/67, porquanto afiguram-se inconstitucionais, formal e materialmente, os arts. 15 e 18 da Lei nº /97, que reduziram, a partir do período aquisitivo de 1997, de 60 (sessenta) para 30 (trinta) dias o período de férias anuais das ocupantes de cargos de Advogado da União. POSTO ISSO, defiro a antecipação da tutela requestada, determinando à ré que conceda aos autores férias anuais de 60 (sessenta) dias, para o corrente ano e subseqüentes, com o pagamento do adicional de férias previsto no art. 39, 3º combinado com o art. 7º, inciso XVII, da Constituição Federal, pois presentes os requisitos encartados nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil. Intime-se a União para cumprir esta decisão, citando-a, em seguida, para oferecer resposta, no prazo legal. Intimem-se. Aracaju, 04 de setembro de Juiz Edmilson da Silva Pimenta