Ciência, Tecnologia, Inovação e Defesa Nacional Seminário sobre Diretrizes Estratégicas de C,T&I para a Defesa Nacional

Transcrição

1 Ciência, Tecnologia, Inovação e Defesa Nacional Seminário sobre Diretrizes Estratégicas de C,T&I para a Defesa Nacional Painel: Visão da Indústria e da Universidade Hotel Naoum, Brasília, 26 de novembro de 2002 Pronunciamento do Prof. Lauro Morhy, Reitor da Universidade de Brasília 1.) Introdução Agradeço o convite para participar do Seminário sobre Diretrizes Estratégicas de C,T&I para a Defesa Nacional. Trata-se de assunto de relevante importância, que esteve sempre ligado, de algum modo, aos conhecimentos científicos, tecnológicos e à inovação. Certamente em cada momento ou período da História as estratégias adotadas para esse assunto terão sido determinadas pelas potencialidades científicas e tecnológicas das nações e pelo panorama político-social nacional e internacional, com sua poderosa dinâmica cada vez mais incontida e, hoje, até avassaladora. É tempo de focalizar e rever esse assunto. É sempre tempo para isso. Mas, o momento é especialmente propício: o Brasil está em vésperas de novo governo e num mundo que acelera os acontecimentos rumo ao desconhecido. Tem-se então a impressão de que a humanidade nunca esteve tão despreparada para o porvir como agora. E é possível que nos próximos vinte ou trinta anos o mundo passe por mudanças mais profundas do que já passou em todos os tempos. É então importante que a sociedade brasileira se articule mais, através dos setores competentes, em busca de caminhos seguros para o seu desenvolvimento e que esses caminhos sejam de progressos com mais justiça e paz. Já vivemos a época de mais Estado, do Estado Máximo. Com a onda já batizada de neoliberal veio a época de menos Estado, do Estado Mínimo. E, mais uma vez, a vida nos ensinou que a virtude não está nos extremos. Eis que agora nos preparamos para a era do Estado Necessário, do Estado nem 1

2 maior nem menor do que realmente se necessite. Precisaremos agora de mais sabedoria para construir uma nova ordem democrática mais descentralizada, mas inteligentemente integrada, pelo menos o bastante para que os objetivos estratégicos comuns sejam fortalecidos. Devemos trabalhar para que o esforço cooperativo e participativo chegue ao nível sistêmico em cada um de nós e na sociedade brasileira como um todo. Creio que o tema deste Seminário está na raiz da transformação que precisamos realizar agora, com todo o nosso vigor de cidadania e de civismo. 2.) Universidade, Ciência, Tecnologia e Inovação As Universidades desenvolveram-se no último milênio, assumindo características diversas que trazem as marcas dos tempos. Em sua evolução, passaram a compor juntamente com as empresas e os governos a grande base geradora do conhecimento científico e tecnológico e da inovação. As ações nem sempre foram integradas, mas os avanços alcançados contribuíram fortemente para o espantoso desenvolvimento científico e tecnológico de hoje, cujos horizontes futuros apontam para o infinito. A Universidade custou a chegar ao Brasil e, com algumas exceções, instalou-se improvisada e precariamente. De fato, até hoje não foi compreendida em sua verdadeira dimensão. No período dos governos militares pós-1964, sua importância estratégica chegou a ser valorizada. Estavam incluídas no Projeto Brasil Grande, principalmente as universidades públicas, que então experimentaram grande crescimento. Entretanto, com a crise econômica do fim do período, mergulharam elas também em dificuldades e até hoje vivem em situação difícil. É importante que não deixemos que essa poderosa instituição social degenere em sua essência. No ano 2000, o INEP/MEC registrou a existência de 156 universidades no Brasil, num total de instituições de ensino superior, incluindo centros universitários, faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos e centros de educação tecnológica. O Censo 2000 também registrou 71 universidades públicas (federais, estaduais e municipais); 85 universidades privadas; 50 2

3 centros universitários, sendo 49 privados; 90 faculdades integradas, sendo 88 privadas; 865 faculdades, escolas e institutos isolados, sendo 782 privados; e 19 centros de educação tecnológica, todos esses públicos. São raros os dados estatísticos existentes sobre o ensino superior no Brasil relativos aos anos que antecederam a década de Mas os registros referentes aos cursos de Economia, Direito, Engenharia, Filosofia (que incluía várias modalidades) e Medicina mostram uma evolução de matrículas: de alunos, em 1932, para alunos, em 1964 (RBEP n. 101, p. 122/123). Em 1968, já estávamos com alunos matriculados em cursos de graduação universitária. Em 1975, já contávamos com alunos universitários. Em 1994, esse número era de e em 2.000, já alcançava matrículas (MEC-2001). Portanto, em 32 anos, as matrículas em cursos de graduação universitária crescerem 968,1%. Nos últimos 6 anos, o crescimento foi de 62%. Mas há um grande desafio a ser enfrentado nos próximos anos, em nível quantitativo e em nível qualitativo na nossa educação superior. Não é agradável lembrar mas é importante que os nossos estrategistas registrem entre suas preocupações que o Brasil atende, em cursos de graduação universitária, a apenas cerca de 15% dos seus jovens na faixa de escolaridade terciária. A Argentina atende a 42%; o Panamá a 32%; o Chile a 31%; o Uruguai a 30%; a Bolívia a 24%; o México e a Colômbia a 16%. Por outro lado, o aumento quantitativo registrado no Brasil nesse nível de ensino, que se deve em grande parte às instituições privadas, não foi acompanhado da qualidade necessária para os novos tempos. Há, entretanto, boas exceções, que estão principalmente nas instituições públicas, sobretudo entre as que sediam maior número de atividades científicas. A base científica brasileira é considerável. De fato, é a maior da América Latina e está concentrada nas universidades públicas, responsáveis pela maior parte da produção científica nacional, não obstante a grave crise que atravessam. No ano de 2001, estavam matriculados alunos em cursos de Mestrado no País; em cursos de Doutorado e em Mestrados 3

4 Profissionalizantes, totalizando estudantes, segundo o MEC/CAPES. Estamos formando cerca de doutores/ano. Contudo, é preciso investir mais na formação de novos quadros, seguindo um plano estratégico. Exames um pouco mais exigentes podem mostrar facilmente que o quadro universitário brasileiro é ainda bastante insuficiente no geral, tanto em quantidade, quanto em qualidade, levando-se em conta os melhores padrões internacionais. Entretanto, em sua heterogeneidade, até dentro de uma mesma instituição, existem setores muito avançados, comparáveis ao que há de melhor no mundo. No estágio de desenvolvimento em que nos encontramos, já não se admitem improvisações. Já se disse que o Brasil precisa ser um país com ciência e não apenas um país que tem cientistas. Para isso, é necessário que os esforços sejam planejados e executados estrategicamente, o que também requer cuidados especiais e vai além de simples investimentos financeiros, mesmo dos mais polpudos. É preciso que a ciência desenvolvida seja também usada em benefício de todos. Aqui reside o X do problema brasileiro pois chegamos a um bom desenvolvimento científico, mas esse avanço não tem chegado ao chamado setor produtivo. Busca-se agora implantar um sistema de C&T e Inovação, que inclui o Governo Federal, alguns Estados, as instituições de ensino e pesquisa, agentes públicos e privados, visando ao aproveitamento dos avanços do conhecimento e da inovação em suas variadas formas. Precisamos discutir mais sobre essa nova experiência, para que os seus resultados sejam realmente benéficos para o Brasil. 3.) Cientistas e Engenheiros nas empresas Temos dado passos iniciais importantes na linha da interação universidade-empresa e outros setores. Isso tem sido importante para a formação de alunos e também para a elevação do nível tecnológico e cultural nas empresas. Mas cremos que o passo estratégico mais importante será aquele que leve as empresas a aproveitarem melhor os profissionais 4

5 formados nas universidades, contratando-os. Não se deve pensar que haverá inovação tecnológica com engenheiros e especialistas bolsistas. Os países que mais avançaram em Pesquisa e Desenvolvimento têm mais cientistas e engenheiros trabalhando em suas empresas do que nas Universidades. É importante que as empresas incluam em seus projetos investimentos em conhecimento, o que não exclui parcerias estratégicas e o papel formador e depois atualizador das universidades. As chamadas Universidades Corporativas não prescindem do papel formador das universidades e nem dos resultados das pesquisas que estas desenvolvem. O futuro aponta para o trabalho cooperativo e integrado. 4.) Sistema Integrado de C,T&I O Sistema Integrado de C,T&I proposto pelo Ministério da Defesa por intermédio do seu Departamento de Ciência e Tecnologia, envolvendo diversos setores da nação parece-nos bastante compatível com o projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia, que resultou da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. De fato o espírito da Defesa Nacional deve estar inerente a todos os setores da vida do País. Há então que se integrarem os esforços. As estratégias e diretrizes de integração devem levar a motivações que assegurem a participação eficiente e responsável. É importante estabelecer desde o início a confiança entre as partes e no apoio contínuo aos projetos. Assim, as participações crescerão e se fortalecerão naturalmente. É também preciso formar uma cultura de persistência e continuidade nos projetos. Um projeto tem início, meio e fim, mas freqüentemente não temos passado do início ou ficamos no meio, o que enfraquece a vontade dos pesquisadores e a credibilidade no ambiente de trabalho, trazendo outras conseqüências negativas mais amplas. Até que temos tido bons planos no País. Mas é importante que sejam continuados e quando for necessária a sua interrupção, isso deve ser feito de modo inteligente, com o mínimo de prejuízos. 5

6 Para finalizar lembro que: O Brasil é o único País do mundo que tem problemas brasileiros. Essa afirmação bastante óbvia serve entretanto para nos lembrar que nós é que temos de resolver os nossos problemas. Freqüentemente, tendências caudatárias querem nos impor soluções adotadas em outros países, como se coubessem na nossa realidade. É oportuno refletir sobre isso. Podemos e devemos conhecer as experiências dos outros, mas os nossos problemas geralmente requerem soluções próprias, mesmo levando em conta a evolução dos efeitos globalizantes unificadores. Está nascendo uma nova Universidade Brasileira. Mas hoje já se pode dizer que as nossas universidades estão cada vez mais integradas na vida nacional. As nossas universidades públicas estão sempre dispostas a participar de atividades que possam contribuir para abrir novos e melhores caminhos de paz e prosperidade para o nosso Brasil. Creio que isso está na essência da Defesa Nacional. (*)Lauro Morhy é Doutor em Biologia Molécula/ Química de Proteínas. MSc em Biologia Molecular. Grad. Em Química Industrial/ Engenharia Química. É Reitor da Universidade de Brasília. 6