Encontro de Design e Tecnologia Têxtil Universidade Federal do Rio Grande do Sul Julho 2007

Transcrição

1 Encontro de Design e Tecnologia Têxtil Universidade Federal do Rio Grande do Sul Julho 2007 O designer de superfície em estamparia têxtil no mercado brasileiro Miriam Levinbook Resumo: O design de superfície em estamparia têxtil no Brasil é uma área do design de moda pouco conhecida no que se refere às suas principais características conceituais e suas relações com a sociedade. Trata-se aqui, de elucidar aspectos sobre os procedimentos das pesquisas a serem realizadas pelo designer de estamparia, no sentido de alcançar um diferencial em seus projetos. Design de estamparia têxtil no Brasil O design de superfície em estamparia têxtil no Brasil é uma área do design de moda pouco explorada como campo de conhecimento e de produção científica no que se refere à história e aos desenvolvimentos técnicos. A partir da década de 1990 começam a ser introduzidos no Brasil os primeiros softwares criados, especificamente, para o desenho de estamparia. Enquanto as repetições dos motivos têxteis e variantes de cor eram feitos à mão e demoravam horas e até mesmo dias para serem finalizados, os programas de estamparia digital começam a permitir, a partir deste momento, um ganho de tempo relevante para as mudanças impostas pela moda, facilitando com isso o processo de desenvolvimento e criação dos desenhos. Mesmo com este ganho de tempo para a pesquisa, desenvolvimento e criação do desenho, a exigência da indústria têxtil continuou sendo a de lançar produtos com conteúdos baseados em tendências de moda, lançadas na Première Vision e que depois são apresentadas através dos desfiles de prêt-à-porter. Essa prática surge nos anos 1950, quando os elos da cadeia têxtil começam a sentir a necessidade de uma linguagem com informações de cores, fios, e tecidos que sejam absorvidos pelas confecções e consequentemente pelo consumidor final. Isto proporcionaria a certeza de que: [...] as cores produzidas com antecedência seriam aceitas por industriais de fios e tecidos; que os tecidos seriam adotados pelos confeccionistas; e que as formas, cores e tecidos das roupas seriam apontados como tendência pela imprensa de moda e exibidos nas vitrinas dos magazines [...] (CALDAS, 1999, p. 47). A facilidade de reprodução de tendências estrangeiras, no Brasil, fez-se de forma mais contundente a partir da década de 1990, quando os desfiles internacionais passam a ser transmitidos via internet em tempo real. Neste mesmo momento, continua a ser praticada a coleta de informações através de viagens que percorrem os principais centros de moda da Europa e Estados Unidos para se fotografar vitrinas e trazer para o Brasil peças prontas, compradas em lojas especializadas em moda que servem como referência para o desenvolvimento das coleções. A questão em torno das pesquisas de tendências de moda em processos criativos têxteis permeiam o desenvolvimento dos projetos de um design de superfície em estamparia têxtil, já que a cadeia têxtil tem a informação de moda e solicita produtos com conteúdos que transmitam as últimas tendências pesquisadas nos principais centros difusores.

2 [...] depois de décadas de hegemonia das marcas de prêt-à-porter francesas e italianas, tomadas como referência pelo sistema da moda internacional, é verdade que gerações de estilistas e donos de confecções brasileiras (...) institucionalizaram a cópia como sinônimo de criar moda [...] (CALDAS, 2004, p.153). Para acabar com a cópia, e na busca de fato por um diferencial para o desenvolvimento de desenhos e coleções sem uma preocupação específica com as pesquisas de tendências de moda encontradas nos desfiles e nas feiras especializadas, devemos partir de nossa vivência social, cultural, política e ambiental. Isto significa, lançar mão de nosso próprio repertório e de nossas pesquisas, baseados em várias informações diferentes tais como de design em áreas correlatas como a arquitetura, por exemplo, ou em viagens culturais, em revistas especialidades, e via internet. Outro fator de preocupação para os designers é o parque industrial têxtil brasileiro. Com uma indústria têxtil ainda tecnologicamente defasada em seu maquinário, o Brasil abre espaços que cada vez mais são ocupados pelos países asiáticos. Enquanto na China e Coréia o número de cores de uma estampa corrida pode chegar a 20 ou até mais, os designers brasileiros, por conta das restrições nos processos industriais, criam com uma redução em torno de 5 a 6 cores. Levando-se em consideração que cada cor de um desenho significa um cilindro de estamparia ou quadro que hoje gira em torno de R$700, um jogo de cilindros ou quadros para um desenho de 6 cores fica com um valor elevado, dado os custos de fabricação. Assim, os chineses ganham em técnica, desenvolvendo estampas mais elaboradas com tecidos de boa qualidade e a preços inferiores aos nossos. Isto desencadeia uma forma de importadores de tecidos brasileiros comprarem destas empresas os materiais têxteis. Muitos destes já foram tecelagens, e por conta das circunstâncias políticas e econômicas mudaram seu ramo de atuação para o comércio de tecidos importados. Os importadores também compram desenhos de estúdios de criação italianos representados por empresas brasileiras, com valores que variam de U$100 a U$150 por desenho. Porém, apesar de oferecer no Brasil desenhos da coleção já vendida seis meses antes em outros países por conta do timing antecipado de lançamento, estes estúdios ocupam o espaço dos designers brasileiros. Isto porque, ainda temos como referência a moda que vem de outros países, principalmente Paris e Itália. Em contrapartida, os designers brasileiros têm a vantagem de conhecer o país em suas características industriais e de consumo. Designers competitivos Para que se possa recuperar espaço no mercado e nos tornarmos mais competitivos, não se pode trabalhar apenas com um tipo de pesquisa. O faro e o olhar do designer precisam estar atentos a tudo que acontece à sua volta, e pesquisar o máximo de informações possíveis para estarmos à frente em nosso próprio mercado. Aperfeiçoamentos técnicos tais como conhecer novos softwares específicos para o desenho de estamparia, e participação em eventos como o Encontro de Design e Tecnologia Têxtil promovido pela UFRGS, que possam nos fornecer informações sobre os acontecimentos emergentes, nos colocarão à frente dentro do mercado. O acompanhamento dos lançamentos internacionais em fios e matérias-primas em feiras especializadas deve ser considerado pelo designer na medida em que trás informações do que será produzido e desenvolvido pelas fiações. Isto supõe, e já que o beneficiamento de fibras está localizado no topo da cadeia produtiva, que as pesquisas para a elaboração do design em superfícies têxteis têm uma antecedência em média de 2 anos em relação ao lançamento de produtos. Já se observa nesta etapa a possível contribuição de um designer, já que a partir do projeto e da pesquisa de novos caminhos em fios e

3 fibras, este terá uma ampla visão dos outros elos desta cadeia produtiva. A pesquisa para a elaboração e criação de motivos têxteis para o desenho de estamparia, é um dos instrumentos do projeto em design, e deve percorrer vários caminhos que proporcionarão uma coleta de informações abrangente, facilitando assim o processo de criação do designer de estamparia têxtil. A seguir algumas delas: - pesquisas bibliográficas: em publicações especializadas como bureaux (Promostyl, Peclers) ou periódicas em jornais e revistas, livros de desenho e livros de referência; - pesquisas tecnológicas: Acompanhar as novas tecnologias é fundamental para desenvolver novos produtos, tanto no que se refere aos acabamentos ou tecidos, ou para a própria confecção quando o beneficiamento pode ser contemplado com novas técnicas. As máquinas digitais para estamparia ou inovações em fios em tecidos, são uma combinação de processos que auxiliam no desenvolvimento de produtos; - pesquisas em desfiles de alta-costura ou prêt-à-porter: Nos desfiles de moda nacionais e internacionais, podemos acompanhar as novas tecnologias e lançamentos de ponta, observando e analisando as transformações das coleções de uma estação para outra. Identificar cores, padrões, formas e detalhes no sentido de captar tendências emergentes; - pesquisas via internet: sites especializados em macrotendências (WGSN), blogs (fashion bubles), e sites de fotos e imagens; - pesquisas de campo: exposições, filmes e museus; Feiras técnicas específicas para o segmento tais como: Premier Vision, Tex World, IFFE, Material World, Pitti Filatti e FENATEC. - pesquisa de materiais: Tudo começa com os fios e tecidos. Por meio destas matérias primas, podemos identificar se as cores serão brilhantes ou opacas, se entraremos ou ficaremos em um ciclo de estampados, se as construções dos tecidos serão leves ou pesadas, se serão tecidas com elastano, entre outros aspectos; - viagens de pesquisa: As viagens aos principais centros difusores como Paris, Milão, Tóquio e Nova Iorque, trazem não só informações culturais, mas também são uma fonte de inspiração para a descoberta de novos caminhos. Segundo Caldas, (2004 p.108) nos leva ao encontro de uma experiência estimulante, que ativa os sentidos e os neurônios, por meio do distanciamento do dia-a-dia e do contraste com outras realidades. Viver por alguns momentos outras culturas nos propicia um olhar abrangente em relação aos acontecimentos e às tendências e sensibilidades emergentes que vão configurar novos comportamentos e influenciar toda a roda da sociedade, da cultura e do consumo (Caldas, 2004 p.108). - pesquisas comportamentais: Manter-se atento aos estilos de vida. Esta é uma forma de perceber o que as pessoas estão usando nas ruas, através dos movimentos emergentes nos bairros, nos estados, ou no exterior, que podem dar a dimensão do cotidiano, transformando estas informações em idéias. - Pesquisas de tema: os criadores são como aves migratórias que aspiram o que flutua no ar, com todos os sentidos em alerta... (Vincent-Ricard, 1989). Estar atento aos acontecimentos, é sempre importante na medida em que uma idéia de um tema para a coleção pode surgir de qualquer lugar como de um filme, um parque, um museu, uma música, obra de arte ou livro; - Pesquisas em design: são fontes de pesquisa as áreas correlatas ao design tais como a arquitetura, o

4 design gráfico, design de interiores ou de produto. Uma nova linha de automóveis mais arredondada, móveis minimalistas ou prédios com arquitetura diferenciada, podem se configurar em inspirações que juntamente com as outras pesquisas, formarão um conjunto de informações e possibilidades de criação. Além destas, destaca-se a viagem de pesquisa que segundo Caldas, (2004 p.108) nos leva ao encontro de uma experiência estimulante, que ativa os sentidos e os neurônios, por meio do distanciamento do dia-a-dia e do contraste com outras realidades. Viver por alguns momentos outras culturas nos propicia um olhar abrangente em relação aos acontecimentos e às tendências emergentes. Outra questão que nos torna competitivos, é o conhecimento técnico que facilita nosso processo de criação. Rubim (2004) afirma que é importante que o designer de superfície, tenha em mente que o sucesso de um projeto depende muito de se conhecer o processo tecnológico desenvolvido pelo seu cliente. Isto implica nas questões que envolvem desde a solução de problemas, os processos produtivos, até o consumidor final de determinado produto. Rüthschilling (2006) destaca também que o designer deverá ter conhecimento sobre as técnicas e processos (...) para controlar os efeitos visuais desejados em sua criação. Conhecer os processos de estampagem que em tecidos com larguras e fios diferenciados, e quadros ou cilindros para desenhos corridos, são informações técnicas fundamentais, pois cada processo exige um tipo de tratamento diferenciado dos motivos têxteis em sua distribuição pelo tecido. Rüthschilling (2006) reforça esta idéia quando afirma que o designer de padrões contínuos precisa ter o domínio sobre os efeitos causados na composição pela repetição, além dos elementos conhecidos da linguagem visual como o ponto, a linha, a forma, textura, cor, direção, etc. que compõem seu projeto. Considerações Finais O designer não pode se deixar levar pelas incertezas tais como se teremos menos estamparia no inverno, ou que a estamparia já vem a alguns anos forte e deve ter um ciclo de decadência. Sempre haverá espaços e caminhos a serem percorridos através da pesquisa. Estas, levam ao processo de criação e geram projetos focados e bem estruturados em suas características de desenvolvimento. Estamos sendo respeitados pela nossa criatividade e acima de tudo pela capacidade de inovação que demonstramos através de nomes como, por exemplo, o do designer Ronaldo Fraga que na última SPFW de Primavera-Verão 2008 apresentou o tema Nara Leão, com estampas localizadas ou corridas totalmente comprometidas com a pesquisa, e sem preocupação com as tendências apresentadas em desfiles internacionais. Isto comprova que é possível uma criação autoral, e que devemos cada vez mais, trabalhar com nossas referências.

5 Referências bibliográficas CALDAS, Dario. Observatório de Sinais: Teoria e prática das tendências. Rio de Janeiro. Editora Senac, Universo da Moda: on line. São Paulo. Anhembi Morumbi, VICENT-RICARD, Françoise. As Espirais da Moda. Rio de Janeiro. Paz e Terra, RUBIM, Renata. Desenhando a Superfície. São Paulo: Edições Rosari, Referências Eletrônicas RÜTHSCHILLING, Evelise Anicet. Design de superfície Disponível em: Acesso em 12/05/2007. RIBEIRO, Luiz Gonzaga. Introdução à Tecnologia Têxtil. Rio de Janeiro: SENAI/ CETIQT, 1984