Unidade: Saliva e Cárie Dentária. Unidade I:
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1 Unidade: Saliva e Cárie Dentária Unidade I: 0
2 Unidade: Saliva e Cárie Dentária Glândulas Salivares A saliva é um fluido secretado principalmente pelos 3 pares de glândulas salivares maiores, parótida, submandibular e sublingual. As glândulas salivares maiores são responsáveis por aproximadamente 95% da saliva presente na cavidade oral. O fluido secretado por essas glândulas é caracterizado por um conteúdo aquoso e com altas concentrações de proteínas e eletrólitos. Além das glândulas salivares maiores, existe uma série de glândulas menores que também contribuem com a manutenção da saúde bucal. As glândulas salivares maiores estão dispersas por sítios específicos da cavidade oral e recebem a denominação de labiais, linguais, bucais, glossopalatinas e retromolares. Essas glândulas contribuem para a manutenção constante da lubrificação bucal e redução dos sintomas de boca seca, especialmente nos períodos sem estimulação salivar. A figura abaixo mostra a coleta de saliva de glândulas salivares menores. As glândulas salivares são compostas por unidades secretoras denominadas de porção acinar e um sistema complexo de ductos que desembocam na cavidade bucal. A composição da saliva secretada pelas glândulas salivares depende do tipo de célula presente na porção acinar. Sabese também, que o sistema de ducto não apenas conduz o fluido glandular até a cavidade oral, mas também possui uma contribuição ativa na concentração de eletrólitos salivares. 1
3 As principais células encontradas nas glândulas salivares são serosas ou seromucosa, mucosa e células mioepiteliais. As células serosas ou seromucocas apresentam características histológicas de um tecido especializado na síntese, armazenamento e secreção de proteínas. As células mucosas também possuem uma capacidade de secreção de proteínas, entretanto a composição da saliva secretada é rica em glicoproteínas que conferem a viscosidade salivar. As células mioepiteliais estão interpostas junto às estruturas secretoras terminais e ao longo do sistema de ductos, assemelhando-se a um polvo abraçando uma rocha. A contração dessas células facilita a condução da saliva desde a porção acinar, passando pelo sistema de ductos, até a cavidade bucal. A glândula parótida apresenta um predomínio de células serosas e um longo sistema de dustos. A saliva da parótida apresenta um aspecto cristalino e é rica em água, eletrólitos e proteínas enzimáticas. A amilase é a principal proteína secretada por essa glândula, sendo uma enzima cuja função é um indicativo de atividade glandular. A glândula submandibular apresenta uma composição mista de células seromucosa e serosa. O aspecto viscoso da saliva de submandibular e sublingual é atribuído a grande concentração de mucinas e outras glicoproteínas. 2
4 (A) (B) (A) Ilustração de saliva de parótida com aspecto fluido e cristalino (B) Ilustração de saliva total com aspecto viscoso. Fisiologia Salivar A saliva desempenha um importante papel na manutenção da saúde do indivíduo devido às funções exercidas por seus componentes. A saliva tem atividades fisiológicas que iniciam o processo de digestão dos alimentos, tais como formação do bolo alimentar, facilita a mastigação, a deglutição e participa do processo de digestão pela ação da amilase salivar. A amilase salivar é primeira enzima a catalisar a quebra de polissacarídeos como o amido em açúcares mais solúveis como a maltose e glicose. A saliva também contribui com o paladar, pois além de distribuir os alimentos por toda a cavidade oral, ela ainda contém proteínas que aceleram o amadurecimento das papilas gustativas. A saliva possui um amplo espectro de proteínas com ação antimicrobiana. As proteínas salivares controlam a colonização microbiana através da ação bactericida, bacteriostática ou pela formação de agregados microbianos que são eliminados por deglutição. As principais proteínas antimicrobianas em saliva são a peroxidase, lactoferrina, imunoglobulinas (IgA e IgG), lisozima e outras. As glicoproteínas salivares, especialmente a mucina, promovem a proteção da mucosa contra possíveis traumas. A capacidade de lubrificação desta proteína ocorre devido à presença de cargas negativas de ácido siálico. O estudo da concentração de ácido siálico tem sido realizado como indicativo de viscosidade salivar. 3
5 A composição inorgânica da saliva é responsável por uma série de funções, tais como a capacidade tampão e processo desmineralizaçãoremineralização (DES-RE) das estruturas dentárias. A capacidade tampão da saliva neutraliza os ácidos formados pelo biofilme dental, impedindo a desmineralização da hidroxiapatita, o principal cristal de cálcio que forma a estrutura dentária. Uma substância tampão é aquela que possui a propriedade de manter o ph de um meio estável. No caso da cavidade bucal, esse ph se aproxima do neutro (ph=7,0). Além disso, a manutenção de um ph salivar estável impede a proliferação de bactérias acidogênicas e acidúricas, ou seja, bactérias que geram um meio ácido e que se proliferam mais facilmente nesse ambiente. A supersaturação de eletrólitos salivares impede a saída de íon da estruturas dentárias durante um desafio ácido e desmineralização dentária e promovem a entrada e disponibilidade desses íons para o processo de remineralização. Para que os eletrólitos salivares atuem na prevenção da cárie dentária os eletrólitos devem ser mantidos na sua forma iônica. Algumas proteínas salivares também contribuem com a manutenção dos eletrólitos na forma iônica, impedindo a precipitação de cálcio e fosfato na saliva e nos ductos das glândulas salivares quando o ph está neutro. A estaterina e as proteínas ricas em prolinas são as principais responsáveis pela inibição da precipitação de cristais de cálcio e fosfato. A ação mecânica de limpeza da saliva promove um ambiente em constante renovação, conferindo à cavidade bucal a característica de ser um ambiente de crescimento aberto. O clearence salivar é a capacidade da saliva de remover qualquer resíduo de alimento ou outra substância na cavidade oral. O clearence e sua capacidade de limpeza variam de acordo com o fluxo salivar. O fluxo salivar é uma medida absoluta da produção de saliva e pode ser influenciado por uma série de fatores, tais como a dieta, sexo, idade, estado de hidratação, estímulo salivar, tipo de coleta, glândula de origem, variação hormonal, ritmo circadiano e circanual, uso de drogas, tabagismo, radioterapia e estado geral do indivíduo. 4
6 Mecanismo de secreção salivar As glândulas salivares são inervadas pelo sistema nervoso autônomo (SNA). Os neurotransmissores do SNA estimulam receptores adrenérgicos e muscarínicos que desencadeiam várias reações intracelulares que culminam na secreção de saliva. As glândulas salivares possuem dois processos integrados de secreção salivar, sendo o primeiro a produção do fluido primário constituído por água e eletrólitos e o segundo o processo de secreção de proteínas de alto peso molecular, conhecido por exocitose. A exocitose é um termo aplicado ao transporte de moléculas para fora da célula, num processo que envolve a fusão de grânulos de secreção intracelular com a membrana plasmática e conseqüente liberação do conteúdo desses grânulos. A composição da saliva secretada pode variar de acordo com o estímulo do SNA. O SNA parassimpático é responsável por uma saliva rica em água e eletrólitos e o SNA simpático por uma saliva rica em glicoproteínas. O produto sintetizado e secretado na porção terminal das glândulas salivares (ácinos) é denominado de saliva primária e possui uma composição completamente distinta do fluido presente na cavidade oral. A saliva primária é constituída por água, proteínas e uma concentração de eletrólitos provenientes da corrente sanguínea. A presença de eletrólitos na saliva acontece pela ação de vários transportadores de membrana específicos. Essa saliva primária sofre modificações na sua composição durante o processo de passagem pelo sistema de ductos. O sistema de ductos salivares tem um papel ativo na composição de eletrólitos. Os ductos são responsáveis pela reabsorção de íons de cloro e sódio e liberação de potássio e bicarbonato. Dessa maneira, a saliva que chega na cavidade oral apresenta um conteúdo hipotônico em relação aos sais da corrente sanguínea e com alta capacidade de tamponamento. Além das transformações que ocorrem nos ductos salivares, o fluido que chega na cavidade oral ainda sofre o acréscimo do fluido gengival, restos alimentares, microorganismos específicos, células descamadas de mucosa, entre outros. Esse novo fluido é denominado de saliva total. As denominações 5
7 de saliva total ou saliva mista também podem ser aplicadas para a saliva coletada de todas as glândulas salivares. As principais medidas de estudo da secreção salivar e sua composição bioquímica são a sialometria, a cintilografia salivar, sialoquímica e biópsia das glândulas salivares menores. A sialometria é a medida absoluta do fluxo salivar, enquanto que a sialoquímica analisa a concentração dos componentes da saliva. O fluxo salivar tem correlação com os componentes salivares. A figura que segue mostra os valores de referência de sialometria para o diagnóstico de funcionamento glandular. Saliva total Taxa de secreção (ml/min) Fluxo salivar Muito baixo Baixo Normal Sem estímulo <0,1 0,1 0,25 0,2 0,3 Estímulo <0,7 0,7 1,0 1,0 3,0 Ericsson and Hardwick, 1978 Há situações em que os termos xerostomia e hiposalivação se confundem. A hiposalivação é um termo usado para a medida absoluta do fluxo salivar. A xerostomia é um parâmetro subjetivo relatado pelo paciente, por exemplo, dificuldade mastigar e engolir alimentos secos, sensação de boca seca, dificuldade de falar, entre outras. Portanto a hiposalivação é um sinal e a xerostomia é um sintoma. Composição Bioquímica Salivar A saliva total possui uma composição orgânica e inorgânica que participa das principais funções biológicas citadas anteriormente nessa unidade. A saliva 6
8 é composta de 99% de água e 1% de proteínas e eletrólitos. A composição da saliva produzida por qualquer tipo de glândula pode variar de acordo com o fluxo salivar e o tipo de coleta da saliva. Dessa maneira, alguns cuidados devem ser tomados no momento da coleta para minimizar as variações que podem influenciar a composição da saliva. A padronização da coleta leva em consideração o período do dia, o tipo de estímulo, o tempo da coleta, as condições sistêmicas de saúde do indivíduo, o tipo de glândula e os fatores de exclusão. Os componentes inorgânicos mais abundantes da saliva são o cálcio, potássio, cloro, sódio, fosfato e bicarbonato. Também podemos encontrar na saliva traços de magnésio, lítio, iodo, bromo, flúor, tiocianato, hipotiocianato, nitrito e nitrato. O bicarbonato é um íon importante com uma capacidade tamponante nos fluidos como o sangue e saliva. Este íon representa o mais efetivo sistema tampão salivar protegendo as estruturas dentárias da ação dos ácidos produzidos pela placa bacteriana. A glândula parótida é responsável pela concentração de bicarbonato na saliva com uma correlação direta com o fluxo salivar, ou seja, quanto maior o fluxo, maior a concentração desse eletrólito. A figura abaixo as reações do sistema tampão bicarbonato. Funções da saliva Sistema tampão bicarbonato H 2 CO 3 Anidrase carbônica HCO 3- + H + H 2 O + CO 2 Os fosfatos salivares também possuem uma capacidade tampão, porém menos efetiva que o sistema bicarbonato. A concentração de fosfato varia com o fluxo salivar, além de ser dependente dos níveis plasmáticos. O sódio e o 7
9 potássio são íons presentes nos fluidos do corpo humano que sofrem modificações na sua concentração na medida em que passam pelos sistemas de ductos salivares. O cálcio é um íon com importante papel na contração muscular, nos processos de exocitose de proteínas, na coagulação sanguínea, entre outras. A supersaturação de cálcio e fosfato impede a desmineralização da hidroxiapatita e promovem um gradiente osmótico que favorece a reincorporação de cálcio nesses cristais desmineralizados. O cálcio pode ser encontrado na cavidade oral de forma livre ou associado à proteínas, fosfato, bicarbonato e outros. A saliva possui uma composição orgânica com diversas proteínas, carboidratos e lipídeos. As proteínas salivares são multifuncionais desempenhando mais de uma função biológicas. Além disso, vale ressaltar que algumas proteínas também favorecem a colonização bacteriana na película adquirida do esmalte e fornecem substrato para o crescimento microbiológico, como é o caso da amilase. As principais proteínas salivares são amilase, peroxidase, lisozima, lactoferrina, mucina, proteínas ricas em prolina, histatina, estaterina, imunoglobulina A e G, entre outras. Muitas dessas proteínas constituem famílias com isoformas variadas. Além disso, também encontramos em saliva fatores de crescimento responsáveis pelo desenvolvimento, crescimento, maturação e regeneração de vários tecidos. Papel da Saliva na Prevenção de Cárie Dentária A cárie é uma doença multifatorial e os elementos etiológicos envolvidos estão apresentados na figura abaixo. Os principais fatores envolvidos no desenvolvimento da cárie são os microrganismos, substrato e fatores associados ao hospedeiro. Podemos considerar que a saliva é um fator associado ao hospedeiro que promove um papel na prevenção de cárie. 8
10 Cariologia Etiologia da Cárie Microrganismos Microrganismos Substrato Substrato Cárie Tempo Tempo Cárie Hospedeiro Hospedeiro Newbrun, 1978 As considerações sobre saliva apresentadas até o momento abordam o tema de maneira geral. Agora apresentaremos os aspectos salivares mais importantes na prevenção da cárie dentária. A ação de limpeza e as atividades fisiológicas da saliva colaboram para a rápida eliminação de substratos fermentáveis, reduzindo a disponibilidade energética para o crescimento de bactérias fermentativas facultativas envolvidas nos processos de cárie. A capacidade tampão salivar ajuda na prevenção de caria através de dois mecanismos principais. A saliva neutraliza ácidos provenientes do metabolismo fermentativo de bactérias, impedindo a dissolução da hidroxiapatita. Além disso, a manutenção de um ph salivar neutro dificulta o crescimento de bactérias ácidúricas e acidogênicas. A atividade antimicrobiana das proteínas salivares controla o crescimento bacteriano. Algumas proteínas possuem alta afinidade (mucina e amilase) com microrganismos cariogênicos, eliminando-os por deglutição dos grumos formados pela ligação entre eles. Algumas proteínas realizam a lise e morte dos microrganismos (imunoglobulina, lisozima, lactoperoxidase) enquanto outras apenas controlam o crescimento bacteriano (lactoferrina). A supersaturação de cálcio e fosfato colabora com o processo DES-RE, evitando a desmineralização da hidroxiapatita e promovendo sua remineralização. Além disso, algumas proteínas salivares também são responsáveis pela manutenção de cálcio e fosfato na sua forma iônica. 9
11 Considerações finais Como vocês podem observar a saliva colabora com a prevenção de cárie através de vários mecanismos de ação. Os aspectos salivares na prevenção de cárie constituem apenas um dos pontos importantes da disciplina de Estudos Preventivos em Cariologia. Espero que vocês tenham aprendido novos conceitos com esse conteúdo e consigam fazer correlações com outras unidades de nossa disciplina. BOM ESTUDO! 10
12 Referências FEJERSKOV, O. KIDD, E. Cárie Dentária: a doença e seu tratamento clínico. São Paulo: Editora Santos, Histologia Bucal. Desenvolvimento, estrutura e função. A.R. Ten Cate. Capítulo 17, Glândulas Salivares. Editora Guanabara Koogan Nicolau, J. Fundamentos de Bioquímica Oral.Editora Guanabara Koogan 11
13 12 Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dra. Mariana Ferreira Leite Revisão Textual: Profª Dra. Patricia Silvestre Leite Di Iorio Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, São Paulo SP Brasil Tel: (55 11)
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