Estudos Geotécnicos para Caracterização de Solos nas Cicatrizes de um Escorregamento no Distrito de Conquista: Nova Friburgo/RJ
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- Rachel Neiva Macedo
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1 Estudos Geotécnicos para Caracterização de Solos nas Cicatrizes de um Escorregamento no Distrito de Conquista: Nova Friburgo/RJ Aluno: Fernando Nóbrega Mendes Protasio Orientador: Tácio Mauro Pereira de Campos Co-Orientador: Hugo Portocarrero Introdução Em janeiro de 2011, um grande número de escorregamentos ocorreu na região serrana do estado do Rio de Janeiro, abrangendo sete municípios. Este fenômeno, que ficou conhecido como Megadesastre 11 da Serra Fluminense, acarretou em aproximadamente 1000 mortes. A ordem de grandeza deste evento e o fato de ter ocorrido em áreas com ou sem ocupação urbana ou uso agrícola dos solos, põe em dúvida a ação antrópica como principal deflagradora do ocorrido, dando margem a uma série de teorias sobre quais fatores foram responsáveis pelos deslizamentos. A localização de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo é por si só um fator de risco, uma vez que estes municípios estão no topo da Serra do Mar, uma cadeia montanhosa cuja geografia é propícia à formação de chuvas e à deslizamentos. O volume de chuva é, sem dúvida, um dos principais fatores condicionantes em desastres como este. De acordo com dados do INEA, em janeiro de 2011 choveu 329,2 mm, sendo que entre os dias 11 e 12 a quantidade de chuva foi de 212,6 mm. Ou seja, houve uma grande precipitação em um pequeno intervalo de tempo. É de fundamental importância para o entendimento do fenômeno ocorrido, o estudo das características geotécnicas dos materiais presentes nas cicatrizes e a determinação de seus parâmetros de resistência. Assim, pretende-se criar um modelo digital a partir dos resultados obtidos, que meça a estabilidade do talude e, em conjunto com os dados topográficos, simule seu comportamento frente a diversas situações. Foram realizados ensaios em campo e também coletados blocos indeformados referentes a cada um dos materiais encontrados nos perfis de intemperismo: solo residual jovem (SRJ) e solo maduro (SM). Estes blocos foram utilizados para realização de ensaios de caracterização geotécnica (distribuição granulométrica, limites de Atterberg e densidade relativa dos grãos) e resistência do solo, por meio de cisalhamento direto. O presente relatório descreve resultados preliminares de ensaios de campo e laboratório dos solos jovem e maduro da cicatriz do Condomínio do Lago, no distrito de Conquista, em Nova Friburgo RJ. Na Figura 1 pode-se notar a dimensão do deslizamento ocorrido. Já na Figura 2, mostra-se a clara distinção do SRJ, de coloração roxa que mantém certas estruturas da rocha de origem, e do SM, de coloração marrom que sofreu mais intemperismo e perdeu as características da rocha de origem.
2 Figura 1 Deslizamento no Condomínio do Lago Figura 2 Solo Maduro (acima) e Solo Jovem (abaixo). Materiais e Métodos Experimentais 1. Permeabilidade in situ Para a realização dos ensaios de permeabilidade foi utilizado o Permeâmetro de Guelph do modelo 2800K1 (Soilmoisture Equipment Corp), mostrado na Figura 3. O equipamento foi desenvolvido por Reynolds & Elrick (1983) e, em 1985, foi aperfeiçoado pelos mesmos na University of Guelph, no Canadá. Trata-se de um dispositivo composto por um frasco de Mariotte que controla a carga constante dentro do furo, um tubo de acrílico com uma régua graduada onde a água é introduzida e um tripé que permite adaptar o aparelho a terrenos irregulares. A eficiência da medida em campo da permeabilidade saturada (k sat ) com
3 o Permeâmetro de Guelph depende de um bom preparo do furo e da correta montagem do equipamento, enchimento dos reservatórios e posicionamento do permeâmetro no furo. É ainda necessário o uso de um trado, equipamento para escavação do solo, e uma escova que possui a finalidade de retirar qualquer sujeira gerada na escavação do mesmo, que poderia criar uma barreira natural ao fluxo d água na parede do furo. Na determinação do k sat, foram utilizadas as formulações propostas por Elrick et al. (1989) e por Reynolds & Elrick (1985) para, respectivamente, o emprego de uma e de duas cargas hidráulicas constantes. Foram aplicadas, em cada camada de solo, duas cargas hidráulicas, de 5 cm e 10 cm, e medida a vazão que cada uma das cargas gerou no solo, até esta se tornar constante. Desta forma, foi calculada a permeabilidade saturada de cada uma das camadas. Figura 3 Ensaio de permeabilidade com permeâmetro de Guelph 2. Cisalhamento Direto Para a realização dos ensaios de cisalhamento direto foram usadas duas prensas Wykeham Farrance Slough do laboratório de Geotecnia e Meio Ambiente da PUC-Rio (Figura 4). Cada prensa é composta por: uma caixa bipartida no plano horizontal, duas pedras porosas e dois papeis filtro para topo e base, um motor elétrico acoplado a uma caixa de engrenagens ajustáveis, um pendural para aplicação das cargas através de pesos, dois extensômetros mecânicos ou transdutores elétricos de deslocamento (para medir deslocamento vertical e horizontal), um anel de carga ou célula de carga elétrica e um sistema de aquisição de dados. Os ensaios aconteceram em duas etapas: adensamento e cisalhamento. Na primeira etapa o corpo de prova de aproximadamente 10x10x2 cm (Figura 5), que pode ser moldado em campo ou em blocos indeformados no laboratório, foi posto na caixa bipartida e uma força normal a este plano foi imposta a partir da aplicação dos pesos no pendural. Após 24h, tempo necessário para garantir a saturação necessária do material, calculou-se a velocidade a ser usada no ensaio de cisalhamento, segundo proposto por Head (1986). Neste ensaio de cisalhamento direto não há medição de poropressão, de modo que os resultados obtidos são todos em função de tensões totais. A tensão total é calculada como a tensão efetiva menos a poropressão. Portanto, deve-se executar o ensaio a uma velocidade
4 lenta tal que o excesso de poropressão gerado durante o procedimento seja naturalmente dissipado, para que a tensão total possa ser considerada igual à tensão efetiva. Para cada um dos dois solos foram moldados, no mínimo, três corpos de prova. Em todos foram repetidas as mesmas sequências de tensões: 27 kpa, 51 kpa e 98 kpa. Figura 4 Prensa de Cisalhamento Figura 5 - Corpo de prova sendo moldado em campo Figura 6 - Retirada de um bloco do Condomínio
5 3. Granulometria Este ensaio, assim como os demais, foi feito a partir de material proveniente de blocos indeformados retirados em campo (Figura 6). A metodologia empregada na realização dos ensaios de granulometria seguiu as recomendações das normas da ABNT NBR 7181/84. O material foi seco ao ar e destorroado com um almofariz de porcelana e uma mão de almofariz cuidadosamente para não descaracterizar os grãos (Figura 7). A parte grossa foi separada da parte fina e os ensaios foram feitos separadamente. O ensaios do material grosso (pedregulho, areias grossa e média) foi feito por peneiramento (Figura 8 Peneiramento no agitador elétricofigura 8 e Figura 9), e do material fino (areia fina, silte a argila) pelo processo de sedimentação (Figura 10). Na sedimentação, utilizou-se o hexametafosfato de sódio como defloculante, com o objetivo de identificar possíveis mudanças na granulometria. Figura 7 - Destorroamento do material Figura 8 Peneiramento no agitador elétrico Figura 9 Peneiras com material separado por frações granulométricas
6 Figura 10 Sedimentação 4. Limites de Atterberg Os ensaios de limite de liquidez e plasticidade seguiram as prescrições das normas NBR 6459/84 e NBR 7180/84, respectivamente. O material usado foi o passante na peneira n 40, misturado com água destilada de forma a se fazer uma pasta de solo moldável. Na determinação do limite de plasticidade, a pasta de solo foi moldada em uma placa de vidro porosa rolando-se com as mãos uma pequena quantidade da pasta para se obter um cilindro com as dimensões de um gabarito utilizado (Figura 11). O cilindro de solo foi rolado na placa porosa até que se notasse o aparecimento de fissuras, e então a umidade deste cilindro foi medida. Este procedimento foi feito até que se encontrasse 3 cilindros com umidades que não diferissem de 5%. No limite de liquidez utiliza-se o aparelho de Casagrande (Figura 12), completando aproximadamente 2/3 da concha com a massa de solo e fazendo uma ranhura no meio desta massa com um cinzel. A manivela foi girada para produzir cerca de 2 batidas por segundo da concha e contaram-se quantas batidas foram necessárias para a ranhura se fechar. Retirou-se uma pequena quantidade do material onde as ranhuras se tocaram para a determinação da umidade. Repetiu-se esse procedimento com diferentes umidades para atingir golpes acima e abaixo de 25. Então foi plotado um gráfico com uma linha de tendência (Figura 13 e Figura 14) utilizada para a determinação do limite de liquidez. Figura 11 - Cilindro de solo e gabarito Figura 12 Aparelho de Casagrande
7 Figura 13 Limite de Liquidez do Codomínio SM Figura 14 Limite de Liquidez do Condomínio SRJ 5. Massa específica e densidade relativa dos grãos Na realização do ensaio de determinação da massa específica e da densidade relativa dos grãos (Gs) foram seguidas as recomendações da norma NBR Neste ensaio, o material destorroado e passante na peneira n 40 foi deixado em estufa a 110 C por 24h para garantir que a água fosse evaporada e o material estivesse totalmente seco. Os picnômetros foram pesados com água destilada em uma balança de duas casas decimais (Figura 15), em seguida a água foi descartada e foram postos 25 g de solo em cada um deles. Os picnômetros foram completados até cerca de 1/3 de seu volume com água destilada e postos em uma bomba a vácuo para retirar o ar preso entre os grãos do solo (Figura 16). O ensaio foi feito com, no mínimo, quatro picnômetros para cada solo, com o objetivo de garantir um dado confiável comparando os resultados.
8 Figura 15 Os 4 picnômetros utilizados no ensaio Figura 16 Bomba a vácuo Resultados e conclusões 1. Permeabilidade in situ Na Tabela 1 é apresentado o resultado dos ensaios de permeabilidade e umidade gravimétrica, referentes aos diferentes pontos avaliados na encosta. Localização Solo k sat (cm/s) w (%) Condomínio SM - - Condomínio SRJ 9,73 E Tabela 1 - Resultado dos ensaios de permeabilidade e umidade gravimétrica Em função de problemas operacionais relativos ao posicionamento do permeâmetro em campo, não foi possível obter dados confiáveis referentes ao SRJ no Condomínio. 2. Cisalhamento Direto Na Tabela 2 estão as características geotécnicas dos corpos de provas dos materiais ensaiados. Da esquerda para a direita estão os valores de: tensão normal, umidade inicial, peso específico total, peso específico seco, índice de vazios, grau de saturação inicial e umidade final. Na Figura 17 e na Figura 18 encontram-se expressos os resultados gráficos dos ensaios de cisalhamento. Tomando-se como base a metodologia sugerida por de Campos e Carrillo (1995) foram definidas as tensões na ruptura para os solos (Tabela 3), e com esses dados foram definidas as envoltórias de tensão para a situação geral, como mostrado na Figura 19.
9 Solo σ N (kpa) w i (%) γ t (KN/m³) γ d (KN/m³) e S i (%) w f (%) Condomínio SRJ 27 19,2 17,3 14,5 0,8 64,0 31, ,5 17,5 14,5 0,8 68,2 71, ,3 18,2 15,5 0,7 67,4 25,0 Condomínio SM 27 10,4 17,6 16,0 0,6 44,2 33, ,8 17,8 15,6 0,7 55,3 32, ,3 17,6 15,5 0,7 52,2 33,5 Tabela 2 Características geotécnicas dos corpos de prova Figura 17 - Resultados do ensaio de cisalhamento de Condominio SRJ. Figura 18 Resultado do ensaio de cisalhamento de Condomínio SM Solos SRJ SM Índices σ rup τ rup σ rup τ rup (kpa) (kpa) (kpa) (kpa) 27,70 19,30 27,60 17,10 Condomínio 55,20 34,80 53,10 20,90 105,40 79,70 104,90 60,50 Tabela 3 - Interpretação dos ensaios de cisalhamento.
10 Figura 19 - Envoltórias de Condominio SRJ e SM. A partir das envoltórias foram determinados os parâmetros de resistência para os solos avaliados, como mostrado na Tabela 4 abaixo. Condomínio c Φ 0,00 35,85 SRJ 0,00 25,31 0,00 35,21 1,18 18,25 SM 0,00 25,57 0,00 28,52 Tabela 4 Parâmetros de resistência O SRJ no condomínio apresentou melhores parâmetros de resistência (c =0, Φ =35,21), que o SM (c =0, Φ =28,52). 3. Granulometria A Figura 20 mostra as curvas granulométricas obtidas nos referidos ensaios e a Tabela 5 expressa suas distribuições em porcentagens.
11 Figura 20 Curvas granulométricas. Em vermelho (triângulos) a curva do Condomínio SM e em azul (círculos) a curva Condomínio SRJ Solo Pedreg. Areia Silte Argila w hig Condomínio SM 8,6 49,5 11,9 30,0 4,47 Condomínio SRJ 1,9 49,7 39,5 8,9 3,33 Tabela 5 Distribuição granulométrica e umidade higroscópica em porcentagem Analisando os dados, percebe-se que no SRJ predominam as frações areia e silte, enquanto nos SM há uma presença mais significativa de argila e pedregulho. 4. Limites de Atterberg A Tabela 6 expressa os resultados referentes aos limites de liquidez, plasticidade e índice de plasticidade. No SM, que tem maior fração de argila, nota-se uma diferença muito pequena no valor do limite de plasticidade quando comparados aos SRJ, o que indica que a maior fração de silte no SRJ também influencia na plasticidade do material. Solo LL (%) LP (%) IP (%) Condomínio SM 44,0 28,5 15,5 Condomínio SRJ 30,5 28,3 2,2 Tabela 6 - Limites de liquidez, Plasticidade e Índice de Plasticidade dos solos avaliados.
12 5. Massa específica e densidade relativa dos grãos Na Tabela 7 estão os resultados das análises de massa específica e densidade relativa dos grãos dos solos avaliados. Os valores indicam predomínio do quartzo na fração areia esperado para solos provenientes da alteração de rochas gnáissicas. Solo G s (g/cm³) ρ s (g/cm 3 ) Condomínio SM 2,645 2,644 Condomínio SRJ 2,664 2,659 Tabela 7 - Massa específica e densidade relativa dos grãos dos solos avaliados. Conclusões Os resultados obtidos nesta pesquisa até o momento indicam variação de textura ao longo do perfil de solo das cicatrizes do Condomínio, indo desde silte arenoso ou areia siltosa no SRJ, à argila com presença de pedregulhos no SM. As envoltórias de resistência, embora representem apenas ensaios preliminares, indicam resistência mais baixa no SM em relação ao SRJ. Os ensaios realizados ainda necessitam de repetição, para que se possa obter com segurança as variáveis necessárias para simulação em computador da estabilidade do talude em análise. Após esta ser simulada, poderá ser quantificado o volume d água precipitado que gerou o desastre, e ainda prever o volume de chuva que pode vir a causar novos problemas na região. Referências CAMPOS, T.M.P. and CARRILLO, C.W. (1995) Direct Shear Testing on an Unsaturated Soil from Rio de Janeiro. Alonso & Delage eds, Unsaturated Soils. Balkema Publishers. ISBN st. International Conference on Unsaturated Soils - Paris - Vol. I, pp ELRICK, D. E. and REYNOLDS, W. D. (1992) Infiltration From Constant Head Well Permeameters and Infiltrometers. P (In) G. C. Topp et al. (ed) Advances in Measurement of soil Physical Properties. Bringing Theory Into Practice. SSSA Spec. Publ. 30, SSSA, Madison, WI. ELRICK, D. E.; REYNOLDS, W. D. & TAN, K. A. (1989). Hydraulic conductivity measurements in the unsaturated zone using improved well analysis. Groundwater Monitoring Review. Vol. 9, pp HEAD, K.H.; EPPS, R. (Eds.) (2011). Permeability, Shear Strength and Compressibility Tests. Manual of Soil Laboratory Testing, Third Edition: Volume Two.
13 INEA (2012). LAGO, L.; AMARAL, C.P.; de CAMPOS, T.M.P. (2011) Megadesastre 11 da serra fluminense: o escorregamento do Condomínio do Lago, em Nova Friburgo análise preliminar dos condicionantes geológicos. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental, ABGE, São Paulo. NBR 6459/84 - Solo - Determinação do Limite de Liquidez. (1984) ABNT. NBR 7180/84 - Solo - Determinação do Limite de Plasticidade. (1984) ABNT. NBR 7181/84 - Solo - Análise Granulométrica. (1984) ABNT. REYNOLDS, W. D. & ELRICK, D. E. (1983). A reexamination of the constant head well permeameter method for measuring satured hydraulic conductivity above the water table. Soil Science. Vol. 136, n 4, pp
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