TEATRO TOMAZ DE FIGUEIREDO TOMAZ DE FIGUEIREDO TEATRO OBRAS COMPLETAS DE TOMAZ DE FIGUEIREDO
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1 CapaTomazFigueiredo TEATRO 5/14/03 3:19 PM Page 1 TOMAZ DE FIGUEIREDO OBRAS COMPLETAS DE TOMAZ DE FIGUEIREDO TOMAZ DE FIGUEIREDO TEATRO TEATRO A «exuberância barroca» da sua escrita dramatúrgica, aliada ao lirismo e, sobretudo, ao surrealismo, garantem a Tomaz de Figueiredo um lugar honroso na história do nosso teatro, ainda que, por agora, e graças a esta edição, todas as suas peças somente possam «vir à leitura». Mas o palco reclama-as para, quiçá, lhes limar arestas, pôr-lhes à prova as reais qualidades cénicas, e merecerem, assim, a ovação prolongada que lhes auguro. ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA INCM IMPRENSA NACIONAL -CASA DA MOEDA
2 TOMAZ DE FIGUEIREDO TEATRO Prefácio de ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA LISBOA 2003
3 Tomaz de Figueiredo foi, por três vezes, surpresa para o meu espírito. Conheci-o na intimidade dos meus, pelos estios da Ribeira- -Lima, eu adolescente, ele a roçar os quarenta. Muito pimpão da sua musculatura, como o observa José Régio, não o supunha um homem de letras, antes um atleta. Mas, em 1947, eis que dá à estampa A Toca do Lobo, que o consagrou romancista. Mas, em 1956, surge nos escaparates dos livreiros o livro de poesia Guitarra, que o consagra poeta. E, por fim, em 1965, o volume Teatro I revela-nos o dramaturgo de garra, com as peças A Rapariga da Lorena, O Visitador Extraordinário e A Barba do Menino Jesus. É certo que, tal como o poeta assomara, em 1927, nas folhas da revista presença, com um soneto lapidar, também o dramaturgo dera sinal de si, em 1942, nas páginas do jornal Acção, com um breve diálogo, O Embate, insuficiente para um juízo seguro sobre o valor do autor no género, a impor-se só anos mais tarde, com dois textos vanguardistas, na revista Tempo Presente: Os Lírios Brancos e O Visitador Extraordinário. De Teatro I, o destaque vai logo para A Rapariga da Lorena, construída em moldes clássicos, e onde o então problema da Argélia, desastrosamente resolvido pelo general Charles de Gaulle, serve de tema principal, com roupagem medieva, atraindo companhias teatrais, como a todo-poderosa Amélia Rey Collaço-Robles Monteiro, que, após prolongadas negociações com Tomaz de Figueiredo, acabou por não a levar à cena. (Este calvário sofrera-o, igualmente, José Régio, com aquele Jacob e o Anjo, que lhe é obra-prima.) 9
4 E aqui entro eu, de baraço ao pescoço; eu, que me propus, em 1971, quando tinha a meu cargo a direcção artística da Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra, incluir A Rapariga da Lorena no repertório do agrupamento, juntamente com O Livro de Cristóvão Colombo, de Paul Claudel, e, com ambos, rumar, nesse ano, a Angola, à Madeira e aos Açores. Infelizmente, as dificuldades de montagem da obra claudeliana impossibilitaram que a alta espiritualidade desta se aliasse à acusação indignada à política francesa no norte africano, integrando momentos de extraordinária riqueza épica. E A Rapariga da Lorena, mais uma vez, não experimentou o tablado, como eu desejava, numa estreia a que o Tomaz, sempre aberto às iniciativas culturais juvenis, prometera assistir. Creio que, até hoje, apenas lhe conheceu a cena (e é notória a injustiça) o seu curto acto lírico A Barba do Menino Jesus, representado por Varela Silva, no papel de Velho, e Manuel Coelho, no papel de Visitante, com encenação de Varela Silva e cenário meu, no Teatro de São Luís, na noite festiva das comemorações do 25.º aniversário das Edições Verbo, já falecido o dramaturgo. Anos atrás, a RTP exibira-o na pequena pantalha, com os actores Luís Filipe e João Perry, sob a realização de Herlander Peyroteo, que tomou demasiado à letra o título da obra, fazendo o neto ostentar uma farta e espessa barba comprida. No entanto, o avô apenas sente a barba do neto, o seu Menino Jesus, quando o beija na despedida. Episódio comovedor, na evocação de um passado penoso e feliz do autor, tão densamente a perpassar nos seus romances e contos, agora num enredo dramático que dispensa acção, que supera a acção. 10
5 O mesmo realizador apresentou, no mesmo local, a farsa trágica, ou auto, ou alegoria (chamemos-lhe assim), O Visitador Extraordinário, onde um dos mais singulares bonecos de Tomaz, aqui nomeado O Figurão Obeso, grotesco burocrata, com largo desenvolvimento em tanta ficção do autor, orneia e escouceia em estúpida e brutal violência contra o sublime da Poesia, num papel a tentar qualquer actor famoso. Devo dizer que, de toda a criação dramatúrgica de Tomaz de Figueiredo, é O Visitador Extraordinário a receber o meu mais vibrante aplauso de leitor e de espectador. Creio ser com Os Lírios Brancos que Tomaz inicia a decidida incursão pelo nonsense, pela aventura surrealista, que não mais abandonará o seu teatro. Charge supina aos Importantes da nossa política e da nossa sociedade tecnocrata, com os seus tiques de linguagem e de pose, peca, talvez, por excessivamente palavrosa e repetitiva, embora dando largas a uma fantasia exuberante. Exemplo crescente de tais incursões e aventuras é a anedota delirante O Homem do Quiosque, «acontecimento em três actos», que pretendi encenar para a minha Companhia Nacional de Teatro, sediada no Teatro da Trindade, cujo repertório dependia da aprovação de um Conselho de Leitura da FNAT, proprietária da sala de espectáculos. Lamentavelmente, a peça foi achada inconveniente pelo Conselho e afastada das tábuas. Qual a causa da recusa? O facto de um dos seus bonecos, o Julião, o «Portentoso filho», alvar como toda a família, ser amigo e companheiro de borgas de um ministro! 11
6 De um ministro que o protegia e lhe achava graça. Intocáveis, os ministros dos Governos da época, embora não tivessem nome nem rosto. Revelei ao autor o absurdo da condenação. E ele tratou de solucionar o óbice, substituindo o ministro por um alto comissário e, até, o director-geral por um simples director. Mas só venho a descobrir estas emendas, agora, no original pronto para publicação! Infelizmente, Tomaz não me deu notícia desta sua cedência às exigências da Mesa Censória e O Homem do Quiosque deixou de fazer parte das minhas pretensões de empresário. Foi pena! No enredo da peça, avulta Cornélia, «a Filha Muito Inteligente», que o espectador/leitor reconhece na estupidez de «essa Judite», d A Gata Borralheira, caricatura feroz da solteirona metediça, sordidamente sovina, burlescamente ignorante e jactanciosa, assassina da beleza e do amor. É ela, com os seus «detesto» e os seus «eu cá acho», tão gabada pela mãe lorpa, julgando-a sempre um portento «em tudo o que se mete». É ela, ainda, a «mana Evarista» d A Noite das Oliveiras e a Maria Eufémia do conto hilariante Umas Horas Agradáveis ou Requiem para uma Infausta Defunta. Personagem de características tão vincadamente teatrais, recebe, quando Maria Eufémia, a comicidade do elogio fúnebre neste conto que, nas mãos de um encenador inteligente e artista, facilmente se poderá transformar em espectáculo. Garante-o a minha experiência de cena. 12
7 Também n A Nobre Cauda, que considero a peça de Tomaz mais surreal e inventiva, as habituais personagens de ficção do autor se transformam em bonecos teatrais, como o «Excelentíssimo Administrador Delegado» (vestira já a farpela do «Importante Grandioso de Melo», do «Figurão Obeso» e do «Austero Pai de Família»), com os seus berros, as suas grosserias, os seus palavrões e calinadas gramaticais, evoca um dos protagonistas d A Gata Borralheira, histérico pai de «essa Judite» trapalhona. Tomaz de Figueiredo, quer no seu teatro, quer na sua ficção, andou sempre à roda das mesmas figuras, dos mesmos fantasmas, dos mesmos bonecos que lhe dominaram a vida, o enterneceram ou desesperaram. Não sei como viriam a ser realizadas as duas obras Loiros de Morte ou, talvez, Quarto Minguante e O Morto e os Vivos, de que nos deixou os planos e alguns fragmentos de diálogo. Mas admito, pelas máscaras apontadas, que o dramaturgo iria continuar a divertir-se e a divertir-nos com a sátira costumada à família de títeres, às suas ambições, cobiças e asneiras. Curiosamente, O Morto e os Vivos trouxe-me à lembrança, no recurso ao retrato falante, aquele pequeno «esquisso teatral» (como lhe chamaria Fernando Amado) impresso in Acção. Concluindo a ligeireza deste comentário, direi que a «exuberância barroca» da sua escrita dramatúrgica, aliada ao lirismo e, sobretudo, ao surrealismo, como sabiamente lhe reconhece a autoridade analítica de Duarte Ivo Cruz, garantem a Tomaz de Figueiredo um lugar honroso na história do nosso teatro, ainda que, por agora, e graças a esta edição, todas as suas peças somente possam «vir à leitura». 13
8 Mas o palco reclama-as para, quiçá, lhes limar arestas, pôr- -lhes à prova as reais qualidades cénicas, e merecerem, assim, a ovação prolongada que lhes auguro. Casa da Pedra Funchal de Sintra Páscoa de 2003 ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA 14
9 ÍNDICE Prefácio, por ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA... 9 A RAPARIGA DA LORENA O VISITADOR EXTRAORDINÁRIO A BARBA DO MENINO JESUS OS LÍRIOS BRANCOS OU A SALVAÇÃO UNIVERSAL O HOMEM DO QUIOSQUE A NOBRE CAUDA O EMBATE LOIROS DE MORTE OU, TALVEZ, QUARTO MINGUANTE (fragmento) 373 O MORTO E OS VIVOS (fragmento) A propósito do teatro de Tomaz de Figueiredo (entrevista semi- -imaginária por MARIA ANTÓNIA DE FIGUEIREDO DE SANTOS LOUREIRO)
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