Situação fundiária no município de Paranaíta (MT)
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- João Batista de Sequeira Andrade
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1 Situação fundiária no município de Paranaíta (MT) A complexa situação fundiária do estado de Mato Grosso e a falta de transparência na gestão de informações e nos procedimentos de regularização fundiária, dificultam a implementação de ações e de políticas públicas que visem a sustentabilidade. A má governança da terra gera incertezas sobre o direito de propriedade, estimula o uso irracional dos recursos naturais e prejudica a regularização das cadeias produtivas. Assim, a promoção do desenvolvimento sustentável nos municípios de Mato Grosso, como preconiza o Programa Mato-grossense de Municípios Sustentáveis (PMS), passa pela resolução das questões fundiárias no estado. Diante disso, o Instituto Centro de Vida (ICV) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizaram um estudo sobre a Governança Fundiária 1 no Estado de Mato Grosso, com o objetivo de revelar os principais gargalos para a boa governança de terras no estado e propor soluções. Para confecção do estudo, foram realizados painéis temáticos com a participação de diferentes instituições que trabalham com a questão de terras no estado 2, além de pesquisas de campo em oito municípios da região Portal da Amazônia, incluindo Paranaíta. A presente análise sobre a Situação fundiária no município de Paranaíta (MT) é parte integrante desse estudo e traz os principais resultados da oficina realizada com alguns atores chave do município 3. Esse documento visa auxiliar o poder público local e a sociedade civil na compreensão das questões fundiárias em seu território, no planejamento e implementação de ações e políticas públicas para a promoção de uma boa governança. O papel dos atores locais na governança de terras Cada vez mais o poder judiciário, o poder público local e a sociedade civil organizada estão envolvidos na discussão sobre a promoção da governança responsável da terra em seus municípios. Dentre os princípios que orientam a boa governança fundiária estão: reconhecimento e respeito aos titulares legítimos e seus direitos de posse; promoção de serviços públicos eficientes, bem como a garantia ao acesso à justiça; prevenção de disputas, conflitos violentos e corrupção; equidade; transparência; consulta e participação (MDA, ). 1 Como governança fundiária entende-se o conjunto de regras, processos e organizações pelas quais se determina o acesso e o uso da terra num país. 2 Os grupos focais foram em Alta Floresta, Apiacás, Carlinda, Nova Bandeirantes, Nova Monte Verde, Paranaíta, Peixoto de Azevedo e Terra Nova do Norte. Após, aplicamos a metodologia Marco de Avaliação da Governança Fundiária (LGAF), que é uma ferramenta de diagnóstico desenvolvido pelo Banco Mundial para avaliar o estado da governabilidade da terra a nível estadual e nacional. Após a compilação dos resultados dos painéis e dos grupos focais, realizamos um evento de devolutiva, validando o estudo junto aos gestores e técnicos públicos e a sociedade civil organizada. 3 As informações e propostas trazidas neste documento são frutos das discussões do grupo focal, não houve verificação posterior de dados citados pelos participantes. 4 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais no Contexto da Segurança Alimentar Nacional. Brasília: MDA, 2015 (tradução). Cuiabá, Mato Grosso Março de
2 Os atores locais podem contribuir com a regularização fundiária em seu território, implementando políticas públicas que auxiliem na resolução das questões de terras de maneira participativa e transparente. Em 2014, a Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso criou a figura das Comissões de Assuntos Fundiários em Âmbito Municipal 5, vinculadas as Comarcas, e que tem por objetivo auxiliar na resolução das questões fundiárias existentes em cada município. Esse colegiado pode contribuir para a análise e enfrentamento dos problemas fundiários em Paranaíta, incluindo no debate as diferentes órgãos e instituições relacionadas à temática. Para tanto, é necessário que os representantes das entidades públicas e de organizações da sociedade civil estejam informados e envolvidos nesse debate. Além da criação desse espaço participativo de discussão e decisão, os municípios podem assinar convênio com a Receita Federal para arrecadar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). O ITR foi criado para controlar a especulação imobiliária nas áreas rurais e incentivar o uso racional dos recursos naturais. No entanto, a sonegação do ITR é muito alta em vários lugares do país, como aponta o estudo de caso no Pará (IMAZON, ). A municipalização da cobrança do ITR e as ações de fiscalização podem contribuir para controlar o uso improdutivo das áreas e promover uma melhor gestão do território, assim como significar uma nova fonte de arrecadação municipal. Além das Comissões Fundiárias e da utilização do ITR enquanto ferramenta de gestão, o município pode promover outras ações que auxiliem na resolução das questões de terras e ampliem seu papel no ordenamento territorial. Para isso, é necessário que ele conheça sua estrutura fundiária, bem como a natureza e localização dos principais problemas à serem enfrentados. Estrutura Fundiária de Paranaíta O município de Paranaíta possuí km², sendo que 100% da sua área foi mapeada 7. O município apresenta imóveis rurais. A maior parte dos imóveis tem entre 20 a 50 hectares (Tabela 1), no entanto, os que ocupam maior área são aqueles maiores de hectares (48%). Em Paranaíta estão contidos dois assentamentos rurais: o Projeto de Assentamento (PA) São Pedro, que é federal; e o Projeto de Assentamento Estadual (PE) Vila Rural (Tabela 2). Ambos os assentamentos representam 13,6% da superfície do município. A quantidade de área declarada no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e disponibilizada pelo Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (Incra) revela que em Paranaíta se tem registro de 422 mil hectares de terras como área de propriedades rurais privadas, o que representa 88% de seu território. Tabela 1. Número e área de, segundo classes de tamanho, em Paranaíta. 5 Provimento n 15/2014 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso. 6 SILVA, D. BARRETO, P. O potencial do Imposto Territorial Rural contra o desmatamento especulativo na Amazônia. Bélem, PA: IMAZON, Nesse mapeamento incluem-se os imóveis cadastrados no Simlam, sendo a base de Licença Ambiental Única (LAU) de março de 2014 e a base do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de agosto de Também foram usados dados da base da Companhia Hidrelétrica Teles Pires e levantamento de campo realizado pela equipe técnica do ICV. Cuiabá, Mato Grosso Março de
3 Classes de tamanhos dos imóveis rurais Número de Área dos (Hectares) De 0 a 5 hectares 186 9% 135 0% De 5 a 10 hectares 22 1% 147 0% De 10 a 20 hectares 35 2% 489 0% De 20 a 50 hectares % % De 50 a 100 hectares % % De 100 a 200 hectares % % De 200 a de 500 hectares 177 8% % De 500 a 1000 hectares 110 5% % De 1000 a 2500 hectares 81 4% % Maior de 2500 hectares 22 1% % Total % % Fonte: Dados levantados pelo ICV e análise do Simlam, agosto de Tabela 2. Assentamentos rurais em Paranaíta Nome do Assentamento Data de Criação Capacidade (número de famílias) Número de Famílias Assentadas Área (hectares) PA São Pedro PE Vila Rural Boa Esperança Total Fonte: Incra, 2015 Em 2006, os produtores legalmente proprietários representavam 92% do total de e 99% do total da área ocupada (Tabela 3). Os dados do IBGE apresentam também que apenas um produtor assentado não possuí titulação definitiva do seu imóvel rural, o que difere da realidade encontrada no Projeto de Assentamento (PA) São Pedro. Tabela 3: Número e área de por condição legal do produtor em Paranaíta. Condição do produtor Número de Área dos (Hectares) Proprietário , ,2 Assentado sem titulação definitiva 1 0,0 X - Arrendatário 101 5, ,1 Parceiro 11 0, ,5 Ocupante 38 1, ,1 Produtor sem área 16 0,8 0 0,0 Total Fonte: Censo Agropecuário/IBGE, 2006 (considerou-se apenas aqueles que responderam à pergunta). Os são obtidos, predominantemente, com base na compra particular (Tabela 4). Mas também se destaca a obtenção de títulos (ou aguardando titulação) via reforma agrária e programas de reassentamento, que representa mais de 20% das formas de obtenção de terras em Paranaíta. Cuiabá, Mato Grosso Março de
4 Tabela 4. Número de segundo a forma de obtenção das terras em Paranaíta.. Forma de obtenção das terras Número de Compra de particular ,8 Compra via crédito fundiário (cédula da terra, Banco da Terra, etc.) - - Titulação via reforma agrária, programa de reassentamento ou aguardando titulação ,5 Herança 139 7,5 Doação particular 20 1,1 Usucapião 1 0,1 Outra forma 182 9,8 Não sabe 13 0,7 Total Fonte: Censo Agropecuário/IBGE, 2006 (considerou-se apenas aqueles que responderam à pergunta). Análise dos problemas relatados na pesquisa de campo A pesquisa de campo envolveu uma oficina com atores chaves, chamada de grupo focal, sobre a situação fundiária de Paranaíta. Foram reunidos aproximadamente 15 representantes da sociedade civil e do poder público cuja atuação está relacionada às questões de terras no município. Os principais problemas relatados localizam-se no PA São Pedro, na área da Floresta Azul, na Fazenda Filizola e na Gleba Mandacarú/Jacarandá (Figura 1). Cuiabá, Mato Grosso Março de
5 Figura 1. Mapa Fundiário de Paranaíta e localização dos problemas identificados no grupo focal. Cuiabá, Mato Grosso Março de
6 1. Falta de registro no cartório dos desmembramentos de grandes áreas Foi relatado que muitas matrículas não têm registro conhecido. O maior problema é que as transferências dos desmembramentos de grandes áreas no município que possuem matrículas antigas não têm amarração com a localização contida no título original, sendo difícil identificar onde estão as áreas destacadas para ordenar uma base cadastral. Além da falta de mapeamento das áreas desmembradas, grande parcela dos adquirentes não possuem o hábito de registrar a compra no cartório de imóveis. A solução para esse caso seria promover uma campanha de mobilização da sociedade com o objetivo de sensibilizar o detentor de título, escritura e CCU, da importância de registrar para conseguir compor o mosaico de todo o município e resolver os problemas pontuais que surgirem. 2. Assentamento São Pedro O PA São Pedro foi criado em 1997 e ainda não foi regularizado. Os moradores, por sua vez, reivindicam os títulos definitivos das áreas. A solução proposta para este caso é procurar o Incra para entender porque não houve a regularização até os dias atuais. 3. Floresta Azul A área denominada Floresta Azul é de propriedade de uma Sociedade Anônima que tinha dívida com o Banco do Brasil. Na época da securitização, o banco passou a dívida para a União, que penhorou a área em 2011/2012. Assim, a matrícula está indisponível para qualquer tipo de transferência. Há alguns anos, famílias ocuparam a terra e vivem na ilegalidade. Os invasores formaram uma associação para tentar legalizar as posses, contudo, se depararam com esse problema da indisponibilidade da matrícula em virtude da dívida. Tem-se a notícia de que os proprietários da Floresta Azul criaram outra pessoa jurídica que está tentando fazer um novo registro na matrícula para transferir a área para essa nova empresa. Caso isso aconteça eles poderão ingressar com ação judicial de reintegração de posse e tirar as famílias do local. A solução seria entrar em contato com a União e explicar que parte da área está ocupada há algum tempo por pessoas que ali residem e trabalham, para requerer que seja iniciado um processo de criação de um assentamento, já que a área é Federal. 4. Caso Filizola Foi relatado que aproximadamente 280 famílias estão acampadas na área da Fazenda Filizola, desde 2007, esperando pela desapropriação da área. São famílias que não foram contempladas com lotes no Assentamento São Pedro. Não tendo para onde ir, ocuparam essa fazenda. O acampamento tem associação constituída e está em área de hectares. O oficial de registro de imóveis esclareceu que a Fazenda Filizola tem uma escritura com a Fazenda Mogno, que ainda não foi registrada no cartório. A falta de registro impede que seja apurada a área remanescente para que seja desapropriada para fins de assentamento e que ainda tem um advogado que adjudicou essa área da Fazenda Mogno em decorrência de dívida, não possuindo maiores detalhes sobre a ação judicial. Cuiabá, Mato Grosso Março de
7 Acredita-se que os acampados estejam na área remanescente da Fazenda Filizola. O Incra já iniciou um procedimento para conversão da área em assentamento, contudo o processo foi arquivado. Indica-se levantar mais informações sobre o caso para possibilitar a apuração do remanescente e procurar o Incra para dar continuidade as ações de criação do assentamento. 5. Gleba Mandacarú/Jacarandá A Gleba Mandacarú/Jacarandá possui área de hectares. De propriedade das empresas Interfinesx Exportações e Jotires, após o falecimento do sócio responsável pela primeira empresa, os herdeiros venderam 51 % da área. Os outros 49% são de propriedade da Jotires.A Jotires possui um processo de inventário que tramita em Cuiabá reivindicando a reintegração de posse na Vara Especializada de Direito Agrário nº 78/2008 e 79/2008. Isso impossibilita a ação de usucapião dos ocupantes da área. Segundo o oficial de registro de imóveis, existe matrícula da Gleba Mandacarú/Jacarandá em nome da Interfinex Exportações. Os lotes vendidos dessa gleba não são escriturados. As matrículas estão no Cartório de Imóveis de Alta Floresta. A solução proposta é procurar os herdeiros da Interfinex para outorgar a escritura para os compradores ou fazer uma análise da documentação que os possuidores têm das áreas que adquiriram para ingressarem com ação judicial de usucapião ou adjudicação compulsória. Cuiabá, Mato Grosso Março de
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