Opinião ABC Brasil /02/2016

Transcrição

1 05/02/2016 A vida não tá fácil para ninguém. Seja aqui ou lá fora, os dados são divergentes e as decisões de política monetária, complicadas. Como já discutido anteriormente, o mercado está operando em cima das informações de duas variáveis extremamente incertas, o petróleo e a China. A consequência disso é uma volatilidade muito forte e dúvidas sobre a precificação de todos os ativos. Portanto, vamos usar esse Opinião para mostrar como estão voláteis e incertas as decisões de política monetária, tanto aqui quanto no exterior. Para isso, vamos aproveitar os dados de atividade e inflação brasileiros divulgados essa semana e as movimentações dos ativos americanos e do petróleo nos últimos dias. Um ponto de partida para entender a volatilidade recente dos mercados internacionais e introduzir a questão do crescimento mundial, seria discutir quais são as componentes do preço do petróleo. Podemos identificar três variáveis que influenciam a precificação desse ativo: i) Oferta; ii) Demanda e iii) Dólar. A interação entre as duas primeiras é o principal foco dos analistas no momento de fazer as suas projeções e, mais importante, a resposta a pergunta o que tem sido mais relevante na queda dos preços, o excesso de oferta ou a expectativa de redução da demanda? é decisiva para responder a outra questão, o impacto desse movimento é bom ou ruim para a economia mundial?. Se a resposta para a primeira pergunta for o excesso de oferta, podemos responder bom à segunda. A questão é que se o problema estiver apenas na existência de muito petróleo no mercado, temos um claro choque positivo de oferta para os países importadores de petróleo e negativo para os exportadores. Teoricamente seria um jogo de soma zero para a economia mundial, com os efeitos positivos e negativos se anulando. Entretanto, se considerarmos que a Europa, Japão e mesmo a China são importadores líquidos de petróleo, provavelmente o efeito estaria mais para o lado positivo do que para o neutro. A Índia seria um caso emblemático

2 dessa situação, com boa parte do crescimento de 7,5% esperado para esse ano, vindo dos ganhos oriundos da queda dos custos de importação do petróleo. Por outro lado, se a expectativa de queda na demanda tiver um peso importante no movimento, a resposta para a segunda pergunta teria que ser ruim. A diferença entre as duas situações tem relação com o que os agentes econômicos vão fazer com o ganho extra da queda nos custos de energia. No caso do excesso de oferta, a economia vai estar rodando bem, o que significa que os consumidores e empresários estariam otimistas para consumir e investir. Portanto o ganho extra com a queda nos preços do petróleo aumentaria o consumo e o investimento, gerando um circulo virtuoso. Já no caso em que o problema seria a fraqueza na demanda, a sensação de que as coisas não vão bem na economia, levaria os consumidores a postergar o consumo, poupando os ganhos de renda. Esse movimento, associado à queda natural dos preços pelos custos mais baixos, levaria a temida espiral deflacionária, especialmente na Europa e no Japão. Já parece bem complexo mapear as forças que vão influenciar os preços do petróleo, mas temos um complicador adicional que às vezes passa desapercebido e é endógeno à interação entre a oferta e a demanda... O comportamento do Dólar. O que às vezes esquecemos é que o petróleo é cotado em Dólar e, portanto, tudo mais constante, os seus preços deveriam ter um comportamento inverso ao da moeda americana para manter o seu valor real. Estatisticamente falando, deveria haver uma correlação negativa entre os dois ativos. Calculando o coeficiente de correlação, o instrumento indicado para testar essa relação, chegamos a um número negativo de 87%, ou seja, de cada 100 observações em 87 quando o dólar sobe, o petróleo cai e vice-versa 1. Mas o 1 A frase usada indica que é o Dólar que influencia a formação do preço do Petróleo e não ao contrário. Para testar se esta percepção está correta, utilizamos uma ferramenta estatística conhecida como Teste de Causalidade de Granger. A conclusão é que, realmente, a causalidade vai do Dólar para o preço do petróleo e não ao contrário ; 2

3 que determina o Dólar? Bem, a política monetária do FED é uma boa variável a se acompanhar e, o imbróglio crescimento/petróleo, está tornando mais confusa uma trajetória que parecia relativamente bem definida. A ideia na virada do ano era que o FED subiria os juros de 2 a 4 vezes ao longo de Só que a interação de dados piores da China com a queda do preço do petróleo, fez com que o mercado começasse a duvidar dessas projeções. Primeiro trocou 2 altas por apenas 1, que seria em julho, depois passou essa para setembro, posteriormente para dezembro e agora já jogou para Ou seja, em apenas 1 mês, passamos da expectativa de 2 aumentos em 2016 para 1 aumento em Obviamente que isso pode voltar tão rapidamente quanto foi e acreditamos que a variável a ser acompanhada para se projetar esse movimento se chama inflação, principalmente aquela ligada aos salários. Os dados do mercado de trabalho divulgados hoje apenas corroboram essa percepção. Ao mesmo tempo em que tivemos um número decepcionante de criação de empregos, os dados de inflação de salários vieram mais fortes do que o esperado. Em outros tempos, a tendência seria olhar mais para os primeiros do que para os últimos, mas hoje, ocorreu o contrário, e a reação do mercado foi valorizar o Dólar e elevar os juros futuros americanos. A conclusão é que, enquanto não soubermos qual a causa da variação dos preços do petróleo, dificilmente poderemos determinar qual será o efeito liquido dessa queda sobre a economia mundial. Além disso, um componente importante da formação dos preços do petróleo é endógeno ao processo, sofrendo influência, portanto, de toda essa volatilidade. Ou seja, o que nos resta é acompanhar o que acontece na China, esta sim a causa, para responder à pergunta se o problema está na oferta ou na demanda e avaliar como isso vai impactar na condução da política monetária dos principais BCs ao redor do mundo, notadamente o FED. 3

4 A mudança de visão do mercado com relação ao aumento dos juros nos EUA reforça a nossa visão do Opinião da semana passada de que o grande erro do BCB ao manter as taxas em 14,25% estava na forma e não no conteúdo. Além disso, os dados divulgados ao longo da semana reforçaram a ideia de que qualquer decisão que o COPOM venha a tomar nas próximas reuniões, será controversa. Temos argumentos para todos os gostos. Toda semana em que há a coincidência na divulgação de números de inflação e de nível de atividade, temos mais uma prova de quão complexa é a tarefa do BCB na condução da política monetária brasileira. Dessa vez ficamos sabendo que a Produção Industrial (PIM) de dezembro caiu pelo 8º mês seguido, levando o acumulado do ano a apresentar uma queda de 8,3%. O nível de produção da indústria já voltou para níveis próximos de 2009 e, se as perspectivas mais pessimistas para os próximos anos realmente ocorrerem, podemos chegar ao final de 2017 no mesmo nível de A outra novidade também não foi nada auspiciosa. O IPCA de janeiro ficou em 1,27%, bem acima do 1,10% esperado pelo mercado e ultrapassando os 1,24% do mesmo mês em 2015, quando tivemos o início da incorporação do pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) nas contas de luz. O resultado é que, ao contrário do que era esperado, o ano não começou com uma desaceleração da inflação acumulada em 12 meses, que passou de 10,67% para 10,71%. Pior que isso é que a perspectiva para fevereiro não é de um resultado muito melhor. Além do impacto já esperado das mensalidades escolares, devemos ter a continuidade da alta nos preços dos alimentos, que subiram 2,28% em janeiro, representando quase a metade da inflação do mês. O motivo é que a maior parte da alta veio dos alimentos in natura, que continuam pressionados no atacado, como ficou demonstrado pela alta de 2,58% do IPA agrícola do IGP-DI de janeiro. Dada a velocidade da passagem das variações do atacado para o varejo nesse tipo de produto, enquanto não observarmos uma redução nos IPAs, dificilmente veremos o grupo alimentação ajudando a inflação. Como consequência, não podemos descartar um IPCA em fevereiro próximo dos 4

5 1,22% do ano passado, postergando ainda mais a esperada convergência da inflação para níveis abaixo dos dois dígitos. Os problemas de se definir uma estratégia clara para a política monetária não parece ser uma especificidade do BC brasileiro. As incertezas com relação ao comportamento das principais variáveis econômicas ao redor do mundo, colocam em dúvida certezas que pareciam cristalizadas, aumentando a volatilidade dos ativos. Entretanto, apesar do problema ser comum, a causa brasileira é de outra cepa. Portanto, o cenário externo pode ajudar ou atrapalhar os objetivos da política monetária, mas as decisões deverão ser tomadas olhando para dentro. Por isso, mantemos a nossa expectativa de que a taxa de juros brasileira será mantida em 14,25% nas próximas reuniões, mesmo com os resultados divulgados nessa semana. 5

6 Este material possui cunho meramente informativo, não constituindo qualquer tipo de oferta, convite, proposta ou aconselhamento por parte do Banco ABC Brasil S.A. ( Banco ) aos seus destinatários para quaisquer fins, inclusive, mas não limitado, à contratação ou não de operações financeiras, negócios ou investimentos, bem como quanto ao desenvolvimento por estes, ou não, de quaisquer estratégias correlatas. O envio deste material aos seus destinatários se dá de forma gratuita e por mera liberalidade do Banco, não se configurando como qualquer tipo de produto ou prestação de serviços por parte deste, ao qual fica reservado o direito de descontinuar o envio destas informações a qualquer tempo e sem qualquer tipo de aviso prévio a seus destinatários. As informações contidas neste material foram obtidas de fontes públicas e consideradas razoavelmente apuradas na data de sua divulgação. O Banco não confere aos destinatários deste material qualquer espécie de garantia, direito ou pretensão no que se refere às informações ora apresentadas, bem como quanto à sua exatidão, completude, isenção, confiabilidade ou atualização. Quaisquer decisões, contratações, investimentos, negócios ou estratégias, relacionadas ou não às informações ora apresentadas, deverão ser adotadas, efetuadas ou desenvolvidas pelos destinatários deste material exclusivamente de acordo com seus critérios de avaliação próprios e sob sua integral responsabilidade, com base nas informações por estes obtidas de forma independente e de acordo com a análise e opinião de seus consultores, analistas e administradores próprios. O Banco não será responsável, perante os destinatários deste material ou quaisquer terceiros, por qualquer forma de utilização das informações ora apresentadas, bem como por quaisquer perdas diretas, indiretas ou quaisquer tipos de prejuízos e/ou lucros cessantes que possam ser decorrentes do uso deste conteúdo. Este material e as informações dele constantes somente poderão ser reproduzidos, divulgados ou redistribuídos com a expressa anuência por escrito do Banco. Este material não se constitui, e não deve ser interpretado, para quaisquer fins, como relatório de análise nos termos do artigo 1º da Instrução CVM n.º 483, de 06 de Julho de