(ELASMOBRANCHII) DA BACIA AMAZÔNICA E BACIA DO PARANÁ: STATUS OSMORREGUTÓRIO CONSERVADOR APÓS CINCO MILHÕES DE ANOS DE ISOLAMENTO GEOGRÁFICO
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- Lídia Melissa Alcântara Bicalho
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1 108 Potamotrygon motoro (ELASMOBRANCHII) DA BACIA AMAZÔNICA E BACIA DO PARANÁ: STATUS OSMORREGUTÓRIO CONSERVADOR APÓS CINCO MILHÕES DE ANOS DE ISOLAMENTO GEOGRÁFICO Wallice P. Duncan 1, Pamela T. Gabriel 2, Tayrine P. Benze 2, Helen Sadauskas- Henrique 2, Marisa N. Fernandes 2 1 Departamento de Morfologia, Universidade Federal do Amazonas, Av. Gal. Rodrigo Octávio Jordão Ramos, , Manaus, AM. wduncan@ufam.edu.br 2 Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade Federal de São Carlos, Via Washington Luiz, km 235, São Carlos, SP. RESUMO A espécie de arraia de água doce, Potamotrygon motoro, da Bacia Amazônica e Bacia do Paraná possuem características osmorregulatórias semelhantes. Apesar da grande diferença físico-química entre as águas do Rio Negro (Bacia Amazônica) e do Rio Paraná (Bacia do Paraná), apenas a [Na + ] e [Cl - ] plasmáticos foram significativamente diferente entre as duas populações de arraias. Isto sugere que o status conservador da fisiologia osmótica dos potamotrigonídeos pode ter sido crucial para a dispersão no passado, bem como para a recente colonização de novos habitats. ABSTRACT The freshwater stingray, Potamotrygon motoro from Amazon and Paraná basins was sampled. Despite of physicochemical differences between Rio Negro (Amazon basin) and Rio Paraná (Paraná basin) waters, plasma [Ca +2 ], [K + ], osmolality and urea concentration were similar between two population, only plasma [Na + ] and [Cl - ] were higher in the Paraná basinrays compared to Amazon basin. Based on this result, we suggesting that the osmoregulatory status is strongly conservative in potamotrygonid rays, and that P. motoro may osmoregulate to a wide range of ion challenges in their natural environment. INTRODUÇÃO As arraias de água doce da família Potamotrygonidae possuem representantes em todas as grandes bacias, exceto nos rios que drenam para o Oceano Pacífico e na bacia do rio São Francisco (MARTIN, 2004). Para muitos autores, a espécie Potamotrygon motoro pode ser encontrada tanto na Bacia Amazônica quanto na Bacia do Paraná (CARVALHO et al., 2003), isto significa que estas populações estão separadas por barreiras geológicas há pelo menos 8-5 milhões de anos. Acredita-se que o ancestral P. motoro invadiu a Bacia do
2 109 Paraná quando o nível do oceano estava 100 m mais elevado que o atual, e que esta conexão durou cerca de 800 mil anos. A radiação adaptativa das arraias da família Potamotrygonidae possivelmente está relacionada às inúmeras estratégias ecológicas, reprodutivas e/ou ecofisiológicas; porém, pouco estudadas. Considerando a carência de informações sobre alguns aspectos da osmorregulação das arraias de água doce da família Potamotrygonidae capturadas em seus ambientes naturais, este estudo apresenta um levantamento da concentração dos principais osmólitos e osmolalidade do plasma de P. motoro proveniente da Bacia Amazônica e da Bacia do Paraná, cujos corpos d águas estão geologicamente separados há milhões de anos. MATERIAL E MÉTODOS Seis exemplares sub-adultos de P. motoro (1040±340 g) que ocorrem no rio Negro foram capturados próximo do município de Barcelos, Estado do Amazonas (S0 o 49 ; W62 o 51 ver Fig. 1) no mês de outubro de 2007, enquanto quatro exemplares sub-adultos e adultos de P. motoro (1720±630 g) foram coletados no Alto Rio Paraná, no município de Ilha Solteira, Estado de São Paulo (S20º24 ; W51º18 -Fig. 1) durante o mês de julho de Concomitante com a captura das arraias, análises dos parâmetros físico-químicos da água. Além disso, amostras de água foram coletadas para análise dos íons ([Na + ] e [K + ]). Os animais foram identificados no local, e posteriormente confirmados pelos especialistas (Maria L. G. Araújo e Marcelo de Carvalho). As arraias foram ligeiramente anestesiadas e o sangue foi retirado por meio de punção cardíaca. O plasma separado foi utilizado para análise dos íons, uréia e osmolalidade. Os íons sódio ([Na + ]) e potássio ([K + ]) foram determinados por fotometria de chama. Os íons Ca +2 e Cl -, bem como os teores de uréia foram determinados espectrofotometricamente. A osmolalidade foi estimada por osmometria usando um μ-osmette Precision. RESULTADOS Os valores dos parâmetros físico-químicos e as concentrações dos íons Na+ e K+ da água do Rio Negro (Bacia Amazônica) e do Rio Paraná (Bacia do Paraná) estão apresentados na Tabela I. O Rio Negro é mais ácido e possui significativamente menores valores de condutividade elétrica, sólidos dissolvidos totais (TDS) e de íons (Na + e K + ) do que o Rio Paraná. A temperatura da água do Rio Paraná reflete as temperaturas mais baixas no mês de inverno (Julho) no Sudeste, se comparada à temperatura normalmente mais elevada no mês de Outubro Norte do país.
3 110 Tabela I. Valores (média±desvio padrão) dos parâmetros físico-químicos, [Na + ] e [K + ] da água no local de captura das arraias do rio Negro (N=96; exceto íons, onde N=14) e do Alto Rio Paraná (N=16). Variáveis abióticas Bacias hidrográficas Amazônica (Rio Negro) Paraná (Rio Paraná) Oxigênio dissolvido (mg/l) 4,1±0,7 5,8±0,9 ph 4,3±1,1* 7,0±0,2 Temperatura ( o C) 30,1±0,9* 23,6±0,5 Condutividade (µs/cm) 19,3±5,2* 51,0±2,7 TDS (mg/l) 7,7±3,7* 26,9±1,6 [Na + ] (µm) 12,3±0,5* 610,0±31,0 [K + ] (µm) 3,4±0,3* 350,±25,0 *Indica diferença significativa, test t Student (P<0,05). A B Figura 1. Distribuição geográfica de Potamotrygon motoro em azul (segundo ROSA, 1985). Ampliação da ocorrência de P. motoro em 500 km à jusante da UHE de Ilha Solteira, São Paulo (em amarelo). (A) Exemplar de Barcelos-AM, Rio Negro, Bacia Amazônica; (B) Exemplar de Ilha Solteira-SP, Rio Paraná, Bacia do Paraná. As populações estão separadas por km distância. As concentrações dos íons plasmáticos Na +, Cl -, K +, Cl - e os valores de osmolalidade e uréia do plasma de P. motoro da Bacia Amazônica e Bacia do Paraná estão apresentadas na Fig. 2. As arraias que vivem à jusante da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira-SP, no Alto Rio
4 111 Paraná, apresentam teores mais elevados (P<0,05) de Na + e Cl -, que os exemplares do Rio Negro, da Bacia Amazônica. Porém, as duas populações de P. motoro possuem valores de similares de Ca +2 e K +. Embora que as arraias da Bacia do Paraná apresentem elevados níveis de Na + e Cl -, os valores de osmolalidade do plasma tendem a ser semelhantes aos encontrados nas arraias da Bacia Amazônica. Também não existem diferenças significativas nos teores de uréia plasmática entre as duas populações de P. motoro. [Na + ] plasmático (mmol/l) * [Cl - ] (plasmático (mmol/l) * [Ca +2 ] plasmático (mmol/l) [K + ] plasmático (mmol/l) Osmolalidade plasmática (mosmol/kg) Uréia plasmática (mmol/l) Bacia Amazônica Bacia do Paraná 3 Bacia Amazônica Bacia do Paraná Figura 2. Concentração de íons, osmolalidade e uréia no plasma (média±erro padrão) de Potamotrygon motoro da Bacia Amazônica e da Bacia do Paraná. (*) Indica diferença significativa, test t-student (P<0,05). DISCUSSÃO Se considerarmos à História evolutiva e o padrão de distribuição geográfica dos potamotrigonídeos na Bacia Amazônica; Potamotrygon motoro, aparentemente pode ter colonizado a Bacia do Paraná a partir de uma expansão populacional contínua, colonização à longa distância ou mesmo fragmentação no passado. A rota de colonização de P. motoro na Bacia do Paraná é controversa. Esta arraia pode ter colonizado a paleo-bacia do Paraná
5 112 a partir do Alto rio Amazonas há 8 m.a, ou ainda pode ter ocorrido a partir de rotas de dispersão após o contato entre as cabeceiras dos rios da Bacia Paraná- Paraguay com o Alto Rio Madeira ou do Alto Rio Paraguay com o Alto Rio Tapajós. Seja como for, as características físico-químicas entre os diferentes habitats pode ter favorecido a rota de dispersão de P. motoro. O perfil limnológico das águas do Rio Paraná é semelhante ao Rio Amazonas, porém a transparência é similar ao Rio Tapajós. O Rio Tapajós possui parâmetros físico-químicos com valores intermediários entre Rio Negro e Rio Amazonas. A despeito das diferenças físico-químicas entre as águas do Rio Negro (Bacia Amazônica) e as do Rio Paraná (Bacia Paraná-Paraguay), os exemplares de P. motoro que vivem nessas bacias apresentam valores semelhantes de osmolalidade e uréia plasmáticas, bem como de íons K+ e Ca+2 do plasma. Como esperado, os valores de [Na+] e[cl-] plasmáticos estão associados à concentração desses íons na água. Isto sugere que P. motoro apresenta perfil osmorregulatório semelhante ao observado em Paratrygon aiereba, ou seja, pode apresentar um eficiente sistema de transporte iônico branquial, associado a uma reduzida perda de eletrólitos corporais. Tais estratégias osmorregulatórias podem ter sido crucial no passado e atualmente importante para a ampliação das novas áreas de ocorrência dessa espécie, como o Alto Rio Paraná. Agradecimentos. Fundamentalmente agradecemos à FAPEAM, FAPESP e CNPq pelo suporte financeiro. Ao Departamento de Agricultura, Agronegócios e Pesca de Ilha Solteira- SP. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MARTIN, R.A. Evolution and Zoogeography of freshwater elasmobranchs with notes on their conservation. In: Biology of conservation of freshwater elasmobranchs (MARTIN, A., MacKINLEY, D. Eds.). Int. Cong. Biol. Fish. Manaus, CARVALHO, M.R.; LOVEJOY, N.R. & ROSA, R.S. Family Potamotrygonidae (river stingrays). In Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America (REIS, R.E.; KULLANDER, S.O.; FERRARIS Jr., C.J. Eds). EDIPUCRS, Porto Alegre, pp , ROSA, R.S. A systematic revision of the South American freshwater stingrays (Chondrichthyes: Potamotrygonidae). Tese, The College of William and Mary, 1985.
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