Nº 45642/2016 PGR - RJMB

Transcrição

1 Nº 45642/2016 PGR - RJMB Eletrônico Relator: Ministro Ricardo Lewandowski Recorrente: Marli Martins da Rocha Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AU- XÍLIO-ACIDENTE. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL OU COMUM ESTADUAL. OFENSA MERAMENTE REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE PRÉVIA DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. MÉ- RITO. PROVIMENTO. 1. Não é possível conhecer do recurso extraordinário interposto com o objetivo de ser fixada a competência para processar e julgar demanda dirigida à concessão a segurada de auxílio-acidente, por ser imprescindível o exame de legislação infraconstitucional, no caso, o art. 86 da Lei 8.213/91, para que se possa verificar a suposta violação à Constituição Federal. 2. Prejudicado o exame da repercussão geral, tendo em conta a impossibilidade de seguimento do apelo extremo, nos termos do art. 323, caput, do Regimento Interno do STF. 3. É da competência da Justiça Federal processar e julgar demanda ajuizada com o objetivo de concessão de auxílio-acidente, quando o acidente sofrido pelo segurado não decorrer do exercício de atividade laboral, conforme intelecção do art. 86 da Lei 8.213/91 c/c o art. 109, I, da Constituição Federal. 4. Parecer pelo não conhecimento e, caso conhecido, pelo provimento do recurso extraordinário, a fim de ser fixada a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda originária.

2 Trata-se de recurso extraordinário (fls. 64/74 e-stj) no qual Marli Martins da Rocha, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, e sob alegação de ofensa ao art. 109, I e 3º e 4º, da Constituição Federal, insurge-se contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina assim ementado (fl. 38 e-stj): DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ACIDENTÁRIA. PLEITO DE CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. SEQUELA DE FRATURA NO MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO. QUEDA DE MOTOCICLETA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INEXIS- TÊNCIA DE NEXO ETIOLÓGICO ENTRE AS LESÕES E A ATIVIDADE LABORAL PROFISSIONAL. AUTORA QUE EM- BORA SE MANTIVESSE NA QUALIDADE DE SEGURADA, NÃO SE ENCONTRAVA NO EXERCÍCIO DE QUALQUER ATIVIDADE PROFISSIONAL, PORQUANTO DESEMPRE- GADA À ÉPOCA DO INFORTÚNIO. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Restando evidenciado que o acidente automobilístico ocorreu em período em que a autora não possuía vínculo empregatício, não há falar em infortúnio durante o deslocamento de ida-evolta para o trabalho (in itinere), sendo inviável a concessão do benefício de auxílio-acidente ante a ausência do indispensável nexo causal entre o acidente e a atividade laborativa. No extraordinário, com preliminar fundamentada de existência de repercussão geral, a recorrente sustenta que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ao haver-se declarado competente para apreciar a matéria objeto da apelação ali interposta, direcionada à concessão pelo Instituto Nacional do Seguro Social do benefício previdenciário auxílio-acidente, terminou por contrariar 2

3 o art. 109, I, e 3º e 4º, da Constituição Federal, o qual estabelece a competência do respectivo Tribunal Regional Federal para apreciar o recurso. Sem contrarrazões (fl. 75 e-stj), o recurso extraordinário foi admitido no Tribunal de origem (fls. 76/77 e-stj). Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República. Em síntese, os fatos de interesse. Prequestionada a matéria. Cinge-se a controvérsia a respeito da competência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina para apreciar recurso de apelação interposto pela recorrente com o objetivo de ser obrigado o Instituto Nacional do Seguro Social a lhe conceder o benefício previdenciário auxílio-acidente. Preliminarmente, é sabido que, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, não obstante seja regra a competência da Justiça Federal para processar e julgar as ações cíveis em que as autarquias federais figurem na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, o referido dispositivo constitucional, ao ressalvar em seu final as causas de acidente de trabalho, não parece deixar dúvidas acerca da competência da Justiça Comum Estadual para processá-las e julgá-las. 3

4 Tal entendimento não apenas se encontra pacificado nessa Corte Suprema, como inclusive foi reafirmado na via da repercussão geral nos autos do RE RG (Tema 414), nos termos da ementa a seguir transcrita: RECURSO. Extraordinário. Competência para processar e julgar. Benefícios previdenciários. Acidentes de trabalho. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso provido. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas relativas ao restabelecimento de benefícios previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho. (RE RG, Rel. Min. Presidente,, julgado em 09/06/2011, DJe ) In casu, contudo, o cerne do argumento da recorrente é o de que, não obstante seja a Justiça Comum Estadual a competente para processar e julgar as causas decorrentes de acidente de trabalho, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina reconhecido no caso concreto a inexistência de acidente de trabalho, e sim de acidente não-laboral, tal circunstância resultaria no deslocamento da competência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para apreciar o recurso de apelação por ela interposto, nos moldes do art. 109, I, e 3º e 4º, da Constituição Federal, verbis: Art ( ) 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. 4

5 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. Da análise dos autos, o objeto do recurso de apelação da recorrente direcionou-se especificamente a obter do Instituto Nacional do Seguro Social auxílio-acidente, benefício previdenciário o qual, segundo a interpretação jurídica efetivada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ao art. 86 da Lei 8.213/91, teria como requisito indispensável para sua concessão o sofrimento de acidente de trabalho pelo segurado requerente. Sob tal premissa adotada pelo Tribunal de origem, tendo por objeto a concessão de benefício de acidente de trabalho, a demanda se enquadraria na ressalva do art. 109, I, da Constituição Federal, resultando na competência da Justiça Comum Estadual para processá-la e julgá-la. Por outro lado, a recorrente, com bate na atual redação do art. 86 da Lei 8.213/91, sustentou desde a inicial da demanda até o presente recurso extraordinário não ser imprescindível a existência de acidente de trabalho para a concessão de auxílio-acidente, bastando, para tanto, a simples ocorrência de acidente de qualquer natureza, inclusive não-laboral, tal qual a hipótese dos autos. Com base nesse entendimento, o julgamento da ação originária, por não se qualificar como causa de acidente de trabalho, competiria à Justiça Federal, aplicando-se a regra geral, e não a ressalva do art. 109, I, da CF. 5

6 Tanto em uma quanto em outra hipótese, verifica-se ser imprescindível a análise dos requisitos necessários para a concessão de auxílio-acidente, previstos no art. 86 da Lei 8.213/91, para se concluir se a demanda é ou não da competência da Justiça Comum Estadual ou da Justiça Federal. Desse modo, a fim de se verificar a violação às normas constitucionais apontadas, sendo necessário o exame prévio de legislação infraconstitucional (art. 86 da Lei 8.213/91) para que se possa debater a suposta afronta à Carta Magna, resta configurada ofensa meramente reflexa, incompatível com a via extraordinária. Prejudicado o exame da repercussão geral, tendo em conta a impossibilidade de seguimento do extraordinário, nos termos do art. 323, caput, do Regimento Interno do STF. Caso reconhecida a existência de repercussão geral da matéria constitucional ventilada, passa-se, pois, à análise do mérito do extraordinário /91: Estabelecia a redação original do caput art. 86 da Lei Art. 86. O auxílio acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho, resultar sequela que implique: I redução da capacidade laborativa que exija maior esforço ou necessidade de adaptação para exercer a mesma atividade, independentemente de reabilitação profissional; II redução da capacidade laborativa que impeça, por si só, o desempenho de atividade que exercia à época do acidente, porém, não o de outra, do mesmo nível de complexidade, após reabilitação profissional; ou 6

7 III redução da capacidade laborativa que impeça, por si só, o desempenho da atividade que exercia à época do acidente, porém não o de outra, de nível inferior de complexidade, após reabilitação profissional. Da leitura da redação original do dispositivo transcrito, constata-se que o auxílio-acidente tinha como requisito imprescindível para sua concessão a ocorrência de acidente de trabalho. A competência para processar e julgar demandas voltadas à concessão de auxílio-acidente, na forma do art. 109, I, da CF e consoante acima exposto, era da Justiça Comum Estadual. Tal exigência mais restritiva, contudo, não mais persistiu nas redações posteriores do art. 86 da Lei 8.213/91 concedidas pelas Leis 9.032/1995, 9.129/1995 e 9.528/1997, as quais, ao ampliarem as hipóteses de cabimento do benefício previdenciário, passaram a exigir a ocorrência de acidente de qualquer natureza, e não apenas de acidente decorrente do exercício de atividade de trabalho. Nesses moldes, com as alterações legislativas ao art. 86 da Lei 8.213/91 e a manutenção da redação original do art. 109, I, da Constituição Federal, a competência para processar e julgar demandas dirigidas à concessão do referido benefício previdenciário passou a ser dividida da seguinte maneira: se o segurado requerente sofrer acidente de trabalho, a competência será da Justiça Comum Estadual; caso ocorrer acidente de natureza não-laboral, a competência será da Justiça Federal. 7

8 Esse é o entendimento manifestado em distintos julgados do Superior Tribunal de Justiça: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO QUE PLEI- TEIA AUXÍLIO ACIDENTÁRIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO, SEM RELAÇÃO COM O TRABALHO. NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Esta egrégia Terceira Seção firmou a compreensão de que a extensão do benefício acidentário aos infortúnios de qualquer natureza revela o feitio previdenciário da causa, a qual deve ser julgada pela Justiça Federal. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o suscitado. (CC /SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 26/08/2009, DJe 30/09/2009) CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL E ESTADUAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA EM FAVOR DA JUSTIÇA ESTADUAL. BENEFÍCIO PRE- VIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE QUALQUER NATU- REZA. ART. 86 DA LEI Nº 8.213/91, COM A NOVA REDAÇÃO DA LEI Nº 9.032/95. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Pretendendo o autor da ação a obtenção de auxílio previdenciário decorrente de acidente de qualquer natureza, ou seja, de índole previdenciária, e não de ação acidentária que tenha como causa acidente ocorrido no exercício da atividade laboratícia, a competência para o deslinde da questão é da Justiça Federal. Precedente. 2. Competência da Justiça Federal, o suscitado. (CC /SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Terceira Seção, julgado em 26/11/2003, DJ 18/10/2004) In casu, tendo as instâncias ordinárias assentado que o acidente sofrido pela recorrente não decorreu do exercício de atividade laboral (fls. 45/46 e-stj), na linha dos argumentos acima 8

9 expendidos, há de ser reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda originária. Ante o exposto, opina a PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA pelo não conhecimento e, caso conhecido, pelo provimento do recurso extraordinário, a fim de ser fixada a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda. Brasília (DF), 8 de março de Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República vf 9