RECLAMAÇÃO. 1. Importância renovada - A reclamação, prevista nos artigos 988 a 993, é
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- Ângela Cruz Vilarinho
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1 RECLAMAÇÃO 1. Importância renovada - A reclamação, prevista nos artigos 988 a 993, é novidade do CPC/2015, mas não é novidade no direito processual brasileiro. A Constituição Federal já a previa como ação cabível para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l; art. 103-A, 3º; e 105, I, l, da CF/88). O que fez o CPC/2015 foi ampliar o cabimento da reclamação, transformandoa, também, em importante instrumento de salvaguarda do regime de precedentes adotado pelo novo código. 2. Preservação de competência e resguardo de autoridade das decisões A reclamação possui, essencialmente, a função de preservar o poder jurisdicional do tribunal, seja em face de violação de sua competência, seja em face de desrespeito à decisão que tenha proferido. Com o regime de precedentes do CPC/2015, o art. 927 do CPC elencou um rol de decisões judiciais cuja observância é obrigatória pelos órgãos jurisdicionais vinculados ao Tribunal prolator da decisão, podendo ser categorizadas, na lição de Teresa Arruda Alvim Wambier, como precedentes de obrigatoriedade forte 1. Neste novo regime, a reclamação passa a ter ampliado e importante papel, sendo o remédio adequado também para corrigir atos de descumprimento de julgados de observância obrigatória, elencados no art Teresa Arruda Alvim Wambier, Precedentes, in Temas essenciais no novo processo civil, p. xxx.
2 2.1 Preservação de competência do tribunal O inciso I do art. 988 do CPC afirma ser cabível a reclamação para preservar a competência do tribunal. A usurpação de competência legalmente atribuída a tribunal, por ato de autoridade judicial ou administrativa, não viola apenas o princípio do juiz natural e do devido processo legal da parte prejudicada, mas também viola os poderes jurisdicionais e a autoridade do tribunal competente para processar e julgar determinada matéria. A reclamação é remédio que procura impedir que julgamentos sejam proferidos por órgãos não competentes, ou mesmo que sejam praticados atos que impeçam sejam as lides levadas ao conhecimento dos tribunais que são legalmente investidos do poder jurisdicional para seus julgamentos. Assim, a título exemplificativo, caberá reclamação, por usurpação de competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão do juiz de primeiro grau que inadmitir o recurso de apelação (Enunciado 207 do Fórum Permanente de Processualistas Civis), tendo-se em vista que o juiz a quo não deve mais proferir juízo de admissibilidade no recurso de apelação (art. 1023, 3º). 2.2 Garantia da autoridade das decisões A reclamação é remédio que visa garantir que decisões jurisdicionais sejam respeitadas e fielmente cumpridas. Em lição merecedora de transcrição, trata-se de remédio com a específica finalidade de garantir, não pura e simplesmente, que o direito seja
3 cumprido, mas, mais do que isso, de garantir que decisões jurisdicionais (no sentido lato, abrangendo também as súmulas vinculantes ) em que direitos já foram reconhecidos, sejam respeitados 2. Por isso, prevê o inciso II do art. 988 o cabimento de reclamação para garantir a autoridade das decisões do tribunal. Diante de descumprimento de decisão judicial válida e eficaz, por qualquer autoridade a ela sujeita, a reclamação é cabível como meio processual adequada para corrigir o ato impugnado. 2.3 Garantia da observância de precedentes obrigatórios Os incisos III e IV do art. 988 do CPC preveem o cabimento da reclamação para garantir a observância de enunciado de súmula vinculante, julgamento do STF em controle concentrado de constitucionalidade, julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas e julgamento de assunção de competência. De igual modo, o 5º, inciso II do art. 988 também admite, a contrario sensu, o cabimento da reclamação para observância de julgamentos proferidos em recursos especiais repetitivos ou de repercussão geral, quando já esgotadas as instâncias ordinárias. Todas essas decisões são decisões de observância obrigatória pelos Tribunais e órgãos jurisdicionais a eles vinculados (art. 927, incisos I a III), caracterizandose, como já salientado, precedentes de obrigatoriedade forte. 3 2 Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello, Primeiros Comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo, Ed. RT, p Teresa Arruda Alvim Wambier, Precedentes, in Temas essenciais no novo processo civil, p. xxx.
4 O inciso II do art. 988 ( garantir a autoridade das decisões do tribunal ) já é suficiente para garantir o cabimento da reclamação no caso de não observância de quaisquer das decisões elencadas no art Mas quis o legislador deixar ainda mais claro o cabimento da reclamação nestes casos, com as previsões dos incisos III e IV do art com a redação dada pela Lei xxxxxx - a rigor, desnecessárias. A reclamação é o remédio processual adequado para combater os casos de desrespeito a autoridade do tribunal, e no novo CPC, em especial os casos de não observância de precedentes de obrigatoriedade forte previstos no art. 927, I a III. O 4º do art. 988 esclarece, por fim, que cabe a reclamação quando juiz ou tribunal deixar de aplicar tese jurídica vinculante que deveria ser aplicada ao caso, ou quando aplicar indevidamente ao caso tese vinculante que a ele não se aplica. 2.4 Restrições ao cabimento A reclamação não pode exercer o papel de ação rescisória. Acaso a decisão impugnável por reclamação já tenha transitado em julgado, a reclamação não mais será admissível, conforme disposição do 5, inciso I do art Esta já era a orientação do Supremo Tribunal Federal, firmada na Súmula 734: Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal. O art. 988, 5º, inciso II também restringe o cabimento da reclamação, em casos de julgamento de recurso especial repetitivo e repercussão geral, exigindo como requisito de cabimento o prévio esgotamento das vias ordinárias.
5 3 Cabimento em qualquer tribunal O 1º do art. 988 prevê, expressamente, a reclamação como ação que pode ser utilizada perante qualquer tribunal, e não apenas nos tribunais superiores. Com isso, o CPC/2015 pôs uma pá de cal em discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do cabimento da reclamação fora das hipóteses previstas expressamente na Constituição Federal, tornando-se, agora, instrumento processual de aplicabilidade geral por todos os tribunais brasileiros. 4 Ação autônoma Quando um ato judicial contraria decisão proferida por Tribunal é possível a interposição simultânea do recurso adequado e da reclamação, dado suas naturezas jurídicas distintas. O novo CPC/2015 deixa claro que recurso e reclamação são instrumentos processuais autônomos 4, que podem ser utilizados conjuntamente, sem prejuízo recíproco, de modo que a inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação (art. 988, 6º). O entendimento existente nos Tribunais Superiores antes da entrada em vigor no novo CPC, de que não teria cabimento a reclamação quando existisse recurso apropriado e cabível contra a decisão reclamada, resta, com isso, superado. 5 4 Cf. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, in O novo processo civil, Ed. RT, p Exemplificativamente, v. STF, 1ª Turma, AgRgRcl 5159-SP, relatora Min. Carmen Lúcia, DJU , p. 21).
6 5 Procedimento O procedimento da ação de reclamação está previsto nos arts. 988 a 993 do CPC. É procedimento especial, de caráter sumário, similar ao procedimento da ação de mandado de segurança. No Projeto da Câmara havia, inclusive, dispositivo que determinava a aplicação do procedimento deste writ à reclamação, regra esta que acabou não sendo acolhida durante o processo legislativo. A Lei 8.038/90 disciplinava a reclamação perante os Tribunais Superiores, em seus artigos 13 a 18. O art. 1072, IV do novo CPC revogou estes dispositivos expressamente, passando a reclamação a ser disciplinada, perante todos os tribunais, pelos artigos 988 a 993 do CPC/ Propositura - A reclamação pode ser proposta pela parte prejudicada ou pelo Ministério Público, através de petição dirigida ao presidente do Tribunal do qual emanou a decisão desrespeitada ou que teve sua competência usurpada. Todo o acervo probatório deve acompanhar a petição inicial, sob pena de emenda e indeferimento (art. 321), já que a reclamação é ação cuja prova é exclusivamente documental e pré-constituída. 6 São documentos essenciais para a admissibilidade da reclamação a cópia do ato judicial ou administrativo impugnado, a cópia da decisão do Tribunal que alega estar sendo desrespeitada e outros documentos imprescindíveis para a comprovação dos fatos alegados. 5.2 Competência A competência para o julgamento da ação de reclamação é do órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir (art. 988, 1º). 6 José Miguel Garcia Medina, Direito processual civil moderno, Ed. RT, p
7 A ação deverá ser distribuída, preferencialmente, para o relator do processo principal de onde se originou a decisão desrespeitada (art. 988, 3º). 5.3 Informações da autoridade Recebida a inicial, o relator deverá requisitar informações da autoridade a quem está sendo imputado a prática do ato impugnado, tendo ela o prazo de 10 (dez) dias para presta-las (art. 989, I). 5.4 Suspensão do processo ou do ato impugnado O relator pode, em decisão liminar, determinar a suspensão, total ou parcial, do ato impugnado, ou do processo onde ele foi proferido, concedendo tutela provisória de urgência. Para tanto, devem ser observados os requisitos do art. 300 do CPC, ou seja, devem estar presentes os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano irreparável à parte requerente. 5.5 Observância do contraditório A imposição de citação do beneficiário do ato impugnado é novidade procedimental trazida pelo CPC/2015. O art. 989, III determina que o relator deverá proceder a citação da pessoa beneficiada pelo ato impugnado, para que apresente contestação no prazo de 15 (quinze) dias, formando-se, com a autoridade que praticou o ato impugnado, um litisconsórcio necessário unitário no pólo passivo da reclamação. 7 Mas não só a autoridade e o beneficiário do ato impugnado poderão impugnar o pedido do reclamante. O CPC também abre oportunidade para outras pessoas que demonstrem possuir interesse na resolução da lide impugnarem o pedido do reclamante (art. 990). Como explica Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade 7 Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello, Primeiros Comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo, Ed. RT, p
8 Nery, aqui o interesse deverá ser justificado pelo imacto da reclamação sobre a esfera jurídica do impugnante Intervenção do Ministério Público A intervenção do Ministério Público no procedimento da reclamação é obrigatória, conforme disposição do art. 991 do CPC. Quando não houver formulado o pedido, deverá ter vista do processo por 05 (cinco) dias, oferecendo parecer. Como a reclamação discute matéria de interesse público resguardo do poder jurisdicional do tribunal-, a participação do MP no processo também poderia ser justificada pelo art. 178, I do CPC. 6 Julgamento de procedência - O julgamento de procedência da reclamação deve resultar na preservação de competência do tribunal ou no resguardo da autoridade de seu julgado que foi aviltado pelo ato impugnado. Para tanto, possui o tribunal amplos poderes para adotar a medida que entenda ser a mais adequada e necessária para corrigir a afronta (art. 992). Como exemplifica Leonardo Morato, o órgão julgador pode avocar o conhecimento do processo em que verificada a usurpação de competência; ordenar que lhe sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso para ele interposto (no caso de usurpação de competência); cassar a decisão ou ato exorbitante de julgado ou da súmula vinculante da Corte; etc. 9 A decisão deverá ser imediatamente cumprida, por ordem do presidente do tribunal, independentemente da lavratura e publicação do acórdão (art. 993). 8 In Código de Processo Civil Comentado, nota 2 ao art. 990, Ed. RT, p In Reclamação e sua aplicação para o respeito de súmula vinculante, p. 236.
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