RECURSO ORDINÁRIO TRT/RO RTOrd A C Ó R D Ã O 7ª Turma

Transcrição

1 COMPETÊNCIA DA. IGREJA. PASTOR. RELAÇÃO DE TRABALHO. DANOS MORAIS. ART. 114, I E VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Ainda que não haja pedido de vínculo empregatício, o dano moral requerido pelo Pastor em face da Igreja deriva diretamente de uma causa de pedir que define a competência absoluta, inderrogável, da Justiça do Trabalho (art. 114, incisos I e VI, da Constituição da República), que é a prestação de serviços típica de uma relação de trabalho e os danos morais decorrentes. É a Justiça do Trabalho o ramo especializado para apreciar lides envolvendo danos morais decorrentes de relação de trabalho, ainda que não de emprego, entre Pastor que labora para a Igreja. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário em que figuram como partes CARLOS ALEXANDRE FERREIRA, como recorrente, e IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS, como recorrida. RELATÓRIO Trata-se de recurso ordinário interposto pelo reclamante inconformado com a sentença (fl. 105) de lavra da Juíza do Trabalho Ana Celina Laks Weissblüth, da 02ª Vara do Trabalho de Macaé, que, por meio de preliminar suscitada de ofício, julgou ser a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar a demanda. O autor pleiteou em sua inicial o ressarcimento pelos danos morais e materiais sofridos em razão de o bispo da igreja não ter cumprido a

2 promessa de cadastrá-lo, juntamente com sua esposa, como membro prestador de serviços da reclamada. Em audiência, desistiu do pedido de danos materiais. Alega em suas razões recursais que a Justiça Especializada do Trabalho é competente para julgar o feito, posto que a competência em razão da matéria é definida com o pedido e a causa de pedir declinadas na inicial (fls. 106/112). recurso. Contrarrazões da ré às fls. 115/119, pelo não provimento do Não houve remessa dos autos ao d. Ministério Público do Trabalho, por não se vislumbrar qualquer das hipóteses previstas no anexo do Ofício PRT/1ª Reg. Nº 214/13-GAB, de 11/03/2013. É o relatório. VOTO ADMISSIBILIDADE Conheço do recurso, porquanto estão presentes os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade recursal. PRELIMINAR DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, INCISOS I E VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Insurge-se o reclamante contra a decisão do Juízo que, por meio de preliminar suscitada de ofício, julgou ser a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar a demanda. Em sua inicial, expôs, em síntese, que, desde o início das atividades da Igreja Mundial do Poder Deus no município de Macaé,

3 participava, juntamente com sua esposa, das atividades na condição de simples obreiros, sem qualquer vinculação oficial de prestação de serviços ou remuneração, a qual só poderia ocorrer se os mesmos fossem cadastrados. Diante de sua dedicação e desenvoltura, o bispo Laércio, com a promessa de cadastrá-lo, o designou para fundar e administrar, na condição de pastor, uma nova filial da igreja ré no município de Carapebús/RJ, o que lhe levaria a ser cadastrado na igreja, inclusive, à época, houve o fornecimento de uma ficha cadastral, de um termo de adesão e de uma lista de documentos exigidos para o referido cadastramento. Aduziu que trabalhava com total dedicação para a igreja ( ), cujo objetivo maior 'era a arrecadação de receitas, em troca da palavra divina', e celebrava, em média, dois cultos diários, além de cuidar de obras sociais em prol da igreja, arrecadação e repasse de contribuições, bem como outras atividades relacionadas à administração e conservação da igreja, sendo responsável, ainda pela parte administrativa e financeira da igreja filial posta sob sua administração (fl. 03/04). Por fim, além do não cumprimento do que fora pactuado com o bispo Laércio, o autor ainda foi acusado de ter se apropriado de receitas da igreja, o que, segundo relato da testemunha, Sr. Luiz Fernando Nogueira, é uma prática comum da reclamada acusar de furto os pastores (fl. 55). Desta feita, sem direito de defesa, foi banido da igreja. Tais fatos o levaram a vir a juízo pleitear o ressarcimento pelos danos morais sofridos. fundamentos: A sentença expôs como razão de decidir os seguintes PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO INCOMPETÊNCIA DA Da narrativa dos fatos da inicial e do conjunto probatório produzido nos autos, resta incontroverso que o reclamante exerceu as funções de pastor, de modo que pode concluir o juízo (artigo 131 do CPC) a inexistência de relação de emprego entre as partes, na medida em que as atividades realizadas pelo autor eram de caráter

4 voluntário, motivado por cunho ideológico religioso, sem subordinação jurídica e finalidade de contraprestação. Frise-se que não há pedido de reconhecimento de relação de emprego e o único pedido na inicial cinge-se à indenização por dano moral. Uma vez que se trata de incidente ocorrido entre pessoas que não estavam vinculadas por relação de trabalho, não é esta Justiça Especializada competente para apreciar a demanda. (grifei) (fl. 105) afirmou: Pois bem. Em depoimento, a testemunha, Sr. Luiz Fernando Nogueira, que exerceu a função de Pastor na reclamada, em Macaé, de 2009 a 2011/2012; que, na época, havia 3 pastores: Alexandre, Wellington e o depoente; que o Bispo Laércio era o titular; que o reclamante era pastor somente em Carapebús... (fl. 55) O que se infere, com base no acervo probatório, é que houve uma prestação de serviços e, nos termos do que dispõe o art. 114, incisos I e VI, da Constituição da República, esta Justiça Especializada é competente para dirimir a presente demanda, senão vejamos: Art Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (...) VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. (grifei) Não bastasse, acrescento o conflito negativo de competência julgado, em caso análogo, pelo Superior Tribunal de Justiça, textualmente: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PASTOR VERSUS ENTIDADE RELIGIOSA. DEFINIÇÃO DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. JUSTIÇA TRABALHISTA. COMPETÊNCIA

5 PRIVATIVA. I. Alegando a parte na inicial que a profissão de pastor possui vínculo de natureza trabalhista com a entidade religiosa, a verificação da viabilidade do ressarcimento depende da fixação dessa premissa. II. Cabe com exclusividade à Justiça do Trabalho o exame da pretensão, '...ainda que só para indeferir a petição inicial e/ou extinguir o processo, quando verificar que não existe relação de emprego' (CC n /SC, Rel. Min. Dias Trindade, unânime, DJU de ). III. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 71ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, RJ, o suscitante. (grifei) (CC /RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/02/2009, DJe 04/03/2009) A própria igreja reclamada, em contrarrazões, reforça o argumento do autor de que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar a lide entre igreja e pastor, textualmente: sob o nosso ponto de vista, ainda mais distante e completamente sem parâmetros para a solução da demanda encontra-se a Justiça Estadual, pois em que pese a sua atuação bem mais intensa no campo da análise dos danos morais, ainda assim, pela peculiaridade do caso em comento, entendemos ser a Justiça do Trabalho competente para o deslinde da demanda. De certo que as nuances da relação Igreja x Pastor são muito mais conhecidas no âmbito da Justiça do Trabalho, estando a Justiça Estadual bem menos preparada para decidir este caso. (fl. 117) Ainda que a fundamentação da sentença aluda que não há pedido de vínculo empregatício, o que poderia perfeitamente ter sido pleiteado, o dano moral requerido pelo autor em face da igreja deriva diretamente de uma causa de pedir que define a competência absoluta, inderrogável, da Justiça do Trabalho (art. 114, incisos I e VI, da Constituição da República), que é a prestação de serviços típica de uma relação de trabalho, logo, em termos de competência, não há discussão sobre esta Especializada ter o poder/dever de julgar a demanda

6 Via de consequência, dou provimento ao recurso do reclamante para afastar a preliminar de incompetência absoluta da Justiça do Trabalho, arguida de ofício, e determinar a remessa dos autos à primeira instância para regular julgamento da reclamação trabalhista. CONCLUSÃO Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e AFASTO a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, arguida de ofício, e determino a remessa dos autos à primeira instância para regular julgamento da reclamação trabalhista, nos termos da fundamentação supra. DISPOSITIVO Vistos e examinados, A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Sétima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, CONHECER do recurso e, por maioria, AFASTAR a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, arguida de ofício, e determinar a remessa dos autos à primeira instância para regular julgamento da reclamação trabalhista, termos da fundamentação. Vencido o Desembargador Evandro Pereira Valadão Lopes que entendia ser a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar a matéria, por não se tratar de relação de trabalho. Rio de Janeiro, 26 de Junho de Desembargadora do Trabalho Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva Relatora apf