APELAÇÃO CÍVEL Nº APELANTE: MUNICÍPIO DE CABO FRIO APELADA: DAURA DE SOUZA COSTA RELATOR:

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1 Processo eletrônico APELAÇÃO CÍVEL Nº APELANTE: MUNICÍPIO DE CABO FRIO APELADA: DAURA DE SOUZA COSTA RELATOR: Des. EDUARDO DE AZEVEDO PAIVA APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DECRETO MUNICIPAL 2401/97. CRIAÇÃO DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL MICO LEÃO DOURADO PELO MUNICÍPIO DE CABO FRIO. DECRETO MUNICIPAL 3491/06 QUE RATIFICA SUA CRIAÇÃO. INSTITUIÇÃO DE CLÁUSULA NON AEDIFICANDI. DEVER DE INDENIZAR DECORRENTE DE LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE ESVAZIA DIREITO DE PROPRIEDADE E NÃO DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DECRETO MUNICIPAL 4244/2010 OBJETO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, NA QUAL JÁ PROFERIDA SENTENÇA DECLARANDO O ATO NORMATIVO NULO E RESTABELECENDO DEFINITIVAMENTE A EFICÁCIA DOS DECRETOS 2401/97 E 3491/06. PROVA PERICIAL CONCLUSIVA NO SENTIDO DE NÃO HAVER LIMITAÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR À LUZ DE LEGISLAÇÃO AMBIENTAL FEDERAL. NÃO TRATA A DEMANDA DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA, MAS DE RESTRIÇÃO ADMINISTRATIVA AO DIREITO DA AUTORA, DECORRENTE DE NORMA AMBIENTAL QUE INSTITUI CLÁUSULA NON AEDIFICANDI. AÇÃO DE NATUREZA PESSOAL E NÃO REAL. IMPROPRIEDADE DOS PEDIDOS DE DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL E DE QUE O JULGADO SIRVA COMO TÍTULO PARA REGISTRO NO RGI. JUROS COMPENSATÓRIOS QUE, DIANTE DA NÃO DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL, NÃO SE JUSTIFICAM. JUROS DE MORA CORRETAMENTE FIXADOS NA SENTENÇA. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO APENAS PARA EXCLUIR DA CONDENAÇÃO A DETERMINAÇÃO AO PAGAMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível , em que é apelante o réu, MUNICÍPIO DE CABO FRIO, tendo sido autora a ora apelada, DAURA DE SOUZA COSTA,

2 ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto, nos termos do voto do Desembargador Relator. RELATÓRIO Trata-se de ação proposta com o objetivo de obter a condenação do MUNICÍPIO DE CABO FRIO ao ressarcimento dos danos decorrentes da desapropriação indireta, em razão da criação do Parque Ecológico do Mico Leão Dourado, o qual autora afirma abranger seu imóvel. Sustenta a parte autora não ter sido editado qualquer decreto expropriatório e que não recebeu qualquer indenização, muito embora sua propriedade tenha sofrido limitações por força dos Decretos Municipais 2401/97 (Dispõe sobre a criação do Parque Municipal do Mico Leão Dourado e dá outras providências) e 3491/06 (Ratifica o Decreto Municipal 2401/97, altera a denominação do Parque, define sua área e limites, e cria o Conselho Gestor). Em sua defesa, suscita o réu a preliminar de ilegitimidade passiva e denuncia a União Federal à lide. No mérito, afirma não haver qualquer limitação municipal ambiental sobre a área da autora, mas que o esvaziamento econômico do imóvel ocorreu em razão de legislação federal. Sustenta, ainda, que o Decreto 3491/2006 que deu origem ao Parque Municipal Ecológico do Mico Leão Dourado já teria sido revogado com a edição do Decreto 4244/2010. A sentença de fls.146/149 (índice 186) julga procedente o pedido, condenando o réu ao pagamento, em favor da autora, de indenização no valor de R$ ,72 (duzentos e setenta e quatro mil, cento e cinquenta reais e

3 setenta e dois centavos), corrigido monetariamente a partir do laudo pericial e com juros de mora de 6% ao ano, previstos no artigo 15-B do Decreto-Lei 3365/41, caracterizada a mora a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deverá ser feito, nos termos do art.100 da CF., além de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). Determina o julgado, ainda, o pagamento de juros compensatórios da ordem de 6% ao ano, de acordo com a Súmula 114/STJ, incidentes sobre o valor nominal encontrado pela perícia até a data do laudo e, após, o mesmo valor corrigido monetariamente, eis que estes se destinam a ressarcir o impedimento do uso e gozo econômico do bem e incidem desde a data do decreto municipal Apelo às fls.150/157 (índice 191), reiterando a preliminar de ilegitimidade passiva, reproduzindo seu argumento de não ter responsabilidade sobre o dano suportado pela autora, na medida em que os lotes foram adquiridos quando já considerados área de preservação permanente pela lei orgânica municipal de 1990, por força da Lei Federal 4771/65. No mérito, reitera toda sua argumentação, postulando pela reforma integral do julgado, acrescentando que não houve limitação à posse do imóvel à autora, a qual, ao contrário, continua a residir no local. Por essa razão, requer a determinação de imediata desocupação da área pela autora, em caso de manutenção da sentença. Insurge-se o apelante, também, com relação aos juros compensatórios, os quais entende devidos apenas por ocasião da desocupação do imóvel, o que afirma ainda não haver ocorrido, requerendo a observância do disposto na Lei Federal 9494/97, com a redação dada pela Lei /2009. Na eventualidade da manutenção da sentença, reitera o pedido formulado em contestação, para que conste do julgado que o mesmo serve

4 como título hábil para transmissão da propriedade junto ao registro público de imóveis em favor do Município.... Sem contrarrazões (certidão índice 202). É o relatório. Passo ao voto. Conheço do recurso por presentes os pressupostos de admissibilidade. sentenciante. Bem afastada restou a preliminar de ilegitimidade passiva, pelo douto Em sua inicial, a parte autora sustenta que o Decreto Municipal que criou o Parque Natural Municipal Ecológico do Mico Leão Dourado foi o causador do esvaziamento econômico de seu imóvel. Como bem fundamentado na sentença, é possível admitir em caráter provisório, sem analisar o mérito, a veracidade do que fora alegado, de forma abstrata, bastando a demonstração das condições da ação pelo demandante, e, quando da análise do mérito, será decidido pela procedência ou não das alegações autorais. Ainda que os lotes da autora tenham todas as características abrangidas pela legislação federal, as imposições administrativas são oriundas do Poder Público Municipal, quando da criação do Parque Municipal. Tanto é assim, que a ilustre perita do juízo, em resposta aos quesitos das partes (fls.103 índice 129), esclarece que À luz da legislação ambiental federal não há limitações administrativas ao direito de construir. Rejeita-se, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva. A desapropriação indireta é uma modalidade restritiva de intervenção na propriedade por parte da Administração Pública, sem as formalidades necessárias. Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, desapropriação

5 indireta...é a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do imóvel particular pelo Poder Público, com a sua consequente integração ao patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório 1. No caso dos autos, o Decreto Municipal 2401/97, que criou o Parque Natural Municipal do Mico Leão Dourado, instituiu cláusula non aedificandi, esvaziando o conteúdo econômico dos lotes da autora, não tendo ocorrido uma desapropriação, mas uma limitação administrativa. A respeito da existência de uma linha bastante tênue entre uma limitação administrativa e a verdadeira retirada de um direito, como a desapropriação indireta, a ilustre Professora Fernanda Marinela, em Direito Administrativo 2, esclarece que o seguinte:...a jurisprudência do STJ estabeleceu alguns requisitos: (...) 1. A desapropriação indireta pressupõe três situações, quais sejam: (I) apossamento do bem pelo Estado sem prévia observância do devido processo legal; (II) afetação do bem, ou seja, destiná-lo à utilização pública; e (III) irreversibilidade da situação fática a tornar ineficaz a tutela judicial específica. (...) (EREsp /SC, STJ Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Julgamento: DJ ). Também se reconhece esse instituto quando há total desvalorização do bem, esvaziamento econômico. (grifei) A respeito de ser indenizável a restrição a valor econômico do bem, assim consignou o STJ, por ocasião do julgamento do AREsp MG, Rel. Min. Humberto Martins, publicado em 06/03/2014: 1 Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., Malheiros, 2009, página ª edição, Niterói, Impetus, 2010 (paginas 830/831)

6 (...) Sobre o assunto, esta Corte entende que a limitação administrativa distingue-se da desapropriação; nesta há a transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização; naquele há, apenas, restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem ensejar eventual indenização. Limitações administrativas são, por exemplo, a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de desmatamento de área florestada atingir a maior parte da propriedade ou sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem. (grifei) Ora, o Decreto Municipal 2401/97, criador do Parque Natural Municipal Mico Leão Dourado, ao instituir a cláusula non aedificandi, em seu artigo 3º, certamente suprimiu o valor econômico do bem da autora/apelada. E o laudo pericial de fls.87/104 (índices 113/130) afirma que a restrição administrativa que esvaziou o conteúdo econômico da propriedade da autora se deve ao apelante, consignando em sua parte conclusiva que: A área da Autora se apresenta antropizada, com alteração da vegetação original decorrente da ocupação feita. Entretanto, se encontra dentro do perímetro demarcado pelo Município de Cabo Frio, quando da criação do Parque Natural Municipal do Mico-Leão-Dourado. Assim, uma vez caracterizada a limitação administrativa mediante a criação do Parque Municipal, mais uma vez conclui o expert do Juízo ter havido o completo esvaziamento do conteúdo econômico do imóvel, cabendo à municipalidade indenizar à autora pelo prejuízo suportado. Importante consignar aqui que os lotes pertencentes à autora/apelada, e localizados no denominado Centro Hípico de Cabo Frio da Territorial Santa

7 Cândida Ltda., foram adquiridos por ela em 1993, já com as construções a que se refere o laudo pericial, através de Instrumento de Cessão de Direito e Posse (fls.16/18). Em março/1997 foi editado o Decreto Municipal 2401/97, o qual cria o Parque Municipal em questão, esvaziando por completo o conteúdo econômico dos imóveis da apelada. E, conforme consignado no laudo pericial de forma expressa, como anteriormente esclarecido, À luz da legislação ambiental federal não há limitações administrativas ao direito de construir incidentes sobre os imóveis da apelada. Responsável o apelante, portanto, pela retirada total do valor econômico dos bens da autora. A alegação de que o Decreto Municipal 4244/2010 teria declarado nulos os Decretos 2401/97 e 3491/06, configurando a perda do objeto desta ação, não se sustenta. O Decreto Municipal 4244/2010 é objeto de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Município de Cabo Frio, objetivando, justamente, a declaração de nulidade do mesmo. A sentença proferida nessa ACP foi publicada em 27/02/2014, confirmando a liminar deferida, e julgando procedente o pedido, para declarar nulo o Decreto Municipal 4244/2010. Desta forma, os lotes da autora/apelada continuam a integrar o Parque Natural Municipal Mico Leão Dourado, persistindo a cláusula non aedificandi, instituída pela Administração Pública Municipal, a retirar-lhe o conteúdo econômico. Devido, portanto, o pagamento de indenização, à autora/apelada, pela perda do valor econômico de seus lotes e benfeitorias neles existentes, cumprindo destacar que a quantia fixada pelo magistrado de primeira instância está em consonância com o criterioso laudo elaborado pelo perito do Juízo.

8 Com relação a pretensão de que a decisão sirva como título hábil para transcrição no registro de imóveis, a mesma não prospera, na medida em que tal pedido deveria ter sido deduzido em reconvenção, o que não se verificou. Além disso, O que ocorre com a edição de leis ambientais que restringem o uso da propriedade é limitação, administrativa, cujos prejuízos causados devem ser indenizados por meio de uma ação de direito pessoal e não de direito real como é o caso da ação em face de desapropriação indireta (STJ, REsp /SP, Rel. Min. Humberto Martins). De igual forma e pelos mesmos fundamentos acontece com o pleito de desocupação do imóvel pela apelada, cujo pedido deveria ter sido formulado em sede própria, a reconvenção. Cumpre esclarecer, mais uma vez, que não se trata de desapropriação indireta, mas de restrição administrativa ao direito da autora, decorrente de norma ambiental que institui cláusula non aedificandi, não havendo que se falar em desocupação do imóvel. Não se tratando de desapropriação indireta, não se pode falar como já esclarecido em desocupação, e, sem esta, não há que se falar em juros compensatórios, como pacificado pela Súmula 114/STJ 3, razão pela qual deve ser o recurso do MUNICÍPIO DE CABO FRIO ser provido neste particular. Os juros de mora são devidos, estabelecendo o 3º do artigo 1º-A, do Decreto-lei /41 tal condenação, seja por verdadeira desapropriação indireta, seja por restrição ao uso da propriedade. Deverão ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n /97, com redação da Lei n /09. 3 OS JUROS COMPENSATORIOS, NA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA, INCIDEM A PARTIR DA OCUPAÇÃO, CALCULADOS SOBRE O VALOR DA INDENIZAÇÃO, CORRIGIDO MONETARIAMENTE.

9 Por todo o exposto, voto pelo PROVIMENTO PARCIAL do recurso interposto, apenas para excluir a condenação do apelante ao pagamento de juros compensatórios, nos termos da fundamentação procedida. Rio de Janeiro, 06de maio de EDUARDO DE AZEVEDO PAIVA Desembargador Relator