MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Transcrição

1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL HABEAS CORPUS Nº /RJ PACTE : CLEBER FARIA DA SILVA IMPTE : ÂNGELA DIAS MONTEIRO COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATORA : EXMA. SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE LATROCÍNIO. ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE VISTA À DEFESA DO PACIENTE EM VIRTUDE DE NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. EMENDATIO LIBELLI. CPP, ART APONTADA INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE O COMPARSA TENHA SIDO O AUTOR DO DISPARO QUE PROVOCOU A MORTE DA VÍTIMA. QUESTÃO NÃO ENFRENTADA NO WRIT PRECEDENTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO ACERVO FÁTICO- PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA, DE RITO CÉLERE E COGNIÇÃO SUMÁRIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. - Parecer pelo conhecimento parcial do mandamus e, nessa extensão, pelo indeferimento da ordem. EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA RELATORA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos autos em epígrafe, diz a V. Exa. o que segue:

2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 2 Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Ângela Dias Monteiro, advogada, em favor de CLEBER FARIA DA SILVA, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, à unanimidade, denegou a ordem nos autos do HC nº /RJ, no qual se alegava a nulidade da sentença ao argumento de que o Juízo de primeiro grau operou a mutatio libelli, condenando o paciente em fato não descrito na peça inicial acusatória. O julgado guarda a seguinte ementa: HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. CO-AUTOR. AUSÊNCIA DE DOLO. MUTATIO LIBELLI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. 1. Paciente que se envolve na prática de roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo assume o risco do resultado morte, não havendo que se falar de ausência de liame entre sua conduta e o resultado morte. O co-autor, mesmo que não efetue os disparos, responde pelo evento morte, a título de dolo ou culpa. 2. Inocorrência de mutatio libelli: o réu se defende dos fatos e não de sua classificação jurídica. 3. Ordem denegada. No presente writ, a impetrante alega que o paciente foi denunciado pela prática do crime previsto nos arts. 157, 2º, I e II, e 157, 2º, I e II, combinado com o art. 14, II, na forma do art. 69, e no art. 180, caput, todos do Código Penal, mas a Juíza de primeira instância, ao proferir a sentença, aplicando o art. 383 do Código de Processo Penal, entendeu que a conduta do réu se amoldava a outra figura delitiva, condenando-o como incurso nos arts. 157, 2º, I e II, e 157, 3º, última parte, e no art. 180, caput, todos do Código Penal. Afirma, em razão disso, que a sentença é nula porque a magistrada a quo condenou o paciente pela prática do crime de latrocínio, não mencionado na denúncia, em afronta ao princípio da correlação entre a

3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 3 acusação e a sentença, bem como em prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Ressalta que a Juíza sentenciante externou conclusão no sentido de que restou demonstrada a ocorrência da qualificadora morte no crime de roubo praticado pelo paciente, não imputada a ele na denúncia, situação que configura a mutatio libelli e exige a observância do quanto disposto no art. 384 do Código de Processo Penal, devendo ser aditada a peça acusatória e o réu novamente ouvido. Sustenta, de outra parte, a ausência de prova técnica ou testemunhal no sentido de que a vítima teria sido atingida pela arma do suposto comparsa do paciente que empreendeu fuga. Segundo a impetrante, se, por um lado, a jurisprudência diz que o co-autor que participa do roubo armado responde pelo latrocínio, por outro lado, inexiste a prova de que o co-autor tenha sido o autor do disparo que provocou a morte do expolicial, prova que a defesa não pôde juntar aos autos, até porque não respondeu durante a instrução penal pelo crime de latrocínio. Requer, assim, a concessão da ordem para que seja declarada a nulidade da sentença penal condenatória por violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório e da correlação entre a peça acusatória e a sentença. Medida liminar indeferida. É o relatório. Não há como dar acolhida à pretensão mandamental.

4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 4 Inicialmente, extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado em razão da conduta delituosa a seguir descrita: Consta ainda que, logo após terem cometido o roubo na padaria, o denunciado ingressou em uma farmácia situada à rua Alfeu Rabelo número 170, Tribobó, nesta Comarca, por volta das 10:30 horas, levantou a camisa, mostrando a arma de fogo e retirou em seguida, das prateleiras, outros pacotes de fraldas, colocando-as em cima do balcão, enquanto o outro elemento aguardava do lado de fora para garantir o sucesso da empreitada criminosa, ocasião em que vários policiais chegaram ao local e detiveram o denunciado enquanto o segundo elemento empreendeu fuga, sendo perseguido por Carlos Alberto Cinucci, que foi atingido por disparo de arma de fogo efetuado pelo elemento que fugiu, causando-lhe lesões que foram a causa eficiente de sua morte. Por sua vez, a sentença condenatória, ao contrário do quanto afirmado pela impetração, descreve o mesmo desencadeamento dos fatos para corrigir a capitulação inicial e reconhecer a prática do crime de latrocínio consumado nestes termos: O réu foi denunciado pela prática de dois crimes de roubo (um consumado, e outro - tentado), especialmente, agravados, em concurso material, também, com o crime de receptação. No entanto, constou expressamente, da exordial que: 'Consta ainda que, logo após terem cometido o roubo na padaria, o denunciado ingressou em uma farmácia situada à rua Alfeu Rabelo número 170, Tribobó, nesta Comarca, por volta das 10:30 horas, levantou a camisa, mostrando a arma de fogo e retirou em seguida, das prateleiras, outros pacotes de fraldas, colocando-as em cima do balcão, enquanto o outro elemento aguardava do lado de fora para garantir o sucesso da empreitada criminosa, ocasião em que vários policiais chegaram ao local e detiveram o denunciado enquanto o segundo elemento empreendeu fuga, sendo perseguido por Carlos Alberto Cinucci, que foi atingido por disparo de arma de fogo efetuado pelo elemento que fugiu, causando-lhe lesões que foram a causa eficiente de sua morte.' Vale, desse modo, dizer que, no segundo momento, da empreitada criminosa, o acusado e seu comparsa cometeram o crime de latrocínio consumado, em tendo ocorrido a morte de terceira pessoa, a despeito da não subtração de bens alheios móveis.

5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 5 Veja-se que tal conduta está narrada, explicitamente, muito embora a ilustre Dr.ª Promotora de Justiça subscritora da peça inaugural atribuído ao réu a prática de um crime de roubo, especialmente, agravado, na modalidade tentada, sem prejuízo dos dois outros delitos praticados, o que merece, então, ser corrigido. Ora, não se vislumbra qualquer nulidade na sentença condenatória. A participação do paciente está devidamente descrita na peça inicial acusatória e a nova capitulação legal ocorreu com base nos fatos narrados. Como não houve alteração do substrato fático, não se verifica a necessidade de aditamento da denúncia e de vista dos autos para a defesa. O réu, a princípio, se defende dos fatos imputados e não da sua classificação, que pode ser alterada nos limites do art. 383 do Código de Processo Penal. Sendo, pois, o caso hipótese de emendatio libelli, não há nulidade no processo pela não abertura de vista à defesa. Em outra frente, há de se reiterar orientação segundo a qual, no crime de roubo, praticado com arma de fogo, respondem, de regra, pelo resultado morte, situado em pleno desdobramento causal da conduta delituosa, todos que, mesmo não agindo diretamente na execução da morte, contribuíram para a execução do tipo fundamental. Trata-se de crime preterdoloso, ou seja, todos que participaram do roubo praticado com arma de fogo assumiram o risco de provocar o resultado morte. Tem-se, ainda, que a alegada inexistência de prova de que o comparsa do paciente tenha sido o autor do disparo que provocou a morte da vítima não foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, inviabilizando o seu conhecimento por essa Corte Suprema, sob pena de supressão de instância.

6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 6 Além disso, observa-se, de pronto, que, para análise da alegação defensiva, seria imprescindível o reexame aprofundado do acervo fático e probatório dos autos do processo criminal, o que é inviável em sede de habeas corpus, de cognição sumária e rito célere. Há muito, aliás, é firme a orientação da Suprema Corte no sentido de que o 'habeas corpus' constitui remédio processual inadequado para a análise de prova, para o reexame do material probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e, também, para revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. 1 Com efeito, a ação de habeas corpus não constitui via própria para se discutir a idoneidade das provas colhidas no processo criminal. Referida questão é pertinente ao próprio mérito da ação penal, já apreciada e de desate insuscetível nesta via estreita. Ante o exposto, opina-se pelo conhecimento parcial do writ e, nessa extensão, pelo indeferimento da ordem de habeas corpus. Brasília, 21 de setembro de MARIO JOSÉ GISI Subprocurador-Geral da República 1 HC nº /RJ, 1ª Turma, Ministro CELSO DE MELLO, DJ de 22/06/2001.