ÍNDICE. Acolhimento - um relato da experiência de Belo Horizonte... 02
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- Eliza Faria Felgueiras
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2 ÍNDICE Acolhimento - um relato da experiência de Belo Horizonte O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil Integralidade na Assistência à Saúde: A Organização das linhas do cuidado Fluxograma descritor e projetos terapêuticos para análise de serviços de saúde, em apoio ao planejamento: o caso de luz - MG Um dos grandes desafios para os Gestores do SUS: Apostar em novos modos de fabricar os modelos de atenção O anti-taylor: sobre a invenção de um método para co-governar instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso Equipes de referência e apoio especializado matricial: Um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde Reflexões sobre a clínica em equipes de saúde da família É possível construir novas práticas assistenciais no hospital público? A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar Algumas reflexões sobre o singular processo de coordenação dos hospitais
3 2 * ACOLHIMENTO _ UM RELATO DA EXPERIÊNCIA DE BELO HORIZONTE Deborah Carvalho Malta 1 Leila Maria Ferreira 2 Afonso Teixeira dos Reis 3 Emerson Elias Merhy 4 1 INTRODUÇÃO O relato a seguir refere-se à tentativa de construção de um modelo assistencial, para a rede pública de Saúde em Belo Horizonte, que considerasse a melhoria da qualidade do serviço prestado e de acesso e que resgatasse a humanização do atendimento e o compromisso com as necessidades dos usuários, isto é com a defesa da vida individual e coletiva. Procuramos descrever alguns dos caminhos percorridos, as metodologias empregadas, alguns dos resultados já alcançados e diversas reflexões críticas. O desafio de transpor os princípios aprovados para o setor Saúde nos textos constitucionais - universalidade do acesso, integralidade das ações, eqüidade, qualidade e responsabilidade- tem sido muito amplo e distinto. Tomamos como diretriz operacional que efetiva o SUS a construção de serviços de Saúde que acolham os usuários no seu "sentir-se com problema de saúde", que criem vínculos e se responsabilizem pela saúde destes, mobilizando todo o seu conjunto de "opções tecnológicas" na direção da resolubilidade e que busquem promover a saúde no plano individual e coletivo, ao mesmo tempo que contribuem efetivamente para um aumento da autonomia do usuário no seu viver. Constatar os problemas de saúde e tomá-los como desafio não é suficiente para imprimir as mudanças que possam traduzir a saúde como um direito de todos e um patrimônio público da sociedade. É preciso empenhar-se na construção coletiva de estratégias que promovam mudanças nos cotidianos dos serviços, em que a defesa da vida seja adotada como lema. Uma das intervenções mais decisivas, * Texto publicado em Campos, C.R.; Malta, D.C. Reis, A. T et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: Reescrevendo o Público. São Paulo: Xamã, pp Médica Sanitarista, Mestre em Saúde Pública / Epidemiologia, coordenadora do Serviço de Atividades Assistenciais da Secretaria Municipal de Saúde de Belo H 2 Farmaceutica, Especialista em Saúde Pública, Serviço de Atividades Assistenciais da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte 3 Médico Sanitarista, coordenador da Atenção ao Adulto da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte 4 Doutor em Saúde Pública, Professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Campinas, UNICAMP, Assessor da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte
4 3 mesmo com limites, nessa reorganização da rede foi a construção de processos efetivos de Acolhimento dos usuários, na recepção dos serviços de saúde. O Acolhimento veio como um dos dispositivos disparadores de reflexões e mudanças a respeito da forma como se organizam os serviços de saúde, de como os saberes vêm sendo ou deixando de ser utilizados para a melhoria da qualidade das ações de saúde e, conseqüentemente, do quanto estão a favor da vida. Significou a retomada da reflexão sobre a universalidade do acesso e sobre a dimensão de governabilidade das equipes locais frente às práticas de saúde, em especial frente o "trabalho vivo dependente". Representou também o resgate do conhecimento técnico das equipes, possibilitando o enriquecimento da intervenção dos vários profissionais de Saúde na assistência. Permitiu ainda, a reflexão sobre a "humanização" das relações em serviço e sobre a parte da lógica de poder contida nesse processo, contribuindo para uma mudança na concepção de saúde como um direito. Ao permitir reflexões e criações coletivas, envolvendo governo, trabalhadores e usuários em um movimento de mudanças necessárias para desenhar esse "novo" fazer em saúde, resgatou o espaço de trabalho como lugar de sujeitos. Pretende-se aqui relatar um pouco dessa experiência, procurando verificar os benefícios e acertos deste caminho, mas também suas encruzilhadas. 2 BREVE HISTÓRICO A administração democrática popular, ao assumir a Prefeitura de Belo Horizonte em 1993, elegeu a criança como prioridade de governo. Em todas as secretarias, foram elaborados projetos e desenvolvidas ações que espelhavam essa prioridade institucional. A definição das prioridades do setor Saúde ocorreu na IV Conferência Municipal de Saúde, em 1994, elegendo os projetos Vida - Reorganização da atenção à saúde da criança -, Controle e Avaliação e Urgência e Emergência como suas principais expressões. O Projeto Vida foi sendo implementado na Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), a partir do início de No início, foi planejado enquanto um projeto que permitisse o enfrentamento da mortalidade infantil no município. A Taxa de Mortalidade Infantil em Belo Horizonte sofreu um declínio gradual nos últimos dez anos (54,8/1000 em 1982 e 39,2/1000 em 1992). Entretanto, ao se trabalhar os dados de forma desagregada, evidenciavam-se desigualdades acentuadas entre as diversas regiões da cidade que mostravam o risco diferenciado das populações residentes em vilas e favelas (áreas de risco), nas quais essas taxas elevavam-se de forma perversa. Por exemplo, o aglomerado do Taquaril, onde habitam cerca de pessoas em precárias condições de vida, apresentava uma
5 4 taxa de mortalidade infantil de 64,6/1000. (Belo Horizonte, 1994). Esses diferenciais mostravam a necessidade de se aplicar uma nova estratégia para a redução da mortalidade, adotando-se, dentre outras coisas, o enfoque de risco. Esse enfoque pressupõe que os serviços de saúde analisem os problemas de sua área de atuação, definam prioridades e direcionem parte de suas ações aos grupos sociais mais dramaticamente excluídos do atendimento de suas necessidades. No caso do combate à mortalidade infantil, esses grupos prioritários foram identificados como aqueles residentes em áreas de risco. Para uma definição de áreas de risco em Belo Horizonte, a SMSA adotou critérios como: tipo de moradias, condições de infra-estrutura urbana, caracterizadas pela presença ou não de água tratada, esgotamento sanitário, pavimentação, iluminação, etc; riscos geológicos e outros riscos socioeconômicos já identificados por outros setores da Prefeitura como a Companhia de Urbanização, ou que o foram pelas equipes técnicas dos Centros de Saúde, que se utilizaram-se de pesquisas do tipo estimativa rápida, para consolidar as informações sobre um determinado território a partir de fontes, como as diversas formas de registros, de entrevistas com informantes chaves da comunidade e através da observação direta. Essas áreas foram geoprocessadas, utilizando-se o software MAPINFO, que permite a localização de endereços dos nascidos, dos casos sob vigilância, dos óbitos, dentre outros, e dos residentes nessas áreas de risco. Em 1993, foi implantado na SMSA, o Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC). Dessa forma, todos os nascimentos ocorridos nas maternidades do município passaram a ser comunicados à SMSA, através das Declarações de Nascidos (DN), e foi também montado um banco de dados relativos aos nascidos vivos. 2.1 A implementação do projeto de vigilância à mortalidade infantil Diante das desigualdades sociais e da evidência de que elas constituem um fator preponderante na mortalidade infantil, definiu-se como estratégia institucional em foco a Vigilância à Mortalidade Infantil, especialmente para aqueles recémnascidos de mães residentes em áreas de risco. Foram agregados na definição do recém-nascido (RN) sob vigilância alguns critérios obtidos a partir de informações do banco de dados do SINASC: RN abaixo de g (baixo peso), analfabetismo da mãe e mãe adolescente, aspectos já identificados na literatura como favorecedores de um maior risco de óbito. Assim, residir em área de risco somado a um dos critérios acima resultou em "estar mais evidenciado". Portanto tais crianças deveriam ser acompanhadas e monitoradas pelos Centros de Saúde.
6 5 A partir de março de 1994, todos os 123 Centros de Saúde (CS) iniciaram a localização dessas crianças, através de busca ativa domiciliar, com o agendamento da primeira consulta para acompanhamento no Centro de Saúde. 2.2 Como surgiu o problema do não acesso A Vigilância à Mortalidade Infantil inaugurou uma dinâmica nova na rede de serviços. As equipes de saúde passaram a ter de incorporar uma nova clientela, que era alvo de busca ativa, por apresentar um risco diferenciado. Essa prática criou um conflito entre as agendas já "lotadas" e o controle da puericultura. Aquela criança declarada publicamente como "prioritária" e buscada no domicílio para acompanhamento de rotina, quando chegava ao CS demandando assistência, num momento de instalação de uma doença aguda, muitas vezes não era sequer identificada e, como todas as outras, esbarrava na dificuldade do acesso. Assim, também para aquela criança prevaleciam os critérios de ordem de chegada na fila e limite de vagas para consulta médica, independentemente da situação de gravidade ou de risco. Nesse momento, a "magia" do "Projeto de Vigilância à Mortalidade" se desfazia, pois a criança não era identificada e não conseguia a assistência naquele local. Não era suficiente agendar a visita, marcar carro, ir até o domicílio para desejar as boas vindas e declarar que o CS estava lá para cuidar daquela criança, pois na hora em que ela adoecia e procurava a unidade esbarrava em uma agenda lotada, com inúmeras outras demandas pouco significativas, que consumiam recursos vitais, como o ato médico ou outras tecnologias terapêuticas. A declaração de "situação especial" tornava-se, na prática, sem efeito, restando a esta e a centenas de crianças, quem sabe milhares, a mesma resposta: "Acabaram-se as fichas, Volte amanhã". Restava à mãe, continuar a peregrinação pelos serviços de urgência, normalmente com baixa resolubilidade, aguardar em casa, e de novo, enfrentar a fila do dia seguinte. Talvez, quem sabe, a farmácia da esquina, ou A caracterização do não acesso Essa dura realidade foi sentida pelas diversas equipes e pelo nível diretivo. Assim, foram sendo motivadas reflexões mais abrangentes sobre o "não acesso". O grupo de condução do projeto iniciou a discussão com a rede, revendo posturas já consolidadas no serviço e tentando identificar as causas ligadas à não universalização do acesso, que passavam pela forma como os serviços de saúde historicamente vinham se organizando, consolidando práticas desumanizadoras e não acolhedoras, na maioria das vezes ineficazes. A maioria delas são bem conhecidas de todos nós e se caracterizam por: longas filas de espera que dobram noites e esquinas; os cartazes das portas das unidades de saúde informando o número de vagas para cada especialidade médica, restringindo o acesso de grande parte dos usuários; a distribuição de senhas que garantem o atendimento por ordem
7 6 de chegada dos usuários, sem ofertar outras alternativas, como: a escuta das necessidades trazidas pelos usuários, a avaliação da gravidade, o risco e a instalação de quadros agudos; as agendas dos profissionais médicos restritivas e administradas de maneira privada, além de tomadas por retornos e agendamentos prévios, mantendo uma clientela "cativa", que impossibilitam a chegada de novos usuários; os vigias dos prédios que cumprem a tarefa de "proteger a Unidade de Saúde dos usuários" f) os guichês burocráticos treinados para dar o doloroso "não tem vaga", "acabou a ficha", não se responsabilizando pela necessidade do usuário; o entendimento simplista de que o problema trazido pelo usuário é sempre de ordem biológica, sem perceber as outras dimensões (mental, epidemiológica, cultural e social), definindo, portanto, um fluxo unidirecional de resposta, agendando-se para o médico todas as demandas, o qual torna-se o único profissional com real inserção na assistência, negando-se todas as possíveis intervenções da equipe multiprofissional; e a desqualificação do trabalho de toda equipe, em que o saber médico é desperdiçado em demandas que poderiam ser respondidas por outros profissionais como enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais e psicólogos, os quais que por sua vez têm suas potencialidades inibidas, pois o acesso é restrito e direcionado para um ato médico, pobre, simplificado e desarticulado do trabalho dos demais profissionais, sem ação de vínculo e responsabilidade. (MERHY, 1994, FERREIRA, 1995, MALTA, 1994). Poderíamos citar outros exemplos que demonstram a lógica perversa na qual a maioria das Unidades de Saúde, não só de Belo Horizonte mas em todo país, vem se apoiando para organizar os serviços e realizar as ações de seu cotidiano. Diante dessas questões, foram surgindo contribuições para repensar o processo de trabalho em Saúde. Foram levadas em consideração experiências vivenciadas em outros municípios, como Paulínea, Campinas e Ipatinga, que recusaram-se a adotar modelos totalmente burocratizados ou puros tocadores de fila, que são ineficientes pois gastam recursos quase sem benefício e ineficazes pois não resolvem quase nada e ao contrário geram mais demanda. Estas propostas alternativas resgataram a possibilidade de intervenção de toda a equipe, bem como de estabelecer-se um pacto coletivo pela defesa da vida e pela melhoria da qualidade do serviço público. As questões centrais eram indagadas da seguinte forma: Como garantir o acesso aos usuários? Como trabalhar com outros critérios, além da ordem de chegada? Como identificar situações de risco, avaliar gravidade, permitir que todos expressem o seu sofrimento? Como a equipe pode fazer uma abordagem integral, de maneira a contemplar aspectos biológicos, epidemiológicos, psíquicos, culturais e sociais dos problemas dos usuários? Como garantir a atuação em equipe? Como
8 7 construir uma intervenção multiprofissional na assistência? Como repensar o processo de trabalho atual para permitir que tudo isso ocorra? Como alterar a organização, a gestão e o modo de trabalhar das unidades com ação conjunta dos trabalhadores em torno dos novos lemas? 2.4 As alternativas assistenciais, o Projeto Acolhimento Neste contexto, foram sendo gestadas, dentro do grupo de condução do Projeto Vida, reflexões e propostas que dariam corpo a um modelo desafiador para a rede pública municipal, visando reorganizar toda a assistência, mexendo no cotidiano das unidades, revendo práticas consolidadas e repensando o trabalho em Saúde. Assim, a proposta de mudança de processo de trabalho foi tomando forma. Para a implantação do Acolhimento, foi preciso construir coletivamente a proposta com as equipes locais, para que, de fato, as mudanças pudessem ocorrer e para que a defesa da vida fosse adotada como lema das equipes. 3 - OS PROCESSOS VIVENCIADOS E AS METODOLOGIAS EMPREGADAS A seguir, serão detalhados os processos e as metodologias empregadas, no sentido de levar a discussão às equipes locais, visando ao enfrentamento da mudança do processo de trabalho. O I Seminário de Avaliação do Projeto Vida, realizado em 20 de dezembro de 1994, apontou inúmeras dificuldades operacionais na implantação do projeto, relacionadas, principalmente, à falta de estímulo dos profissionais, de remuneração justa, de capacitação técnica e de não participação na elaboração dos projetos. Foram apontadas, ainda, dificuldades como o baixo entendimento do projeto por parte dos trabalhadores da ponta e a desarticulação nos níveis diretivos na condução do projeto, levando, inclusive, a não tê-lo como prioridade no cotidiano institucional. No que se referia à questão assistencial, surgiram, enquanto nó critico, apontado pelos profissionais, a dificuldade de acesso da população aos Centros de Saúde e a impossibilidade de se atender os casos agudos. No II Seminário do Projeto Vida, realizado em janeiro de 1995, produziu-se um conteúdo muito rico do ponto de vista das discussões e do elenco de ações propostas. Para serem processados, foram selecionados os seguintes problemas: falta de estrutura da rede para atenção ao agudo e Acolhimento das crianças; falta de organização do processo de trabalho para implementar o projeto; falta de sensibilização / homogeneização quanto ao conhecimento do projeto, levando à não adesão dos níveis; falta de integração com áreas da SMSA e falta de legitimidade do grupo condução.
9 8 No processamento desses problemas, foram definidas ações que redesenharam o rumo do projeto, a saber: em relação à legitimidade do grupo de condução, propôs-se a integração ao grupo de representantes das equipes distritais e locais, trazendo contribuições importantes das realidades vivenciadas pelas equipes nas unidades de saúde; em relação à não integração das áreas, foi redefinido o papel do Departamento de Coordenação de Ações de Saúde e Serviço de Atividades Assistenciais, pois percebeu-se que o sucesso do projeto dependia da participação efetiva dos níveis diretivos na sua condução, intermediando a relação com a rede de serviços; e, em relação à necessidade de mudar a forma de organização dos serviços, o colegiado da SMSA propôs iniciar discussão com as equipes do Distrito Sanitário Leste (DISAL), visando mudanças no processo de trabalho em saúde. Para assessorar o Grupo de Condução do Projeto Vida, foi convidado o Laboratório de Administração e Planejamento em Saúde (LAPA) da UNICAMP. Os processos vivenciados a partir da nova conformação do Grupo de Condução, e agora assistidos pela consultoria desencadearam uma nova dinâmica na condução do Projeto Vida, que será descrita a seguir. 3.1 construção do texto do Projeto Vida: Desde o I Seminário de Avaliação do Projeto Vida, percebia-se que os vários níveis gerenciais - central, distrital e local - apreenderam a proposta do projeto de forma diferenciada. A primeira tarefa assumida pelo Grupo de Condução foi tornar consensual os objetivos e alcances do projeto. O texto a seguir sintetiza o consenso construído. "O Projeto Vida busca estabelecer um vínculo entre a equipe de saúde e a população, favorecendo o acesso aos serviços de saúde, através de um Acolhimento de qualidade em todos os níveis de assistência, com objetivo de melhorar a qualidade de vida. Para isto, torna-se necessário estabelecer uma nova forma de trabalhar, de modo que a equipe, utilizando todo o seu potencial, se responsabilize pela saúde e seja referência para a população de sua área de abrangência. A reorganização da assistência pressupõe uma articulação de todos os níveis, seja público ou privado, regulada pelo setor público, bem como articulação intersetorial, assegurando a qualidade da assistência prestada, para produzir impacto no perfil de morbi mortalidade. Inicialmente esta reorganização priorizará a saúde da criança desde a opção pela concepção, acompanhamento do pré-natal, nascimento e vida.
10 9 Este processo deve garantir a participação de todos os níveis no processo de formulação, decisão e execução, e ainda desenvolver estratégias diferenciadas de acordo com cada realidade''. (Belo Horizonte, 1995). Após a explicitação deste consenso, foi possível trabalhar as expectativas do grupo e redefinir estratégias para formulação e implantação de novas ações. 3.2 Construção da agenda política do grupo de condução do Projeto Vida: Havia a compreensão de que o Projeto Vida constituía-se num dispositivo institucional que influenciava o processo de trabalho das Unidades de Saúde e a organização do modelo assistencial, além de demandar a reorganização deste modelo. A assessoria aprofundou a reflexão sobre a necessidade de aproximar os níveis de formulação, decisão e execução, rompendo as "velhas" estratégias normativas. Um passo importante neste caminhar foi a constituição do Grupo de Condução do Projeto Vida como ator dirigente, com capacidade de explicitar este projeto, buscando recursos para implementá-lo, definindo formas de ação, transformando-se num centro produtor de estratégias, compondo sua agenda de ações, de forma a aumentar sua governabilidade, permitindo a viabilização de grandes mudanças. Na construção da "agenda de ações", foram traçados os seguintes caminhos estratégicos para as intervenções necessárias: formular proposta para normatizar ações de assistência; viabilizar a mudança do processo de trabalho da equipe que atende à criança e gestante; demandar ao Sistema de Informação e Epidemiologia a sistematização da avaliação da atenção à criança e gestante; integrar diversos setores e projetos; viabilizar referências e contra-referências como Maternidades, Urgência/Emergência, Apoio Diagnóstico e Terapêutico, Referência Secundária, Leito de Risco e ambulância; sensibilizar a rede para a divulgação do projeto externa e internamente e viabilizar os indicadores do projeto como um dos itens básicos da avaliação de desempenho. Foi construída uma Planilha, na qual todas essas as operações foram acompanhadas e monitoradas, visualizando, passo a passo, todos os progressos e dificuldades encontradas. O processo de construção da agenda política do Grupo de Condução não só consolidou este ator político como possibilitou maior clareza dos passos a serem percorridos, subsidiando o disparo de várias ações nos níveis distrital e local. Este processo também permitiu aos membros deste grupo visualizar a dimensão do projeto, mostrando a necessidade de sua articulação interna e externamente com vários outros atores, extrapolando o espaço da gestão local para espaços de macropolíticas. (Belo Horizonte, 1995). 3.3 Construção do projeto para o distrito piloto
11 Construção do entendimento e busca de adesão O Acolhimento consiste na mudança do processo de trabalho em Saúde de forma a: atender a todos os que procuram os serviços de saúde, restabelecendo no cotidiano o princípio da universalidade, assumindo nos serviços uma postura capaz de acolher, escutar e dar a resposta mais adequada a cada usuário, restabelecendo a responsabilização pela Saúde dos indivíduos e a conseqüente constituição de vínculos entre profissionais e população; reorganizar o processo de trabalho, de modo a possibilitar a intervenção de toda a equipe multiprofissional, encarregada da escuta e resolução do problema do usuário. O fluxo de entrada não mais se processa de forma unidirecional, agendando-se para o médico todos os pacientes que chegam; toda a equipe participa da assistência direta ao usuário e são encaminhados para a consulta médica, apenas aqueles que dela necessitam. Dessa forma, toda a equipe se insere na resolução do problema, colocando-se em prática outros "saberes" existentes na equipe, potencializando-se a capacidade de resposta e intervenção. O Acolhimento foi implantado inicialmente no Distrito Sanitário Leste (DISAL). O primeiro passo foi promover a discussão com a equipe do DISAL, os gerentes da 15 Unidades de Saúde, visando garantir a participação de todos e buscando a adesão de todos os níveis no processo de formulação, decisão e execução. Foram realizadas várias oficinas, nas quais se construiu a percepção sobre a proposta do Acolhimento. Em uma dessas oficinas em junho de 1995, trabalhou-se sobre como seria o fluxo do Acolhimento. (Belo Horizonte, 1995). O painel construído foi: Fluxo do Acolhimento (equipe de Acolhimento) RESOLVE RECEBE ESCUTA ANALISA DECIDE ENCAMINHA CONSTRÓI VÍNCULO INFORMA O fluxo construído pelo grupo expressava o Acolhimento como uma etapa do processo de trabalho. Este fluxo apresenta um processo que tem uma entrada, percorre opções e tem uma saída. No setor Saúde, este processo é dinâmico, estando permanentemente sofrendo mudanças, imprimidas pelo cotidiano, em que atores em cena criam novas possibilidades de ação. Entretanto, é insuficiente constituir-se somente enquanto uma etapa do processo de trabalho; torna-se
12 11 necessário "mudar toda a postura da equipe", de forma que o Acolhimento ocorra em todos os locais e momentos da Unidade. Colocou-se para a equipe que o Acolhimento deve ser entendido e praticado como conteúdo, como um momento tecnológico importante que pode imprimir qualidade nos serviços de saúde. O ato de escuta é diferente de "ato de bondade"; é um momento de "construção de transferência". O Acolhimento requer que o trabalhador utilize seu saber para a construção de respostas às necessidades dos usuários. Para facilitar a compreensão deste novo modelo, foram realizados debates com o grupo de gerentes do DISAL, na qual responderam a duas questões: Qual seria "a missão do Centro de Saúde" diante do Projeto Vida? E quais deveriam ser as ações realizadas na Unidade de Saúde para a implantação do Acolhimento? A seguir, apresenta-se o resultado da discussão de um dos grupos: a) Missão do CS Responsabilizar-se pela saúde da população da área de abrangência. b) Cardápio de atividades A equipe decidiu-se pela reorganização das ações desenvolvidas, com vistas a facilitar o acesso, imprimir qualidade, resolubilidade e vínculo, bem como destacar uma equipe de Acolhimento para ordenar o fluxo dentro e fora da Unidade com a função de resolver, informar, encaminhar e articular. Imaginou-se um Centro de Saúde em que haveria uma nova placa com os dizeres: "Sob nova direção". Senhor usuário, reorganizamos nossa equipe para melhor atendê-lo. Temos uma equipe capacitada para recebê-lo, de 7 às 19horas, e proporcionar a resposta mais adequada para o seu caso". E, a seguir, eram listadas toda as atividades desenvolvidas pelo CS : Consulta de pediatria, puericultura, recém nascido de risco, intercorrências 0 a 12 anos, desnutrido, consulta de enfermagem, grupos operativos, dentre outras Instrumentos para a intervenção Plano de ação _ Posteriormente, trabalhou-se junto aos gerentes do DISAL a elaboração de um plano de ação, para desencadear a discussão junto aos trabalhadores de nível local. Pretendia-se ganhar a adesão da equipe e repensar a organização do processo de trabalho e sua gestão no nível das Unidades de Saúde. Para conquistar a adesão dos trabalhadores, promoveram-se discussões sobre a missão da Unidade, sobre o papel desempenhado pelo trabalhador e sobre
13 12 a explicitação dos objetivos e das ações do Projeto Vida, refletindo-se sobre a necessidade de mudança no processo de trabalho. Essa reflexão era feita utilizandose a análise de situações reais do cotidiano. Por exemplo, o fluxo da porta de entrada, dificuldades de acesso dos usuários, estudos de caso, vigilância ao óbito. A implementação de um plano de ação requer avaliação dos recursos necessários, o controle dos mesmos, a discussão da viabilidade do projeto, a análise dos fatores favoráveis e desfavoráveis; ou seja a análise da governabilidade do gestor. É necessário entender a realidade como um processo dinâmico, sujeito a surpresas que podem alterar a "rota" pensada, sendo preciso preparar-se para criar opções. Os gerentes de nível local apropriaram-se da metodologia e desencadearam os seus projetos locais, muitas vezes contando com o apoio da equipe do DISAL e do Grupo de Condução do Projeto Vida. O exemplo a seguir mostra como um dos gerentes do DISAL planejou a sua ação. Plano de ação de Acolhimento 1 Momento : Explicitação do Projeto Vida e situação do projeto no Centro de Saúde _ Como você percebe sua participação no projeto? 2 Momento: Dinâmica de grupo que sensibilize a equipe para necessidade de mudar (perceber os problemas da atuação atual) _ Eventos sentinelas: (Óbito infantil e materno). 3 Momento: Refletir sobre a missão da equipe _ Analisar o processo de trabalho _ Propor mudanças necessárias _ Construção de ações possíveis para a unidade _Fechar c/: vídeo "Portas Abertas" é possível mudar 4 Momento: Estabelecer estratégias _ Acordo interno com a equipe e com a comunidade _ Articulações necessárias com a rede para aumentar resolubilidade: ex: nível secundário, terciário, urgência, ambulância em todos os horários estabelecidos, etc. _ Estabelecer rotinas de avaliação do trabalho, e indicadores. _ O que funcionou? O que não funcionou? Por quê? Rede de petição e compromisso _ A área pública produz poucos instrumentos para medir resultados (Gestão de Resultados). A literatura sobre o assunto representa grande influência das escolas clássicas com Fayol e Taylor, principalmente a área da Saúde Pública. Assim hoje ainda são adotados paradigmas
14 13 administrativos destas escolas: gestão por atividades ou funções (MERHY, A, B.). Ao introduzir-se uma outra lógica, por exemplo, a "Gestão por Resultados" ou "Gestão por Conseqüência", admite-se uma possibilidade de constituição do gestor coletivo. Pode ser montado um sistema de avaliação e controle, compartilhado pelo conjunto da equipe, com indicadores que considerem o "contrato", entre os diversos atores (governo, trabalhadores das diversas unidades, etc). Deste modo, num processo coletivo, é possível realizar um "contrato" no interior das equipes e construir um "pool" de ações. Neste contrato, os atores vão declarar sua intenção. Assim, o ator governo, que porta um projeto político, deve definir os parâmetros utilizados para avaliação desse projeto. A equipe da US define os produtos e os resultados que esta Unidade vai criar dentro do projeto (MERHY, A, B.). Neste sentido, a Rede de Petição e Compromisso foi utilizada enquanto mais um instrumento gerencial, auxiliando os diversos atores no estabelecimento de "contratos", na definição de intencionalidades e no monitoramento de resultados. Foi colocada em prática nos Distritos Sanitários: Leste, Centro Sul, Barreiro e outros, sempre no sentido de selar compromissos e definir claramente as atribuições entre os diversos níveis. Fluxograma Analisador _ A fim de facilitar a compreensão dos diversos atores sobre o cotidiano das Unidades de Saúde no "seu fazer diário", foi proposto pela assessoria um novo instrumento, o Fluxograma Analisador. Através desta ferramenta, foi possível refletir sobre como é o trabalho no dia a dia dos serviços, quem trabalha, o que faz, para que, por que, como? (MERHY, 1997, A.). O fluxograma, consiste num diagrama, em que se desenha um certo modo de organizar os processos de trabalho que se vinculam entre si e em torno de uma certa cadeia de produção. (MERHY, 1997, A.). Alguns dos símbolos utilizados são padronizados universalmente. Por exemplo, o desenho de uma elipse mostra tanto o começo quanto o fim de uma cadeia produtiva portanto a representação da entrada e da saída do processo global de produção. Um retângulo mostra os momentos nos quais se realizam as etapas de trabalho importantes na cadeia produtiva, como o consumo de recursos e a produção de produtos bem definidos; Um losango representa momentos de enfrentamento e de tomada de decisão. Portanto, o diagrama permite representar o que ocorre em qualquer serviço de saúde, esquematizando, de uma forma básica, todos os processos chaves que ocorrem e caracterizam determinado serviço. Ele permite ainda a abertura de novas questões, conforme as interrogações que lhe sejam feitas, revelando um processo reflexivo e acumulativo. Constitui-se, pois, em instrumento que implica reconstruir os fluxogramas reais que os usuários percorrem,
15 14 fotografando as entradas no. processo, as etapas percorridas, as saídas e resultados alcançados, permitindo, dessa forma, a análise de caso: atravessá-lo pelo olhar analisador e perguntar a este processo fotográfico as questões que interessam tanto do ponto de vista do usuário, quanto do ponto de vista do projeto, ou do Acolhimento, por exemplo o fluxograma significa, então, uma ferramenta para reflexão da equipe. Os saldos positivos são inúmeros. Por exemplo, o acordo entre as pessoas para rever o processo de trabalho e a possibilidade do olhar analisador. (MERHY, 1997, A.). O fluxograma pode também mostrar, em determinados momentos, interesses distintos quanto ao modo de governar a instituição. Deve-se construir nas equipes um "olhar analisador", um olhar armado para analisar a realidade, em que os trabalhadores se tornem sujeitos para criar a "carta de opções" que os serviços podem oferecer, a partir da análise permanente do cotidiano. Esse instrumento foi utilizado no DS Leste e nos demais, enquanto um instrumento gerencial que visava desvendar o cotidiano das unidades, servindo também para a reflexão das equipes acerca do seu cotidiano. Foi extremamente útil, servindo para descortinar diversas situações, bem como auxiliar no planejamento das equipes. A Fig. 1 demonstra um fluxograma desenhado por um Centro Saúde Taquaril (DS leste). FLUXOGRAMA CENTRO DE SAÚDE TAQUARIL - MAIO/ 96 Origem Procedimentos Produto Área de abrangência 87,5% Agendamento 44 Vacina: T=33 (100%) Autorização de exames 22 Farmácia Outros bairros da Leste pessoas pessoas Decisão Pediatria 62 T=29=> 28.7% (A. V. Cruz, Saudade, (98.1%) Clínica 12 P=28=> 27,7% Vera Cruz) - 11,7 % Pré-natal 2(enf.) N=44=> 44,6% não sim Cons. Enf. 4 Cons. Especializada Bairros fora da Leste. Grupo (P.F.) 5 S= 3=> 18.75% 0,4% 5 pessoas não Farmácia: 101 N=13=> 81,25% outros municípios devolveram o 18 pessoas 249 pessoas Vacina: 33 Pediatria: 62 cons. 0,4% impresso do.(6,75%).(93,25%) Teste do Pezinho: 3 Altas: 30 => 48,4% fluxograma Clínica: 9 Curativo S 8 Retornos: 30 => 48.4% Motivo da Procura Ginecologia; 2 N 7 Especialidade: 2 Agendamento: 4 Odontologia: 7 Odontologia 28 Laboratório: 8 Aux. Exames: 6 Proced. Enferm. 28 Clínica: 12 cons. Pediatria 65 Marcação de Consulta Altas: 4 => 33,3% Clínica: 21 Especializada 16 Retornos: 6 => 50% Ginecologia: 2 Laboratório: 8 Laboratório: 2 Pré-natal: 2 Informação: 3 Psicologia: 1 Ass. Social: 3.=> Equipe reconheceu a Grupo (PF): 5 Equipe C.S. Cópia de Cartão a importância do registro Farmácia: 50 5 Pediatras de Vacina 1.=> Pelo fato da porcentagem Vacina: 22 1 Clínico Autoclave no conserto de retornos na clínica ser Teste Pezinho: 3 1 Psicologo de Material sendo de hipertensos a equipe Curativo: 15 2 Ass. Social esterelizado fora decidiu formar o grupo de Odontologia: 35 Outros 1 Enf. Total: 383 hipertenso. Proced. Enf.: 10 Inf.: 3 11 Auxiliar enf..=> Preocupação da equipe Marcação cons.: Ass. Social: 3 4 Dentistas com acolhimento do adulto Especializada: 16 Cópia cartão 4 ACD Laboratório: 8 de Vacina: 1 1 THD
16 a expansão por toda a rede Os instrumentos metodológicos foram sendo utilizados com as equipes distritais e locais. Os resultados desse processo foram interferindo no cotidiano das unidades, produzindo modificações nas realidades, e, uma a uma, as unidades foram repensando o seu processo de trabalho e propondo ações partilhadas entre os trabalhadores. Tudo isso resultou em Centros de Saúde mais acolhedores e que de fato resolviam o problema do usuário. Esse movimento foi em cadeia, como relatado nos textos das experiências do Distritos Sanitários Barreiro e Oeste. Assim, foi se dando a apropriação da proposta de mudança pelos trabalhadores da rede, ocorrendo experiências, sem dúvida, inovadoras e arrojadas. A potência dessas experiências, era, entretanto, determinada pela capacidade do gestor distrital e local. Onde a gerência estava de fato convencida do projeto, a sua implantação foi garantida. Portanto, a capacidade gerencial foi definidora na implementação da proposta. 4 OUTRAS INTERVENÇÕES 4.1 PRÓ-SUS _ Avaliação de Desempenho Para consolidar um modelo assistencial que adota como princípios norteadores a garantia de acesso, o atendimento humanizado e o compromisso com a resolução dos problemas dos usuários, a SMSA definiu por tornar disponíveis mecanismos e ferramentas que aumentassem a governabilidade dos gestores dos serviço, contribuindo para motivar os trabalhadores e, ao mesmo tempo monitorar a implantação desse modelo. Assim foi implantado, no PRÓ-SUS _ Projeto de Avaliação de Desempenho _ com o objetivo de se constituir em instrumento de gestão, a partir do acompanhamento e avaliação dos resultados, considerando metas alcançadas, garantindo incentivos profissionais de gratificação de desempenho para as equipes que aderissem ao projeto. A avaliação tem como referência o desempenho da equipe, e o pagamento está condicionado ao alcance das metas definidas coletivamente, previament ao período estipulado para avaliação. É importante destacar que o prêmio de incentivo de desempenho não se incorpora ao vencimento ou salário do servidor. Em primeiro lugar, vivenciou-se um intenso processo de formulação de um conjunto de indicadores que mediriam os resultados das ações do Projeto Vida. Destes, alguns seriam selecionados para constarem da planilha de avaliação de desempenho das equipes, considerando as metas institucionais pretendidas e acordadas com os níveis distritais e locais. O processo de construção dos indicadores e das planilhas de avaliação propiciou o aprofundamento de reflexões sobre o cotidiano dos serviços, suas
17 16 contradições, bem como a introdução de diversas avaliações sobre o Projeto Vida e o Acolhimento. No que se refere ao ator governo, significou explicitação e garantia das diretrizes institucionais, pactuando com os trabalhadores a inclusão dos indicadores relativos ao Projeto Vida e Acolhimento na planilha de avaliação. Esse movimento implicou em ampla discussão, apropriação e questionamentos das diretrizes do projeto com a rede. Também possibilitou que os vários atores explicitassem seus projetos individuais e coletivos para o setor Saúde, permitindo o debate público dos espaços privados de trabalho. Por exemplo: agendas lotadas com retornos desnecessários, socialização dos conhecimentos e discussões em torno das decisões tomadas. A Avaliação de Desempenho, se por um lado representou grande avanço na implementação do Projeto Vida, por outro lado levou a uma compreensão excessivamente normativa, engessando alguns processos e levando a dificuldades operacionais, principalmente na implementação dos protocolos de assistência. Alguns indicadores que consideravam populações de área de abrangência passaram a significar uma restrição do acesso de usuários residentes fora da área, reforçando o equívoco de "cerca" entre as unidades. Outro problema foi a dificuldade de contemplar, nas planilhas de metas, as diversidades das Unidades de Saúde envolvendo, por exemplo, ade composição quantitativa e qualitativa das equipes e perfis epidemiológicos das área de abrangência. Este processo de reflexão levantou a necessidade de se rever e flexibilizar alguns pontos dos protocolos, bem como alguns indicadores e metas. Veja mais sobre Avaliação e Desempenho no capítulo específico. 4.2 Elaboração de protocolos e capacitação das equipes A proposta do Acolhimento implicava a inserção do conjunto dos profissionais ligados diretamente à assistência. Surgiu então, a demanda pela capacitação das equipes, pela definição de atribuições entre as categorias, bem como pela padronização de condutas assistencias. Assim, iniciou-se uma discussão conduzido por um grupo multidisciplinar, formado por técnicos da rede e do nível central. Esse trabalho contou também com a participação de professores da Universidade Federal de Minas Gerais, envolvendo também o Comitê de Padronização de Medicamentos da rede. Foram padronizados temas como Acompanhamento de Crescimento e Desenvolvimento da Criança e Prematuro, Diarréias, Parasitoses, Doenças Respiratórias, Acompanhamento do Pré - Natal, dentre outros. Embora o conteúdo técnico dos protocolos esteja nos textos dos livros didáticos, o avanço deve-se ao processo de formulação sob a ótica da intervenção multiprofissional, legitimando a inserção de toda a equipe na assistência, a humanização do atendimento, a identificação de risco por todos os profissionais, a
18 17 definição de prioridades, a padronização de medicamentos, enfim a qualificação da assistência. Esses protocolos resultaram em avanços, possibilitando a capacitação técnica dos vários profissionais em serviço. O processo de capacitação deu-se de forma diferenciada entre os diversos distritos. Alguns optaram por seminários envolvendo as equipes de atenção à mulher e à criança das diversas unidades, outros trabalharam com discussões na própria Unidade de Serviço. Merece destaque o tema Doenças Respiratórias, devido à grande incidência das mesmas, constituindo-se na principal causa de mortalidade em crianças na faixa etária abaixo de 5 anos. Outra característica dessa faixa é o elevado número de internações, com demanda direta aos serviços de urgência e sem o oferecimento de terapias profiláticas. Este fato motivou a realização de uma proposta de intervenção no Distrito Sanitário Oeste, que tem como ação central o acompanhamento dos egressos hospitalares pelas equipes locais, as quais se responsabilizam por esses cuidados e vinculam essas crianças aos Centros de Saúde. Além disso, foram utilizadas novas tecnologias, como medicamentos inalatórios, espaçadores e definição de protocolos para encaminhamentos para os demais níveis de assistência. 5 AVANÇOS Resgatando a história da construção do SUS e da Reforma Sanitária, retornamos à década de 80, no momento em que fervilhavam os movimentos populares urbanos, ocorria a mobilização em torno da VIII Conferência Nacional de Saúde e propunha um novo modelo de assistência à saúde, com diretrizes definidas pelos princípios de cidadania, da extensão de cobertura, enfim inclusão social. A mobilização popular permitiu que os princípios acordados se consubstanciem em arcabouço jurídico, através de sua inclusão na Constituição Federal de A Lei Orgânica da Saúde _ Lei 8080, de setembro de 1990 _ expressa as conquistas contidas na Constituição de Portanto, existe todo um arcabouço jurídico, com princípios democráticos e universalistas. Entretanto, na prática, os avanços conquistados nem sempre têm sido garantidos. A política governamental que se seguiu optou pela redução de verbas para o setor, pelo estrangulamento progressivo e pela tentativa de implantação de um modelo neoliberal também para a Saúde. A proposta da implantação do ACOLHIMENTO significou a possibilidade de resgatar princípios e, no cotidiano dos serviços, responder concretamente com a ampliação do acesso e humanização das relações.
19 18 Tal mudança do processo de trabalho tem possibilitado melhorias na relação com os usuários, estreitando-se os vínculos e levando a uma ampla reflexão das equipe locais sobre a sua responsabilização com os mesmos e com o processo de nascer e morrer da população. Neste sentido, as discussões com os usuários, em especial com as Comissões Locais de Saúde, constituíram-se em momentos importantes na implementação do Projeto. A V Conferência Municipal de Saúde, realizada em abril de 1996, significou um marco na compreensão dos usuários acerca da importância do Acolhimento. Aprovada enquanto diretriz fundamental, recomendava inclusive, sua ampliação a todas as Unidades de Saúde. Ocorreram, ainda, outros momentos de grande importância, como o debate no Sindicado dos Médicos de Minas Gerais, nas Conferências Distritais e no Conselho Municipal de Saúde, que também ampliaram a compreensão e o consenso relativos ao Acolhimento. Através de amplo processo reflexivo, houve um reconhecimento de que, através da reorganização do processo de trabalho, haveria a possibilidade de melhorar a utilização dos recursos da Unidade de Saúde, qualificando o trabalho dos profissionais, inclusive do médico. O Acolhimento significou ainda a ruptura do modelo centrado nas fichas para consulta médica, integrando todos os profissionais na assistência e permitiu o resgate do sentido do trabalho multiprofissional em Saúde, estabelecendo-se um novo pacto entre os profissionais da equipe e qualificando o produto final ofertado. Outro avanço constitui-se na implantação dos protocolos assistenciais, tanto por qualificar o ato em Saúde, quanto por definir condutas clínicas e critérios de acompanhamento, capacitar profissionais, definir critérios de risco, racionalizar o apoio diagnóstico e terapêutico, permitindo-se um planejamento institucional acerca da necessidade de exames e medicamentos padronizados. Os protocolos foram formulados sob a ótica da intervenção multiprofissional, legitimando a inserção de toda a equipe na assistência, definindo a participação das diversas categorias, possibilitando com isso a identificação de risco por todos os profissionais e a definição de fluxos, retornos, etc. Através dos protocolos, estendeu-se a potência das atividades da enfermagem, na medida em que a instituição passou a normatizar e a respaldar determinadas ações, reconhecendo estes atos em Saúde como sendo da competência técnica de determinada categoria profissional. Portanto, houve o reconhecimento da importância e da necessidade da atuação de toda a equipe na resposta assistencial, valorizando-se o conjunto da equipe no fazer em Saúde. Fato importante foi a necessidade de estruturar momentos de capacitação técnica e de reciclagem dos vários profissionais envolvidos na proposta. O processo de capacitação deu-se de forma diferenciada entre os diversos distritos, mas
20 19 possibilitou a qualificação e a socialização dos conteúdos técnicos, garantindo as trocas e a melhoria da qualidade do serviço prestado. Outro ponto positivo do Acolhimento foi a possibilidade de unir, no cotidiano, a vigilância à saúde, representada pelo acompanhamento aos nascidos de risco, aos desnutridos, às gestantes, dentre outros grupos, e a assistência a demanda espontânea, práticas anteriormente produzidas como antagônicas e contraditórias. O Acolhimento mostrou na prática que é possível integrar esses dois momentos assistenciais, sem contradição e possibilitou, a mudança de percepção do Projeto Vida pelos trabalhadores, que no início o viam como algo fragmentado entre os diversos níveis. À medida que foi sendo implementado com a participação dos trabalhadores, melhorou a integração, propiciando uma apropriação dos alcances do projeto, da possibilidade de definição do fazer pelas próprias equipes, bem como de sua apropriação enquanto algo coletivo. O Acolhimento associa o discurso da inclusão social, da defesa do SUS, a um arsenal tecnicamente potente, que vai desde a reorganização dos serviços de Saúde, a partir do processo de trabalho, até a construção de um processo de mudanças estruturais na forma de gestão da Unidade, permitindo a ampliação de espaços democráticos de discussão e de decisão, por ampliar os espaços de escuta, de trocas e decisões coletivas. 6 DIFICULDADES ENCONTRADAS O ACOLHIMENTO constituiu-se num potente disparador de mudanças, permitindo uma profunda reflexão dos problemas anteriormente existentes no serviço, os quais, com a mudança do processo de trabalho, vêm a tona com toda a força: área física inadequada, insuficiência quantitativa e de capacitação de RH, falta de protocolos, dificuldade de obtenção de apoio diagnóstico e de consultas especializadas, falta de medicamentos, ambulância e leitos, falhas dos processos gerenciais, enfim, inúmeros problemas que não são nenhuma novidade para as equipes, afloraram como problemas emergentes. Esses questionamentos apontavam falhas no Sistema de Saúde, mas na prática permitiram a articulação de respostas, a redefinição de papéis e de redes de ajuda, o maior apoio da proposta por parte do gestor, exigindo, sem dúvida, maior mobilização de todos os atores. Dentre as dificuldades enfrentadas, algumas devem ser enfatizadas, como a necessidade de maior participação e envolvimento dos dirigentes da SMSA, em seus diversos níveis (local, distrital e central). Alguns gerentes de nível local operaram enquanto resistentes ao projeto, sendo necessário estabelecer estratégias para conquistar adesão dos mesmos, outros implantaram a proposta de forma equivocada, em função do PRÓ-SUS (Avaliação de Desempenho), sem discussão
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