DIREITO A lei de Crimes Hediondos e a Constituição Federal Adalgisa Maria Oliveira Nunes Ms. Amélia de Fátima Aversa Araujo Resumo Palavras-chave

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1 DIREITO A lei de Crimes Hediondos e a Constituição Federal Adalgisa Maria Oliveira Nunes Pesquisadora Ms. Amélia de Fátima Aversa Araujo Orientadora Resumo Este trabalho faz uma abordagem da lei de Crimes Hediondos à luz da Constituição Federal de 1988, avaliando os princípios que a fundamentaram e sua relação com outras leis especiais, existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica na doutrina dedicada ao tema e a análise de jurisprudência constante em publicações especializadas. Palavras-chave: Crimes hediondos. Legislação Penal. Constitucional. Abstract This essay makes an approach to the law of hideous crimes at the light of the Federal Constitution of 1988, evaluating the principles that had based it and its relation with other special laws, existing in the Brazilian legal system. As the methodology we used the bibliographical research in the dedicated doctrine of the subject and the analysis of constant jurisprudence in specialized publications. Key words: Cideous crimes. Penal legislation. Constitutional. 31

2 Adalgisa Maria Oliveira Nunes 32 Introdução A lei de 25 de julho de 1990, popularizada pelo nome de Lei de crimes hediondos veio ao encontro de uma série de reivindicações populares motivadas por ações violentas da polícia militar no sudeste do país e por longo histórico de agressões aos direitos individuais praticados pelo governo no período denominado de Ditadura Militar. Mas, mesmo a edição desta lei e das que posteriormente a modificaram, colocou um ponto final sobre a tipificação e o apenamento dos crimes ali listados. De fato, a história brasileira, notadamente aquela que se desenrolou nos últimos 60 anos, foi marcada pelo relato de torturas e de violências praticadas não apenas por criminosos, como também pelas forças repressivas do Estado, quando muitas vezes não era impetrada pela própria força incumbida de reprimir abusos e garantir a integridade física dos cidadãos. Essa histórica agressão aos direitos, hoje constitucionalmente garantidos, foram denominados ao longo do tempo de crimes hediondos, muito embora essa nomenclatura esteja muito mais associada, modernamente, aos crimes praticados pela criminalidade, sendo aqueles praticados no exercício do poder de polícia do Estado, por outros tipos penais. De fato, a Constituição Federal de 1988, que se firmou no mundo jurídico internacional como verdadeira carta de defesa aos Direitos Humanos e de garantias individuais, sistematiza a repressão a esses crimes, embora delegue à lei infraconstitucional a tarefa de não apenas ou meramente elencar os crimes assim rotulados, mas principalmente definir o que seriam crimes hediondos, esta última tarefa não cumprida pela Lei especial n de 25 de julho de Essa Lei sofreu críticas diversas desde o seu nascedouro, com várias modificações que introduziram novos tipos em seu art. 1º, tais como a adulteração de e falsificação de substâncias alimentícias. No ano de 2006, o Supremo Tribunal Federal editou súmula pondo um ponto final na discussão sobre a possibilidade de progressão de regime do fechado para o semi-aberto para presos condenados por essa espécie de crime. O STF, através desse entendimento apenados, pelo cometimento de crimes hediondos podem requerer o benefício. Parte do antigo artigo, segundo artigo, foi considerado inconstitucional. Conceituação e a edição da Lei A dificuldade começa pela própria definição de hediondo. Etimologicamente o termo hediondo entra no vernáculo pelo castelhano antigo hediente, depois hediondo, alteração de fediondo, repugnante, com origem remota no latim foetibundus, fedido. No latim, a palavra formou-se do verbo foetere, cheirar mal, e o sufixo bundus, indicador de excesso, como em moribundo (muito próximo da morte), meditabundo (medita muito), tremebundo (treme muito) e furibundo (muito furioso). Os olhos (vêem o feio), o nariz (sente o mau cheiro) e os ouvidos (ouvem a estridência) 1. Ainda, segundo o dicionário da língua portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda 2, hediondo significa vicioso, sórdido, repulsivo, pavoroso, medonho. Na definição de crime, por sua vez, segundo o dicionário jurídico de Sérgio Sérvulo da Cunha encontramos a seguinte definição: Ato lesivo a outrem cuja prática, dado seu custo social, deve ser reprimida mediante a cominação e a imposição de sanção criminal 3. Da junção das duas definições poderíamos chegar à definição de crime hediondo, título de lei es-

3 A lei de Crimes Hediondos e a Constituição Federal pecial e de previsão Constitucional. Entretanto, nada mais estéril, posto a própria palavra hediondo remeter a outros adjetivos de vasta subjetividade, quais sejam sórdido, repulsivo etc. teríamos que, em verdade, estabelecer parâmetros de compreensão à palavra, que levem em conta aspectos sociais, culturais e ideológicos e não apenas semânticos, embora os termos guardem semelhança entre alguns predicados atribuídos pela gramática e pelo consenso social. Talvez motivado por essa dificuldade de conceituação, o legislador infraconstitucional tenha preferido, ao elaborar a Lei n /90, denominada Lei dos crimes hediondos, traçar um rol taxativo, em seu artigo 1º, e no parágrafo, considerando como crimes dessa natureza: Homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado 4, latrocínio 5, extorsão qualificada pela morte 6, extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada 7, estupro 8, atentado violento ao pudor 9, epidemia com resultado morte 10, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração 11 de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e Genocídio 12. A lei também enumera os crimes considerados equiparados a hediondos, quais sejam: a prática da tortura 13 o, tráfico ilícito de entorpecentes de drogas afins 14 e o terrorismo 15. Antes da edição da Lei n. 8072/90 foram apresentados vários projetos entre eles: Projeto de Lei n. º 2.105/89 16 através do qual se agravaram as penas para quem cometesse crimes de roubo, seqüestro e estupro, retirando dos acusados qualquer direito na fase de execução; projeto de Lei n estabelecendo regras mais rigorosas para o tráfico ilícito de drogas e, projeto de Lei n. º 5.529/89 18 que rotulava de hediondo os crimes de estupro, seqüestro e genocídio e as violências praticadas contra menores impúberes, aqueles executados com perversidade, e ainda os assaltos com homicídio ou periclitação de vida em transportes coletivos. Finalmente, o Projeto substitutivo n /90, elaborado pelo deputado Roberto Jefferson, relator na época, da Comissão de Constituição, Justiça e Redação foi aprovado pela Câmara e Senado, mediante acordo entre as lideranças partidárias, transformando-se na lei n /90 que recebeu ainda dois vetos sobre os artigos 4º e 11º, sendo promulgada pelo então presidente Fernando Collor de Melo, em 25 de julho de Outras duas Leis trouxeram alterações à Lei n /90 e foram produto de uma série de pressões para maior combate à falsificação de alimentos e de medicamentos no Brasil. A primeira tratou da inclusão, como crimes hediondos, àqueles cometidos contra a saúde pública, e a segunda, a inclusão do número VIII B, que trata da falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e 1º - A e 1º - B do Código Penal). A Lei n /2007 foi a que mais alterações trouxe para a primeira versão da lei de crimes hediondos, pois admitiu a progressão de regime conforme orientação Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e a possibilidade de liberdade provisória antes negada. Veja a seguir o quadro de alterações na Lei de crimes Hediondos: 33

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5 A lei de Crimes Hediondos e a Constituição Federal Conclusão A primeira versão da Lei n /90 recebeu críticas principalmente no que dizia respeito ao Artigo 2º. As legislações que a alteraram visaram principalmente a incluir novos tipos, como se a simples inclusão propiciasse de imediato a redução do índice de cometimento daqueles crimes. Tal fato está longe de acontecer. A Lei n /07 pretendeu manter o tratamento mais restrito aos sentenciados por crimes hediondos e,ao mesmo tempo, atender à orientação do STF em seu entendimento de inconstitucionalidade da proibição no outrora vigente artigo 2º, hoje com nova redação. Da forma determinada no mesmo artigo, e que é vigente em nossa legislação, a progressão somente será possível após o cumprimento de 2/5 da pena, se primário o réu; e de 3/5, se reincidente. Em Estados onde há acentuado índice de violência e onde se generaliza a impunidade, há tendência da legislação de tornar-se mais punitiva e repressiva, principalmente quando a maioria dessa legislação é oriunda de clamor público. Se, de um lado, essa legislação mostra-se mais ostensiva ao poder de punir do Estado, de outro, deixa à mostra a própria incapacidade de controlar o crime e de dar segurança à população que lhe outorgou poder para garantir o Estado de direito, perigosamente desafiado por facções criminosas que atingem a polícia através de ataques que duram dias, numa estratégia de guerrilha que expõe toda a fragilidade da polícia e desse mesmo Estado. Os defensores de uma legislação que leve em consideração mais encarecidamente o princípio da humanização da pena, não levam em apreço o equilíbrio que deve haver entre todos os princípios, pois sempre que a balança pende de um lado, todo o direito se desequilibra e a justiça fica comprometida. De igual forma, deveria ser pesado o princípio da culpabilidade, a medida da pena, o que impede que a pena seja aplicada além ou aquém da idéia de culpa. A própria Constituição Federal no artigo 5º, XLVI diz que a Lei regulará a individualização da pena, o que é plenamente cabível no caso dos crimes hediondos. Ao estabelecer, no artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, a possibilidade de rotular certos tipos ou ações como crimes hediondos, o legislador constitucional diferenciou estes dos demais tipos contidos na Legislação penal e pelo próprio contexto do inciso citado, que estes deveriam ter tratamento punitivo com maior carga que os demais, com o intuito não apenas de restringir os direitos dos apenados pelo tipo para retribuir no igual peso da culpa. O primeiro problema nesse sentido é delimitar a culpa. Determinados crimes praticados por reincidentes e com tal grau de periculosidade abrem o debate: é possível reintegrar esse condenado ao convívio social? Se sim, colocamos reforço no argumento de que é possível a recuperação de apenados e que a pena é uma forma de educar, além de punir. Se, de outro lado, a resposta é não, reforçamos o argumento segundo o qual aquele que é reincidente, que é autor de certos crimes não mais se reinsere no meio social. Estatisticamente é possível avaliar que a Lei de crimes Hediondos não inibiu de forma alguma o cometimento de nenhum dos tipos ali previstos. Historicamente, nenhuma Lei já em vigor no país conseguiu essa façanha. Ao olhar para todo o sistema penal, é possível visualizar que o sentimento de impunidade, reforçado pela imprensa que explora a 35

6 Adalgisa Maria Oliveira Nunes cobertura da área policial, firma-se muito mais pela falha da polícia em agir, e pelos trâmites processuais lentos, que permitem, em muitas situações, que presos, já condenados pelo júri, possam apelar em liberdade (recorde-se o caso do jornalista Pimenta da Veiga). O próprio sistema carcerário funciona como alavanca para o crime, facilitando a organização de grupos e de facções, e não cumpre seu papel de punir e de recuperar apenados. A Lei n /07 foi editada para dar forma de lei à jurisprudência, estipulando a progressão de regime e, de certa forma, abrandando a Lei n /90. Sob o ponto de vista do princípio da humanização da pena, poder-se-ia questionar se um regime prisional inteiramente fechado, para apenados com, por exemplo, 20 anos de reclusão seria realizável. O fato é que não basta uma legislação que dê tratamento diferenciado a certas categorias de crime, mas que todo o sistema penal funcione tendo como base os mesmo princípios e os mesmos fins. Até que se estabeleça esse equilíbrio entre cometimento do crime acusação/apuração da culpabilidade condenação e cumprimento de pena não haverá efetividade na repressão ao crime, seja ele hediondo ou não, nem eficácia penal, pois diferentemente de eficiência, a norma para ser eficaz deve cumprir seu fim, tornar-se aceita pela sociedade, alcançar objetividade e resultados. A lei penal apóia-se na eficiência processual e na eficácia da execução penal; sem isso, será apenas mais uma lei, mais uma tentativa de dar respostas a uma população que não acredita mais nelas. 36 Notas 1 Fonte: etmologia_8.htm. Autor: Deoníso da Silva. Último acesso: 12/10/ FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. São Paulo: Editora Nova Fronteira, Dicionário Compacto do Direito. São Paulo: Saraiva, Aqueles previstos no Art. 121, 2º, I, II, III, IV e V, quais sejam: os homicídios praticados mediante pagamento ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe; por motivo fútil; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou que dele resulte perigo comum; {a traição ou emboscada, ou mediante dissimulação e ainda para encobrir ou assegurar a impunidade, ou vantagem em outro crime}. 5 Roubo seguido de morte, Art. 157, 3º, in fine. Inciso incluído pela Lei n /94. 6 Prevista no Art. 158, 2º (Inciso incluído pela Lei n /94) - Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica a fazer, tolerar que se faca ou deixar de fazer alguma coisa. Pena de reclusão de 4 a 10 anos com aumento de pena no caso do cometimento do crime por duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma. O acréscimo será entre 1/3 a metade. 7 Previsto no Art. 159 do CP, Caput 1º, 2º e 3º.( Inciso incluído pela Lei n /94). 8 Art, 213 e sua combinação com o 223, caput e único (Inciso incluído pela Lei n /94). 9 Art. 214, e sua combinação com o 223, caput e único (Inciso incluído pela Lei n /94) Art. 267, 1º do CP (Inciso incluído pela Lei n /94). 11 Art. 273, caput e 1º, 1 A e 1º -B, com a redação dada pela Lei n / Previsto na Lei n / Lei n / Lei n / Não há previsão legal específica.

7 A lei de Crimes Hediondos e a Constituição Federal 16 Diário do Congresso Nacional - DCN, , p Diário do Congresso Nacional - DCN, , p Diário do Congresso Nacional - DCN, , p Referências Bibliográficas BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Parte especial, v.4. CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do Direito. São Paulo: Saraiva, FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. São Paulo: Nova Fronteira, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, FRANCO, Alberto Silva. A Constituição Federal e crimes hediondos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, v.1 - Parte Geral. LEAL, João José. Conceito de crime hediondo e o equívoco da Lei n /90. Revista dos Tribunais, n São Paulo: RT, PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico Penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, Sites: