Supremo Tribunal Federal

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1 MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO RIO DE JANEIRO RELATORA RECLTE.(S) PROC.(A/S)(ES) RECLDO.(A/S) INTDO.(A/S) : MIN. CÁRMEN LÚCIA :MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO :PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO :TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO :MARCO ANTÔNIO GOMES VEIGA DECISÃO RECLAMAÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL: REINCIDENTE ESPECÍFICO. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE N. 10 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, em , contra julgado da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proferido no Habeas Corpus n , que, teria afastado a aplicação do art. 83, inc. V, do Código Penal e o art. 44, parágrafo único, da Lei n /2006 e desrespeitado a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão impugnada tem o ter seguinte: Habeas Corpus. Execução Penal. Alegação de constrangimento ilegal porquanto foi indeferido o pedido de

2 livramento condicional ao paciente, reincidente específico em crime de tráfico de drogas, com fundamento no artigo 83, inciso V, do Código Penal. Parecer ministerial pelo não conhecimento do writ e, no mérito, pela denegação da ordem. 1. Prefaciais rejeitadas, diante da possibilidade de violação ao status libertatis do paciente. 2. Antes da Lei /07, a impossibilidade de livramento condicional encontrava amparo na opção legislativa em conferir tratamento mais severo para o reincidente em crime hediondo ou equiparado. Com o julgamento do HC pelo STF e com o advento da referida norma, que alterou a Lei de Crimes Hediondos para admitir a progressão de regime aos reincidentes, é possível reconhecer que houve a derrogação tácita do artigo 83, inciso V, parte final, do Código Penal, bem como do artigo 44, parágrafo único, parte final, da Lei / Em verdade, a progressão de regime e o livramento condicional são institutos autônomos e possuem natureza jurídica diversa, contudo, ambos compõem o sistema progressivo para a execução da pena e visam à regeneração do apenado. Assim, vedar ao reincidente específico o direito ao livramento condicional implica em retirar-lhe o direito de que o juiz da execução penal aprecie sua condição de retornar ao convívio social, ferindo, portanto, o princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5.º, XLVI da Constituição da República. 4. Ordem parcialmente concedida, no sentido de ser cassada a decisão impugnada, para que outra seja proferida, com o exame acerca do preenchimento dos requisitos legais, afastando-se a vedação constante no artigo 83, inciso V, última parte, do Código Penal, bem como no artigo 44, parágrafo único, parte final, da Lei /06 (fl. 39, doc. 2, grifos nossos). 3. Alega o Reclamante que a Quinta Câmara, órgão fracionário, na prática, declarou inconstitucional os artigos 83, V do Código Penal e 44, parágrafo único, da Lei /06, afastando a sua aplicação, por extensão da decisão proferida pelo Pretório Excelso, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, 1º da Lei 8.072/90, no Habeas Corpus n (fl. 5). Sustenta que não se discute, aqui, o mérito da questão de ser constitucional ou não esta proibição de livramento condicional ao apenado 2

3 reincidente específico em crime hediondo ou equiparado, prevista nos artigos 83, V, do Código Penal e 44, parágrafo único, da Lei de Drogas, mas, sim, que o afastamento da aplicação de tais preceitos legais, no caso, por inconstitucionalidade, deveria ser remetida ao Tribunal Pleno, por força da regra inscrita no artigo 97 da Lei Maior (fl. 16). Salienta que incorreu a douta Quinta Câmara Criminal em error in procedendo, por inobservância da cláusula de reserva de plenário e das regras processuais de cisão funcional da competência, que regem a matéria, padecendo o Acórdão reclamado de nulidade, devendo, portanto, outro ser proferido, com prévia submissão da questão constitucional e do afastamento da incidência de lei federal ao órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (fl. 20). Requer medida liminar, conforme o item V supra, suspendendo a eficácia do Acórdão proferido nos autos do HC n , restabelecendo-se a decisão proferida pelo Juízo da Execução Penal, que, no caso, indeferiu o livramento condicional ao paciente (fls ). Pede no mérito a confirmação da medida liminar deferida. 4. Em , o Presidente do Supremo Tribunal Federal requisitou informações ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ao Juízo da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro (doc. 4). Em , o Juízo da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro informou que o apenado Marco Antônio Gomes Veiga ( ) tem tombada nesta Vara de Execuções Penais duas cartas de execuções de sentença, uma extinta e outra em execução ( ). elaborado cálculo de pena em 11/01/2013, foi apontado seu término para a data de 19/06/2013 (fl. 1, doc. 7). Noticiou que em 08/01/2013, este Juízo, em cumprimento ao sobredito acórdão, posto que presentes os requisitos legais previstos no art. 83 do Código Penal, deferiu o livramento condicional ao apenado (fl. 2, grifos nossos). 3

4 Em , o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro comunicou que: Em data de 02/07/2012, a Defesa requereu a concessão do benefício do livramento condicional ao penitente, sendo o pleito indeferido em 22/08/2012 pelo Juízo em razão da reincidência específica em crime hediondo ou equiparado, nos termos do artigo 83, V, parte final, do Código Penal, e em acolhimento a manifestação contrária do Ministério Público. Irresignada, a Defesa impetrou Habeas Corpus perante este Tribunal, registrado sob o número e distribuído à Egrégia Quinta Câmara Criminal, que, em sessão realizada em 22/11/2012, por unanimidade de votos, rejeitou preliminar suscitada, e, no mérito, concedeu parcialmente a ordem para desconstituir a decisão impugnada para que outra fosse proferida, afastando o óbice contido no artigo 83, V, do Código Penal e no artigo 44, parágrafo único, da Lei n /06 (fl. 2). Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO. 5. O Reclamante é parte legítima para o ajuizamento da presente reclamação. Ao julgar a Reclamação n , o Plenário deste Supremo Tribunal, contra o meu voto e os votos da Ministra Ellen Gracie, Relatora, e dos Ministros Dias Toffoli e Joaquim Barbosa, reconheceu a legitimidade ativa autônoma de Ministério Público Estadual para ajuizar reclamação no Supremo Tribunal Federal (DJe ). 6. O que se põe em foco nesta reclamação é se ao conceder a ordem em favor do ora interessado Marco Antônio Gomes Veiga e afastar a vedação ao livramento condicional previsto no art. 83, inc. V, do Código Penal e no art. 44, parágrafo único, da Lei n /2006, a autoridade reclamada teria desrespeitado a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal. 4

5 O advento do instituto da súmula vinculante inaugurou nova hipótese de cabimento de reclamação para o Supremo Tribunal Federal, conforme disposto no art. 103-A, 3º, da Constituição da República. Assim, a contrariedade a determinada súmula ou a sua aplicação indevida por ato administrativo ou decisão judicial possibilita a atuação do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a reclamação procedente, pode anular o ato ou cassar a decisão e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. 7. No entanto, neste exame preliminar, sem prejuízo de uma análise mais detida no julgamento do mérito desta reclamação, a exposição dos fatos e a verificação das circunstâncias presentes e comprovadas na ação conduzem ao indeferimento da medida liminar requerida em razão da ausência de plausibilidade jurídica da presente reclamação. A Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal tem o seguinte teor: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Na espécie vertente, a autoridade reclamada concedeu parcialmente a ordem para cassar a decisão que indeferiu o livramento condicional ao paciente, determinando que outra seja proferida pelo Juízo Executor, afastada a proibição do artigo 83, inciso V, parte final, do Código Penal e do artigo 44, parágrafo único, parte final, da Lei /06, devendo-se examinar o atendimento aos pressupostos objetivos e subjetivos (fl. 44, grifos nossos). Foram fundamentos da decisão: Registro que a autoridade impetrada indeferiu o pedido de livramento condicional tendo em vista que se trata de apenado 5

6 reincidente específico em crime equiparado a hediondo, entendendo que o mesmo não possui direito ao benefício, nos termos do artigo 83, inciso V do Código Penal. Ouso divergir de tal entendimento. O apenado é de fato reincidente específico. A autoridade impetrada informou que ele possui duas cartas de execução de sentença, uma por infração ao art. 12, caput, da Lei 6.368/76 e outra por infração ao art. 33 da Lei /06 (histórico penal - fls. 3/4 da peça 00014). Todavia, entendo que deve ser afastado o óbice contido no artigo 83, inciso V, parte final do Código Penal e no artigo 44, parágrafo único, parte final, da Lei /06, para viabilizar a concessão do livramento condicional ao paciente, pelos motivos que passo a expor. Antes da Lei /07, uma vez que a progressão de regime não era admitida na Lei de Crimes Hediondos, justificava-se a impossibilidade de livramento condicional em razão da opção do legislador em conferir tratamento mais severo para o reincidente em crime hediondo ou equiparado. Contudo, a referida lei deu nova redação ao artigo 2º, parágrafo 2º da Lei 8.072/90 para admitir a progressão de regime aos reincidentes, sem indicar se específicos ou não, após o cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena. Trata-se de lei benéfica, pois passou a admitir a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados. Assim, criou-se uma situação curiosa e desarrazoada, eis que o sentenciado reincidente específico tem direito à progressão de regime, mas não tem direito ao livramento condicional. Embora a progressão de regime e o livramento condicional não se confundam, visto serem institutos autônomos e possuírem natureza diversa, ambos compõem o sistema progressivo para a execução da pena e visam à ressocialização do apenado. Nosso ordenamento jurídico adotou um sistema progressivo para a execução da pena, do qual o livramento condicional é a etapa anterior à reinserção do sentenciado na vida em comunidade. Assim, na medida em que a lei veda o livramento condicional ao reincidente específico, retira-se dele o direito de que o juiz da execução aprecie se possui condições de retornar ao convívio social, ferindo, 6

7 portanto, o princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5.º, XLVI da Constituição da República (fls , doc. 2, grifos nossos). Pela decisão concessiva da ordem de habeas corpus, a 5ª Câmara Criminal determinou ao juiz da execução o exame dos pressupostos objetivos e subjetivos do ora Interessado para obtenção do livramento condicional. Assim, neste exame preambular, não se tem contrariedade à Súmula Vinculante n. 10 deste Supremo Tribunal por inobservância do princípio da reserva de plenário, pois a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não afastou a vedação ao livramento condicional previsto no art. 83, inc. V, do Código Penal e no art. 44, parágrafo único, da Lei n /2006. A autoridade reclamada restringiu-se a fazer a leitura do art. 83, inc. V, do Código Penal, do art. 44, parágrafo único, da Lei n /2006, e do art. 2º, 2º, da Lei n /1990, considerando o princípio constitucional da individualização da pena. Esse Supremo Tribunal assentou que o princípio da reserva de plenário resta indene nas hipóteses em que não há declaração de inconstitucionalidade por órgão fracionário do Tribunal de origem, mas apenas a interpretação e a conclusão de que a lei invocada não é aplicável ao caso em apreço. Precedentes: AI AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 02/06/2010; e RE AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 05/12/2011 (ARE AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe ). 8. Ademais, a liminar é medida inicial e precária, que não completa a jurisdição antes do exame de todos os elementos necessários ao convencimento do julgador e à conclusão do julgado, não sendo possível, portanto, nesta primeira análise, antecipar, de forma exauriente, o que se pede no mérito. Na espécie vertente, a suspensão da eficácia do acórdão proferido no 7

8 Habeas Corpus n importaria na prisão de Marco Antônio Gomes Veiga. Daí a necessidade de apreciar a questão de forma mais detida, após a complementação da instrução da reclamação com o parecer do Procurador-Geral da República. 9. Pelo exposto, sem prejuízo de reapreciação da matéria no julgamento do mérito, indefiro a medida liminar pleiteada. 10. Vista ao Procurador-Geral da República (art. 16 da Lei n /90 e art. 160 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 1º de fevereiro de Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora 8