Samy Dana. Prof. de Economia da FGV-SP e Consultor. No 22 - Agosto 2012

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1 No 22 - Agosto 2012 Nosso sistema legal apresenta vários problemas para os empresários, mas ainda assim é melhor do que a China para se fazer negócios. A facilidade de fazer negócios no Chile é muito maior que a do Brasil, porém a potência do Brasil é incomparável à do Chile Prof. de Economia da FGV-SP e Consultor Entrevistado por Fernando Luzio e Renê Guedes Conversamos com Samy Dana, Professor de Economia da FGV-SP e Consultor de empresas. Economista com Doutorado em Administração e PHD em Business, Samy é Coautor do livro Dez Vezes Sem Juros, editado pela Saraiva em 2008, blogueiro da Folha UOL e Autor de inúmeros artigos. A entrevista foi gravada na sede da Luzio Strategy Consulting em São Paulo. Apresentamos a seguir trechos da entrevista. A versão completa você poderá ouvir pelo site ou baixar no seu tocador mp3 (iphone/ipod ou outros) pelo site da Luzio ou pela itunes Store (utilize o link no nosso site). Fernando Luzio. Conte um pouco da sua história, para que todos possam te conhecer, nas suas próprias palavras.. Sou formado em Economia, com Mestrado e Doutorado em Finanças e, por fim, fiz meu PhD em Business mais uma vez no field of Finance. Sou Professor Universitário desde os meus 21 anos hoje tenho 32. Atualmente, sou Professor de Carreira da Fundação Getúlio Vargas, na Escola de Economia de São Paulo, onde ministro aulas de Finanças I, uma matéria obrigatória. Tenho algumas outras áreas de interesse: dou cursos de Programação Aplicada a Finanças, e de Criatividade. Além disso, tenho um Blog na Folha UOL. Escrevo artigos para jornais e sou colaborador de inúmeros veículos. Faço consultoria para órgãos governamentais, empresas, fundações e afins, e coordeno um projeto cultural na Fundação Getúlio Vargas o GV Jazz que, em breve, deve mudar para FGV Cultura. Fernando Luzio. Quando surgiu sua paixão pelo piano?. Na verdade, sempre mantive uma carreira paralela como Músico. Desde que me conheço por gente, ouço música e sempre toquei instrumentos de teclas órgãos, escaletas, teclados e piano, que é o mais completo. Cheguei a tocar em alguns lugares, durante um tempo. Tentei me aventurar pelo violino uma certa época, 1

2 mas não deu muito certo. O som era muito bonito, porém ele é desconfortável. E para mim, a Música tem que me dar prazer, não pode ser dolorida. Hoje, faço Faculdade de Música, em uma parceria que o Barclay College tem no Brasil. Tento sempre manter estas atividades paralelas, o que é cada vez mais difícil, porque nossas responsabilidades crescem e o piano é um instrumento que exige inúmeras horas de dedicação. Fernando Luzio. O Brasil tem assumido um posicionamento bastante relevante no cenário econômico internacional, atraindo a atenção de investidores do mundo inteiro. Diversas empresas que ainda não se encontram aqui, certamente já estão de malas prontas para virem ao Brasil, a fim de aproveitar as oportunidades que nosso crescimento tem gerado, embora todos tenhamos consciência dos inúmeros gargalos estruturais que hoje emperram nosso desenvolvimento sustentável. Queremos ouvir sua opinião sobre este novo momento do Brasil.. Existem alguns fatores que fazem este o grande momento do Brasil: um deles é a perda de força dos Estados Unidos, sobretudo após a crise de A Europa também apresentou inúmeros problemas, e ainda hoje vemos sequelas na Grécia, Portugal, Itália e Espanha. Estas potências começaram a olhar para países chamados agora de emergentes, e para gigantes como a China e outros, tidos como grandes forças dessa nova lógica, procurando novos parceiros. Então, dentro do BRICs, o Brasil vem sendo o endereço, atraindo as grandes empresas. Na China, a segunda maior economia do mundo, existem alguns fatores que devem ser levados em consideração, como por exemplo: o Google foi convidada a se retirar de lá, graças a sérios problemas políticos. Na Rússia, a corrupção é grande e existe uma máfia que interfere nos negócios. Na Índia, existem as castas e uma cultura muito diferente da nossa. E a África do Sul ainda é um país menor. Comparativamente, o Brasil tem alguns pontos a serem salientados: um deles é o nosso sistema legal que apresenta vários problemas para os empresários, mas ainda assim é melhor do que a China para se fazer negócios. A facilidade de fazer negócios no Chile é muito maior que a do Brasil, porém a potência do Brasil é incomparável à do Chile. Então, comparativamente estamos bem, a despeito de termos um longo caminho pela frente. Fernando Luzio. Recentemente, em todos os nossos projetos de Planejamento Estratégico, no momento de mapearmos as ameaças ou os obstáculos para o crescimento das empresas, muitos empresários têm manifestado uma preocupação com o chamado risco de desindustrialização do nosso tecido produtivo, sobretudo por questões cambiais, e por toda força da indústria produtiva nos países asiáticos. Qual é a sua opinião sobre este risco da desindustrialização no Brasil?. O câmbio é um dos responsáveis, mas não é o maior. Temos um sistema tributário que necessita de uma reforma urgente; temos enormes gargalos de infraestrutura; precisamos urgentemente de um investimento em Educação; e as margens de lucro no Brasil precisam ser revistas. Enfim, o país necessita de mudanças, o que não se dará de uma hora para outra. Fala-se muito do sistema bancário e dos lucros dos bancos. É bem verdade que, antes das mudanças que tivemos há duas-três semanas a redução do spread iniciado pelo Banco do Brasil e pela Caixa, o Brasil amargava a segunda posição de maior spread do mundo, em um ranking de 140 países, no relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Mas, não acredito que o spread bancário seja o único problema. Aqui, serviços de comunicação, Internet e telefonia são ridiculamente caros; os restaurantes cobram margens Bolsa eu não recomendo, porque o mercado ainda é muito pequeno, muito manipulado e muito caro, e ainda não acho que haja uma representação. Além disso, as pessoas ainda não entendem que mesmo uma empresa dando lucro, sua ação pode cair, pois trabalha-se com expectativas. Sobre este assunto, também escrevi um artigo: A empresa deu lucro e a ação caiu ou Como se decepcionar com um bom filme enormes; temos os carros mais caros do mundo; ipads, iphones e eletroeletrônicos lamentavelmente caros. Para sermos uma potência e um destino saudável das empresas, precisamos ser competitivos. De nada adianta sermos a sétima maior economia se temos esse custo tão alto. Renê Guedes. Você falou um pouco sobre essas últimas políticas do Governo que usaram seus bancos estatais numa tentativa de diminuição dos spreads bancários, e que depois foram mais ou menos seguidas pelos outros grandes bancos de varejo do país. Qual é sua opinião sobre esta medida do governo?. O relatório que mencionei é do Fórum Econômico Mundial e estuda competitividade a partir de doze pilares, sendo um deles o pilar macroeconômico, onde um dos itens é o spread bancário, no qual o Brasil amargava a segunda posição, perdendo apenas para Madagascar, um país sem representatividade alguma. Acho que é papel do governo promover a competição. O PIB do Brasil cresceu 2,7% no ano passado, mas os bancos Itaú, Bradesco e Banco do Brasil bateram recordes históricos. O setor bancário talvez seja um dos mais graves, mas não é o único. Sou totalmente a favor, porque essa composição do spread é gigantesca. Sabemos que a carga tributária é grande, mas sabemos também que o principal fator é justamente o lucro dos bancos. Existe a decomposição que é aberta na Internet. A inadimplência 2

3 também é grande, mas ela é um negócio do banco, ninguém o obriga a emprestar dinheiro, portanto ele tem responsabilidade total sobre isso. Existe uma discussão sobre o bureaux ou cadastro positivo que diminuiu a inadimplência, mas não acredito que seja tão fácil, pelo próprio interesse dos bancos. Ainda é caro o spread bancário do Brasil, se comparado ao de outros países, mesmo após essa redução. Renê Guedes. Você tem um Blog onde se comunica diretamente com o pequeno investidor, com a pessoa comum que tem um conhecimento de Economia e Finanças muitas vezes basal. Com a provável diminuição dos rendimentos da renda fixa, qual sua opinião sobre as grandes oportunidades para o investidor no Brasil, num futuro próximo? E como esse pequeno investidor deverá se comportar para encarar essa nova fase do capitalismo brasileiro?. No ano passado, escrevi um artigo que foi publicado no Estadão, intitulado Para mim você mentiu!, onde mostro que a Bolsa de Valores do Brasil perde para a renda fixa. Por exemplo: qual é sua janela de investimento? Dez anos? Peguei todas as combinações de dez anos mais de e fiz as contas, mostrando que a renda fixa ganha, e por vários motivos: um deles é que a renda fixa paga muito, e outro é que a Bolsa é muito volátil e com um retorno duvidoso. Mas, entrando na sua pergunta de fato, vivemos a seguinte anomalia aqui no Brasil: o governo tem a SELIC, uma taxa de empréstimos que você pode emprestar dinheiro ao governo, e que hoje está em 9%. E tem o CDI, o Certificado de Depósito Interbancário, que é a taxa que os bancos trocam dinheiro entre si. Por incrível que pareça, o Banco A empresta dinheiro ao Banco B a uma taxa menor do que eles emprestariam ao governo. Ora, se o governo paga 9%, por que um banco empresta ao outro com uma taxa menor? O outro não tem mais risco que o governo? Sim. Mas esta é uma operação de hot money, de curtíssimo prazo um dia, ou seja, ao fechar o caixa, eles percebem que têm dinheiro e o governo já fechou a captação, então eles falam que emprestam a uma taxa mais baixa, porque senão o dinheiro vai ficar parado. A segunda explicação é que é de interesse de todos os bancos que o CDI fique baixo, porque o passivo dos bancos está ligado ao CDI. Há quem diga que é manipulação por causa desse hot money. De uma forma ou de outra, o CDI fica abaixo. E para agravar a situação, quando você empresta dinheiro ao banco na modalidade de CDB um empréstimo que o pequeno investidor faz para o banco, ele está atrelado ao CDI. E como o risco do banco grande é pequeno, dificilmente você consegue o CDI. Na atual conjuntura, ou no futuro próximo, a SELIC é melhor do que o CDI e, por conseguinte, o CDB. Só que a poupança começa a ficar mais interessante que os dois. Acredito que os bancos terão de captar dinheiro das pessoas e, para isso, terão que pagar mais do que 100% de CDI. Para mim, é natural que o banco que tem mais risco do que a poupança e do que a SELIC pague mais 110%, 120% do CDI. Parece muito, mas estamos falando em 110% de 9% da SELIC, ou seja, ao invés de 9%, eles terão de pagar 9,9% ao ano, o que não é tanto a mais. Bolsa eu não recomendo, porque o mercado ainda é muito pequeno, muito manipulado e muito caro, e ainda não acho que haja uma representação. Além disso, as pessoas ainda não entendem que mesmo uma empresa dando lucro, sua ação pode cair, pois trabalha-se com expectativas. Sobre este assunto, também escrevi um artigo: A empresa deu lucro e a ação caiu ou Como se decepcionar com um bom filme. Renê Guedes. O Brasil tem registrado um crescimento econômico sustentado, ao menos em parte, pelo alto endividamento das famílias, já que as demandas reprimidas de nossas classes médias emergentes são atávicas e bem conhecidas. O saudável movimento de transferência de renda verificado nos últimos anos deve contribuir ainda mais para este quadro, despertando certa preocupação das autoridades econômicas, e de alguns Analistas. Que cuidados e medidas o país deverá (ou deveria) perseguir visando à sustentabilidade e preservação dos avanços, tão caros à nossa estrutura social?. Acredito que dar crédito sem educar equivale a dar uma corda para a pessoa se enforcar. De nada adianta você ter acesso a produtos se você não sabe usá-los. E os brasileiros têm tido um acesso a crédito e a novos produtos nunca vistos na história parafraseando nosso querido Presidente. A educação financeira não existe nem no primeiro, nem no segundo grau. Alguns colégios particulares fazem isso, mas a grande massa não tem. Estuda-se Matemática, Biologia e Química que são fundamentais, mas não existe sequer uma disciplina de Finanças ou Economia. Então, muitos entram na faculdade e se formam em Medicina, Direito e outras áreas sem o menor preparo para lidar com o dia a dia das Finanças. Gosto muito de um filme que, se não me engano, vi na última Mostra de Cinema, chamado Família Brás, em que o diretor filmou uma família há dez anos, e refilmou-a dez anos depois. Eram quatro pessoas que, no passado, pagavam um carro à prestação com alguma dificuldade. Dez anos depois, estas mesmas quatro pessoas financiavam quatro carros! Então, o acesso ao crédito impulsiona o consumo, e aqueles que não têm consciência do processo dos juros ou dos produtos podem se enforcar. Há um mês, escutei que uma empresa brasileira de cartão de crédito quer financiar o crédito em 200 meses. Cartão de crédito e cheque especial são as modalidades mais caras de juros. Até essa mudança recente no spread, a média era 246% de juros ao ano. A dica que um Economista ou Financista daria a qualquer pessoa é: só fique devendo no cheque especial ou no cartão de crédito em caso de emergência, por um ou dois dias. Se você perceber que não vai conseguir pagar, faça um empréstimo, quite essa dívida e passe a dever a um juro menor. A última coisa que eu indicaria é ficar devendo 200 meses no cartão de crédito! Portanto, existe uma anomalia: o produto está desvirtuado e tenho muito receio disso, pois pode gerar inflação e um consumo não saudável. Esta tendência do brasileiro ver se a parcela cabe no bolso e esquecer dos outros fatores é um dos assuntos que mais me preocupa! Fala-se muito em envelhecimento sustentável, sustentável também do ponto de vista financeiro. Não acredito que seja sustentável dar crédito sem ensinar. Em alguns mercados, como o imobiliário, é muito perigoso, pois o crédito pode inflar os preços. Aqui em São Paulo, temos imóveis valendo R$ ,00 o m². Isto equivale a dizer que o imóvel de 100m² vale R$ ,00. Antes, este imóvel era para a classe média, hoje eu já não considero mais como um imóvel da classe média. Desta forma, você pode estar criando anomalias no mercado. Renê Guedes. Notei isso nos 3

4 últimos posts do seu Blog da Folha UOL, que inclusive recomendo fortemente.. Na verdade, sempre tive um interesse e uma preocupação em devolver um pouco para a sociedade, como Professor, Economista e Doutor. Certa vez, alguém pouco esclarecido me perguntou Você é Doutor?, acreditando que eu era Médico, e eu respondi Sou Doutor, mas não do tipo que ajuda as pessoas.. Porém, depois que dei esta resposta, resolvi repensar um pouco minha carreira para a mídia. E o público da Folha UOL envolve desde o empresário até a dona de casa e o taxista, pessoas dos mais distintos backgrounds. No meu Blog, publico artigos com 2.500, às vezes até caracteres mais ou menos um padrão jornalístico, dando minha opinião. Não tenho a pretensão de ser o dono da verdade e nem de que as pessoas concordem comigo, mas gostaria que elas lessem minha opinião e dessem as suas. Existe um espaço para discussão e debates, e sempre respondo aos comentários. Às vezes, abordo alguns assuntos mais polêmicos como a bolha imobiliária, há algumas pessoas que acham que não existe bolha e discutimos a questão, sempre com respeito e com argumento. Não vejo problema algum das pessoas discordarem de mim. Renê Guedes. A atualidade tem nos proporcionado um questionamento muito oportuno a respeito do pensamento econômico vigente, versado nas grandes Universidades do mundo, por conta da recente crise financeira das nações do Atlântico Norte. Políticas econômicas típicas da visão de mundo anglo saxã que professam ou professavam a diminuição do Estado, a desoneração da Economia e a livre transição de capitais são desafiadas por modelos mais centralizadores, professados pelos BRICs e por outras grandes nações em desenvolvimento. Você acredita na exaustão do primeiro modelo, em detrimento do segundo esse neokeynesianismo professado por alguns?. Não acredito em nenhum extremo. Acho que as leis do laissez-faire, do livre mercado, são perigosas. E a intervenção total do Estado, também. À medida em que o tempo vai passando, temos experiências que, às vezes, custam alguns desapontamentos financeiros e um retrocesso de desenvolvimento para os países. O governo americano, por mais que se diga um defensor do livre mercado, tem enormes barreiras e entraves que, às vezes, são mais difíceis de combater do que os entraves diretos, porque trata-se de leis de subsídios, de políticas do Senado americano. E só percebemos o entrave anos depois, pois estão camuflados diferente de alguns outros países onde o entrave é direto. Sob o ponto de vista do dia a dia das pessoas, acredito que temos que contestar a nossa lógica. Gosto muito de Finanças Comportamentais porque, em alguns momentos, as pessoas não são totalmente racionais. Por exemplo, por que as pessoas não conseguem fazer regime? Quando perguntamos Como você se vê em dez anos? Você quer ser saudável?, quase todo mundo responde que Sim. Se a pessoa tem como objetivo ser saudável, ela teria que tomar atitudes nesta direção, mas não o faz, ou seja, fere a racionalidade. Se você perguntar O que você vai comer de sobremesa hoje: uma sobremesa saudável, pouco calórica, e que não te dê tanto prazer, ou algo que não seja saudável, seja muito calórico e te dê prazer?, a maior parte das pessoas dirá Olha, eu pretendo comer fruta no futuro, mas hoje a minha escolha é comer o doce.. E o problema é que esta visão míope acaba se repetindo no dia a dia, a pessoa nunca come a fruta e sempre come o doce, postergando o início do regime. Minha impressão como Professor Universitário e acho que é geral é que a qualidade dos alunos vem caindo no decorrer do tempo, até mesmo a daqueles que fazem parte da elite 4

5 Acredito que dar crédito sem educar equivale a dar uma corda para a pessoa se enforcar. De nada adianta você ter acesso a produtos se você não sabe usá-los. E os brasileiros têm tido um acesso a crédito e a novos produtos nunca vistos na história Portanto, é um erro supor que as pessoas são racionais o tempo todo. Por exemplo, a publicidade tem como objetivo criar desejos e impulsos. Existem profissionais com esta missão. Cabe à Educação e à racionalidade das pessoas ponderarem esta vontade com a possibilidade Se quero ser saudável e faço regime, então não vou deixar de comer doce para o resto da minha vida, mas também não vou comer doce todo dia!. Faço a analogia do regime ao governo: temos que ter políticas mais liberais, mas não podemos deixar as coisas se perderem. Na minha opinião, o governo é responsável pelo bem estar das pessoas. Então, quando vemos algumas anomalias como o spread bancário exagerado, o governo deve intervir. No Brasil, os grandes mercados são oligopólios, e quase todas as indústrias têm oligopólio. Li um estudo que seis empresas são responsáveis por 80% de tudo que é consumido no mundo: Unilever, Kraft e outras. Não sei até que ponto isto é valido. Fernando Luzio. Você tocou em um ponto que também tem sido um dos campeões de audiência das nossas entrevistas: todos os Empresários ou Executivos com os quais temos conversado têm mencionado sua preocupação com a Educação no Brasil, apontando-a como um dos gargalos estruturais mais preocupantes para a evolução do país, apesar do avanço da sua universalização. Qual a sua opinião sobre a Educação no Brasil? Como é que o Brasil deveria caminhar neste sentido?. Acredito que nosso principal gargalo é a Educação. Um dado histórico interessante é que o Japão, um país totalmente ferido pela guerra, tornou-se uma potência graças a anos e anos de Educação. O grande problema do investimento em Educação é que ele não é de curto prazo o governo abre mão de uma grande quantia de dinheiro que só terá reflexos depois de anos. E do ponto de vista político, é algo muito complicado, pois trata-se de um investimento para dois ou três governos à frente. Porém, é um custo que temos que pagar. Minha impressão como Professor Universitário e acho que é geral é que a qualidade dos alunos vem caindo no decorrer do tempo, até mesmo a daqueles que fazem parte da elite. A Internet tem seu lado positivo como fonte de informação, mas também tem seu lado negativo a partir do momento em que se quer um conteúdo muito rápido e superficial. Há alguns anos, eu estava dando aula em uma faculdade e comentei algo sobre Tom Jobim, um dos maiores músicos contemporâneos, e fiquei impressionado: menos de 10% da sala conhecia uma música de Jobim. Podemos não gostar daquele determinado Músico, mas pelo menos temos que saber quem ele é, pois isto faz parte de uma Cultura geral. 5

6 Então, assistimos a uma especialização ao extremo o que é preocupante, combinada à velocidade e à falta de qualidade da Internet, onde há textos bons e ruins. E se eu não tenho uma boa formação, como posso distinguir isso? Portanto, esta deve ser, de fato, a plataforma de governo. E não vejo grandes mudanças para melhor na Educação. Eu mesmo, por mais que eu tenha esta atividade profissional, policio-me para falar e escrever melhor sempre. O Brasil não será realmente uma potência sem investir em educação. Afinal, um país só é considerado uma potência quando tem, também, propriedade intelectual. Fernando Luzio. Uma outra questão que também é provocativa para muitas empresas nesse novo momento do país é o apagão da mão de obra. Em 100% dos nossos projetos de Planejamento Estratégico, no mapeamento das ameaças ou dos obstáculos para o crescimento das empresas, a falta de mão de obra qualificada é uma preocupação real, sobretudo no tocante à formação de lideranças fortes, pois tem faltado gente para ocupar posições importantes, ou para formar os bancos de reserva das empresas. Na sua opinião, quais são as grandes capacitações ou competências que um Gestor, um Líder precisa ter para conseguir ter sucesso nesse novo ambiente, nesse novo Brasil e nesse novo mundo em transformações em que estamos vivendo? E que competências são importantes para sustentar essa liderança num longo prazo?. Acho que esta resposta está ligada à pergunta anterior. Venho de uma formação em Finanças super especializada, e hoje, minha preocupação maior durante meu tempo livre é conhecer Artes, História do Pensamento, Geografia e Cultura geral. Na última viagem de férias que fiz a Ásia, tive um grande aprendizado cultural. Acredito que um Líder tem que pensar mais amplo, e não se trata da quantidade de conta que você sabe fazer ou da sua familiaridade com computador. É necessário que um Administrador conheça Matemática Financeira ou conceitos mínimos de Estatística, porém isto não é suficiente para que ele seja um Líder. As pessoas têm que pensar um pouco fora da caixa, e não é na Internet, nem nos jornais e nem no cotidiano que elas terão isso. É preciso fazer um esforço grande. Nos regimes que mencionamos, se você comer tudo que tem vontade e que te dão, você vira uma bola. Da mesma forma, se você só tiver a informação que te dão, você se torna um biombo de informação. Para adquirir profundidade é preciso ter uma cultura maior, com uma profundidade maior. É claro que você não precisa fazer um Doutorado em Filosofia para ser um Líder, mas é interessante que você conheça um pouco do que os principais pensadores pensaram. Em Música, é preciso entender um pouco da História da Música e da Civilização, saber um pouco de Cinema e Literatura. Na minha vida, a Arte me possibilita uma grande reflexão. Por exemplo, um bom filme para mim é aquele que, ao terminar de contar a história de um menino com seu pai, permite-me aplicá-la nos meus relacionamentos, na minha empresa, nos meus alunos, nos meus projetos de consultoria, etc.. Portanto, a Arte é uma grande simbologia que merece ser estudada com maior profundidade talvez ela seja o principal componente para se tornar um Líder. E quando passamos a acreditar em tudo, perdemos o poder de questionamento tão importante para os Líderes. Então, questionamento e Cultura são, no meu entendimento, os caminhos para mudarmos um pouco o pensamento plastificado vigente. Não adianta eu querer ser Mozart. A beleza é eu conseguir fazer coisas bonitas tendo a habilidade do Samy. Dentro do que posso fazer, qual é minha possibilidade? Temos que aprender a tratar o que temos à mão como minhas virtudes 6

7 Fernando Luzio. Acabo de chegar de Nova York, onde participei de duas conferências. Um tema relevante dos debates é que as empresas estão deixando de ser um portfólio de produtos ou serviços para se tornarem um portfólio de modelo de negócios que precisa ser desafiado o tempo todo e, para isso, as organizações precisam, cada vez mais, de pessoas criativas que desafiem os modelos de negócios vigentes, pessoas hábeis em fazer a intersecção entre vários campos do conhecimento, o que vai de encontro ao que você está dizendo. Você conduz um programa de Criatividade na FGV. O que é ser criativo? Quais são as condições para que a criatividade floresça na cabeça das pessoas e na Cultura das organizações?. Eu ministro, na Fundação Getúlio Vargas, uma matéria eletiva que se chama Criatividade, e que foi a mais povoada do curso de Economia, com alunos de Direito e Administração. E ali, forço as pessoas a pensarem de forma criativa, pois acredito que a criatividade possa ser estimulada. Todo mundo tem criatividade. Os líderes, pelo menos os que eu conheço, são pessoas muito criativas. Os Funcionários, mais até que os Empresários, estão muito acostumados a resolver problemas. Mas, o que fazer quando não se conhece os problemas? Por exemplo: Ah, preciso resolver a logística!, mas e se não te falam qual é a logística que você terá que resolver? Neste caso, você tem que criar uma logística diferente, para depois resolvê-la. Por isso, meu curso começa com o seguinte exercício: Agora, você terá que criar um conflito, porque tudo na vida é conflito e resolução.. Se analisarmos o Cinema, 99% dos filmes de Hollywood tem um conflito crescente que depois chega a uma resolução. Este é um dos sete paradigmas do Cinema que trabalho neste curso. E isto se aplica à Música, também: ou ela está em movimento (dissonância), ou está em resolução (consonância). Em uma peça de teatro, livro, palestra, entrevista: idem. Em respeito a vocês, vim para esta entrevista de camisa, mas normalmente dou aula de camiseta. Na minha sala da FGV, tenho um piano e vários brinquedos de mesa, bonecos de pelúcia que ganhei, objetos de movimento perpétuo que me deixam mais confortável, fazem-me sentir mais em casa e estimulam as pessoas a sentirem o mesmo convido vocês a me visitarem lá. Para pessoas mais ortodoxas, parece uma loucura! Dei aula para três turmas que se formaram na Escola de Economia da FGV: em uma, fui patrono; na outra, não fui homenageado; e nessa última, fui paraninfo, o que mostra que os alunos reconhecem esta quebra de protocolo. Precisamos refletir um pouco sobre estes protocolos porque a formalidade e o policiamento, às vezes, são ruins. Acredito que o emprego moderno será muito diferente do que é hoje, tanto em termos de horário, como de ambiente e de relações humanas. Eu e o Músico Marcelo Coelho Doutor em Música estamos criando um curso que chamaremos de Composição para Executivos e que pretendemos vender em empresas para tentar transformar Funcionários em pessoas mais criativas. Como funcionará: um Executivo que não toque nenhum instrumento terá que compor uma música. Mostrarei células rítmicas e harmonias, e ele irá decidir, porque por mais que ele não saiba tocar, seu ouvido dirá do que ele gosta ou não. Finalizado o processo, o Executivo terá uma obra que será, num primeiro momento, executada pelo computador, e depois por Músicos profissionais contratados, e a prova final será uma espécie de show e um CD, o que dará vida àquilo. Acho que não podemos tratar os Executivos de forma tão inocente, pois eles conseguem sim criar um argumento para cinema e uma música! Renê Guedes. Como um Professor e intelectual, algo lhe tira o sono hoje?. Eu não me acho um intelectual, e sim um Professor. Pessoalmente, o que me tira o sono é a falta de tempo. Minha agenda é feita por hora e a toda hora eu tenho que fazer alguma coisa. Toco duas horas diárias de piano. Tem dia de folga em que toco oito, e ainda acho pouco. Escrevo textos, livros e artigos; oriento Mestrandos; preparo cursos; tenho minha Consultoria. Portanto, corro contra o tempo e sinto angústia por não conseguir fazer tudo o que quero. E por mais que eu faça um milhão de coisas, a impressão que tenho é de que faço pouco. De um ponto de vista geral, o que me tira o sono é a Educação das pessoas. Assim como tenho tanto medo de me perder, muitas pessoas se perdem. Empresas se perdem, funcionários se perdem. Hoje em dia, manter o foco e tentar fazer as coisas razoavelmente bem feitas e com qualidade é muito difícil. Tento ser muito criterioso com o que escrevo e com o que faço, o que me cansa muito. Além disso, existem os problemas familiares. Eu queria ser um filho melhor, queria ser um amigo melhor, queria ser melhor em relacionamentos: estas são as dificuldades da vida. Renê Guedes. Quem são as pessoas que influenciaram ou têm influenciado seu pensamento?. Conheço João Gilberto, uma pessoa com obstinação pela precisão e por sempre querer melhorar as coisas. Algumas vezes, ele tocou uma música ao telefone e disse Olha, Samy, agora eu vou fazer diferente.. Aí ele toca de novo e eu não percebo a diferença, nem sei se ele está brincando ou se está falando sério, mas de qualquer forma, ele tem este preciosismo que é uma grande lição. Também adoro Cinema. Tive a chance de conhecer pessoalmente Woody Allen, que eu acho uma pessoa absolutamente genial por seus diálogos, por sua inquietude. Um neurótico obstinado que quer fazer sempre o melhor. A Música talvez seja a Arte da qual estou mais próximo, e tenho esta obstinação quando componho, quando improviso, quando estudo piano: quero sempre melhorar. Mas, isto tem um custo muito grande: sentir-me sempre fracassado e nunca estar satisfeito. Preciso curtir mais o processo... E aqui, volto à pergunta anterior: o que me tira o sono é que eu queria curtir mais as coisas que faço, curtir mais o caminho, e não apenas o fim. Mas também, não gosto dessa cultura brasileira (e latino americana) tipo Cazuza que diz Ah, eu não estudo música. Eu chego lá e toco o que eu estiver sentindo na hora e fica o máximo!. Gosto do cara que se mata como o João Gilberto, ou o Jobim, que estudam 10 horas por dia. Para mim, grandes Líderes empresariais não estão no mundo empresarial: são pessoas que realizam outras atividades. Por isso, acredito que para ser um grande Líder é preciso não ficar atento somente aos Líderes, e sim estudar outras coisas. O que quer que se faça, faça com um objetivo e vá até as últimas consequências. Fernando Luzio. Se você pudesse escrever em uma carta duas ou três mensagens que você gostaria de deixar, como um resumo das suas grandes lições de vida, dos seus grandes aprendizados, quais seriam essas mensagens?. Recentemente, a Jornalista Eliane Brum 7

8 que trabalhou na Revista Época, publicou um livro em que há uma passagem que gosto muito, e que foi uma grande lição de vida para mim: durante vários dias, ela acompanhou pessoas sem notoriedade, e uma delas era um sujeito considerado um louco porque pegava um pedaço de vassoura e fingia que era seu cavalo. Certo dia, ela o emparelhou com outro pedaço de vassoura, fingindo que era um cavalo, e disse E aí? Como anda seu cavalo?, e ele respondeu Minha senhora, sei que isto não é um cavalo. Mas, a senhora não acha que é muito mais inteligente eu tratar este pedaço de vassoura como um cavalo de raça do que como um pedaço de vassoura, já que nunca vou ter um cavalo de raça?. Acho que a vida é um pouco assim. Não adianta eu querer ser Mozart. A beleza é eu conseguir fazer coisas bonitas tendo a habilidade do Samy, senão passamos a vida assim: Ah, fulano de tal é assim porque é genial, ou porque tem uma qualidade que eu não tenho.. Dentro do que posso fazer, qual é minha possibilidade? Temos que aprender a tratar o que temos à mão como minhas virtudes. Eu dirijo muito mal, sou muito barbeiro, ando muito devagar. Todo mundo que anda de carro comigo reclama. Eu não bato o carro, mas tomo muita buzinada. Agora, uma das coisas que faço é tentar caminhos novos, o que não é um processo racional e sim intuitivo. Minha intuição é tentar coisas novas. Sou uma pessoa que tenta sair da zona de conforto sempre, nunca fico na minha zona de conforto, nunca, nunca. Tentativas e erros: mais erros do que acertos, obviamente. Mas acho que as pessoas têm que tentar coisas novas, novas combinações desde roupa, comidas, países, viagens. Certa época, trabalhei no Banco do Brasil, onde fiquei por três meses. Depois, pedi uma licença e não voltei mais. E o problema era o seguinte: eu não gostava do que eu fazia, eu não queria ser meu chefe imediato, nem o chefe do meu chefe. Eu não queria ser ninguém de lá. Então, às vezes, temos que pensar assim: se eu seguir o que aquela pessoa está falando, serei igual a ela. Mas, eu não quero ser igual a ela. Espelhe-se não na atividade fim de quem você admira, mas sim no processo de quem você admira esta também é uma lição de vida. PROGRAMA NOVOS INTÉRPRETES Entrevistador: Fernando Luzio Idealização e Direção: Fernando Luzio e Renê Guedes Supervisão Editorial: Patrícia Luzio Edição e Fotografia: Robson Crociati Apoio: Elizete Crociati Produção: Luzio Strategy Consulting Luzio Strategy Consulting / novosinterpretes@luzio.com.br Rua Afonso Braz, cj. 43 Vila Nova Conceição - São Paulo - SP Brasil À esquerda, Renê Guedes, no centro e, à direita, Fernando Luzio 8