TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de, em que é apelante G G F COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA sendo apelado CASSIANO MARTINHO FERREIRA. ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FRANCISCO LOUREIRO (Presidente), ALEXANDRE LAZZARINI E PERCIVAL NOGUEIRA., 12 de janeiro de 2012 FRANCISCO LOUREIRO RELATOR Assinatura Eletrônica

2 .Apelação nº Comarca de Juiz: Tânia Mara Ahualli TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apte.: GGF Comércio de Alimentos Ltda. Apdo.: Cassiano Martinho Ferreira SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. Sócio ostensivo que prometeu aos sócios participantes fato de terceiro, qual seja, que a Nestlé anuiria à abertura de rede de lojas com a marca Cremerie, para venda de sorvetes. Denúncia do contrato por parte da Nestlé,que inviabiliza a sociedade em conta de participação. Nítida responsabilidade do sócio ostensivo pela frustração do negócio. Responsabilidade de ressarcir os sócios participantes pelos investimentos feitos. Ação parcialmente procedente. Recurso improvido. Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 480/487, complementada pela decisão de fls. fls. 505/506 dos autos, em sede de embargos de declaração, que julgou procedente em parte ação de restituição de valores cumulada com perdas e danos que Cassiano Martinho Ferreira ajuizou em face de GGF Comércio de Alimentos Ltda. A sentença julgou ainda extinta sem resolução de mérito, a ação em face de Nestlé Brasil Ltda, por ilegitimidade passiva. Fê-lo a sentença, forte no argumento que o contrato de parceria para abertura de lojas não foi adimplido, como admitido em correspondência trocada entre Apelação nº VOTO Nº 2/8

3 as partes. Em razão disso, determinou a devolução do adiantamento feito pelo autor, mas não o pagamento de lucros cessantes, cuja existência não foi demonstrada na fase de conhecimento. Recorre a ré CGF, alegando, em síntese, que existiu na realidade uma sociedade em conta de participação entre as partes, dissolvida pois a Nestlé denunciou unilateralmente contrato de parceria de abertura de lojas com a marca Cremerie. Em razão disso, a sociedade de fato formada com diversos investidores, inclusive o autor, se desfez, com restituição do saldo remanescente em conta, abatidos os prejuízos do empreendimento. Afirma que o autor não era credor,mas sim sócio de um empreendimento frustrado (fls. 514/545). processado e contrariado (fls. 551/559). Efetuado o preparo, o recurso foi Foi o recurso originalmente distribuído ao Desembargador Joaquim Garcia, no mês de novembro de Houve redistribuição ao feito para o Desembargador Sebastião Garcia, por força da Resolução 542/2011, que deu cumprimento à Meta 02 do CNJ. Em virtude da aposentadoria de S. Exa., recebi os autos somente em 11 de novembro de É o relatório. Apelação nº VOTO Nº 3/8

4 1. O recurso não comporta provimento. A apelante CGF pretendeu abrir uma série de lojas para comercializar produtos sorvetes da Nestlé, sob a marca Cremerie. Para tanto, segundo se deduz dos autos, ofereceu ao público em geral oportunidade de investimento, mediante aquisição de pequena participação social, com generosa promessa de retorno 1,5% ao mês além da possibilidade de resgate do capital investido, dentro de certo prazo. O negócio jurídico foi instrumentalizado mediante sociedade em conta de participação,na qual os investidores figuraram como sócios participantes, e a apelante CGF como sócia ostensiva. Sucede que as quotas sociais da sócia ostansiva CGF foram cedidas a terceiros, que, segundo alegam, nem conhecimento tinham da existência da sociedade em conta de participação. Além disso, a Nestlé, ao tomar conhecimento da existência de centenas de investidores potencialmente lesados, denunciou o contrato, frustrando, assim, o objeto social da sociedade em conta de participação, que consistia da abertura de rede de lojas para a comercialização de sorvetes. Apelação nº VOTO Nº 4/8

5 2. O contrato não se limita a uma dimensão exclusivamente jurídica e nem constitui uma realidade autônoma, mas, ao invés, está ligado a uma realidade exterior a si próprio, que envolve interesses e situações econômico-sociais, às quais cumpre uma função instrumental. Em termos diversos, o contrato representa a tradução científico-jurídica de uma operação econômica (Enzo Roppo, O Contrato, Livraria Almedina, Coimbra, 1.988). Tal constatação está intimamente ligada à noção de causa do negócio jurídico, ou seja, o fim econômico e social reconhecido e garantido pelo direito, uma finalidade objetiva e determinante do negócio que o agente busca além do fato em si mesmo (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 18 ª Edição, Forense, vol. I, p. 319). É o que o novo Código Civil denomina de motivo determinante, objetivo e comum a ambos os contratantes. No caso concreto, foram os sócios participantes atraídos pela oferta de investimento de pequena monta R$ ,00 com boa taxa de retorno (1,5% ao mês) e promessa de fato de terceiro, qual seja, a de que a Nestlé anuiria à abertura de rede de lojas para a comercialização de sorvetes. Apelação nº VOTO Nº 5/8

6 Parece claro que o negócio se afastou da clássica função da sociedade em conta de participação, na qual os sócios participantes estão inteiramente inteirados dos riscos da atividade, para se aproximar de captação de poupança do público em geral, em nítida relação de consumo. 3. A verdade é que o contrato se frustrou por culpa da sócia ostensiva CGF, cujas quotas sociais foram transferidas a terceiros sem ciência da existência da sociedade em conta de participação. Também a Nestlé, ao tomar conhecimento da sociedade em conta de participação e potencial lesão a interesse de centenas de investidores, denunciou o contrato. Parece claro, portanto, que a sócia ostensiva CGF deu causa à frustração do negócio, de modo que, na forma do art. 996 do Código Civil, deve devolver inteiramente os investimentos aportados pelos sócios participantes. Isso porque, na realidade, em nítida relação de massa de captação de recursos populares, a CGF prometeu fato de terceiro, qual seja, o de que a Nestlé estaria de inteiro acordo com a abertura de uma rede de lojas para comercialização de sorvetes da marca. Apelação nº VOTO Nº 6/8

7 Como a própria CGF deu causa à inviabilidade do negócio, não pode pretender repartir entre os sócios participantes o prejuízo decorrente de ato ilícito próprio. Reza o art. 996 do Código Civil que se aplica à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples. Disso decorre que o sócio ostensivo administrador responde por maus atos de gerência perante os sócios participantes. 4. Foi correta a sentença, ao determinar à ré a devolução integral do capital empregado, mais os juros remuneratórios convencionados, abatidos eventuais pagamento parciais já efetuados. Repete-se que no caso concreto, sob o rótulo de sociedade em conta de participação, se fez captação de poupança popular mediante oferta ao público em geral de investimento com excelente remuneração. A aparência da oferta e a confiança que se despertou em pequenos investidores, como o autor, não pode ser frustrada por comportamento ilícito da ré. Nega-se provimento ao recurso. Apelação nº VOTO Nº 7/8

8 Francisco Loureiro Relator Apelação nº VOTO Nº 8/8