Comércio numa cidade
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- Adriano de Sousa Mirandela
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1 Comércio numa cidade Alberto A. Pinto a,c, Telmo Parreira b,c a Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Portugal b Universidade do Minho, Portugal c LIAAD-INESC Porto LA, Universidade do Porto, Portugal Como é que os habitantes de uma dada cidade escolhem as lojas para fazer compras? 1 Introdução Consideremos uma aldeia em que quase todos os seus moradores vivem ao longo da rua principal e que na qual existem apenas duas lojas: a do Manuel e a do Joaquim. Os habitantes da aldeia podem comprar os produtos na loja do Manuel ou do Joaquim. Identificamos a rua principal com o segmento de recta [0,L] e, para simplificar o modelo, supomos que a loja do Manuel se encontra no ponto 0 do segmento e que a loja do Joaquim se encontra no ponto L, isto é, nos extremos da rua. Denotamos por c M e c J os custos unitários de produção para cada vendedor (loja) e por p M e p J os preços unitários de venda dos mesmos produtos nas lojas do Manuel e do Joaquim, respetivamente. O António, que vive na casa com o endereço d {0,1,...,L} na rua, tem o custo p M + dt se for comprar à loja do Manuel e tem o custo p J + (L d)t se for comprar à loja do Joaquim, onde t é o custo unitário de se deslocar numa direcção ou noutra. O António decide fazer compras na loja do Manuel ou do Joaquim consoante o custo seja menor. Assim, se o António vai comprar à loja do Manuel e se p M + d t < p J + (L d)t, p M + d t > p J + (L d)t, o António vai comprar à loja do Joaquim. Este tipo de competição entre duas empresas (lojas) é descrita pelo modelo de Hotelling ([1], [4]). Consideremos que cada habitante da aldeia compra uma unidade do produto quando se desloca a uma das lojas. Assim, o número de unidades vendidas k pelo Manuel é igual ao número de habitantes que vão comprar à sua loja e o seu lucro k (p M c M ) é igual ao número de unidades de produto vendidas k vezes o lucro p M c M obtido em cada venda. Os lucros do Joaquim são calculados de forma semelhante. Quais os preços p M e p J que o Manuel e o Joaquim devem praticar para maximizar o seu lucro? 2 Modelo de Hotelling Para simplicidade das fórmulas que se seguem, passamos a considerar que o endereço d [0,L] e que o número de habitantes são reais em vez de inteiros, obtendo, assim, uma solução 1
2 aproximada do caso da vida real. Deixamos como exercício, para o leitor, ajustar as fórmulas para o caso da vida real em que o endereço e o número de habitantes são inteiros. Dependendo dos preços p M e p J praticados pelas lojas do Manuel e do Joaquim vamos encontrar o consumidor indiferente, que mora na casa com endereço d 0 [0,L], que é o habitante da aldeia para o qual custo de se deslocar à loja do Manuel e comprar um produto é igual ao custo de se deslocar à loja do Joaquim e comprar o mesmo produto (ver Figura 1), i.e. p M +t d 0 = p J +t (L d 0 ) Notamos que a posição do consumidor indiferente d 0 é o ponto de interseção das retas p M +t d e p J + t (L d) com variável independente d. Temos que o consumidor indiferente mora na casa com endereço d 0 = t L + p J p M Se d 0 0, ninguém vai comprar à loja do Manuel que, consequentemente, abre falência. Se d 0 L, ninguém vai comprar à loja do Joaquim que, consequentemente, abre falência. Se d 0 (0,L), ambas as lojas têm compradores e não abrem falência, isto é, o mercado é competitivo. Loja do Manuel Loja do Joaquim 0 d L Custo: p M + td Custo: p J + t (L-d) Figura 1: A aldeia de Hotelling Supondo que o mercado é competitivo, os habitantes que moram em casas com endereço pertencente ao intervalo [0,d 0 ] vão comprar à loja do Manuel e os habitantes que moram em casas com endereço pertencentes ao intervalo [d 0,L] vão comprar à loja do Joaquim. Considerando que os N habitantes da aldeia estão igualmente distribuídos ao longo da rua, o número de habitantes que vão comprar à loja do Manuel será d 0 N/L e o número de habitantes que vão comprar à loja do Joaquim será (L d 0 )N/L. Deste modo, o lucro do Manuel é dado por π M (p M ) = (p M c M )d 0 N L = (p M c M ) ( t L + pj p M De forma análoga, o lucro do Joaquim é dado por π J (p J ) = (p J c J )(L d 0 ) N ( t L + L = (p pm p J J c J ) ) N L. ) N L. O Manuel e o Joaquim pretendem determinar os preços p M e p J, que devem praticar, de forma a maximizar os seus lucros π M (p M ) e π J (p J ). Para tal, escrevendo x = p M e f (x) = π M (p M ), obtemos que ( ) t L + pj x N f (x) = (x c M ) L = N L x2 + N(t L + p J + c M ) x N(c M t L + c M p J ). L L Como o coeficiente do termo de grau dois é negativo, a função f tem um único máximo que é atingido no ponto médio x das duas raízes. Dado que as duas raízes de f são c M e p J + tl 2
3 obtemos que x = (c M + p J +tl)/2. Assim, o preço que o Manuel deve praticar para maximizar o seu lucro é p M = 1 2 (c M + p J +t L). De forma semelhante, o preço que o Joaquim deve praticar para maximizar o seu lucro é p J = 1 2 (c J + p M +t L). Assim, os preços praticados pelo Manuel e pelo Joaquim são obtidos resolvendo o sistema de duas equações a duas incógnitas p M e p J, { pm = (c M + p J +t L)/2; p J = (c J + p M +t L)/2. Desta forma, os preços praticados pelas lojas, de forma a maximizar o lucro, deverão ser os seguintes: { pm = t L c M c J; p J = t L c J c (1) M. Notamos que as lojas têm que vender os produtos com preços superiores aos seus custos, isto é, p M > c M e p J > c J. Por (1), p M > c M e p J > c J é equivalente a afirmar que c M c J < 3t L. Assim, se c M c J < 3t L o mercado é competitivo, isto é, as duas lojas têm clientes e os preços praticados pelas lojas do Manuel e do Joaquim são dados por (1). O par de preços (p M, p J ) é o equilíbrio de Nash ([5]) do problema, isto é, são os melhores preços que ambas as lojas podem praticar tendo em conta os preços praticados pela outra loja. Praticando estes preços, o Manuel e o Joaquim obtêm os lucros π M = (p M c M ) N ( t L + pj p M L π J = (p J c J ) N ( t L + pm p J L ) = N L ) = N L (3t L + c J c M ) 2 ; 18t (3t L + c M c J ) 2. 18t Os lucros, tal como os preços, são determinados pelos custo de transporte t e pelos custos de produção c M e c J. Notamos que (i) se c M > c J + 3t L a loja do Manuel abre falência e d 0 = 0 e (ii) se c J > c M + 3t L a loja do Joaquim abre falência e d 0 = L. Em ambos os casos, a fórmula dos preços (1) não se aplica porque só é valida no caso do mercado ser competitivo. Trabalho orientado: Considere uma aldeia com N = 1000 habitantes e cuja via principal tem 1km de comprimento e que o custo unitário de transporte é t = 1 (por metro). a) Dados os custos c M = 2100 e C J = 5200 verifique que uma das loja abre falência. Diga qual é a loja que abre falência. b) Dados os custos c M = 2100 e C J = 2700 verifique que o mercado é competitivo. Calcule os preços praticados pelas lojas do Manuel e Joaquim e quais os seus lucros. 3 Compras numa cidade Consideremos que a nossa cidade consiste num conjunto de vias principais (arestas do grafo da cidade) em que as lojas se encontram situadas nos cruzamentos de k vias (nós com k > 2 arestas 3
4 incidentes do grafo da cidade) ou situadas ao longo das vias (nós com k = 2 arestas incidentes do grafo da cidade). Notamos que o número k de arestas incidentes num nó é o grau do nó. Os compradores dos produtos vendidos pelas lojas estão distribuídos pelas vias da cidade. Cada loja ou firma F A, situada num nó de grau k, compete com as suas k lojas vizinhas F B situadas nos nós do outro lado das vias. Denotamos por V A o conjunto das k lojas vizinhas de F A. Ver o exemplo na figura 2, onde a loja F A, situada num nó de grau 4, compete com as lojas vizinhas F B, F C, F D e F E. A loja F A tem um custo unitário c A e pratica o mesmo preço unitário F G F E F H d A,E F D d A,D F A F B d A,C d A,B F I F C F J Figura 2: Cidade de Hotelling P A para todos os consumidores. Os consumidores em diferentes vias do mesmo cruzamento pagam o preço p A à loja F A acrescido do custo de transporte que é proporcional à distância que percorrem entre a sua casa e a loja F A. Suponhamos que a via entre quaisquer lojas F A e F B tem N habitantes e comprimento L para simplicar o modelo matemático. Assim, o consumidor indiferente das lojas F A e F B está à distância d A,B da loja F A e à distância L d A,B da loja F B, onde esta distância é determinada por p A +t d A,B = p B +t(l d A,B ). (2) Resolvendo a equação (2), encontramos a localização d A,B do consumidor indiferente, d A,B = t L + p B p A. O lucro associado com este mercado para a loja F A é dado por π A,B = (p A c A ) N L d A,B = N L (p A c A )(t L p A ) + N L (p A c A ) p B. Para cada loja F A, com k A vizinhos F B V A, a função lucro π A é a soma dos lucros obtidos em cada mercado, isto é, π A (p A ) = k A N L (p A c A )(t L p A ) + N L B V A p B (p A c A ) = N L (p A c A )(k A t L k A p A + B V A p B ). 4
5 Assim, para uma rede competitiva com M nós, os preço p A praticados pelas lojas F A, em equilíbrio de Nash, são as soluções do seguinte sistema linear de M equações ( ) p A = 1 c A +t L k A p B, (3) B V A para todo o A {1,...,M}. A prova deste resultado é uma extensão do que foi feito na secção anterior e pode ser estudada em [2] e [3]. Dada uma rede concreta de lojas, a resolução deste sistema de equações pode ser feita recorrendo a um computador. Trabalho orientado: Considere um quarteirão (em forma de quadrado) com uma loja situada em cada canto, M = 4, como na figura 3. Considere ainda que cada via tem N = 1000 habitantes e 1km de comprimento e que o custo unitário de transporte é t = 1 (por metro). a) Dados os custos c A = c B = c C = c D = 2000, mostre que os preços competitivos são p A = p B = p C = p D = 3000 e que os lucros de cada empresa são de b) Dados os custos c A = c C = 1800 e c B = c D = 2100, mostre que os preços competitivos são p A = p C = 2900 e p B = p D = 3000 e que os lucros correspondentes são de π A = π C = e π B = π D = F A F B F D F C Figura 3: Quarteirão de uma cidade 4 Conclusão Estudamos o modelo de Hotelling que é central em Organização Industrial e Teoria de Jogos (ver outros modelos, por exemplo, em [3]). Encontramos a estratégia ótima (preço) para cada jogador (loja), tendo em conta as estratégias dos outros jogadores (lojas), o que é habitualmente designado por Equilíbrio de Nash. Em particular, ficamos a saber como uma rede de lojas que vendem o mesmo produto de forma competitiva numa cidade estabelecem os seus preços (ver equação 3), e como os consumidores decidem a qual das lojas se devem dirigir para fazerem as suas compras ao menor preço. O exemplo paradigmático de Teoria de Jogos é o Dilema do Prisioneiro cuja descrição se encontra com muita facilidade e que aconselhamos vivamente o leitor a estudar. As aplicações de Teoria de Jogos são vastas, percorrendo todas as áreas do saber, e fundamentais para o entendimento do comportamento humano. Referências [1] H. Hotelling. Stability in Competition, The Economic Journal 39 (1929) [2] A. A. Pinto, and T. Parreira. A hotelling-type network. Editors: M. Peixoto, A. A. Pinto, and D. Rand. Dynamics, Games and Science I. Springer Proceedings in Mathematics series 1, Chapter 45, (2011)
6 [3] A. A. Pinto. Duopoly Models and Uncertainty. Interdisciplinary Applied Mathematics series. Springer-Verlag (2012). [4] [5] 6
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