19/11/2013 SEGUNDA TURMA : MIN. GILMAR MENDES

Transcrição

1 Ementa e Acórdão Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 11 19/11/2013 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS MINAS GERAIS RELATOR PACTE.(S) IMPTE.(S) PROC.(A/S)(ES) COATOR(A/S)(ES) : MIN. GILMAR MENDES :VALERIANO DOS SANTOS AUGUSTO :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Habeas corpus. 2. Constitucional e Processual Penal. 3. Tribunal do júri. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Anulação da decisão proferida pelo Conselho de Sentença e determinação de submissão do paciente a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. 4. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos não é violado pela realização de novo julgamento do Júri, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. Precedentes. 5. Alegação de excesso de linguagem. Não ocorrência. 6. Ordem denegada. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do, em Segunda Turma, sob a presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do voto do Relator. Brasília, 19 de novembro de Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digitalmente documento pode ser acessado no endereço eletrônico sob o número

2 Relatório Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 11 19/11/2013 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS MINAS GERAIS RELATOR PACTE.(S) IMPTE.(S) PROC.(A/S)(ES) COATOR(A/S)(ES) : MIN. GILMAR MENDES :VALERIANO DOS SANTOS AUGUSTO :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA R E L A T Ó R I O O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Relator): Trata-se de habeas corpus, sem pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU), em favor de Valeriano dos Santos Augusto, contra acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que denegou a ordem no HC /MG. Segundo os autos, o paciente foi denunciado e pronunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 121, 2º, inciso II, do CP (homicídio qualificado pelo motivo fútil). Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Ponte Nova/MG, foi condenado à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do delito previsto no art. 121, 1º, do CP (homicídio privilegiado impelido por violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima). Inconformados com a decisão condenatória, defesa e acusação apelaram. A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG) deu provimento ao recurso ministerial, ao passo que julgou prejudicado o apelo defensivo, acolhendo a tese do Parquet estadual segundo a qual a decisão proferida pelos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos e determinando a submissão do paciente a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. A defesa, então, impetrou habeas corpus no STJ, que denegou a ordem, nos termos da ementa a seguir transcrita: documento pode ser acessado no endereço eletrônico sob o número

3 Relatório Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 11 PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PROCEDIMENTO DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO POR HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE SENTENÇA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. NÃO RECONHECIMENTO. 1. Não há falar, no procedimento do júri, em existência de vertentes alternativas quando, a suposta tese que daria suporte à sentença anulada, em verdade, encontra-se alicerçada, unicamente, em declarações de informante, que vem a se retratar. 2. Inexiste excesso de linguagem em aresto de apelação que, reconhecendo a manifesta contrariedade à prova dos autos, restou adequadamente fundamentada, em cumprimento à determinação prevista no artigo 93, IX, da Constituição Federal. 3. Ordem denegada. Agora, a impetrante sustenta que a decisão do Conselho de Sentença não foi proferida em contrariedade às provas colhidas, pois os jurados optaram pela versão apresentada pela defesa, que encontra suporte nos autos. Ademais, alega que o acórdão proferido pelo TJ/MG é nulo, pois extrapolou os limites delineados para apreciação das provas. Ao final, pugna pela: concessão da ordem de habeas corpus para cassar o acórdão recorrido e restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Júri ou, subsidiariamente, cassar o acórdão do STJ e anular o acórdão do TJMG, determinando o seu desentranhamento dos autos originários para que outro seja proferido em seu lugar. 2 documento pode ser acessado no endereço eletrônico sob o número

4 Relatório Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 11 Informações prestadas. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela extinção do processo. É o relatório. 3 documento pode ser acessado no endereço eletrônico sob o número

5 Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 11 19/11/2013 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS MINAS GERAIS V O T O O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Conforme relatado, a defesa pugna pela anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG) que, com fundamento no art. 593, III, d, do CPP, deu provimento ao apelo ministerial para anular o Júri e determinar a submissão do paciente a novo julgamento. No caso, o Tribunal a quo entendeu que a decisão proferida pelo Conselho de Sentença que condenou o paciente por homicídio privilegiado foi manifestamente contrária às provas dos autos, porquanto todos os depoimentos prestados na persecução criminal indicavam que o paciente não cometeu o delito sob violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima. Posto isso, o Tribunal mineiro anulou a sentença condenatória e determinou a realização de novo julgamento, por entender que as provas colhidas não dão suporte à conclusão dos jurados. Por oportuno, transcrevo o voto condutor do julgamento: A meu ver, data vênia, penso que razão assiste ao Ilmo. Representante do Ministério Público, pois diante das provas colacionadas aos autos, verifica-se que a decisão tomada pelo Conselho de Sentença encontra-se manifestamente contrária às provas dos autos, diante da inexistência de injusta provocação da vítima. O réu Valeriano dos Santos Augusto alega que foi agredido pela vítima e que somente desferiu a facada para se defender. ( ) Todavia, tal negativa apresentada restou isolada nos autos, sem nenhum adminículo de prova ou verossimilhança capaz de dar-lhe sustentação, sobretudo diante dos depoimentos das testemunhas presenciais do evento delitivo.

6 Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 11 Com efeito, afere-se dos depoimentos colhidos no decorrer da instrução criminal que foi o réu quem causou confusão no bar e provocou a vítima e demais pessoas presentes. E, em nenhum momento, a vítima teria agredido o réu injustamente, causando-lhe uma violenta emoção. Ressalte-se que a testemunha Andréa Aparecida Moreira, num primeiro momento (f ), afirma que a vítima, juntamente com outros dois elementos, agrediu e perseguiu o réu com tacos de sinuca. Todavia, em seguida, retrata-se, afirmando que não presenciou os fatos, pois não estava no bar e que teria mentido porque tem medo do réu (f. 275). Desse modo, não se constata dos autos que o agente teria agido impelido por violenta emoção após injusta provocação da vítima, não havendo, portanto, que se falar em homicídio privilegiado. ( ) Com efeito, a r. decisão se revela manifestamente contrária à prova dos autos como sustenta o Parquet, pois, no caso em exame, os jurados acolheram a tese do homicídio privilegiado em total divergência com os fatos narrados, razão pela qual a decisão do Tribunal Popular do Júri deve ser cassada, nos moldes do preconizado no art. 593, III, 3º, do CPP. Constata-se, portanto, que a tese do homicídio privilegiado revelouse dissociada das provas dos autos, encontrando suporte unicamente no depoimento de uma testemunha, que, posteriormente, retratou-se da declaração que havia prestado em favor do paciente. Transcrevo, a propósito, trecho do acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de justiça (STJ): Note-se que, como bem observado pelo Tribunal de origem, a tese de que o paciente teria reagido a provocação lastrear-se-ia nas palavras de Andréa Aparecida Moreira. Todavia, as declarações de tal informante oscilaram substancialmente e, ao fim e ao cabo, culminaram numa retratação, a apontar que ela nada vira acerca dos 2

7 Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 11 acontecimentos: Sabendo ler e escrever aos costumes disse: Nada. Testemunha compromissada na forma da lei, prometeu dizer a verdade, inquirida pelo MM. Juiz, respondeu: que Valeriano estava zuado, motivo pelo qual sua mãe recomendou que ele ficasse em casa; que Valeriano não atendeu ao pedido da mãe e foi para rua; que a depoente não foi a lugar algum naquela noite; tendo permanecido em casa durante todo o tempo; que a certa altura da noite, a depoente, em sua casa, ouviu um barulho de briga na rua; que permaneceu deitada após ouvir tal barulho; que não viu o fato discutido neste processo; Às perguntas da defesa, respondeu: que o primeiro depoimento prestado na data de hoje teve seu conteúdo gizado pelo medo que o réu inspira na depoente; Às perguntas do MP, respondeu: que não houve pedido explícito do réu para que a depoente se portasse como o fez durante seu primeiro depoimento; que as ações da depoente foram tomadas espontaneamente, no intuito de ajudar o réu; que não houve qualquer xingamento pela vítima ao réu; que a ideia de prestar depoimento em desacordo com os fatos veio de sua cunhada: Maria Aparecida (fl. 288, destaquei). Portanto, não visualizo como acolher a irresignação contra o aresto da apelação, que, a meu sentir, acertadamente, reconheceu a flagrante desarmonia da sentença com a instrução. Feitas essas considerações, ressalto que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos não é violado pela determinação de realização de novo julgamento pelo tribunal do júri, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, como no presente caso. Nesse sentido: 3

8 Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 11 HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, III, d, DO CPP). NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência é pacífica no sentido de que não há falar em ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos pelo Tribunal de Justiça local que sujeita os réus a novo julgamento (art. 593, III, d, do CPP), quando se tratar de decisão manifestamente contrária à prova dos autos. 2. No caso, o Tribunal de Justiça estadual reconheceu que a tese defensiva não é minimamente consentânea com as evidências produzidas durante a instrução criminal. Desse modo, qualquer conclusão desta Corte em sentido contrário demandaria, necessariamente, o revolvimento de fatos e provas, o que é inviável na via estreita do habeas corpus. 3. Ordem denegada (HC /MS, rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe ; grifo nosso). HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO, QUADRILHA E FUGA DE PESSOA PRESA. DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DO VEREDITO: IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS IMPRÓPRIO NA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA. 1. A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. Precedentes. 2. A anulação parcial do julgamento seria válida tão- 4

9 Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 11 somente em caso de quesitação irregular, o que não se dá na presente ação, cuja defesa sustenta a negativa de autoria do Paciente. 3. Concluir que o julgamento do Tribunal do Júri que absolveu o Paciente do crime de tentativa de homicídio e o condenou pelos crimes de quadrilha e fuga de pessoa presa não teria sido contrário à prova dos autos impõe, na espécie vertente, revolvimento do conjunto probatório, o que ultrapassa os limites do procedimento sumário e documental do habeas corpus. 4. A alegação dos impetrantes de que a decisão do Superior Tribunal de Justiça seria mais prejudicial ao Paciente não é suficiente para justificar a concessão da ordem, ainda mais quando se verifica que será renovada a oportunidade de buscar a absolvição do Paciente pelos crimes de quadrilha e de fuga de pessoa presa; e mesmo na eventualidade de nova condenação, a pena dos crimes de quadrilha e de fuga de pessoa presa não ultrapassará a dosimetria estabelecida no primeiro julgamento. 5. Ordem denegada. (HC /SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe ; grifo nosso). HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. ABSOLVIÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI. CASSAÇÃO DO VEREDITO POPULAR PELA SEGUNDA INSTÂNCIA ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO ESTADUAL: INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE SER O RECURSO PARA QUESTIONAR A DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO ÀS PROVAS DOS AUTOS EXCLUSIVO DA DEFESA: IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Não se comprova nos autos a presença de constrangimento ilegal a ferir direito do Paciente nem ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a concessão da ordem de habeas corpus pedida. 5

10 Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de Ao determinar a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo procurou demonstrar, tão somente, nos limites do comedimento na apreciação da prova, que não existe nos autos material probatório a corroborar a tese defensiva da negativa de autoria. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos não é violado pela determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, pois a pretensão revisional das decisões do Tribunal do Júri convive com a regra da soberania dos veredictos populares. Precedentes. 4. Negar ao Ministério Público o direito ao recurso nas hipóteses de manifesto descompasso entre o veredicto popular e a prova dos autos implicaria violação à garantia do devido processo legal, que contempla, dentre outros elementos indispensáveis a sua configuração, o direito à igualdade entre as partes. 5. Habeas corpus denegado (HC /ES, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe ; grifo nosso). Ademais, da leitura do acórdão da apelação, não verifico excesso de linguagem capaz de comprometer a imparcialidade e influenciar a decisão do novo Conselho de Sentença. O Tribunal a quo apenas fundamentou, em observância ao comando contido no art. 93, IX, da Carta Magna, a decisão que anulou a sentença condenatória, por ser manifestamente contrária às provas dos autos. Nesses termos, denego a ordem de habeas corpus. É como voto. 6

11 Extrato de Ata - 19/11/2013 Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 11 SEGUNDA TURMA EXTRATO DE ATA HABEAS CORPUS PROCED. : MINAS GERAIS RELATOR : MIN. GILMAR MENDES PACTE.(S) : VALERIANO DOS SANTOS AUGUSTO IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Decisão: A Turma, por votação unânime, denegou a ordem, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki. Subprocurador-Geral da República, Dr. Odim Brandão Ferreira. Ravena Siqueira Secretária Substituta Documento assinado digitalmente conforme MP n /2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico sob o número