O Profeta no Antigo Testamento: Uma Introdução Brian Kibuuka

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1 O Profeta no Antigo Testamento: Uma Introdução Brian Kibuuka Trataremos aqui da figura do profeta em duas perspectivas: 1) Adivinhação versus profecia Nesta parte, são antepostos o profeta e o adivinho, de forma a serem destacadas suas diferenças e conexões. 2) Os mediadores A figura do profeta é identificada com outras figuras, que são analisadas aqui e são explicitadas como parte do movimento profético. 1) Adivinhação versus profecia * Os deuses e a adivinhação Na antigüidade, era corrente a crença de que os deuses revelavam o futuro ou resolviam os problemas presentes. * Adivinhação e magia A adivinhação surgiu neste âmago, e seu berço foi a magia. O mago e adivinho geralmente eram a mesma figura. * As formas de adivinhação O termo adivinhação provém do latim divinatio, que faz menção ao mundo sublime do divino. As formas de adivinhação bíblicas se dividem em indutivas e intuitivas. a) Indutiva A adivinhação indutiva utiliza recursos: i) naturais: corpos celestes (astrologia Is 47.13), fenômenos atmosféricos (aeromancia 2 Sm 5.24; cf. também Gn ; Dt com Jz 9.37). ii) observação dos animais: 1 Sm 6. iii) A partir dos sacrifícios: observação da fumaça (capnomancia), ou oferecer sacrifícios com esta intenção (libanomancia) ver Jz iv) A partir da observação de líquidos: água e azeite (lecanomancia), ou simplesmente água (hidromancia Gn 44.5). v) Mediante diversos instrumentos: flechas (belomancia Ez 21.26; 2 Rs ); bastão (Os 4.12); dados (cleromancia Js ; 1 Sm ). b) intuitiva São três formas principais: a interpretação dos sonhos (oniromancia), a consulta aos mortos (necromancia) e a comunicação com o divino por oráculos (cresmologia). i) oniromancia: Gn 20.3; ; 37; 40; 41; Jz 7.10; Dn 2; 4; 7; 1 Rs 3.5; 1 Sm 21.8; Is 65.4; Jr 23.25; 29.8). ii) necromancia: Dt ; Is 19.3; 1 Sm ; 2 Rs 21.8; Is 8.19; 65.4) (21) (Tim e WhatsApp)

2 iii) cresmologia: 1 Sm 8; ; ; 2 Sm ; Is ; 2 Sm ; Gn 12.1; Gn 46.3; Jz ; 2 Sm 2.1; * Os oráculos não-solicitados Ocorrem em duas situações: para demonstrar o futuro ou para dar uma missão a alguém exemplo: Jonas. 2) Os mediadores Existem na Bíblia mediadores proibidos e autorizados. Os proibidos são os sacerdotes e adivinhos entre os filisteus (1 Sm 6.2), os magos, agoureiros, adivinhos e astrólogos entre os babilônios (Is 44.25; 47.13; Ez 21.26); e agoureiros, adivinhos e feiticeiros entre os egípcios (Is 19.3). De uma forma geral, aqueles mediadores não aceitos estão listados em Dt Entre os aceitos, está o anjo do Senhor, o sacerdote e os mediadores proféticos. * O anjo do Senhor (mal ak YHWH), ou anjo de Deus (mal ak elohîm): Gn ; ; , 15-18; Jz 2.1-5; Ex ; ; Nm ; Jz ; Jz 13; 1 Rs 13.18; ; 2 Rs 1.3-4,15; Zc 1.9,12,14;2.7;3.5-6;4.1,5;5.5;6.5; Dn 7.16; ;Dn ;1 Rs A tarefa do anjo do Senhor é transmitir mensagens, proteger ou castigar (Gn 24.7,40; 48.16; Nm 20.16; 14.19; Ex ;33.1-3; Nm ; Sl 34.8; 91.11; 2 Sm ; 2 Rs 19.35; Sl ; 78.49). * O sacerdote (kohen): Existiam três procedimentos de adivinhação o urim, o tummim e o efod. Exemplos: - consulta sobre a primeira tribo a lutar contra os benjamitas, pelo sacerdote Finéias (Jz 20.18; 20.23,28; 20.27). - consulta dos danitas quando marcham para o norte (Jz ; 18.20). - consulta quando Saul e seus homens estão indo lutar contra os filisteus (1 Sm ). - consulta de Davi a Aquimelec, quando está fugindo de Saul e passa por Nob (1 Sm 22.10; 22.13,15). - Abiatar cumpre a missão de Aquimelec usando o efod (1 Sm ). - Consulta para saber se pode atacar os inimigos em Ceila (1 Sm ). - Consulta para saber se pode se estabelecer em Judá, e em que cidade (2 Sm 2.1). - Menção sobre o fato de não se ter consultado a Deus sobre os gibeonitas (Js 9.14). - Consulta sobre Josué tomar Tamnat-Saraá (Js 19.50). - Afirmação de que não há mais nenhum sacerdote capaz de consultar o urim e tummim (Ed 2.63, Ne 7.65) cabe afirmar serem estes instrumentos pequenos, já que o sacerdote os podia carregar no peitoral (Ex ; Lv 8.8). - Consulta ao efod: 1 Sm ; ; cabe afirmar que não se sabe exatamente o que era o efod. * Os mediadores proféticos São três os personagens que tipificam a profecia nas suas origens: Samuel, Natã e Gade. Estes e os que o seguem não são adivinhos, mas são os intermediários de Deus, para anunciar seus desígnios 2

3 (Dt ). Em ordem crescente de aparecimento, as figuras identificadas com o profeta são: vidente, visionário, Homem de Deus e profeta. a) vidente (ro eh): Este termo surge 11 vezes no Antigo Testamento. Nas tradições anteriores ao exílio, surge 6 vezes: quatro referindo-se a Samuel (1 Sm 9.9,11,18,19), e uma ao sacerdote Sadoc (2 Sm 15.27). Em Is 30.10, fala-se de videntes (ro -îm). O cronista usa o título três vezes para designar Samuel (1 Cr 9.22, 26.28, 29.29) e duas a Hanani (2 Cr 16.7,10). O vidente é aquele que conhece coisas ocultas, e que pode ser consultado, mas para isto deveria receber uma gorjeta. Os videntes aparecem em paralelismo em Isaías com os visionários (hozîm), sendo o grupo que recorda o povo das suas responsabilidades diante de Deus. b) visionário (hozeh): Este termo aparece em 16 ocasiões. Dez delas estão em Crônicas, o que reduz o uso antigo a 6 casos. Em 2 Sm 24.11, Gade é apresentado como visionário do rei. O cronista aplica este título a Emã (1 Cr 25.5) e a Iditun (2 Cr 35.15). Mas o visionário não é um personagem da corte real, já que Amós é chamado de visionário e não pertence a ela (Am 7.12). A avaliação negativa dos visionários é feita por Miquéias (Mq 3.5-7), que o menciona entre aqueles que extraviam o povo: os profetas (nebî îm), visionários (hozîm) e adivinhos (qosmîm) estes se vendem pela melhor oferta. Predomina, porém, a visão positiva destes personagens (Is 29.10). Estes exerciam uma importante função religiosa de advertir o povo (2 Rs 17.13). Os visionários ainda são descritos como pessoas valentes, que falam inclusive com o rei ímpio Manassés (2 Cr 33.18). c) Homem de Deus ( îsh elohîm): Este título é freqüente, surgindo 76 vezes, sendo 55 delas no livro dos reis. Aplica-se geralmente a um personagem conhecido: Eliseu (29 vezes), Elias (7 vezes), Moisés (6 vezes), Samuel (4 vezes), Davi (3 vezes), Semeías (2 vezes), Ben-Joanã (1 vez). Mas se aplica também a personagens anônimos (1 Sm 2.27; 1 Rs 13; 20.28; 2 Cr 25.7,9). O termo era pouco usado no começo do reinado, atingiu o ápice em Eliseu e depois desapareceu repentinamente. O homem de Deus tem uma relação íntima com Deus que o possibilita realizar milagres, e nisto ele é reconhecido (1 Rs 17.24). d) Profeta (nabî): Este título aparece 315 vezes no Antigo testamento, sendo o termo clássico para referir-se aos profetas. Sobretudo a partir do século VII e durante o VI, com profetas como Jeremias, Ezequiel e Zacarias. Esta expressão é aplicada no Pentateuco 14 vezes, aplicada a Abraão (Gn 20.7), Miriã (nebî ah, Ex 15.20), Moisés (Dt 18.15, 34.10). Surge na História Deuteronomista 99 vezes, aplicado a Débora (Jz 4.4), a um profeta anônimo (Jz 6.8), Samuel (1 Sm 3.20), Gade (1 Sm 22.5), Natã (2 Sm 7.2), Aías de Silo (1 Rs 11.29), ao profeta anônimo de Betel (1 Rs 13.20,25,26,29), Jeú ben Hanani (1 Rs 16.7,12), Elias (1 Rs 18.22,36), outro profeta anônimo (1 Rs 20.22,38), Eliseu (1 Rs 19.16), Jonas, filho de Amati (2 Rs 14.25), Isaías (2 Rs 19.2), Hulda (2 Rs 22.14) e Miquéias bem Jemla (1 Rs 22.8,14,28). Há também a corporação dos profetas, ou "filhos" dos profetas (benê nebî im, 1 Rs 20.35, 2 Rs 2.3,5,7,15; 4.1,38; 5.22; 6.1; 9.1). Há também os profetas aos quais o rei consulta antes de ir à guerra (1 Rs 22, 2 Rs 3.13). No final, a História Deuteronomista fala de seus servos os profetas, sendo instrumentos escolhidos por Deus para exortar o povo (2 Rs 17.13,23; 21.10; 24.2). Em Lamentações os nebî-im têm estreita relação com os sacerdotes (Lm 2.20; 4.13; 2.14; 2.9). Em Neemias, estes surgem nos boatos que correm entre o povo (Ne 6.7), aparecem como figuras que são fáceis de se comprar ( ) e que tentam amedrontar Neemias (6.14). Em Amós, o protagonista se afasta dos nebî-îm e dos benê nebî îm (7.14). Estes são um dom de Deus ao povo, mas que o povo não sabe valorizar ( ), como pessoas que têm acesso aos segredos 3

4 dele (3.7). A reação espontânea diante da palavra do Senhor é profetizar (3.8), e este encargo foi dado por Deus a Amós (7.15). Em Oséias, Moisés é apresentado como nabî (12.14). Os profetas são apresentados como dom de Deus ao povo (12.11), que executavam uma função educativa (6.5), não obstante o profeta ser posto em paralelo com o sacerdote na acusação grave feita contra ambos (4.5). Em Isaías, em três ocasiões aparece o termo aplicado a ele mesmo (Is 37.2, 38.1 e 39.3). Ele chama sua esposa de nebî ah (Is 8.3) e outras quatro vezes aparece a expressão em seu texto e sempre como um grupo. A acusação contra estes surge em Is 9.14 e Em Miquéias, só surge a expressão 3 vezes, sempre designando um grupo e em posição desfavorável (3.5-7 e 11). Em Sofonias os profetas são apresentados como temerários e desleais, sendo parte da classe dominante de Jerusalém juntamente com os principais juízes e sacerdotes (Sf 3.1-4). Em Habacuque, o termo é usado em duas ocasiões, com sentido positivo. Primeiro, o termo é aplicado ao protagonista (1.1; 3.1), sendo o único título de livro profético que usa o termo. O livro de Jeremias faz 99 citações aos profetas, e tem grande peso nisto o fato da obra afirmar ter Deus dado este título a Jeremias no momento da sua vocação (Jr 1.5). jeremias apresenta os nebî îm junto aos reis, príncipes e sacerdotes (Jr 2.26; 32.32), com sacerdotes e sábios (18.18) e junto aos sacerdotes ( , 26.7,8,11). A imagem global dos sacerdotes no livro é negativa, mas dois textos que têm influência deuteronomista apresenta os profetas como servos de Deus, enviados para conversão do povo (Jr 25.4; 26.5). Em Ezequiel, Deus envia este profeta como nabî (Ez 2.5, 33.33). Mas em seguida, os profetas sempre são mencionados como corporação, junto aos sacerdotes e conselheiros (7.26), junto aos príncipes, sacerdotes, nobres e donos de terra ( ). Ezequiel enfrenta energicamente estes profetas (Ez ), inclusive contra as mulheres que se metem a profetizar (Ez ). Mas surge também a figura idealizada meus servos, os profetas, da história deuteronomista, seguindo a visão de Jeremias de que globalmente o movimento profético é positivo (38.17). O livro de Ageu usa o termo cinco vezes, sempre aplicado ao protagonista (Ag 1.1,3,12; 2.1,10). A primeira parte de Zacarias (Zc 1-8) apresenta os profetas de forma positiva: quando se fala dos antigos profetas, estes são apresentados como servos (Zc 1.6), ou os profetas (Zc 8.9). Zc 7.3 dá testemunho de que a antiga união de sacerdotes e profetas em torno do templo continua no fim do século VI. A segunda parte de Zacarias (Zc 9-14) apresenta os profetas de forma tão negativa quanto Neemias em fins do século V. São tão prejudiciais quanto os ídolos, são covardes, mulherengos, enganadores (Zc ). Malaquias oferece o último uso do termo nabî entre os Doze Profetas, e este é positivo, aplicado a Elias (Ml 3.23). Quanto a Daniel, este apresenta uma visão idealizada dos nebî îm. Estes são apresentados como servos (Dn 9.6). Aqui os profetas não constituem mais um dos grupos dominantes da sociedade como em Isaías, Miquéias, Sofonias, jeremias e Ezequiel. A fórmula seus servos, os profetas reaparece em Dn Em 9.24, o termo nabî parece referir-se a Jeremias. Chegamos às seguintes conclusões: 1 o título nabî não implica uma avaliação positiva, mas aplica-se inclusive aos profetas de Baal e aos falsos profetas de Javé. Mesmo com a conotação muitas vezes negativa, o termo acabou impondo-se sobre Isaías, Amós e Miquéias, que nunca o reivindicavam. 2 o sentido e a função do nabî variam no decorrer da história, pois da mesma forma que Arão se converte em nabî de Moisés (Ex 7.1), os homens se convertem a nebî îm de Baal ou de Javé e transmitem sua palavra. 4

5 3 o nabî atua, por vezes, de maneira independente, e às vezes em grupo. 4 no norte, os profetas aparecem reunidos em torno do rei. E no sul, o centro de atenção é o Templo, onde eles são relacionados aos sacerdotes isto justifica falar que eles são profetas cultuais. 5 o fenômeno do nebiismo não é homogêneo na sua mensagem, nem nas suas manifestações, o que explica as diversas tentativas de classificar os nebî îm em grupos diferentes. 6 A História deuteronomista manifesta esta tensão, no fato de que nem todos os que se denominam profetas de fato o são. 7 As mulheres podem ser profetisas, até com grande prestígio, apesar delas não poderem ser sacerdotisas. 8 Em certas correntes proféticas, como a de Isaías e de Miquéias, o termo nabî e o verbo profetizar não têm muito prestígio. Eles têm preferência pela expressão contemplar (hazah). Visão de conjunto O vidente aparece como um personagem urbano, que atua no outeiro ou ermida de uma cidade, presta seus serviços e é recompensado por isto (1 Sm 9). O homem de Deus e os filhos dos profetas são parte da profecia periférica, surgindo em tempos de crise (seca, guerra, tensões, pobreza); são oprimidos ou estão em relação com os homens periféricos da sociedade (exemplos: Elias e Eliseu); o homem de Deus desempenha sua função em grupo; o Deus da profecia periférica é periférico; e o Deus da profecia periférica é amoral, e sua principal característica não é a bondade, mas o poder. O visionário e o profeta são relacionados à profecia central, e nascem por pressões que vêm de fora da sociedade (ameaças de guerra, invasões etc.); legitima e sanciona a moralidade pública; não está aberta a todos, mas é restrita a poucos indivíduos; o Deus da profecia central é um Deus central, a despeito das manifestações de sincretismo; o Deus da profecia central é predizível e moral. Os títulos estão geograficamente localizados: no sul, hozeh, o arauto do conselho divino (Is 6; 1 Rs 22); no norte, nabî, o porta-voz da aliança. 5