Os leilões de linhas de transmissão e o Risco Brasil
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- Filipe Neves Castilho
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1 Os leilões de linhas de transmissão e o Risco Brasil Nivalde J. de Castro * Roberto Brandão** No dia 15 de dezembro, a Aneel realizou com sucesso o leilão de linhas de transmissão. Somando-se com os resultados do leilão de 25 de novembro, foram mais km de linhas de transmissão que vão requerer, nos próximos dois anos, investimentos estimados em R$ 1,8 bilhão. Dois fatos chamaram a atenção nos dois últimos leilões: os grandes deságios, que alcançaram média de 50 % em relação ao teto de receita fixado pela Aneel e a competitividade das empresas espanholas, que arremataram a maior parte dos lotes leiloados. Dos resultados dos últimos leilões de transmissão fica claro que desde 2003 há sucessivas reduções na remuneração das novas concessões de linhas de transmissão e que esta redução se acentuou nos leilões de Comparando-se os valores de receita anual permitida (RAP no jargão do setor) das concessões leiloadas ao investimento estimado para construir as linhas respectivas, constatase que a remuneração caiu à metade com relação ao início da década! Em nossa avaliação, estes resultados refletem a queda do custo de capital no Brasil e particularmente a queda do risco país. 1
2 Nos leilões até 2003 o valor da receita anual permitida das concessões oscilou em torno de 20% do valor do investimento orçado pelas empresas vencedoras dos leilões. Ou seja, o pay-back do investimento para a construção das linhas era de cinco anos, desconsideradas as despesas de operação, que são bastante pequenas na transmissão de energia. No leilão de novembro de 2005, a relação receita anual sobre investimentos já havia caído para 11,2% (pay-back de 9 anos na média, fora gastos da operação), um número excepcionalmente baixo para investimentos de longo prazo no Brasil. Nos leilões de novembro e dezembro de 2006, de acordo a estimativa de investimentos feita pela Aneel, a receita anual das novas concessões já estaria abaixo de 10% do valor do investimento necessário para construir as linhas. Se tais números forem confirmados pelos orçamentos das empresas vencedoras das novas concessões (estes orçamentos ainda não estão disponíveis), representarão um pay-back médio de mais de 10 anos. São números absolutamente incomuns no Brasil. Eles indicam que as empresas do setor aceitam uma taxa de retorno há pouco tempo impensável e impraticável na economia brasileira. A primeira razão que faz com que os investidores se disponham a aceitar retornos diminutos para linhas de transmissão é que se trata de um negócio de baixo risco. Nos leilões de transmissão, as empresas disputam concessões para construir e operar durante trinta anos linhas de transmissão e subestações de energia. A Aneel publica com antecedência edital com os dados técnicos dos lotes a serem leiloados e estabelece um teto para a remuneração anual das concessionárias. Esta remuneração é justamente o objeto do leilão: ganha a empresa que ofertar a menor remuneração, isto é, que oferecer o maior deságio em relação ao preço-teto. A empresa vencedora faz o licenciamento ambiental e contrata o financiamento. O BNDES financia boa parte do empreendimento em 12 anos, após o prazo de carência. O custo é TJLP, mais um spread de 2%aa para o segmento de linhas de transmissão e um spread adicional que depende do nível de risco do tomador do empréstimo, que se situa entre 1,5% a 2%. A construção da linha dura entre um ano e meio e dois anos. Somente quando a linha entra em operação a concessionária começa a ser remunerada. Ela passa a receber por 2
3 quinze anos a receita do lance vencedor do leilão, reajustada anualmente pelo IPCA. Passado este prazo, já em uma época em que os financiamentos da construção da linha estarão quitados, a remuneração cai à metade, permanecendo neste nível pelo restante da concessão. O mais interessante é que a receita, além de indexada, independe do nível de utilização dos equipamentos. A concessionária é remunerada para manter em funcionamento a linha que construiu e não pela energia transportada. A receita não é afetada se os equipamentos permanecerem ociosos a maior parte do tempo. Possivelmente não há no Brasil outro negócio do setor real que se aproxime tanto da segurança de um papel de renda fixa de longo prazo. As características do negócio explicam apenas por que os investidores aceitam taxas de retorno baixas e não por que a taxa de retorno caiu recentemente. A razão para a queda na remuneração das concessionárias com relação aos investimentos (ou, o que é o mesmo, para a queda da taxa de retorno exigida) deve ser procurada em outro lugar. Uma parte da explicação está na estabilidade do marco regulatório do setor elétrico, especialmente no segmento de transmissão. Ao contrário do que ocorreu na geração, as regras permanecem fundamentalmente as mesmas desde o primeiro leilão de 1999 o que vem atraindo o interesse de um número crescente de empresas. Outro fator é a redução do custo do capital de terceiros, evidente pela trajetória de queda da TJLP, hoje em 6,85%. Mas as nossas simulações indicam que a principal razão da queda na remuneração exigida para a transmissão de energia é a redução do custo de capital próprio. É prática consagrada na avaliação de investimentos, seja ela feita por empresas estrangeiras ou brasileiras, incluir no custo do capital próprio um fator que capte o risco Brasil. A intuição por trás desta prática é que um investimento de risco no Brasil deve pagar sempre mais que um título soberano da República. No gráfico pode-se ver 3
4 como a evolução da relação da receita anual de transmissão (RAP) frente ao investimento requerido segue a redução do risco país, tal qual ele é captado pelo EMBI índice calculado pelo JP Morgan que exprime o spread nos títulos soberanos do Brasil com relação a papéis de mesma duração do Tesouro americano. Isto mostra como a melhora nos indicadores de solvência externa do país, ajudados pela farta liquidez internacional, têm uma ligação estreita com custo e a viabilidade dos investimentos de infra-estrutura no Brasil. Receita Anual/Investimentos e o Risco Brasil Receita Anual / Investimento 25% 20% 15% 10% 5% 0% /02 11/02 02/03 05/03 08/03 11/03 02/04 05/04 08/04 11/04 02/05 05/05 08/05 Risco Brasil (EMBI) médio dos 9 meses anteriores 11/05 02/06 05/06 08/06 11/06 Data do leilão Receita/Investimento Risco Brasil (Embi) Font es: Aneel e JP Morgan. A Receit a Anual é a RAP (Receit a Anual Permit ida) média dos lot es concedidos em cada leilão. Os dados de invest iment o f oram orçados pelas vencedoras dos leilões, excet o nos dois leilões de 2006, onde usamos est imat ivas da Aneel Quanto ao avanço crescente das empresas espanholas nos leilões de transmissão, avaliamos que isto se deve ao fato de tratar-se de empresas de engenharia que dispõe de capital para se diversificarem para o ramo de concessões. Como o custo do investimento é basicamente o custo da construção das linhas, empresas de engenharia conseguem adicionar ao retorno de longo prazo da concessão um retorno de prazo mais curto na construção. Neste sentido, elas têm oportunidades de sinergias importantes, inclusive tributárias, que lhes dão um diferencial competitivo nos leilões. 4
5 Os resultados verificados nos leilões de transmissão indicam a consolidação do marco regulatório, refletem o cenário macroeconômico nacional e internacional e contribuem para a modicidade tarifária sem risco de desequilíbrio entre a oferta e demanda. Uma questão interessante é saber por que estes mesmos condicionantes e resultados não estão se traduzindo em um sucesso análogo no segmento de geração de energia. A resposta, em nossa avaliação, deve ser dada pelo Ministério do Meio Ambiente * Professor e Coordenador do GESEL, Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ. ** Pesquisador do GESEL-IE-UFRJ. Artigo publicado no IFE nº de 18 de dezembro de
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