ADRIANA BRAGA DE GÓES BARBOSA
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1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE GENÉTICA DETERMINAÇÃO DO POLIMORFISMO DAS SEQÜÊNCIAS DE DNA MITOCONDRIAL HUMANO NA POPULAÇÃO DE ALAGOAS, BRASIL ADRIANA BRAGA DE GÓES BARBOSA Recife, PE Março, 2006
2 ADRIANA BRAGA DE GÓES BARBOSA DETERMINAÇÃO DO POLIMORFISMO DAS SEQÜÊNCIAS DE DNA MITOCONDRIAL HUMANO NA POPULAÇÃO DE ALAGOAS, BRASIL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Genética da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Genética. Orientador: Prof. Dr. Luiz Maurício da Silva, Depto. de Genética, Centro de Ciências Biológicas, UFPE. Co-Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira da Silva, Depto. de Biologia, Centro de Ciências Biológicas, UFAL. Recife, PE Março, 2006
3 Barbosa, Adriana Braga de Góes Determinação do polimorfismo das seqüências de DNA mitocondrial humano na população de Alagoas, Brasil/ Adriana Braga de Góes Barbosa. Recife: O Autor, folhas : il.,fig., tab. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CCB. Ciências Biológicas.Genética. 1. Genética populações 2. MtDNA população - Alagoas 3. Polimorfismo I.Título CDD (22.ed.) UFPE CDU (2.ed.) CCB
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5 Aos meu pais, SILVIA e LENILDO, dedico.
6 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Dr. Luiz Maurício da Silva, pela confiança, paciência, por ter me ensinado e ampliado meu interesse pela Genética Forense. Ao meu co-orientador, Dr. Luiz Antonio Ferreira da Silva, pela confiança, exemplo de dedicação e momentos de aprendizagem, os quais foram determinantes para execução deste trabalho. Aos meus amigos e colegas de laboratório. Cada um contribuiu significativamente na minha vida profissional e pessoal: Dalmo, Ana, Eliana, Fátima, André, Beatriz, Kelly, Laura, Djavan, Cássia, Iede, Henrique e Felipe. Aos colegas de mestrado pelos bons momentos vividos juntos e em especial à amiga Jemima Eline, pelo companheirismo em situações boas e outras nem tanto. À Bianca Carvalho e Fábio Leite, do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, e à Dra. Maria Cátira Bortolini, da UFRGS, pela orientação na análise filogenética e classificação de haplótipos. À Demétrio Mutzenberg, pelo amor, apoio e pela ajuda dada durante a realização deste trabalho.
7 SUMÁRIO Página Lista de Figuras 6 Lista de Tabelas 7 Lista de abreviações 8 Resumo Introdução Revisão bibliográfica: O DNA Mitocondrial Caracterização do loco Número de cópias e herança Heteroplasmia Variação genética populacional As linhagens mitocondriais da África As linhagens mitocondriais da Europa As linhagens mitocondriais da Ásia As linhagens mitocondriais das Américas Linhagens mitocondriais brasileiras O DNA mitocondrial no contexto forense Nomenclatura Interpretação dos dados Qualidade dos dados Seqüenciamento Classificação dos erros Análise filogenética para identificação de erros Detecção de mutações fantasmas 39 4
8 3. Referências Bibliográficas Manuscrito de Artigo Ciêntífico Mitochondrial DNA control region polymorphism in the population of Alagoas, Northeastern of Brazil Informações complementares Conclusões Abstract Anexos Instruções para Autores - Genetics and Molecular Biology Instruções para Autores - Journal of Forensic Sciences 92 5
9 LISTA DE FIGURAS Figura Página Revisão da Literatura Figura 1. Mapa do genoma mitocondrial humano e diagrama expandido da região controle nãocodificante. 15 Figura 2. Heteroplasmia de ponto. 19 Figura 3. Heteroplasmia de comprimento. 20 Figura 4. Seqüências de três indivíduos diferentes mostrando a dificuldade na determinação da heteroplasmia de comprimento em HV2. Figura 5. Distribuição dos haplogrupos refletindo o padrão das migrações humanas. Figura 6. Nomenclatura das inserções no trecho poli- C em HV2. Figura 7. Eletroferogramas com seus valores de qualidade Figura 8. Árvores geradas pelo programa Network. 41 Informações complementares Figura 1. Mapa do Estado de Alagoas indicando os municípios de origem dos 123 indivíduos analisados. Figura 2. Árvore filogenética gerada pelo programa Network com os dados da população de Alagoas
10 LISTA DE TABELAS Tabela Página Revisão da Literatura Tabela 1. Lista dos sítios característicos para os principais haplogrupos do mtdna. 25 Tabela 2. Códigos da IUPAC. 31 Tabela 3. Valores de qualidade (QV) e suas respectivas probabilidades de erro (Pe). Tabela 4: Lista de transições que ocorrem freqüentemente na região HV Manuscrito Tabela 1. mtdna haplotypes and their frequency in the Alagoas population. Tabela 2. Genetic diversity and statistical parameters in a sample of 123 individuals from Alagoas Informações complementares Tabela 1. Seqüências dos primers para amplificação dos fragmentos da HV1 e HV2. Tabela 2. Quantidades recomendadas de DNA para a reação de seqüenciamento. Tabela 3. Diversidade genética de várias populações e grupos étnicos ao redor do mundo. Tabela 4. Diversidade genética e parâmetros estatísticos de 123 indivíduos da população de Alagoas
11 LISTA DE ABREVIAÇÕES A ATP BSA C CRS ddntp DNA dntp EDNAP Adenina Adenosina trifosfato Bovine Serum Albumin Albumina Sérica Bovina Citosina Cambridge Reference Sequence Seqüência de Referência de Cambridge didesoxirribonucleotídeo trifosfato Desoxiribonucleic Acid Ácido Desoxirribonucléico desorribonuleotídeo trifosfatado European DNA profiling Grupo Europeu de Identificação Humana por DNA Fita Heavy Fita Light Guanina Gravidade Fita H Fita L G g HV1 Região hipervariável 1 HV2 Região hipervariável 2 HV3 Região hipervariável 3 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IUPAC International Union of Pure and Applied Chemistry União Internacional de Química Pura e Aplicada kb Kilobase µg Micrograma min Minuto µl Microlitro µm Micromolar mm Milimolar mrna RNA mensageiro mtdna DNA mitocondrial ng Nanograma ºC Graus Celsius pb Pares de base PCR Polymerase Chain Reaction Reação em Cadeia da Polimerase Pe Probabilidade de Erro ph potencial hidrogeniônico QV Quality Value Valor de Qualidade RC Região Controle rcrs Revised Cambridge Reference Sequence Seqüência de Referência de Cambridge revisada 8
12 RNA Ribonucleic Acid Ácido Ribonucléico rrna RNA ribossômico s Segundo STR Short Tanden Repeats Repetições Curtas em Tandem SWGDAM The Scientific Working Group on DNA Analysis Methods Grupo Científico de Trabalho em Métodos de Análise do DNA T Timina Taq Thermophylus aquaticus trna RNA transportador U Unidade UV Ultra Violeta Σ Somatório 9
13 RESUMO A análise das seqüências de DNA mitocondrial humano (mtdna) tem sido uma ferramenta muito útil na genética forense devido às características especiais do mtdna como herança materna, ausência de recombinação e alto número de cópias por célula. O objetivo deste trabalho foi determinar o polimorfismo das regiões hipervariáveis 1 e 2 do mtdna humano na população de Alagoas, Brasil. Para isso, foram seqüenciados 167 mtdnas de indivíduos não relacionados desta população para análise dos dois segmentos hipervariáveis, HV1 e HV2, da região controle. A heteroplasmia de comprimento, nas regiões de trechos de citosina repetidas em HV1/HV2, foi observada em 22% (37/167) e 11% (19/167) da amostra, respectivamente. Dos 123 segmentos de HV1 e HV2 restantes, um total de 110 haplótipos diferentes foram encontrados, sendo determinados por 128 posições variáveis. O haplótipo mais freqüente (16111, 16223, 16290, 16319, 16362, 73, 146, 153, 235, 263, 309.1C, 315.1C - haplogrupo A) foi econtrado em cinco indivíduos, seguido por um haplótipo compartilhado por três indivíduos e um haplótipo compartilhado por duas pessoas em sete ocorrências diferentes (frequência de 1,6%). A diversidade genética foi estimada em 0,997 e a probabilidade de dois indivíduos ao acaso possuírem mtdnas idênticos foi de 0,011. Baseado nos resultados dos perfis de mtdna, 45% das sequências puderam ser classificadas como haplogrupos africanos, 27% como nativo-americanos e 25% como europeus. Cerca de 3% dos haplótipos não puderam ser classificados em nenhum haplogrupo. A diversidade genética das regiões HV1 e HV2 indica a importância desses locos para a identificação humana na população de Alagoas. PALAVRAS-CHAVE: mtdna, polimorfismo, regiões hipervariávies, Alagoas. 10
14 1. INTRODUÇÃO O mtdna humano tem bases de comprimento e possui duas principais regiões: a região codificante e a não-codificante. A região codificante é responsável pela produção de várias moléculas biológicas envolvidas no processo de produção de energia da célula. A região controle (não-codificante) é responsável pela regulação da replicação e transcrição da molécula de mtdna. Duas regiões do mtdna localizadas na região controle são altamente polimórficas na população humana em geral. Essas regiões são conhecidas como regiões hipervariáveis 1 e 2 (HV1 e HV2) e os testes forenses usando mtdna são realizados com essas duas regiões devido a grande variabilidade encontrada entre indivíduos (Isenberg e Moore 1999). Comparado com a tipagem do DNA nuclear, o mtdna apresenta duas vantagens na investigação forense: primeiro, está presente em um alto número de cópias e pode fornecer um resultado quando o DNA genômico não pode, em particular, quando o material biológico contiver pouco ou nenhum DNA nuclear (Wilson et al. 1995). Isso permite, por exemplo, a análise de fios de cabelo, dentes, ossos antigos, tecidos putrefados, etc. Segundo, o mtdna é transmitido exclusivamente por linhagem materna, para os filhos, sem recombinação (Hutchison et al. 1974). Assim, a probabilidade de um parentesco materno pode ser calculada por comparação direta das seqüências de DNA. Em testes forenses, quando duas seqüências de mtdna são idênticas, ou seja, quando não podem ser excluídas como originárias do mesmo indivíduo ou da mesma linhagem materna, é necessário fazer uma estimativa estatística da significância dessa coincidência (peso da evidência). Para isso, conta-se o número de vezes que a seqüência em particular é observada em um banco de dados. Então, baseado no tamanho do banco de dados e no perfil observado, é possível estimar a 11
15 freqüência de um haplótipo de DNA mitocondrial em uma população (Budowle et al. 1999a). Até o presente momento não haviam dados sobre a freqüência dos haplótipos de HV1 e HV2 na população de Alagoas. Tal fato impossibilitava a aplicação desses marcadores em identificação humana, já que para isto é necessário saber alguma informação sobre a raridade dos perfis de mtdna nesta população. Neste trabalho esperou-se encontrar uma alta diversidade genética nas regiões HV1 e HV2 da população em estudo, já que esta é resultado de um processo de miscigenação que ocorreu no Nordeste do país. Este trabalho teve como objetivo determinar o polimorfismo das regiões hipervariáveis 1 e 2 do DNA mitocondrial humano na população de Alagoas para a criação de um banco de dados referencial para a região Nordeste, bem como comparar os dados obtidos com outras populações em relação à variabilidade genética. 12
16 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. O DNA mitocondrial Caracterização do loco Além do genoma nuclear, as células eucariontes possuem DNA dentro das mitocôndrias. Estas organelas apresentam membrana dupla e estão presentes no citoplasma, sendo responsáveis por muitos processos metabólicos crucias como a fosforilação oxidativa. Por essa razão, as mitocôndrias são conhecidas como as usinas energéticas das células. Acredita-se que as mitocôndrias são evolutivamente derivadas de uma bactéria ancestral, a qual teria formado uma relação simbiótica intracelular com as primeiras células eucarióticas (Gray, 1992). Com o passar de centenas de milhões de anos, esse ancestral perdeu a habilidade de funcionar como um organismo independente, de modo que seu genoma tornou-se muito atenuado. De fato, a maioria das proteínas funcionais da mitocôndria está codificada por genes do núcleo (Lang et al. 1997). O que restou na mitocôndria humana foi um genoma circular de pares de bases (pb) que contém 37 genes (Fig. 1), dos quais 22 codificam RNAs transportadores, dois codificam RNAs ribossomais e 13 codificam proteínas/enzimas envolvidas na cadeia transportadora de elétrons da fosforilação oxidativa e produção de ATP (Wallace 1992). A primeira seqüência do genoma mitocondrial foi determinada em 1981 (Anderson et al. 1981). As duas fitas do mtdna têm diferenças significativas em relação as suas composições: a fita ou cadeia H (heavy) é rica em guaninas e a cadeia L (light) é rica em citosinas. Além da região codificante do mtdna, existe uma seção não-coficante conhecida como região controle (RC). A RC também é conhecida como alça-d (D-loop) devido a estruturas visíveis pelo microscópio eletrônico que são formadas durante a replicação (Upholt e Dawid 1977). A RC possui pb de comprimento e contém promotores para RNAs policistrônicos de genes 13
17 das fitas L e H, bem como a origem de replicação para a fita H. O sistema de numeração da seqüência de referência, conhecida como seqüência de referência de Cambridge (Anderson et al. 1981), começa arbitrariamente próximo ao meio da região controle, assim a RC compreende as posições a e continua da posição 1 a 576 (Fig. 1). O DNA mitocondrial evolui cerca de cinco vezes mais rápido que o DNA nuclear (Cann e Wilson 1983). Essa variação se deve, em primeiro lugar, ao fato da mitocôndria ser uma grande geradora de radicais livres, proporcionando um ambiente favorável a mutações no DNA. Outra causa seria a ausência de histonas, que exercem um papel protetor no DNA nuclear (Yakes e Van Houten, 1997). Além disso, a enzima DNA polimerase mitocondrial possui baixa atividade corretora quando comparada à DNA polimerase nuclear (Kunkel e Loeb, 1981) e a reparação do DNA dependente de excisão de nucleotídeos não está presente em mitocôndrias (Croteau et al. 1999). Em relação à região codificante, algumas porções da RC são altamente variáveis entre indivíduos, evoluindo cinco vezes mais rápido que o resto da molécula (Greenberg et al. 1983), presumidamente devido à fraca seleção exercida sobre a região não-codificante do DNA. Também deve-se considerar que a típica estrutura D-loop, onde há a formação momentânea de fita-simples, pode influenciar o padrão de mutação pontual (Reyes et al. 1998), já que a taxa de depurinação de DNA fita-simples é quatro vezes maior que do DNA fita-dupla (Lindahl e Nyberg, 1972). Por essas razões, os testes de identificação forense têm em foco a variação de seqüências dentro das regiões hiperveriáveis da RC (Holland et al. 1993; Wilson et al. 1993; Parson et al. 1998). A região hiperveriável 1 (HV1) compreende as posições a 16325, enquanto a região hiperveriável 2 (HV2) estende-se da posição 73 até a 340. Um terceiro segmento hipervariável, chamado HV3, foi descrito dentro da região controle do mtdna (Lutz et al. 1997), localizado entre as posições 438 e 574. Este terceiro segmento, no entanto, é menos polimórfico que HV1 e 14
18 HV2 e é usado apenas em alguns casos, quando uma discriminação adicional torna-se necessária. Figura 1. Mapa do genoma mitocondrial humano e diagrama expandido da região controle não-codificante. Estão listados os genes para os RNAs ribossomais 12S e 16S, subunidades do compelxo NADH-coenzima Q oxidoredutase (ND), complexo citocromo C oxidase (CO), citocromo b (CIT B), ATPase, 22 trnas (representados pela letra do aminoácido que carregam) e origem de replicação das fitas Light (OL) e Heavy (OH). O diagrama da região controle mostra o flanqueamento dos genes de trnas e a localização da região hiperveriável 1 (HV1) e 2 (HV2); O sistema de numeração segue o da seqüência de referência padrão (Anderson et al. 1981). Adaptado de 15
19 Número de cópias e herança Uma característica do DNA mitocondrial que lhe confere grande vantagem na análise forense é o alto número de cópias por célula. Enquanto o DNA nuclear está presente em apenas duas cópias por célula diplóide, estima-se que um óvulo maduro contenha milhares de mitocôndrias e mais de cópias de mtdna (Piko e Matsumoto 1976; Michaels et al. 1982). No geral, existem entre duas a 10 cópias de mtdna por mitocôndria e entre 100 a mitocôndrias por célula, dependendo do tipo de tecido. Dessa maneira, o número de cópias por célula somática varia de aproximadamente 200 a (Bogenhagen e Clayton 1974; Robin e Wong 1988; Ricoy-Campo and Cabello 2003). Assim sendo, o mtdna fornece à ciência forense um método para tipar espécimes contendo mínimas quantidades de DNA nuclear tais como ossos antigos, pêlos sem bulbo, tecidos carbonizados, partículas de pele, etc (Holland et al. 1993; Wilson et al. 1995; Pfeiffer et al. 1999a; Wurmb- Schwarka et al. 2003; Cerri et al. 2004; Edson et al. 2004). Uma outra característica importante para a análise forense é a herança materna do mtdna (Hutchison et al. 1974). Esse tipo de herança pode ser muito útil em testes de identificação porque permite uma comparação direta de seqüências de DNA de parentes com a mesma linhagem materna, sem a ambigüidade causada por recombinação meiótica e mistura de genes nucleares. Assim, quando a seqüência de uma amostra biológica é comparada com a de uma pessoa de referência, a probabilidade de um parentesco materno pode ser calculada (Lutz et al. 2000). Uma das explicações para a herança materna do mtdna pode ser simplesmente numérica: a cabeça dos espermatozóides contém apenas poucas cópias de mtdna comparado as milhares de cópias do óvulo (Chen X et al. 1995). Além disso, também parece existir um mecanismo específico de reconhecimento que consegue eliminar mesmo essas poucas moléculas de mtdna paterno que podem ser introduzidas no óvulo. Por 16
20 exemplo, no estudo de Manfredi et al. 1997, quando algumas mitocôndrias das células espermáticas humanas foram introduzidas em uma cultura de células somáticas destituídas de mtdna, 10 a 20% das células contendo mtdna proveniente do espermatozóide morreram imediatamente após a introdução, enquanto apenas uma fração muito pequena das células (1/10 5 ) sobreviveu mais de 48 horas. No entanto, quando mitocôndrias de células somáticas foram introduzidas em uma cultura de células, uma rápida substituição do DNA endógeno foi observada (King e Attardi 1988). Isso demonstra a existência de mecanismos que eliminam especificamente mitocôndrias derivadas de espermatozóides, mas não mitocôndrias derivadas de células somáticas. Em 1999 foi sugerido que as mitocôndrias do espermatozóide são marcadas com ubiquitina (proteína marcadora que se liga covalentemente a lisinas de outras proteínas) para serem selecionadas e destruídas (proteólise) no embrião (Sutovsky et al. 1999). Recentemente um estudo realizado por Kraytsberg et al. (2004) demonstrou que o mtdna pode sofrer recombinação. O mtdna foi obtido a partir de uma amostra de músculo, contendo mtdna materno e paterno, de um paciente acometido por uma miopatia devido a uma mutação no mtdna paterno. Algumas das seqüências analisadas mostraram ser uma mistura de ambos mtdnas. Uma das possibilidades para a presença de DNA paterno no paciente seria a introdução de uma pequena quantidade desse DNA durante a fertilização, sofrendo em seguida uma vantagem seletiva no músculo devido a essa determinada mutação ou polimorfismos paterno-específicos. No entanto, os resultados não desafiam a idéia que o mtdna humano é herdado somente da mãe, já que o estudo não demonstra claramente a herança paterna ou recombinação em células germinativas (Holding 2004). Mesmo que o mecanismo para eliminação de mtdna paterno não esteja totalmente elucidado, está claro que do ponto de vista prático do teste forense, o mtdna segue herança materna. Parsons et al. (1997) realizaram uma comparação de 69 sequências de mtdna de pais e filhos e 17
21 em nenhum dos casos foram observados traços de seqüências paternas no mtdna por seqüenciamento direto dos produtos amplificados da PCR (seguindo a mesma metodologia utilizada para testes forenses). Em muitas situações têm sido observadas misturas de mais de um tipo (seqüência) de mtdna no mesmo indivíduo. Essa condição é conhecida como heteroplasmia, onde envolve a mistura de apenas poucas bases (geralmente uma ou duas). Se tais misturas heteroplásmicas fossem resultado de herança paterna, a expectativa para misturas seria de muito mais bases, no mínimo, uma média de oito bases diferentes nas seqüências da região controle para dois indivíduos caucasianos escolhidos ao acaso (Holland et al. 1999) Heteroplasmia A ocorrência de heteroplasmia é um fator que se deve levar em consideração ao se analisar o DNA mitocondrial. Esta se caracteriza pela presença, em um mesmo indivíduo, de mais de um genótipo de DNA mitocondrial (Butler e Levin 1998). O fenômeno pode decorrer da mutação no genoma de uma ou mais mitocôndrias, gerando uma mistura de moléculas mutantes e normais. Quando uma célula heteroplásmica se divide, a herança mitocondrial nas células filhas ocorre ao acaso. Depois de vários ciclos de divisão celular, é possível que prevaleça, dentro de uma célula, somente uma das formas de DNA, o normal ou o mutante. Este processo pode se desenvolver em uma célula somática ou durante a proliferação de células germinais femininas. A heteroplasmia pode se manifestar de várias maneiras: 1) indivíduos podem ter mais de um tipo de mtdna em um único tecido; 2) indivíduos podem exibir um tipo de mtdna em um tecido e um tipo diferente em outro tecido e/ou 3) indivíduos podem ser heteroplásmicos em uma amostra de tecido e homoplásmicos em outro tipo de tecido (Budowle et al. 1999a; Bär et al. 2000). 18
22 Existem dois tipos de heteroplasmia: Heteroplasmia de ponto e heteroplasmia de comprimento. A primeira é caracterizada como a ocorrência de mais de uma base em uma mesma posição ou posições nas seqüências do mtdna de um mesmo indivíduo (Fig. 2). Uma das dificuldades de se detectar heteroplasmias de ponto com precisão se relaciona com o elevado nível de ruído de algumas sequências, inerente à técnica de sequenciamento, mascarando a presença de algumas delas (Holland e Parsons 1999). Figura 2: Heteroplasmia de ponto. A. seqüência apresentando duas bases na posição A letra Y representa a ambigüidade das bases de timina (T) e citosina (C); B. seqüência homoplásmica com apenas uma base na mesma posição. Modificado de Butler Em contrapartida, a heteroplasmia de comprimento é facilmente identificada devido ao acentuado decréscimo de qualidade na seqüência que ocorre logo após uma região rica em citosinas conhecida como trecho poli-c. Em HV1 quando uma timina é substituída por uma citocina na posição (uma condição presente em aproximadamente 19
23 20% da população em geral), é gerada uma série ininterrupta de 10 ou mais Cs que aparentemente é replicada com baixa fidelidade pela mitocôndria. O resultado é uma população de moléculas distintas, diferindo no comprimento das porções de citosina repetidas, produzindo uma quebra abrupta da qualidade dos dados devido ao desalinhamento das moléculas durante o seqüenciamento (Parson et al. 1998) (Fig. 3). Figura 3: Heteroplasmia de comprimento. A. presença de um T na posição numa seqüência normal; B. a substituição do T pelo C na mesma posição prejudicando a leitura da seqüência após o trecho de C; C. estratégias utilizadas para seqüenciar amostras com heteroplasmia de comprimento. Modificado de Butler
24 Para contornar este problema, torna-se necessário o uso de primers que se pareiam imediatamente antes e depois da região de Cs repetidos. Como conseqüência, são editadas simultaneamente quatro fitas seqüenciadas, que apresentam regiões em sobreposição, de tal modo que toda a região HVI esteja representada (Fig. 3C). Em contraste com HV1, o grau de heteroplasmia de comprimento em HV2 varia entre indivíduos, de modo que em alguns casos as bases dessa região podem ser determinadas mesmo quando a heteroplasmia de comprimento está presente (Marchington et al. 1997). Geralmente indivíduos que apresentam apenas sete Cs nessa região não manifestam heteroplasmia de comprimento, enquanto aqueles que apresentam oito ou mais Cs tendem a ter misturas heteroplásmicas. Pelo fato do nível de heteroplasmia variar muito entre indivíduos (indo de heteroplasmia não detectável, a pouco discernível e predominante), é difícil estipular o número total de seqüências com heteroplasmia de comprimento para HV2 (Fig. 4). Figura 4: Seqüências de três indivíduos diferentes mostrando a dificuldade na determinação da heteroplasmia de comprimento em HV2. A. heteroplasmia não detectada; B. heteroplasmia pouco discernível; C. heteroplasmia pronunciada. Dados próprios. 21
25 Assim como para HV1, a seqüência correta fora do trecho de C de HV2 pode ser determinada usando-se primers alternativos para seqüenciamento. 2.2 Variação genética populacional Durante o curso da tipagem do mtdna de amostras provenientes de várias populações, têm sido observado que os indivíduos geralmente se encaixam em haplogrupos que podem ser definidos como um conjunto de nucleotídeos específicos de cada região geográfica (Wallace et al. 1999, Ruiz-Pesini et al. 2004). Esses haplogrupos foram originalmente definidos no final das décadas de 80 e 90 pelo agrupamento de amostras contendo padrões iguais ou similares quando submetidas a uma série de enzimas de restrição que foram usadas para separar vários tipos de mtdna oriundos de populações ao redor do mundo. Os haplogrupos agora têm sidos correlacionados com polimorfismos de HV1/HV2 bem como variações no genoma inteiro. O genoma mitocondrial tem servido não só para esclarecer a origem de nossa espécie (Cann et al. 1987), como também tem sido utilizado conjuntamente com outros marcadores genéticos para seguir o rastro das migrações de populações humanas. Os grupos de humanos que originalmente saíram da África para ocupar outras regiões geográficas tiveram que se adaptar à mudança na disponibilidade calórica (alimentar) das novas regiões ambientais e as condições climáticas diferentes, acumulando mutações de uma maneira seqüencial nas linhagens de mtdna (Wallace 2005). Assim, as linhagens do mtdna têm uma distribuição geográfica que corresponde a das populações humanas (Fig. 5). Os haplogrupos A, B, C, D, E, F, G, M e N estão tipicamente associados com asiáticos enquanto a maioria dos nativos americanos caem dentro dos haplogrupos A, B, C, D e X. Haplogrupos L0, L1, L2 e L3 são africanos e os haplogrupos H, I, J, K, T, U, V, W e X estão tipicamente associados com populações européias (Tabela 1). 22
26 A caracterização das linhagens mitocondriais permite entender a variação genética entre populações e a diversidade genética dentro das populações. A classificação em haplogrupos também tem sido usada no contexto forense para maximizar o controle de qualidade dos bancos de dados, já que mais de 95% das seqüências, livres de erros e artefatos, devem se encaixar dentro de algum grupo populacional (Allard et al. 2002, Budowle et al. 2003, Allard et al. 2004; Yao et al. 2004). Figura 5. Distribuição dos haplogrupos refletindo o padrão das migrações humanas. Baseado em As linhagens mitocondriais da África Cerca de 76% de todos os mtdnas africanos da região sub-saariana caem dentro dos haplogrupos L0, L1 e L2 do macro-haplogrupo L (Chen YS et al. 1995, Graven et al. 1995). O haplogrupo L0 é considerado a linhagem mais antiga de mtdna, existindo há no mínimo anos (Wallace 2005). O haplogrupo L3 representa só uma pequena porcentagem dos mtdnas africanos mas parece ser o progenitor dos 23
27 haplogrupos M e N, que apareceram no norte da África e expandiram-se pela Europa e Ásia quando os indivíduos portadores desses haplogrupos saíram da África para colonizar outros continentes (Wallace et al. 1999; Quintana-Murci et al. 1999). Sendo assim, o haplogrupo L3 é considerado a linhagem ancestral de metade de todos os mtdnas europeus, asiáticos e de nativo-americanos. No geral, os dados de mtdna mostram que os mtdnas africanos apresentam uma grande heterogeneidade; sendo os mais antigos e com uma diversidade genética maior do que dos outros continentes (Wallace et al. 1999, Ingman et al. 2000) As linhagens mitocondriais da Europa A Europa se caracteriza por uma grande homogeneidade genética (Simoni et al. 2000a, 2000b, Helgason et al. 2000, Richards et al. 2002), já que cerca de 99% dos mtdnas europeus podem ser encaixados dentro de nove haplogrupos, designados como H, I, J, K, T, U, V, W e X (Torroni et al. 1996) e são todos derivados do macrohaplogrupo N (Mishmar et al. 2003) As linhagens mitocondriais da Ásia Na Ásia, 77% de todos os mtdnas derivam do macrohaplogrupo M (Ballinger et al. 1992, Torroni et al. 1993, Chen YS et al. 1995, Wallace 1995). As linhagens mitocondriais asiáticas derivadas do macrohaplogrupo M são os haplogrupos C, D, G e Z e o restante dos mtdnas derivam do macrohaplogrupo N, pertencendo aos haplogrupos A, B, F, Y (Torroni et al. 1994). Devido à grandeza do seu território e a complexidade de sua população, a Ásia apresenta grande diversidade de freqüências haplotíticas. 24
28 As linhagens mitocondriais das Américas Nas populações de nativo-americanos, os cinco haplogrupos A, B, C, D e X englobam 100% da variação genética do mtdna (Torroni e Wallace 1994). Os haplogrupos A, C, D representam 58% das linhagens do norte da Sibéria e sua presença nas Américas seria conseqüência da travessia pelo estreito de Bering dos indivíduos portadores desses haplogrupos. O haplogrupo B está presente em toda a costa asiática do pacífico, mas praticamente ausente na Sibéria e pouco freqüente na América do Norte. O haplogrupo X está presente principalmente na América do Norte, contudo sua distribuição ainda não está bem estabelecida (Brown et al. 1998). Tabela 1. Lista dos sítios característicos para os principais haplogrupos do mtdna. Baseado em Allard et al (africanos), Allard et al (europeus), Allard et al (asiáticos) e Alves-Silva et al (ameríndios). Haplogrupos L1a L1b L1c L2a L2b L2c L3b EUROPEUS AFRICANOS L3d L3e1 L3e1a L3e2 L3e2a L3e2b L3e3 L3e4 L3f L3f1 H T J K U5 I V Polimorfismos 16129A 16148T 16172C 16187T 16188G 16189C 16223T 16230G 16311C 16320T 93G 185A 189G 236C 247A 16126C 16187T 16189C 16223T 16264T 16270T 16278T 16311C 152C 182T 185T 195C 247A 357G 16129A 16189C 16223T 16278T 16294T 16311C 16360T 151T 152C 182T 186A 189C 247A 316A 16223T 16278T 16294T 16390A 146C 152C 195C 16114A 16129A 16213A 16223T 16278T 16390A 150T 152C 182T 195C 198T 204C 16223T 16278T 16390A 93G 146C 150T 152C 182T 195C 198T 325T 16223T 16278T 16362C 16223T 152C 16223T 16327T 189G 200G 16185T 16223T 16311C 16327T 189G 200G 16223T 16320T 195C 16223T 16320T 195C 198T 16172C 16189C 16223T 16320T 195C 16223T 16265T 195C 16051G 16223T 16264T 16209C 16223T 16311C 189G 200G 16209C 16223T 16292T 16311C 189G 200G 73A 16126C 16294T 16069T 16126C 295T 16224C 16311C 16270T 16223T 199C 204C 250C 16298C 72C 25
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