N/Referência: PROC.: C. P. 88/2014 STJ-CC Data de homologação:

Transcrição

1 N.º 16/ CC /2014 N/Referência: PROC.: C. P. 88/2014 STJ-CC Data de homologação: Consulente: Conservatória do Registo Predial de... Assunto: Conversão da penhora em hipoteca. Requisitos especiais do averbamento. Quantia exequenda versus montante máximo assegurado. Palavras-chave: Penhora; hipoteca; CPC; averbamento; quantia; exequenda; montante; máximo; fundamento. Relatório 1. Ainda a propósito da figura da conversão da penhora em hipoteca criada pelo art. 807.º do novo Código de Processo Civil (CPC), é formulada consulta sobre as menções que devem constar do averbamento previsto no art. 101.º/2/b) do Código do Registo Predial (CRP), quando destinado a publicitar aquela conversão, dando-se conta de duas práticas distintas: uma que se analisa em efetuar o registo apenas com a menção da conversão, e outra que, a esta menção, faz acrescer os requisitos fixados no art. 96.º do CRP. 2. Segundo a consulente, o facto de entre as alterações legislativas destinadas a conformar a nova solução jurídica não constarem menções especiais que o averbamento deva conter pode constituir um lapso, mas também pode ser a confirmação de que nenhumas menções especiais importa fazer, porquanto o fundamento da hipoteca (que é a extinção do processo executivo) ressalta do próprio facto averbado e o valor da hipoteca não pode ser outro, que não o que já figura a título de quantia exequenda (caso contrário haveria ampliação da inscrição, que não poderia ingressar por averbamento), a não ser que seja inferior. Pronúncia 1. Tendo em conta o que antecede, começamos já por dizer que, para nós, o facto de nas alterações legislativas pertinentes à conversão da penhora em hipoteca não constar a previsão de quaisquer requisitos especiais do averbamento em tabela não constitui lapso nem confirmação de que este averbamento apenas deve conter a menção da conversão da penhora em hipoteca. 1/5

2 1.1. A verdade é que, compulsando o art. 101.º/2 do CRP, encontramos diversos factos que ingressam no registo por averbamento, porém, não temos no art. 103.º do mesmo Código, referente às menções especiais dos averbamentos, os requisitos que cada um dos averbamentos previstos no mencionado art. 101.º/2 pode conter, mas apenas a sinalização daqueles averbamentos que não devem conter senão a referência ao facto a que se reportam (o averbamento de conversão do registo provisório em definitivo e o averbamento de cancelamento) A nosso ver, tal significa precisamente que a cada um dos demais averbamentos deverão corresponder as menções especiais que se mostrem pertinentes à cabal publicitação do facto, dispensando-se o legislador de as especificar justamente porque a utilidade e o conteúdo de menções adicionais não supérfluas dependerão do concreto facto que se está a averbar, da sua natureza e da necessidade de esclarecimento ou precisão que o mesmo suscite Postas estas considerações iniciais, o que imediatamente nos ocorre, relativamente à questão de saber se o averbamento de conversão da penhora em hipoteca exige outras menções, para além das que constituem requisitos gerais de qualquer averbamento (art. 102.º do CRP), é que no lugar da penhora (apreensão judicial do bem do executado) passa a figurar uma hipoteca (direito real de garantia) e que, em face do disposto nos arts. 95.º/1/l) e 96.º do CRP, a cada um destes registos pertence um conteúdo distinto Como se sabe, à inscrição da penhora correspondem os requisitos previstos no art. 95.º/1/l) do CRP, ou seja, a identificação do processo, a data do facto e a quantia exequenda, os quais permitem explicitar no registo a concreta relação processual de que aquela penhora é ato fundamental, a natureza de ato de apreensão judicial em que a mesma se traduz e o quantitativo da obrigação, já apurado ou liquidado, que o exequente pretende realizar através da ação executiva Já quanto à hipoteca, diz o registo art. 96.º/1/a) do CRP que do seu extrato devem constar o fundamento da garantia, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado, isto por força do princípio da especialidade, que se fundamenta na proteção de terceiros e no fomento da circulação dos bens, permitindo o conhecimento do real valor das onerações que incidem sobre o bem e assegurando que a hipoteca registada se refere apenas àquela específica relação de crédito. 1 Como bem observa J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registal, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 246, os averbamentos deverão conter os requisitos gerais explicitados no art. 102.º /1 do CRP, bem como as menções necessárias ao esclarecimento ou precisão dos factos ou das situações a que respeitam. Obviamente, há que evitar menções supérfluas. Porém, salvaguardadas as cautelas tendentes ao bom funcionamento do SIRP e à otimização das suas funcionalidades, cremos que se mantém atual a afirmação de Catarino Nunes, Código do Registo Predial Anotado, Coimbra, Atlântida Editora, 1968, p. 431, de que, em caso de dúvida, mais vale a superfluidade que a falta, sobretudo a que possa provocar incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que facto registado se refere. 2/5

3 2.3. Logo, se, com o averbamento a que alude o art. 101.º/2/b) do CRP, o espaço tabular até então ocupado pela penhora passa a ser preenchido pela hipoteca voluntária, patenteando-se, com esta substituição e com o que ela significa do ponto de vista substantivo, a extinção da penhora e a constituição do novo direito (com a prioridade registal que àquela correspondia), mal se compreende que na inscrição em vigor, que agora é da hipoteca, remanesça o conteúdo típico do registo da penhora e se omita o conteúdo próprio da hipoteca Obviamente, não se trata aqui de uma hipoteca comum, tendo em conta o modo como é constituída, a sua ligação ao crédito exequendo e às vicissitudes da ação executiva, e a antecipação de eficácia que lhe é atribuída pela ocupação da posição tabular que antes pertencia à penhora, contudo, não vemos que desse regime privativo possamos retirar apoio bastante para o afastamento do princípio da especialidade ínsito no art. 96.º do CRP, que sempre se quis válido para todas as hipotecas, seja qual for o título respetivo, e para que no registo se omita o fundamento da hipoteca e a extensão quantitativa da garantia Na nossa opinião, não vale o argumento de que o que interessa saber a propósito da hipoteca já está publicado nas menções especiais atinentes à penhora e no averbamento da conversão em hipoteca, desde logo porque entendemos que o fundamento da hipoteca não é a extinção da execução ou da penhora, mas o pagamento em prestações da dívida exequenda, e porque o capital garantido e o montante máximo assegurado não têm necessariamente de coincidir com a quantia exequenda Se bem virmos, normalmente, a quantia exequenda aposta no registo não constitui o critério do valor a pagar à custa do bem penhorado, nem tem de representar a extensão máxima da garantia conferida pela penhora. A referência à quantia exequenda antes terá de ser compreendida à luz dos efeitos de direito material produzidos pela penhora registada, do esquema misto (de execução singular e coletiva) em que a ação executiva se desenvolve 3 e do valor final da obrigação exequenda Assim, no tocante aos efeitos jurídicos decorrentes da penhora, temos, do lado do exequente, o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art. 822.º/1 do CC) e, do lado da execução, a inoponibilidade objetiva ou situacional dos atos de disposição ou oneração dos bens penhorados (art. 819.º do CC). 2 A conclusão próxima já se tinha chegado no processo R.P. 21/2013 STJ-CC (nota 10) a respeito do averbamento da conversão do arresto em penhora. 3 Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 348/351. 3/5

4 Logo, além da consolidação da prevalência produzida na esfera jurídica do exequente relativamente ao crédito exequendo, o registo da penhora exerce o importante efeito de viabilizar a ineficácia dos atos de disposição ou oneração dos bens penhorados, não só em relação ao exequente como também em relação aos credores reclamantes Neste fio de pensamento, cabe a consideração de que a referência à quantia exequenda não pode ser lida como limite ao valor a pagar à custa do bem penhorado, posto que a execução é também coletiva (na medida em que também é aberta aos demais credores que gozam de garantia real sobre o bem penhorado) e, como tal, o valor do bem responde até onde chegar para o pagamento integral dos seus créditos Nesta perspetiva, podemos talvez dizer, como no processo R.P. 161/98 DSJ-CT, que o registo da penhora é impessoal, uma vez que a penhora não se destina a assegurar apenas o pagamento da quantia exequenda senão também o de todas aquelas que foram reclamadas e vieram a ser graduadas na execução Mais notamos, aliás, que, em caso de renovação da instância, a requerimento de algum credor reclamante, nos termos do art. 809.º do CPC, e com desistência da garantia por parte do exequente, ou ao abrigo do disposto no art. 850.º/2 do mesmo Código, é o requerente que passa a ocupar a posição de exequente e é agora para pagamento do seu crédito (e dos demais créditos graduados) que a ação executiva prossegue Seja com for, quando a penhora se converte em hipoteca, o que sobra, com a prioridade registal da penhora, é a garantia do crédito do exequente, como, aliás, bem ilustra a epígrafe do art. 807.º do CPC, pelo que, naturalmente, para este efeito, o objeto do acordo prestacional não poderá extrapolar os termos da obrigação exequenda, já que o intuito da solução jurídica será o de não prejudicar o exequente com a extinção da execução, e não o de o beneficiar Todavia, tal não significa considerar que a quantia exequenda que consta do registo constitui o valor máximo dessa garantia, desde logo porque, quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação só é feita a final, pelo agente de execução, sendo que tanto beneficiam da garantia da penhora os juros e o capital vencidos aquando da propositura da ação, como os juros que na pendência da causa se forem vencendo 7. 4 Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, A Ação Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, p Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, cit., pp. 417/ Fica, todavia, ressalvada a hipótese de as partes convencionarem outras garantias adicionais ou substituírem a resultante da conversão da penhora. 7 Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de (processo 39/09.0TBAVZ-A.C1), disponível em 4/5

5 Pode, por isso, acontecer que o acordo que envolva o pagamento da totalidade da dívida apresente um valor a recuperar superior à quantia exequenda (sem que isso traduza ampliação da inscrição, nos termos definidos no art. 100.º/2 do CRP), por nele terem sido incluídos os juros que se foram vencendo desde a interposição da ação executiva, os quais, se a ação tivesse de prosseguir para cobrança do crédito do exequente, seriam também atendidos a final, nos termos previstos no art. 716.º/2 do CPC Em face do disposto no art. 807.º/4 do CPC, da comunicação a efetuar pelo agente de execução devem pois resultar os elementos contidos no acordo do pagamento em prestações que se mostrem necessários à publicitação do novo facto (hipoteca), designadamente o capital e o montante máximo assegurado, posto que o fundamento da hipoteca (pagamento do crédito exequendo em prestações) constitui desde logo pressuposto da comunicação e, portanto, já se extrai do próprio facto comunicado. Encerramento Pelo exposto, entendemos que o averbamento de conversão da penhora em hipoteca deve conter os requisitos especiais indicados no art. 96.º do CRP, nomeadamente o fundamento da hipoteca, o crédito e o montante máximo assegurado, porquanto é sobre este direito real de garantia, a hipoteca, já não sobre a apreensão judicial do bem em que a penhora se traduz, que passa a incidir a publicidade registal. Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 26 de março de Maria Madalena Rodrigues Teixeira, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Luís Manuel Nunes Martins, Blandina Maria da Silva Soares. Este parecer foi homologado pelo Senhor Presidente do Conselho Diretivo, em Sobre o âmbito objetivo do acordo, cfr. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 626, anotação 3. ao art. 806.º. 9 Para efeitos de qualificação (art. 68.º do CRP), ponto é que dos termos da comunicação do agente de execução não sobrem dúvidas sobre a correspondência entre o montante máximo assegurado e o valor a recuperar de capital e juros em sede de execução, deduzidos os valores já pagos. 5/5