Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH
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- Vitória Fartaria Aragão
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1 Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH Estudos de casos de programas bem sucedidos COLECÇÃO MELHORES PRÁTICAS DA ONUSIDA
2 Preparado para ONUSIDA por Peter Aggleton, Kate Wood e Anne Malcolm Departamento de Investigação Thomas Coram, Instituto de Educação, Universidade de Londres, Reino Unido Richard Parker Departamento de Ciências Sociomédicas, Escola Mailman de Saúde Pública Universidade Columbia, Nova Iorque, Estados Unidos da América Fotografias da capa ONUSIDA/PANOS e ONUSIDA/L. Alyanak ONUSIDA/05.05P (versão portuguesa, Setembro de 2005) Versão original inglesa, Abril de 2005 HIV-Related Stigma, Discrimination and Human Rights Violations Case studies of successful programmes Tradução ONUSIDA Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA (ONUSIDA) 2005 Todos os direitos reservados. As publicações produzidas pela ONUSIDA podem ser pedidas ao Centro de Informações da ONUSIDA. Os pedidos para reprodução ou tradução das publicações da ONUSIDA seja para venda ou para distribuição não comercial - devem ser endereçados ao Centro de Informações no endereço mais abaixo ou enviados por fax: , ou As denominações utilizadas nesta publicação e a apresentação do material nela contido, não significam, por parte da ONUSIDA, nenhum julgamento sobre o estatuto jurídico de qualquer país, território, cidade ou zona, nem de suas autoridades, nem tampouco questões de demarcação de suas fronteiras. A menção de determinadas companhias ou do nome comercial de certos produtos não implica que a ONUSIDA os aprove ou recomende, dando-lhes preferência a outros análogos não mencionados. Com excepção de erros ou omissões, os nomes de especialidades farmacêuticas distinguem-se pela letra maiúscula inicial. A ONUSIDA não garante que as informações contidas nesta publicação são completas e correctas e não pode ser responsável por qualquer dano resultante da sua utilização. Dados do Catálogo de Publicações da Biblioteca da OMS ONUSIDA. Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH: Estudos de casos de programas bem sucedidos (colecção Melhores Práticas da ONUSIDA) 1. Infecções por VIH psicologia 2. Síndroma de imunodeficiência adquirida psicologia 3. Prejuízo 4. Alienação social 5. Direitos Humanos 6. Relatórios de casos I. Título II. Séries ISBN (Classificação NLM: WC 503.7) ONUSIDA 20 avenue Appia Genebra 27 - Suíça Tel: (+41) Fax: (+41) unaids@unaids.org Internet:
3 COLECÇÃO MELHORES PRÁTICAS DA ONUSIDA Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH Estudos de casos de programas bem sucedidos
4 Índice Introdução 4 Compreender o que é o estigma e a discriminação: formas e contextos 7 Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos: uma relação íntima 11 Trabalhar para ter êxito 13 Estudos de casos 14 Abordagens de redução do estigma 17 Abordagem: melhorar a qualidade de vida das pessoas vivendo com o VIH graças a cuidados integrados 17 Programa Integrado de Luta contra a SIDA, Diocese Católica de Ndola, Zâmbia 17 Programa conjunto Ministério da Saúde/organização não-governamental de cuidados a domicílio para pessoas com o VIH/SIDA no Camboja 21 Abordagem: mobilizar chefes religiosos para promover respeito e compaixão pelas pessoas que vivem com o VIH e a SIDA, e participar em actividades de prevenção 23 Projecto Sangha Metta, Tailândia 23 Acção Católica de Luta contra a SIDA, Namíbia 27 Abordagem: fornecer tratamento global contra a SIDA com base na comunidade, incluindo acesso a terapia anti-retroviral 29 Iniciativa para Equidade perante o VIH, Haiti 29 Abordagem: habilitar as pessoas vivendo com o VIH a dirigir diversas actividade de apoio e sensibilização 33 Participação de pessoas vivendo com o VIH em actividades de prevenção do VIH, Bielorrússia 33 Abordagem: aconselhamento e apoio a famílias afectadas, incluindo crianças, graças a planeamento da sucessão 35 Planear a sucessão, Uganda 35 Abordagem: Procurar resolver grandes desigualdades graças a educação participativa 39 Centro para Estudo da SIDA (CSA) na Universidade de Pretória, África do Sul 39
5 Abordagem: Mobilizar líderes comunitários para encorajar maior franqueza dentro das comunidades sobre questões relacionadas com sexualidade e VIH, apoiando-se em normas sociais positivas 43 Programa de Saúde Integrado da Zâmbia (ZIHP), Zâmbia 43 Abordagem: Sensibilizar através dos media 47 Soul City, África do Sul 47 Medidas antidiscriminatórias 50 Abordagem: Mobilizar o sector privado para implementação de políticas não-discriminatórias de luta contra a SIDA e promoção de conhecimentos sobre a SIDA 50 Aliança Tailandesa de Empresas contra a SIDA (TBCA), Tailândia 50 Abordagem: melhorar a qualidade de vida dos empregados graças a acesso a cuidados integrados e implementação de políticas não-discriminatórias 53 Volkswagen (VW) Brasil 53 Abordagem: Melhorar os cuidados clínicos destinados a pacientes que vivem com o VIH graças a actividades participativas com gestores e prestadores de cuidados de saúde 55 Melhorar o ambiente hospitalar para pacientes seropositivos na Índia 55 Direitos humanos e abordagens jurídicas 59 Abordagem: Promover os direitos humanos das pessoas vivendo com o VIH e fornecer reparação por violações desses direitos 59 Acción Ciudadana Contra el SIDA (ACCSI): Acção de Cidadões contra a SIDA, Venezuela 59 Departamento Legal para Casos de SIDA, Centro de Assistência Jurídica, Namíbia 63 Departamento de Luta contra o VIH/SIDA, Colectivo de Advogados, Índia 65 Abordagem: Preconizar acesso crescente a tratamento contra o VIH 67 Campanha de Acção para Tratamento (TAC), África do Sul 67 Discussão 70 Conclusões 77
6 ONUSIDA Introdução Desde o início da epidemia de SIDA, o estigma e a discriminação fomentaram a transmissão do VIH e aumentaram enormemente o impacto negativo associado à epidemia. Em todos os países e regiões do mundo, o estigma e a discriminação associados ao VIH continuam a manifestar-se, criando barreiras importantes à prevenção de novas infecções, à atenuação do impacto e ao fornecimento de cuidados adequados, apoio e tratamento. O estigma associado à SIDA tem impedido discussões francas tanto sobre as suas causas como sobre as respostas apropriadas. Clareza e franqueza sobre a SIDA são requisitos prévios à mobilização bem sucedida de governos, comunidades e indivíduos para responder à epidemia. A dissimulação não deixa ver que o problema existe e atrasa acção urgente. Faz com que as pessoas que vivem com o VIH sejam consideradas como um problema em vez de uma solução para conter e gerir a epidemia. A estigmatização associada à SIDA apoia-se em muitos factores incluindo falta de conhecimentos sobre a doença, ideias erradas sobre a transmissão do VIH, falta de acesso a tratamento, informações irresponsáveis sobre a epidemia por parte dos media, ausência de cura para a SIDA, e preconceitos e receios relacionados com um certo número de questões socialmente sensíveis incluindo sexualidade, morbilidade e mortalidade, e uso de drogas. O estigma pode levar a discriminação e outras violações dos direitos humanos que afectam de maneira fundamental o bem-estar de pessoas vivendo com o VIH. Em países em todo o mundo existem casos bem documentados de pessoas vivendo com o VIH a quem foi recusado o direito a, entre outros, cuidados de saúde, trabalho, educação e liberdade de movimentos. A Declaração de Empenho, aprovada pela Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA em Junho de 2001, realça o consenso mundial sobre a importância de enfrentar o estigma e a discriminação relacionados com a SIDA. A Declaração especifica que confrontar o estigma e a discriminação é um requisito prévio para prevenção e cuidados eficazes, e reafirma que a discriminação com base na serologia VIH de uma pessoa é uma violação dos direitos humanos. A discriminação relacionada com o VIH é uma violação dos direitos humanos, mas é também necessário procurar resolver tal discriminação e estigma para atingir os objectivos de saúde pública e vencer a epidemia. As respostas ao VIH e à SIDA podem seguir-se numa continuidade de prevenção, cuidados e tratamento, e os efeitos negativos do estigma e da discriminação podem ser observados em cada um destes aspectos da resposta. O ideal seria que as pessoas pudessem procurar e receber aconselhamento e detecção voluntários e confidenciais para determinar a sua serologia VIH sem medo de repercussões. Aquelas cujos testes são negativos deveriam receber aconselhamento sobre prevenção para puderem ser capazes de se manter seronegativas. As que são seropositivas deveriam receber cuidados e o tratamento disponível, e aconselhamento sobre prevenção para proteger outras da infecção e se protegerem de nova infecção. As pessoas vivendo com o VIH e a SIDA devem poder viver sem se esconder e receber simpatia e apoio no seio das suas comunidades. O seu exemplo franco personaliza o risco e experiência para outras, ajudando assim os esforços de prevenção, cuidados e tratamento. 1 Ver 4
7 Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH Estudos de casos de programas bem sucedidos Ilustração 1: A continuidade prevenção-cuidados-tratamento (Baseada em MacNeil e Anderson 1998, Busza 1999) 2 Prevenção Identificação da serologia Continuidade prevenção-cuidados Redução do dano Cuidados e apoio Um ambiente social de estigmatização põe entraves em todas as fases deste ciclo devido a ser, por definição, não favorável. O estigma e a discriminação relacionados com o VIH enfraquecem os esforços de prevenção pois, para não levantar suspeitas sobre a sua serologia VIH, as pessoas têm receio de saber se estão ou não infectadas, de procurar informações sobre a maneira de reduzir o risco de exposição ao VIH, e de alterar o seu comportamento para um mais seguro. Assim, o estigma e a discriminação enfraquecem a capacidade dos indivíduos e das comunidades a se proteger. O medo do estigma e da discriminação também faz com que as pessoas que vivem com o VIH não tenham coragem de revelar a sua infecção, mesmo a membros da família e parceiros sexuais. O segredo que rodeia a infecção por VIH e que resulta de estigma e discriminação leva as pessoas a imaginar não correrem perigo de infecção por VIH. O estigma e a discriminação associados ao VIH e à SIDA também significam que as pessoas que vivem com o VIH e a SIDA têm muito menos probabilidades de receber cuidados e apoio. Mesmo as pessoas não infectadas mas que estão ligadas a outras infectadas, como esposas, filhos e prestadores de cuidados, sofrem estigma e discriminação. E tal estigma e discriminação aumentam desnecessariamente o sofrimento pessoal associado à doença. A vergonha associada à SIDA uma manifestação de estigma que tem sido descrita por certos autores como estigma interiorizado também pode impedir as pessoas que vivem com o VIH de procurar tratamento, cuidados e apoio e de exercer outros direitos tais como trabalhar, frequentar a escola, etc. Esta vergonha pode ter uma grande influência psicológica sobre a maneira como as pessoas seropositivas se consideram e se adaptam ao seu estado, tornando-as vulneráveis a culpa, depressão e isolamento auto-imposto. 2 McNeil J. and Anderson S. (1998) Beyond the dichotomy : linking HIV prevention and care. AIDS 12 (supplement 2)S19-S26; Busza J. (1990) Challenging HIV-related stigma and discrimination in Southeast Asia: past successes and future priorities. Population Council: Horizons Project. org/horizons/reports/book_report/default.html 5
8 ONUSIDA Isto pode ser exacerbado no caso de indivíduos de certos grupos já isolados e estigmatizados, tal como consumidores de drogas injectáveis, homens tendo relações sexuais com homens, e profissionais do sexo, ou migrantes. Em contextos dispondo de cuidados médicos, o estigma pode dificultar a adesão a esquemas terapêuticos. A dissimulação e a dificuldade em procurar tratamento, cuidados e apoio alimentam o estigma e a discriminação, reforçando o ciclo. E isto porque os estereótipos e os receios são perpetuados quando muitas vezes as comunidades só reconhecem as pessoas vivendo com o VIH quando estas estão nas fases finais debilitantes e indicativas da SIDA, e o desmentido e o silêncio reforçam a discriminação de tais indivíduos já vulneráveis. No âmbito das famílias, o facto de manter o segredo sobre a infecção por VIH leva muitas vezes a uma falta de planeamento para o futuro, deixando órfãos e outros dependentes privados economicamente uma vez falecida a pessoa que era o ganha-pão, e muitas vezes marginalizados quando fica conhecida a sua relação com a SIDA. Ilustração 2: Impactos do estigma e da discriminação relacionados com a SIDA sobre a continuidade prevenção-cuidados-tratamento (adaptado de Busza 1999) 3 Pouca percepção do risco individual devido ao facto de só serem considerados como vulneráveis os grupos estigmatizados Relutância em conhecer a sua serologia devido ao receio de repercussões negativas Aumento da vulnerabilidade de outras pessoas Prevenção Tratamento Continuidade prevenção-cuidados Identificação da serologia Cuidados e apoio Aconselhamento e apoio inadequados ou impróprios Recusa de cuidados de saúde apropriados para quem vive com o VIH Não procura de cuidados devido ao receio de reconhecimento público da serologia A estigmatização de comportamentos associados (consumo de drogas, comércio do sexo) limita a eficácia de intervenções de redução do dano Falta de planeamento para o futuro 3 Diagrama adaptado de: Busza J. (1999) Challenging HIV-related stigma and discrimination in Southeast Asia: past successes and future priorities. Population Council: Horizons Project. org/horizons/reports/book_report/default.html 6
9 Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH Estudos de casos de programas bem sucedidos Compreender o que é o estigma e a discriminação: formas e contextos Para poder identificar soluções possíveis ao estigma e à discriminação relacionados com o VIH, é necessário compreender o que estes conceitos querem dizer, descrever como se manifestam e analisar as relações entre eles 4. O que é o estigma? O estigma tem sido descrito como um processo dinâmico de desvalorização que desacredita fortemente um indivíduo perante os outros. 5 As características ligadas ao estigma podem ser muito arbitrárias, por exemplo, cor da pele, maneira de falar, ou preferência sexual. Em determinadas culturas ou contextos, certos atributos são considerados e definidos como vergonhosos ou indignos. O estigma relacionado com o VIH tem múltiplas facetas, com tendência para se apoiar em conotações negativas, reforçando-as, através da associação do VIH e SIDA com comportamentos já marginalizados tais como comércio do sexo, consumo de drogas e hábitos homossexuais e transexuais. Também reforça o receio de estranhos e de grupos já de si vulneráveis como prisioneiros e migrantes. Acredita-se muitas vezes que os indivíduos que vivem com o VIH merecem a sua seropositividade devido a terem feito algo errado. Deitando as culpas a certos indivíduos e grupos que são diferentes, outros se dispensam de reconhecer o seu próprio risco, enfrentar o problema e cuidar das pessoas afectadas. As imagens publicadas e transmitidas pelos media de pessoas seropositivas podem reforçar a culpabilidade utilizando uma linguagem sugerindo que o VIH é uma doença de mulher, uma doença de drogado, uma doença africana ou uma praga homossexual. As ideias religiosas de pecado também podem ajudar a manter e reforçar a percepção de que a infecção por VIH é um castigo por comportamento pervertido. O estigma exprime-se através da linguagem e, desde o início da epidemia, as metáforas fortes associando o VIH a morte, culpa e castigo, crime, horror e os outros exacerbaram e legitimaram a estigmatização. Este tipo de linguagem resulta, e contribui para outro aspecto sustentando a culpa e a exclusão: o receio da doença potencialmente mortal. O estigma baseado no medo pode ser atribuído ao receio pelas consequências da infecção por VIH em particular, as altas taxas de mortalidade (especialmente onde o tratamento não é largamente disponível), medo relacionado com a transmissão ou medo resultante da observação da debilitação visível no estado avançado da SIDA. O estigma está profundamente enraizado, agindo dentro dos valores da vida de todos os dias. Embora as imagens associadas à SIDA variem, são modeladas de maneira a assegurar que o estigma com ela relacionado favorece e reforça as desigualdades sociais 6. Tais desigualdades incluem especialmente as que estão ligadas ao sexo, raça e etnia, e sexualidade. Assim, por exemplo, o homem e a mulher não são muitas vezes tratados da mesma maneira quando infectados, ou se 4 Parker R. Aggleton P. (2002) HIV/AIDS-related stigma and discrimination: a conceptual framework and an agenda for action. Population Council: Horizons Project Disponível em: pdfs/horizons/sdcncptlfrmwrk.pdf Ver também: Maluwa M., Aggleton P., and Parker R. (2002) HIV/AIDS stigma, discrimination and human rights a critical overview. Health and Human Rights, 6, 1: Goffman E. (1963) Stigma: notes on the management of a spoiled identity. New York: Simon and Schuster 6 Para uma elaboração teórica das ligações entre estigma e a reprodução de diferenças sociais, ver Parker R. and Aggleton P. (2003) HIV and AIDS-related stigma and discrimination: a conceptual framework and implications for action. Social Science and Medicine, 57,
10 ONUSIDA pensa estarem infectados pelo VIH: é mais provável que seja culpabilizada a mulher mesmo quando é o marido que está na origem da sua infecção, e as mulheres infectadas têm menos probabilidades de ser aceites nas suas comunidades. Este processo está ligado a desigualdades de longa data entre os sexos, apoiadas por ideias sobre masculinidade e feminidade que, historicamente, tiveram como resultado tornar as mulheres responsáveis da transmissão de infecções sexualmente transmissíveis de todos os tipos, e imputar- -lhes a culpa devido a promiscuidade suposta. Da mesma maneira, a culpabilização de homossexuais e de transexuais apoia-se numa estigmatização de longa data relacionada com suposições sobre os seus estilos de vida e práticas sexuais. Os estereótipos raciais e étnicos também reforçam o estigma relacionado com a SIDA 7. Por exemplo, a epidemia foi caracterizada por suposições racistas sobre sexualidade africana e por ideias no mundo em desenvolvimento de comportamento imoral do ocidente. Finalmente, a vulnerabilidade ao VIH das comunidades vivendo na pobreza reforçou a estigmatização existente de tais pessoas economicamente marginalizadas. Através destas associações, o estigma está ligado a poder e influência na sociedade como um todo, criando e reforçando desigualdades pelo que certos grupos se sentem superiores e outros desvalorizados. A associação do VIH com grupos e práticas já estigmatizados intensifica estas desigualdades pré-existentes, reforçando a produção e reprodução de relações de poder não equitativas. O estigma já existente exacerba o estigma relacionado com o VIH, não unicamente pelo facto dos grupos já estigmatizados serem mais estigmatizados pela associação com o VIH, mas também por que se pode partir do princípio que os indivíduos que vivem com o VIH pertencem a grupos marginalizados. Ilustração 3: Círculo de estigmatização e marginalização 8 Profissionais do sexo, consumidores de drogas injectáveis e outros grupos marginalizados são considerados responsáveis por são vistos como VIH/SIDA Pessoas vivendo com o VIH e a SIDA Assim, a estigmatização relacionada com o VIH é um processo pelo qual as pessoas que vivem com o VIH são desacreditadas. Pode afectar as pessoas infectadas ou suspeitas de estarem infectadas pelo VIH, assim como as afectadas pela SIDA por associação, tais como órfãos ou filhos e família de pessoas que vivem com o VIH. 7 Para um estudo das relações entre racismo, estigma e discriminação ver menu2/7/b/hivbpracism.doc 8 Adaptado de Parker R. e Aggleton P. (2002) HIV/AIDS-related stigma and discrimination: a conceptual framework and an agenda for action. Population Council Horizons Project. 8
11 Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH Estudos de casos de programas bem sucedidos A estigmatização também pode ocorrer a outro nível. As pessoas vivendo com o VIH podem interiorizar as respostas negativas e as reacções das outras, processo que pode resultar naquilo que certas pessoas chamaram auto-estigmatização ou estigmatização introvertida. A auto-estigmatização está ligada com o que certos autores descreveram como estigma sentido, em oposição a estigma estabelecido, dado que afecta essencialmente o sentimento de orgulho e dignidade do indivíduo ou da comunidade afectada. Para pessoas vivendo com o VIH isto pode manifestar-se em sentimentos de vergonha, mea culpa, e inutilidade, que combinados com sentimentos de isolamento da sociedade podem levar a depressão, imposição a si próprio de afastamento e mesmo sentimentos suicidários. O que é a discriminação? A discriminação é a aplicação do estigma. A discriminação consiste em acções ou omissões que derivam de estigma e que são dirigidas contra os indivíduos que são estigmatizados. A discriminação, segundo o que foi definido pelo ONUSIDA (2000) no Protocolo para Identificação de Discriminação contra Pessoas Vivendo com o VIH, refere-se a qualquer forma de distinção arbitrária, exclusão ou restrições afectando uma pessoa, devido, normalmente mas não só, a uma característica pessoal inerente ou perceptível relacionada com um dado grupo no caso do VIH e da SIDA, a seropositividade confirmada ou suspeita de uma pessoa sejam tais medidas justificadas ou não. A discriminação relacionada com a SIDA pode ocorrer a vários níveis 9, como por exemplo em contextos familiares e comunitários, o que foi descrito por certos autores como estigma instituído. Isto é o que certas pessoas fazem, deliberadamente ou por omissão, para prejudicar outras e recusar-lhes serviços ou direitos. Os exemplos deste tipo de discriminação contra pessoas vivendo com o VIH incluem: ostracismo, como forçar mulheres a voltar para as suas famílias quando são diagnosticadas seropositivas após os primeiros sinais da doença ou depois dos seus parceiros terem morrido com a SIDA; esquivar e evitar os contactos diários; molestar verbalmente; violência física; descrédito e culpabilização verbais; maledicência; e recusa de ritos funerários tradicionais. Há também a discriminação que ocorre em contextos convencionais em particular, em locais de trabalho, serviços de cuidados de saúde, prisões, instituições educativas e serviços de previdência social. Tal discriminação cristaliza estigma decretado em políticas e práticas convencionais que discriminam as pessoas vivendo com o VIH, ou na falta de políticas antidiscriminatórias ou de medidas de reparação. Exemplos deste tipo de discriminação contra pessoas vivendo com o VIH incluem: Serviços de cuidados de saúde: cuidados de qualidade inferior, recusa de acesso a cuidados e tratamento, detecção do VIH sem consentimento prévio, quebra de sigilo incluindo comunicação da seropositividade de alguém a familiares e agências externas, atitudes negativas e práticas degradantes de trabalhadores de saúde. Local de trabalho: recusa de emprego com base na seropositividade, detecção do VIH obrigatória, exclusão das pessoas seropositivas dos sistemas de pensão ou de assistência médica. Escolas: recusa de admissão a crianças afectadas pelo VIH, ou despedimento de professores. 9 Para mais detalhes ver; UNAIDS (2000) HIV- and AIDS-related stigmatization, discrimination and denial: forms, contexts and determinats. Research studies from Uganda and India. UNAIDS, Geneva. Ver também Malcom A. et al. (1998) HIV-related stigmatisation and discrimination: its forms and contexts. Citical Public Health, 8(4): Ver também Aggleton P, Parker R. e Maluwa M. (2002) Stigma discrimination and HIV/AIDS in Latin America and the Caribbean. Disponível em: publication/publication_3362_e.htm. 9
12 ONUSIDA Prisões: segregação forçada de indivíduos seropositivos, exclusão de actividades colectivas. A nível nacional, a discriminação pode reflectir estigma que foi oficialmente autorizado ou reconhecido como legítimo por meio de leis e políticas existentes, e aplicado em práticas e acções. Isto pode ter como resultado maior estigmatização das pessoas que vivem com o VIH e, por sua vez, legitimar a discriminação. Por exemplo, um número importante de países decretaram leis com o objectivo de restringir os direitos de indivíduos e grupos afectados pelo VIH. Tais acções incluem: Rastreio e teste obrigatórios de grupos e indivíduos; exclusão de pessoas vivendo com o VIH de certas ocupações e tipos de emprego; isolamento, detenção e exame médico obrigatório, tratamento de pessoas infectadas; e restrições em viagens internacionais e migrações incluindo detecção obrigatória do VIH para quem pede autorização de trabalho, e deportação de estrangeiros seropositivos. Também ocorre discriminação devido a omissão, como quando leis, políticas e acções oferecendo reparação e garantindo os direitos das pessoas vivendo com o VIH são inexistentes ou não são aplicadas. 10
13 Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao VIH Estudos de casos de programas bem sucedidos Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos: uma relação íntima O estigma e a discriminação estão correlacionados, reforçando-se e legitimando-se mutuamente. O estigma está na raiz de acções discriminatórias, levando as pessoas a participar em acções ou omissões que causam dano ou recusam serviços ou direitos a outras. Pode dizer-se que a discriminação é a promulgação do estigma. Por sua vez, a discriminação encoraja e reforça o estigma. A discriminação é uma violação dos direitos humanos. O princípio de não-discriminação, baseado no reconhecimento da igualdade de todas as pessoas, está no centro da Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros documentos sobre direitos humanos. Entre outras coisas, estes textos proíbem a discriminação baseada em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, riqueza, nascimento ou outras condições. Mais ainda, a Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos decidiu que os termos ou outras condições utilizados em vários documentos sobre direitos humanos devem ser interpretados de maneira a englobar condições de saúde, incluindo o VIH/SIDA, e que a discriminação baseada numa seropositividade real ou suposta é proibida segundo os padrões de direitos humanos existentes. Assim, as acções estigmatizantes e discriminatórias violam o direito humano fundamental a não-discriminação. Além de ser em si mesmo uma violação dos direitos humanos, a discriminação dirigida contra pessoas vivendo com o VIH ou que se acredita estarem infectadas pelo VIH, leva a violação de outros direitos humanos tais como direito a saúde, dignidade, segredo, igualdade perante a lei, e ausência de tratamento ou punição desumanos e degradantes. Um ambiente social que promova violações de direitos humanos pode, por sua vez, legitimar o estigma e a discriminação. Ilustração 4: O ciclo de estigma, discriminação e violações de direitos humanos 10 Estigma Que legitima Que causa Violação de direitos humanos Que leva a Discriminação 10 Diagrama elaborado por Miriam Maluwa e Peter Aggleton 11
14 ONUSIDA As relações directas e indirectas entre a epidemia de VIH e a falta de protecção dos direitos humanos são muitas. As violações dos direitos podem reforçar o impacto do VIH, aumentar a vulnerabilidade e impedir respostas positivas à epidemia 11. Impacto. A violação de direitos humanos encastrada em discriminação aumenta o impacto da epidemia sobre as pessoas vivendo com o VIH e as supostas infectadas, assim como sobre as suas famílias e os seus companheiros. Por exemplo, uma pessoa que é despedida do trabalho devido ao facto de ser seropositiva, tem de enfrentar, além da doença, muitos outros problemas incluindo falta de recursos económicos para cuidados de saúde, assim como para sustentar qualquer familiar dependente; Vulnerabilidade. As pessoas são mais vulneráveis a infecção quando os seus direitos civis, políticos, económicos, sociais ou culturais não são respeitados. Por exemplo, a vulnerabilidade das mulheres à infecção por VIH aumenta onde estas não têm meios legais para fazer escolhas e recusar relações sexuais não desejadas; ou onde as crianças não podem compreender os seus direitos a educação e informação. Mais ainda, a falta de acesso a serviços apropriados de prevenção do VIH e de cuidados no caso de SIDA faz aumentar a vulnerabilidade de outros grupos marginalizados tais como consumidores de drogas injectáveis, refugiados, migrantes e prisioneiros. Resposta. Onde os direitos humanos não são respeitados, por exemplo, quando a liberdade de expressão ou de associação é abolida, é difícil ou impossível para a sociedade civil se mobilizar de maneira a responder eficazmente à epidemia. Em certos países, a educação por colegas é prejudicada por leis que recusam o registo oficial de organizações não- -governamentais ou grupos com certos membros (por exemplo, profissionais do sexo). Uma maneira importante de combater o estigma e a discriminação relacionados com a SIDA é assegurar a protecção, respeitar e cumprir os direitos humanos. Utilizando os mecanismos existentes sobre direitos humanos é possível resolver o estigma e a discriminação relacionados com a SIDA e as consequentes violações desses direitos. Esta estrutura existente fornece uma base para assumir responsabilidades e abre o caminho para o reconhecimento e aplicação dos direitos das pessoas vivendo com o VIH que sofrem discriminação com base na sua seropositividade real ou suposta, de maneira a combater tais acções através de mecanismos administrativos, institucionais e de controlo para aplicar os direitos humanos, e graças a estes recorrer para enfrentar e corrigir acções discriminatórias. Os princípios internacionais de direitos humanos fornecem uma estrutura coerente e normativa para analisar e corrigir a discriminação relacionada com a SIDA. Os estados são responsáveis e devem dar contas, não só pelas violações directas ou indirectas de direitos, mas também pela garantia de que os indivíduos podem exercer os seus direitos o mais completamente possível. As Directivas Internacionais sobre o VIH/SIDA e os Direitos Humanos 12, publicadas em 1998 pelo ONUSIDA e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, esclarecem as obrigações dos estados incluídas em mecanismos existentes sobre direitos humanos 13 e a sua aplicação no contexto da SIDA. 11 UNAIDS/IPU (1999) Handbook for legislators on HIV/AIDS, law and human rights: action to combat HIV/AIDS in view of its devastating human, economic and social impact. Geneva, Switzerland Estes incluem: a Declaração Universal dos Direitos Humanos; a Convenção contra a Tortura e Tratamento Desumano e Degradante; a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; a Convenção Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais; a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; e a Convenção sobre os Direitos da Criança. 12
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