MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA 4.ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO RECOMENDAÇÃO N.º 001/2004

Transcrição

1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA 4.ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO Processo n.º / RECOMENDAÇÃO N.º 001/2004 Dispõe sobre a suspensão das atividades de prospecção de petróleo, inclusive de poços exploratórios, em águas rasas (profundidade inferior a cinco metros) notadamente nas áreas de grande fragilidade ambiental do Banco dos Cajuais (Município de Icapuí, Ceará, Bacia Potiguar). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Subprocuradora-Geral da República, que esta subscreve, com esteio no art. 127 da Constituição Federal e art. 6.º, incisos XIV e XX, da Lei Complementar N.º 75/93, os quais conferem poderes ao Ministério Público para propor as ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, assim como expedir recomendações, buscando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, e ainda ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável par que as medidas pertinentes sejam adotadas e, Considerando que a qualidade ambiental é direito fundamental previsto no artigo 225 da Constituição Federal de 1998, que impõe ao Poder

2 Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, tendo ainda estabelecido no parágrafo 4.º deste artigo que a Zona Costeira é Patrimônio Nacional e sua utilização far-se-á na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao suo dos recursos naturais; Considerando que a atividade de prospecção de petróleo, como atividade de reconhecido potencial poluidor, está sujeita ao licenciamento ambiental, com a respectiva realização de estudos de impacto ambiental específicos para cada caso, aos quais deve-se ainda garantir ampla divulgação e publicidade, nos termos do inciso IV do parágrafo 1.º, do artigo 225; Considerando a extrema fragilidade ambiental da região e a realização das atividades de prospecção em águas rasas (3 metros de profundidade) contíguas a um ecossistema estuarino de elevada produtividade biológica; Considerando a presença de espécies ameaçadas de extinção e protegidas pela legislação nacional i.e., sirênios (peixes-boi), cetáceos (botos e golfinhos) e quelônios (tartarugas marinhas) e que as atividades de prospecção estão agendadas para o período de nascimento de filhotes de peixe-boi, o mamífero marinho mais ameaçado de extinção no Brasil, considerado pelo MMA e IBAMA como em perigo crítico de extinção no Brasil e com uma população total estimada em menos de 500 indivíduos em todo o país (Fonte: Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira ameaçadas de Extinção Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente n.º 3, de 27 de maio de 2003); Considerando a importância do Banco dos Cajuais como habitat crítico para a manutenção da população de peixes-boi que habita o litoral cearense, estimada em menos de 40 indivíduos, e a proteção da Lei n.º 5.197/67, modificada pela Lei n.º 7653/88, aos animais silvestres e sues habitats, bem como a Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9605/98), os acordos e convenções internacionais ratificados pelo Brasil (Acordo de Pesca e Preservação de Recursos Vivos Brasil e Uruguai. Ratificação: Decreto-Lei n.º

3 412, de ; Acordo de Conservação dos Recursos Naturais do Atlântico Sul Brasil e Argentina. Ratificação: Decreto-Lei n.º 454, de ; Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES). Ratificação: Decreto Legislativo n.º 54, de Promulgação: Decreto n.º , de Implementação: Decreto n.º 3.607, de ; Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Ratificação: Decreto Legislativo n.º 05, de ); Considerando que a região em questão é berçário de peixes e crustáceos especialmente as lagostas que se constituem no principal produto pesqueiro do município, que detém mais de 10% (dez por cento) da frota pesqueira do Estado do Ceará, caracterizando-o como um município essencialmente pesqueiro e voltado para os recursos do mar; Considerando ainda a existência de projetos e ações voltados para a criação de uma Unidade de Conservação Federal nesta mesma localidade, dada a relevância ambiental e social desta região, e a ampla mobilização e organização das comunidades locais em prol destas iniciativas, a exemplo de outras inúmeras áreas de proteção criadas para viabilizar a preservação de espécies marinha ameaçadas de extinção (Criação do Refúgio da Vida Silvestre do Molhe Leste. Lei n.º 007, de Município de São José do Norte Rio Grande do Sul; Criação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. Decreto n.º , de ; Criação da Reserva Ecológica da Ilha dos Lobos. Decreto n.º , de ; Criação do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Decreto n.º , de ; Criação da Área de Proteção Ambiental de Anhatomirim, Santa Catarina. Decreto n.º 528, de ; Criação da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Maranguape no Estado da Paraíba. Decreto n.º 924, de ; Criação da Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba nos Estados do Piauí e Maranhão. Decreto s/n.º, de ; Criação da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais nos Estados de Alagoas e Pernambuco. Decreto s/n.º de );

4 Considerando que a atividade de prospecção prevista para dezembro do corrente não respeitou a publicidade legalmente exigida junto à sociedade local, não divulgando a licença ambiental correspondente e/ou renovação da mesma, nem tampouco o teor das atividades a serem realizadas e os possíveis riscos e impactos ambientais, que nunca foi exibida pela Unidade de Negócios de Exploração e Produção do Rio Grande do Norte e Ceará/Petrobrás; Considerando os notórios riscos de vazamento de óleo relativos a este tipo de atividade conhecidos pelo IBAMA e ANP, inclusive em documentos técnicos oficiais e portaria específica aos quais a sociedade brasileira vem assistindo continuamente e lamentando os danos ambientais por vezes irreparáveis agravados pela fragilidade e sensibilidade ambiental e relevância ecológica deste ambiente único no litoral brasileiro; Considerando o risco inerente à fase de perfuração que pode desencadear impactos agudos sobre a fauna e flora, uma vez que são descartados fluidos de perfuração e cascalhos saturados de diferentes substâncias e compostos tóxicos, incluindo metais pesados como Mercúrio, Cádmio, Zinco, Cromo e Cobre, entre outros riscos relatados no documento anexo AVALIAÇÃO DE IMPACTOS DA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE HIDORCARBONETOS NO BANCO DOS ABROLHOS E ADJACÊNCIAS ; Considerando que, nos termos da Constituição Federal e da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993, incumbe ao Ministério Público a defesa dos interesses difusos relativos à preservação ambiental e a sustentabilidade do uso dos recursos naturais, esta Procuradoria Geral da República, R E S O L V E, R E C O M E N D A R à Ministra do Meio Ambiente: 1. Que suspenda qualquer atividade de prospecção de petróleo em águas rasas (inferior a dez metros) notadamente nas áreas de grande fragilidade

5 ambiental do Banco dos Cajuais (Município de Icapuí, Ceará, Bacia Potiguar) inicialmente durante todo o período cientificamente comprovado de nascimento de filhotes de peixes-boi na região (outubro a maio); 2. Que proceda à ampla publicidade dos processos de licenciamento ambiental e da divulgação dos estudos de impacto ambiental e das atividades a serem realizadas, anteriormente à realização das mesmas, conforme as disposições gerais da Lei n.º 6938/81, e específicas das Resoluções CONAMA N.º 001/86, 023/94 e 237/97; 3. Que realize pelo menos uma audiência pública no Município, no sentido de esclarecer a população local e discutir os possíveis riscos e impactos da atividade para todo o Litoral Leste do Ceará, nos termos previstos pela Resolução CONAMA N.º 009/87. Expeçam-se cópias desta recomendação para os órgãos responsáveis pela emissão das licenças e pela conservação do patrimônio ambiental brasileiro (Escritório de Licenciamento Ambiental das Atividades de Petróleo e Nuclear ELPN/IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, Gerência Executiva do IBAMA no Ceará, Agência Nacional de Petróleo ANP) e para a responsável pela execução das atividades (Unidade de Negócios de Exploração e Produção do Rio Grande do Norte e Ceará/Petrobrás e Presidência da Petrobrás). Comunique-se ao Ministério Público do Estado do Ceará, para as medidas que forem julgadas pertinentes no âmbito estadual. Brasília DF, 9 março de SANDRA CUREAU Subprocuradora-Geral da República Coordenadora da 4.ª Câmara de Coordenação e Revisão

6 (no uso da atribuição delegada pela Portaria PGR N.º 649/98)