Fatores determinantes da estrutura de capital
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- Lara Letícia Alcaide Godoi
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1 JAN. FEV. MAR ANO XII, Nº INTEGRAÇÃO 17 Fatores determinantes da estrutura de capital HERBERT KIMURA* Resumo De acordo com as premissas da teoria estabelecida por Modigliani e Miller, a estrutura de capital seria irrelevante para o valor da empresa. Na prática, porém, observa-se uma grande preocupação por parte das empresas em seguir políticas específicas com relação ao financiamento de seus ativos. Este artigo apresenta as principais abordagens alternativas à teoria de Modigliani e Miller, discutindo a multiplicidade de linhas de pesquisa relacionadas com o tema da estrutura de capital. Palavras-chave estrutura de capital, custos de agência, assimetria de informações. Title Determining Factors in Capital Structure Abstract According to theoretical principles proposed by Modigliani and Miller, capital structure is irrelevant for a company s value. But in practice, we can notice a great preoccupation by companies in trying to follow specific policies in relationship to the financing of their assets. This article presents the main alternative approaches to Modigliani and Miller, and discusses the multiple research lines related with capital structure Keywords capital structure, agency costs, information asymmetry. 1. INTRODUÇÃO A moderna teoria referente à estrutura de capital teve início a partir dos estudos desenvolvidos por Modigliani e Miller. Surpreendentemente, os dois estudiosos demonstraram de forma extremamente simples que, sob certas condições, a estrutura de capital é irrelevante (MODIGLIANI & MILLER, 1958). Diversos trabalhos posteriores surgiram com o intuito de melhor avaliar os fatores determinantes da escolha da composição do passivo das empresas, considerando novas situações em que as premissas de Modigliani e Miller não fossem válidas e utilizando até mesmo novas abordagens ou linhas de pesquisa. O objetivo deste artigo é estabelecer um panorama sobre os estudos subseqüentes que fazem avançar a teoria da estrutura de capital, baseandose principalmente nos trabalhos desenvolvidos por Harris e Raviv (1991) e por Titman e Wessels (1988). Especial ênfase será dada aos aspectos referentes aos modelos estabelecidos, visando a identificação da multiplicidade de linhas de pesquisa relacionadas com o tópico da estrutura de capital. Na próxima seção, serão apresentadas as principais abordagens sobre os fatores determinantes da estrutura de capital, explicitando-se os principais modelos criados pelos pesquisadores. Posteriormente, serão explicados alguns atributos ou fatores específicos que podem ser utilizados para a modelagem do nível de endividamento, avaliando-se os avanços teóricos e as vantagens e desvantagens de cada modelo. A seguir, os comentários finais e as principais conclusões serão apresentados neste artigo, evidenciando-se que a busca de modelos de estrutura de capital ainda representa campo fértil para pesquisas na área de finanças, uma vez que existem diversas alternativas viáveis para seu estudo, e praticamente nenhuma abordagem mostrase consistentemente mais poderosa para explicar o nível e a forma de endividamento de uma empresa. 2. ABORDAGENS SOBRE OS FATORES DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE CAPITAL Data de recebimento: 09/09/2004. Data de aceitação: 26/11/2004. * Doutor em Administração de Empresas pela USP, tendo ministrado cursos de Finanças para pós-graduação e graduação na USJT, na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na FGV. herbertk@terra.com.br. Harris e Raviv (1991), ao realizarem uma síntese dos resultados e evidências empíricas das principais pesquisas sobre estrutura de capital, identificaram basicamente quatro categorias de fatores
2 18 INTEGRAÇÃO KIMURA Estrutura de capital determinantes do perfil de endividamento das corporações. Em linhas gerais, estes determinantes estão ligados à busca pela: amenização dos conflitos de interesse entre os vários indivíduos ligados às empresas; transmissão de informação aos mercados de capitais ou diminuição dos efeitos da assimetria de informações; necessidade de influenciar a natureza dos produtos ou de competição nos mercados consumidores ou fornecedores; necessidade de afetar os resultados decorrentes da disputa pelo controle da corporação. A figura a seguir traz os principais modelos que explicam o estabelecimento da estrutura de capital, cujos desdobramentos serão apresentados a seguir. 3. MODELOS BASEADOS NOS CUSTOS DA AGÊNCIA As relações de agência podem tornar-se fatores que influenciam a estrutura de capital de uma empresa, tendo em vista a possibilidade do surgimento de conflitos entre agentes e principais. Supondo que os indivíduos sejam maximizadores da utilidade, é razoável considerar que os agentes, aos quais foram delegados poderes de tomada de decisão, ajam conforme seus próprios interesses, muitas vezes impondo perdas ao principal, isto é, àquele que delegou os poderes. Em seu estudo sobre a teoria da firma, Jensen e Meckling (1976) estabelecem três situações principais de conflito de agência. Uma primeira forma de conflito ocorre entre acionistas majoritários que se tornam agentes e acionistas minoritários que representam os principais. Neste caso, por participarem apenas como provedores de recursos, sem controle direto das decisões, os acionistas minoritários podem sofrer perdas em decorrência do aproveitamento, pelo agente, de seu poder de decidir pelo consumo de benefícios não-pecuniários, como, por exemplo, utilização de mão-de-obra ou recursos da empresa para satisfação de interesses pessoais e dispêndio de capital para a aquisição de bens supérfluos, visando valorização de seu status pessoal. Existem também conflitos de agência entre o administrador e o acionista. Uma forma de conflito é semelhante ao descrito anteriormente, mas, neste caso, o administrador, que assume o papel de agente, apropria-se de riqueza do acionista, aproveitando-se de recursos para benefício próprio, Figura 1: Abordagens referentes à estrutura de capital
3 JAN. FEV. MAR ANO XII, Nº INTEGRAÇÃO 19 Figura 2: Conflitos de agência investindo em bens não-pecuniários para aumento de sua utilidade. Adicionalmente, outro conflito pode surgir na medida em que o administrador pode tomar decisões que aumentem a escala ou o tamanho da empresa, com o objetivo não de aumentar a riqueza dos acionistas, mas de valorizar sua posição social como executivo de uma empresa de maior dimensão. Num outro sentido, também pode ocorrer um conflito de agência, quando o administrador, temeroso pela perda de seu emprego, toma atitudes pouco arriscadas, subutilizando os recursos da empresa e evitando a realização de projetos que agreguem valor ao patrimônio do acionista, porém que apresentem nível de risco relativamente alto. No caso do conflito entre acionista e credor, o acionista configura-se no agente que, ao obter recursos do credor, o principal, obtém um contrato que o incentiva a investir de modo ineficiente do ponto de vista de uma relação equilibrada entre risco e retorno. Assim, investimentos que proporcionam elevados resultados, mesmo apresentando baixa probabilidade de ocorrência, tornam-se atraentes uma vez que os ganhos em geral são capturados pelos acionistas, enquanto as perdas, devido à obrigação limitada dos acionistas, são muitas vezes impostas aos credores. Jensen e Meckling (1976) apresentam uma interessante situação, utilizando um modelo de precificação de opções, no qual riqueza é transferida do credor ao acionista quando este, afirmando que investirá os recursos emprestados em determinado projeto com determinado risco, efetivamente investe em um projeto mais arriscado, isto é, com maior volatidade dos possíveis resultados futuros. Nesta situação, há uma transferência de riqueza do credor, que será detentor de títulos de dívida desvalorizados, para o acionista. A propensão à maximização da utilidade em detrimento da riqueza do principal pode então ser fator determinante da composição de passivos, refletindo, portanto, os custos de agência associados a cada situação de conflito. 4. MODELOS BASEADOS NA ASSIMETRIA DE INFORMAÇÃO A inclusão dos modelos de tratamento de informação privilegiada e de assimetria de informação possibilitou grandes avanços no sentido de identificação de fatores determinantes da estrutura de capitais. Os chamados insiders, os indivíduos da empresa que efetivamente participam da gestão, seja como administradores ou acionistas, são definidos como
4 20 INTEGRAÇÃO KIMURA Estrutura de capital possuidores de informação particular, não disponível ao público em geral, sobre características da empresa, tais como custos, projeções de vendas, projetos de investimentos e estratégias mercadológicas. Basicamente, a assimetria de informação pode ser abordada de duas maneiras distintas para avaliação da formação da estrutura de capital da empresa. Na primeira forma, busca-se analisar como a estrutura de capital fornece aos investidores em geral, também chamados outsiders, a informação disponível somente aos insiders. Partindo da premissa de que os investidores têm à sua disposição menos informação que os insiders da empresa, existe a possibilidade de que as ações da empresa estejam sendo mal precificadas pelo mercado, uma vez que os fluxos de caixa projetados e a taxa de desconto utilizada pelos investidores podem não corresponder aos valores mais adequados. Se as ações estão subavaliadas pelo mercado e um projeto tem que ser financiado por meio da emissão de novas ações, os novos investidores podem obter ganhos em detrimento dos acionistas mais antigos. Assim, em caso de condução do preço da ação ao valor justo, poderá haver uma transferência de riqueza do antigo acionista aos novos acionistas, mediante a incorporação de um valor maior que o valor presente líquido do projeto aos investidores. Nesta situação, não haverá incentivos para que sejam emitidas novas ações, sendo preferido, portanto, o financiamento de projetos por meio da utilização de recursos internos provenientes de lucros acumulados. De forma semelhante, caso haja a necessidade de recursos externos, prefere-se emitir títulos de dívida em vez de ações. A emissão de ações seria, portanto, a última escolha para a captação de recursos para investimentos em projetos. Esta seqüência de preferências consiste na chamada teoria de pecking order, proposta por Myers (1984), que estabelece basicamente que a estrutura de capital de uma empresa é função de seu desejo de financiar novos projetos, primeiramente pela utilização de recursos internos, posteriormente pelo endividamento com capital de terceiros e, finalmente, pela captação de recursos próprios. É claro que, no caso de ações superavaliadas, o raciocínio é o oposto e, portanto, haverá incentivos para financiar projetos por meio da emissão de novas ações. Em uma outra abordagem, estuda-se a estrutura de capital como a forma que a empresa encontra para amenizar as ineficiências decorrentes das distorções causadas pela existência da assimetria Figura 3: Assimetria de informação
5 JAN. FEV. MAR ANO XII, Nº INTEGRAÇÃO 21 Figura 4: Interação mercadológica de informação. No modelo proposto por Ross (1977), os administradores têm a informação sobre a distribuição de probabilidade dos retornos da empresa, enquanto os investidores não têm acesso a esta informação. Os administradores obtêm maior valor quando os títulos da empresa são superavaliados pelo mercado, porém são penalizados se a empresa for à falência (HARRIS & RAVIV, 1991). Por sua vez, os investidores vêem um maior nível de endividamento como sinal de maior qualidade, tendo em vista que um maior endividamento seria mais racional para empresas em uma situação favorável, com pouca probabilidade de falência. No caso, os administradores se sentiriam confortáveis para emitir títulos de dívida, tendo em vista que a penalização devido a falência seria pouco provável. 5. MODELOS BASEADOS NAS INTERAÇÕES MERCADOLÓGICAS ENTRE PRODUTOS E INSUMOS Uma evolução recente no estudo da configuração dos passivos de uma empresa incorpora alguns aspectos da teoria das organizações industriais visando a identificação de argumentos que motivem o estabelecimento de determinada estrutura de capital. Estes modelos surgem como alternativas às outras teorias, apresentando duas abordagens diferenciadas, mas relacionadas com as interligações que podem existir entre o nível de endividamento e as estratégias empresariais diante das forças de mercado. Em uma primeira abordagem, é analisada a influência do endividamento nas interações estratégicas entre competidores. Esta linha de pesquisa adota o pressuposto de que, por meio de uma relação entre estrutura de capital e estratégia de mercado, os administradores estão dispostos a maximizar o valor das ações da empresa, em vez de maximizar os lucros. Alguns modelos desta abordagem baseiam-se em jogos de Carnot. Por exemplo, oligopolistas têm incentivos para produzir mais produtos, forçando seus concorrentes a produzirem menos. O endividamento propiciaria uma forma rápida de financiamento para permitir maior produção. No equilíbrio, portanto, os oligopolistas teriam dívidas com capital de terceiros. Outra abordagem de estrutura de capital baseada na organização industrial é identificar as características de um produto ou de um mercado que interagem com o grau de endividamento. Busca-se desta forma discriminar possíveis variáveis ligadas ao produto que expliquem o endividamento, como, por exemplo, necessidade dos clientes ou possibilidade de entrantes ou substitutos, poder de barganha de fornecedores e clientes, exigência de tecnologia ou recursos humanos etc.
6 22 INTEGRAÇÃO KIMURA Estrutura de capital A falência de uma empresa pode acarretar perdas aos fornecedores ou clientes. Assim, a probabilidade de falência faz com que os produtos da empresa tenham seu preço diminuído, como forma de compensar possíveis perdas impostas às contrapartes. Existe, portanto, um incentivo a que se faça a liquidação da empresa somente quando os ganhos da liqüidação forem maiores que as perdas impostas aos clientes, por exemplo. Titman (1984) sugere que a estrutura de capital permite ser estabelecida uma política ótima de liqüidação. Assim, a estrutura de capital seria implementada da seguinte forma: os acionistas nunca devem querer a liqüidação, os credores sempre exigirão a liquidação em caso de falência e a empresa se tornará inadimplente apenas quando os ganhos advindos da liqüidação superarem as perdas que os clientes sofrerão. JENSEN, M. & MECKLING, W. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, MODIGLIANI, F. & MILLER, M. The Cost of Capital, Corporation Finance and the Theory of Investment. American Economic Review, 48, MYERS, S. Determinants of Corporate Borrowing. Journal of Financial Economics, 9, ROSS, S. The Determination of Financial Structure: The Incentive Signalling Approach. Bell Journal of Economics, 8, TITMAN, S. The Effect of Capital Structure on a Firm s Liquidation Decision. Journal of Financial Economics, 13, TITMAN, S. & WESSELS, R. The Determinants of Capital Structure Choice. Journal of Finance, 43, COMENTÁRIOS FINAIS A teoria de finanças ainda não estabeleceu uma explicação amplamente aceita sobre os fatores determinantes da estrutura de capital. Neste artigo, foram apresentadas algumas abordagens que surgiram e que estão sendo estudadas para explicar como as empresas estabelecem as proporções de capital próprio e capital de terceiros. Observa-se que o estudo da estrutura de capital ainda possibilita que sejam criadas diversas proposições, cada qual baseada em premissas distintas, conduzindo a resultados plausíveis. Não se determinou ainda uma abordagem definitiva ou consistentemente superior às demais e, portanto, muita discussão e muita pesquisa a respeito da formação da estrutura de capital ainda são necessárias. Referências bibliográficas BREALEY, R. & MYERS, S. Principles of Corporate Finance. McGraw-Hill, FAMA, E. & MILLER, M. The Theory of Finance. Holt, Rinehart, and Winston, HARRIS, M. & RAVIV, A. Corporate Control Contests and Capital Structure. Journal of Financial Economics, 20, The Theory of Capital Structure. Journal of Finance, 46, 1991.
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