PROCESSO RTOrd Acórdão - 7a Turma

Transcrição

1 Acórdão - 7a Turma EMPREGADOR DOMÉSTICO MORTE - DISSOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO EFEITOS Na hipótese de morte do empregador doméstico, e não havendo familiares para que se estabeleça a continuidade do vínculo com a unidade familiar, a dissolução do contrato de trabalho opera-se automaticamente. Neste caso, responde o espólio pelas obrigações trabalhistas pendentes e resultantes da dissolução contratual. Vistos estes autos de Recurso Ordinário em que figuram, como recorrente IVANETE PEREIRA DOS SANTOS, e como recorrido KLEBER CALAINHO (ESPÓLIO DE) N/P DE VÍTOR ALBERICO BOISSON MORAES. R E L A T Ó R I O Insurge-se a parte autora, às fls , contra a r. sentença de fls , proferida pelo MM. Juízo da 29ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, da lavra da Exmª Claudia Marcia de Carvalho Soares, que julgou improcedente o pedido da inicial. Alega que encontrava-se em benefício a data da dispensa, o que é arbitraria a demissão, uma vez que a reclamante jamais poderia ter sido demitida até a data do retorno ao trabalho, cabendo salientar que diante de tais fatos o espólio responde pela dívida trabalhista. Sustenta que faz jus ao aviso prévio, pois não há nada na lei que informa que o empregado doméstico perderá o aviso prévio de 30 dias em caso de morte do empregador. Aduz que jamais recebeu férias e 13º salário. Argumenta que foi demitida em pleno exercício do auxílio doença, sem que fosse pré-avisada, gerando assim perturbação, dor e dissabor no âmbito do trabalho, deixando-a completamente desamparada, e por esse motivo faz jus ao dano moral. Contrarrazões, às fls , sem argüições preliminares

2 Deixou-se de dar vista ao Ministério Público do Trabalho, por não se tratar de hipótese que o Parquet entenda justificar sua intervenção, conforme relação constante no Anexo ao Ofício PRT/1ª Reg. nº 27/08 - GAB, de , em consonância com o disposto no Provimento nº 01/2005, da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho. V O T O Admissibilidade O recurso ordinário interposto é tempestivo (fls. 54 e 59), e foi subscrito por advogado regularmente constituído nos autos (fls. 06 e 62). Questão processual Dissolução do contrato de trabalho Efeitos Indenização por dano moral - Pronunciamento ex-officio de não conhecimento do recurso apresentado pela parte autora por ausência de dialética recursal (art. 514, II, CPC e Súmula nº 422, TST) A parte autora, ora recorrente, alega que encontrava-se em benefício a data da dispensa, o que é arbitraria a demissão, uma vez que a reclamante jamais poderia ter sido demitida até a data do retorno ao trabalho, cabendo salientar que diante de tais fatos o espólio responde pela dívida trabalhista. Quanto ao dano moral argumenta que fora demitida em pleno exercício do auxílio doença, sem que lhe fosse pré-avisada, gerando assim perturbação, dor e dissabor no âmbito do trabalho, deixando a mesma completamente desamparada, fazendo assim jus a dano moral. Razão não lhe assiste. A r. decisão de primeiro grau foi clara ao registrar que não houve dispensa, mas sim, uma dissolução natural do contrato, por força do falecimento do empregador. E mais, em momento algum exclui o espólio de arcar com a dívida trabalhista, ao contrário, ressalta essa obrigação. Seguem trechos da sentença, verbis: Assim, com base no princípio da analogia na aplicação do Direito, podemos orientar a resolução da presente questio iuris tomando por base o 2º do art. 843 da CLT, que faculta ao empregado considerar

3 rescindido o contrato de trabalho, com direito ao recebimento das verbas rescisórias a que fizer jus, no caso de morte do empregador constituído em firma individual. Entretanto, há que se observar o texto do art. 1º da Lei nº 5.859/72, que considera empregado doméstico aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial desta, caso o empregado preste serviço a uma única pessoa, estará resolvido o contrato com a morte de qualquer das partes, cabendo ao Espólio pagar ou receber do sobrevivente seus direitos. (...) O espólio pode ser acionado em Juízo como responsável pela antiga relação de emprego, podendo cobrar do mesmo os direitos trabalhistas ainda não quitados. Convém ressaltar que, a morte de um membro da família não importa em extinção do contrato, pois este poderá continuar em relação aos demais sobreviventes, o que in casu não ocorreu, pois a unidade familiar para a qual a autora prestava serviços, terminou com o falecimento de ambos os membros, não havendo outros familiares. Assim, com a dissolução da sociedade familiar pelo falecimento de seus membros não havendo outros familiares, admite-se a dissolução contratual ocorrida na espécie. E mesmo se considerando a licença médica até 30/06/2009, o fato é que o empregador faleceu, não havendo como se manter um contrato de emprego, por inexistência de uma das partes. Repita-se: o empregador não é uma empresa; o empregador se consubstanciava em pessoas; e estas

4 faleceram. (...) Por fim, insta salientar que a peça de ingresso informa dispensa arbitrária, desprezível e ilegal. Ora, não houve dispensa. O rompimento do liame se deu por morte do empregador, pessoa física, como já salientado. Por óbvio, esta, consequentemente, não foi desprezível ou ilegal, porque sequer houve qualquer dispensa por parte do empregador. A peça de ingresso beira à má-fé, ou retrata completo desconhecimento da reclamante de seus direitos. (grifei). Como registrado acima por meio da transcrição da sentença, o Juízo de primeiro grau fundamentou sua decisão, baseando-se no fato de que a dissolução do contrato de trabalho ocorreu por força do falecimento dos empregadores da recorrente, e ausência de outros familiares, e por isso, responde o espólio pela dívida trabalhista existente. Desta forma, considerando os termos do recurso ordinário interposto, resta claro que o recorrente não impugnou, sequer especificamente, os fundamentos adotados pela r. sentença, o que inviabiliza a análise de uma eventual garantia provisória no emprego e indenização por dano moral. Ainda que o artigo 899 da CLT preveja que os recursos serão interpostos por simples petição, compete aos recorrentes impugnar a sentença de forma específica, apontando não só a parte que pretendem ver reformada, mas também os motivos pelo qual entendem ter havido error in judicando. Em outras palavras, a parte, ao interpor o recurso, deve formular suas alegações, combatendo os fundamentos utilizados pelo Juízo a quo Neste sentido, peço vênia para transcrever artigo do Ministro Indalécio Gomes Neto, publicado na LTr /1028: Quando o art. 899 da Consolidação das Leis do Trabalho diz que os recursos são interpostos por simples petição não significa dizer que não haja necessidade de fundamentação, pois esta é

5 indispensável para que o Tribunal saiba onde se situa a matéria impugnada, sobretudo porque a sentença pode ser impugnada no todo ou em parte. Há que se ter em conta que processo é técnica e o órgão julgador aprecia o que contêm as razões recursais. O Tribunal Superior do Trabalho, em voto da lavra do Ministro Marco Aurélio Mello, deixou assentado: A prática de remissão a peças dos autos, para aproveitamento de matérias consentâneas com o recurso interposto, não se coaduna com a organicidade e a dinâmica que presidem o direito. O órgão julgador aprecia o que contém nas razões recursais, devendo estas ser explícitas. Impossível é compeli-lo a cotejar as citadas razões com as demais peças existentes no processo (ED - Ag.RR 3.763/86.8, ac. 10 T /87) - grifamos. Vê-se, assim, que os fundamentos inseridos na r. sentença, permanecem indenes, já que o recurso não os enfrenta de forma explícita, limitando-se a gravitar em torno de argumentos estranhos àqueles que efetivamente embasaram o que restou decidido. Por tal motivo, resta inviabilizado o conhecimento do recurso ordinário interposto pela parte autora, quanto a uma eventual garantia provisória no emprego e indenização por dano moral, que, a rigor, nada devolveu a esta Corte Revisora. Esse, inclusive, é o posicionamento do c. TST, firmando no verbete nº 422 de sua Súmula de Jurisprudência Predominante, cuja ratio se aplica por analogia à hipótese sub examen. RECURSO. APELO QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO CONHECIMENTO. ART

6 514, II, do CPC. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 90 da SDI-II, Res. 137/05 - DJ ) Não se conhece de recurso para o TST, pela ausência do requisito de admissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC, quando as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que fora proposta. (ex-oj nº 90 - inserida em ) Desta forma, não conheço do recurso ordinário do autor, quanto à pretensa garantia provisória no emprego e indenização por dano moral, ante a falta de dialética recursal. Questões meritórias Aviso prévio Sustenta que faz jus ao aviso prévio, pois não há nada na lei que informa que o empregado doméstico perderá o aviso prévio de 30 dias em caso de morte do empregador. Nos termos do art. 487 da CLT e seus parágrafos, só é devido o aviso prévio quando uma das partes contratantes resolvem, sem justo motivo, rescindir o contrato de trabalho. No caso concreto, como já descrito acima, a dissolução ocorreu em 07/11/2008, em razão do falecimento do empregador, o que por óbvio, afasta a tese de dispensa, porquanto a morte do empregador doméstico extingue, automaticamente, a relação de emprego, com exceção aos casos em que a prestação de trabalho continue, nos mesmos moldes, em face da mesma família e unidade familiar, o que efetivamente não se vislumbrou nos autos. Desta forma, correto o Juízo ao indeferir o pedido, tendo em vista que a hipótese dos autos não se amolda à mens legis da supracitada disposição celetista. Nego provimento. Férias e 13º salários A autora sustenta que os documentos apresentados pelo recorrido não condizem com a verdade e são completamente irregulares, pois jamais recebeu férias e 13º salário. Razão não lhe assiste

7 Em relação às férias e terço constitucional dos anos de 2004/2005, 2005/2006 e 2006/2007, verifico que a recorrente impugnou, às fls , os documentos 3 e 6 de fl. 32 alegando que teria recebido somente o terço constitucional e não o salário. Todavia, o recorrido juntou às fl. 43, em réplica, os comprovantes de férias pagos relativos àquela impugnação, mas quando provocada a se manifestar, a recorrente não impugnou estes últimos comprovantes, como revela a ata de audiência de fl. 53, o que torna preclusa sua manifestação na presente fase processual. No tocante aos 13º salários, situação semelhante ocorreu, porquanto após o recorrido ter apresentado os recibos de fl. 32 (documentos 7 a 10), a recorrente também não os impugnou. Sendo assim, nego provimento. Pelo exposto, conheço do recurso ordinário interposto pela parte autora, salvo quanto à pretensa garantia provisória no emprego e indenização por dano moral, ante a falta de dialética recursal, e, no mérito, nego-lhe provimento nos termos da fundamentação supra. Relatados e discutidos, ACORDAM os Desembargadores da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário interposto pela parte autora, salvo quanto à pretensa garantia provisória no emprego e indenização por dano moral, ante a falta de dialética recursal, e, no mérito, negar-lhe provimento nos termos da fundamentação supra. Rio de Janeiro, 13 de outubro de mact Juiz EVANDRO PEREIRA VALADÃO LOPES Relator